RARIDADES DA IMPERIAL COLÔNIA DE PETRÓPOLIS

Paulo Roberto Martins de Oliveira, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 10 – Patrono Carlos Grandmasson Rheingantz, falecido

A fundação de Petrópolis em 16/03/1843, a instalação da Colônia Germânica em 29/06/1845, a construção do Palácio Imperial para atender ao Imperador Dom Pedro II e seus familiares e as construções dos palacetes para atender à corte, fez com que o progresso chegasse nesta maravilhosa parte da “Região Serrana – RJ” e que aqui, por vários anos, se estabelecessem as principais decisões do Governo Imperial Brasileiro.

A marcha progressista de Petrópolis foi possível através do seu principal fundador, o Major Engenheiro Júlio Frederico Koeler e das mãos laboriosas dos artífices colonos germânicos, além de outros trabalhadores de diversas origens.

Em 1857, por esforço ativo do Cel. Emílio Amaro da Veiga, Petrópolis foi emancipada, dando assim continuidade ao seu grande progresso e desenvolvimento.

Em 1859 foi instalada em Petrópolis a 1ª Câmara Municipal e no final deste mesmo ano, por decreto oficial, a partir de 06/01/1860, foi extinto o regime colonial na Cidade. A princípio, e sem as verbas especiais do Governo Provincial, diminuíram as obras públicas e outras construções particulares, fazendo com que alguns colonos e suas famílias saíssem da extinta colônia e procurassem trabalho em outras localidades. Porém, a maioria dos colonos ficou em Petrópolis e, superando as dificuldades, contribuiu com o melhor que se podia fazer para reverter o que para eles poderia chamar-se de uma época em crise.

A permanência constante do Governo Imperial nos agradáveis verões de Petrópolis atraíam inúmeras famílias, principalmente as da alta sociedade carioca, a subirem a serra nos meses mais quentes do ano, melhorando a subsistência dos colonos com trabalhos tanto no comércio como nas pequenas indústrias e mais o que produziam nas suas propriedades para atender o grande número de pessoas denominados “veranistas”.

A maioria dos locais preferidos e desejados pelos intitulados “veranistas” eram os prazos de terras dos colonos germânicos. Com isto, o desenvolvimento progressista modificou muitíssimo o visual dos quarteirões, pois a maioria dos prazos de terras foi subdividida e surgiram inúmeros logradouros, formando vilas, travessas, servidões e outros arruamentos. Muitas das antigas casas dos colonos foram descaracterizadas, reformadas, ampliadas e a maioria demolida, restando, atualmente, muito pouco das primitivas habitações típicas e modestas dos colonizadores. Apesar de tudo o que perdemos, ainda temos algumas antigas casas de colonos. Em condições plausíveis temos também uma boa parte do traçado urbanístico da planta original do Major Koeler.

Quanto à preservação dos bens imóveis deixados pelos nossos colonizadores germânicos, temos, através de alguns de seus descendentes, algumas famílias que ainda moram em parte dos antigos prazos de terras e conservam as casas construídas pelos seus ancestrais há mais de 150 anos da fundação da colônia, sendo que a maioria destas casas já foi modificada com acréscimos e reformas.

Uma das casas que ainda existem em Petrópolis que lembra o período Colonial Germânico e contem as características de uma habitação da antiga Simmern e de outras aldeias das margens do Rio Mosel, é a Casa Museu do Colono, da qual, em breves dados históricos, vale informar a procedência. Esta casa foi construída por volta de 1847, por Johann Gottlieb Kaiser (militar – ex-mercenário do Exército Imperial Brasileiro) no prazo de terras n.º 1633, com testada para o Rio Verna e o antigo Caminho Colonial no Quarteirão Castelânea – hoje Rua Cristóvão Colombo n.º 1034.

Além do prazo de terras acima citado, Kaiser adquiriu também o de n.º 1632, pagou foros a partir de 01/01/1846 e assinou as escrituras dos dois prazos em 08/06/1847. Na casa que construiu, passou a residir com sua família, porém em 1865, presenteou-a para a sua filha Anne Marie, quando do seu casamento com Nicolau Sutter (filho do colono Heinrich Sutter).

Por volta de 1967, por iniciativa do saudoso Historiador Gustavo Ernesto Bauer, sócio efetivo e benemérito do Instituto Histórico de Petrópolis e patrono da cadeira n.º 21, foi possível conseguir uma casa que atendesse ao seu auspicioso desejo para constituir um museu, lembrando a colonização germânica.

Bauer uniu-se a outros saudosistas da Imperial Colônia, formaram uma comissão de estudos e através de entendimentos com a proprietária da casa a Sra. Anna Margarida (bisneta de Johann Gottlieb Kaiser) e com a Prefeitura Municipal de Petrópolis, esta desapropriou e comprou o imóvel acima citado.

Como referência, vale mencionar que a Casa Museu do Colono, é a única residência da época da Imperial Colônia, que foi restaurada pelo poder público e desde o ano de 1976 funciona como museu, dando o exemplo de como era o tipo de construção de uma casa de colono.

Tenho conhecimento de que, além do Museu Casa do Colono, existe uma das antigas casas que lembram a nossa colonização germânica e que foi tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Porém, infelizmente, encontra-se em total estado de abandono. Primeiramente devido ao fato de que o proprietário não tem condições financeiras para restaurar o imóvel e segundo porque o órgão acima citado, não proporciona meios para que tal ocorra.

Esta casa está situada no Quarteirão Brasileiro e foi construída em 1869 por Franz Maiworm (quinto filho do colono Peter Maiworm) e sua esposa Marie Noel.

Vale ressaltar que o casal Franz e Marie Noel Maiworm foram os responsáveis pela maioria da descendência da grande família Maiworm em Petrópolis.

No dia nove de fevereiro de 2000, estive visitando a casa de Franz Maiworm e por gentileza do proprietário, o Sr. Luiz Maiworm, tirei algumas fotos do que ainda restava da antiga construção. A seguir, descrevo o que lá encontrei:
– Na cozinha, o madeiramento do telhado estava razoável e neste cômodo ainda existia o fogão a lenha com sua chaminé em aparente bom estado.
– Uma parte da sala estava razoável, a porta principal de entrada e a janela estavam perfeitas. Porém, parte do teto, parede e porta, que dão acesso aos demais cômodos, estavam em péssimo estado, vendo-se parte do telhado caído.
– O assoalho e forração (teto), vendo-se de um modo geral, estavam podres.
– O material de cobertura do telhado principal são de telhas francesas legítimas (Marselha – França). Apenas a cobertura do telhado da varanda é de zinco.
– As paredes da casa são de pau-a-pique (detalhe que é visto numa das paredes da sala, onde parte já caiu).
– A parede da fachada tem dois tipos de revestimentos: a parte sob o telhado da varanda é toda revestida de taboinhas (pedaços de madeira de igual tamanho e que durante muitos anos era usado como cobertura da maioria das casas dos colonos) e a parte acima da varanda até a cumeeira é revestida de zinco.
– Do lado esquerdo e pouco afastado da casa, encontra-se o banheiro.
– A despensa, localizada do lado esquerdo e próxima da casa (cozinha), permanece com todas as suas prateleiras e em razoáveis condições de uso. Lá ainda estão alguns utensílios da época da colônia. Como pude observar, existem 2 potes de tamanho médio (que eram usados para acondicionar banha e miúdos de porco), uma moringa (de água), algumas antigas garrafas de vinho e outros objetos.
– É triste ver uma casa como a da família Maiworm, que também retrataria a nossa colônia, em estado tão precário, enquanto alguns palacetes, (a maioria construída pelos artífices colonos) na Vila Imperial (centro histórico) já foram restaurados.

Assim como a casa de Franz Maiworm acima descrita, existe outra em melhores condições e em uso pelos descendentes de uma outra família de colono que ainda não foi descoberta pelo IPHAN. Isto acontece principalmente pelo anonimato mantido pelos seus atuais proprietários, devido ao fato do medo de tombamento, que, a partir deste ato, o imóvel fica relegado ao destino do tempo.

A casa anônima acima mencionada está quase em perfeitas condições quando da época de sua construção, pois a família que lá reside com poucos recursos, mantém o melhor possível a sua preservação. Nas fotos da casa que tirei recentemente e que ilustram parte desta palestra, comprovam o bom estado da construção: portas, janelas e telhados estão intactos. O forno externo (anexo a casa) com a sua bela chaminé e que a mais de 150 anos é usado, está perfeito e ora e outra ainda produz algumas fornadas de pães.

Segundo informações da família, todo o madeiramento usado na casa foi tirado das matas do próprio terreno; a madeira óleo vermelho foi usada na sustentação do piso, do telhado e dos detalhes em enxaimel (falquejados) e a canela preta no assoalho. As paredes são de pau-a-pique e quase toda a cobertura é de telhas de zinco.

Para termos melhores conhecimentos das dificuldades dos colonos germânicos, na construção das suas primitivas casas no início da Colônia, coloco a seguir algumas informações, para que possamos melhor entender e valorizar os principais responsáveis da povoação de Petrópolis.

No início da formação da Colônia, a construção das primeiras habitações era com o material encontrado geralmente no próprio terreno. Apesar de na época já existirem materiais próprios para construção, como tijolos, telhas e outros, porém estes vinham de outros lugares, sendo que com o transporte ficavam muito caros e as verbas liberadas pelo Governo da Província não eram suficientes para atender a tudo que os colonos necessitassem.

O principal material para obras e encontrado em Petrópolis, além de pedras moledos e granitos, eram as madeiras. Pois naquela época, a mata nativa, apresentava-se de modo exuberante. Árvores como sangue de adrago, louro branco e preto, óleo vermelho, canela preta, massaranduba, jacarandá rosa e preto, braúna preta, peroba rosa, angelin, cedro rosa e muitas outras eram encontradas com facilidade.

Conforme providências do Major Koeler para atender a diversas obras no centro da Vila Imperial, foi construído um engenho de serrar, que, transformava as belas e frondosas árvores em farto material de construção. Porém em relação aos colonos, os mesmos com suas ferramentas rudimentares tiravam as árvores, trabalhavam as madeiras nos seus próprios terrenos e as empregavam nas suas modestas casas.

Em 1854, segundo o Relatório do Diretor da Colônia, o tenente Coronel Alexandre Manuel Albino de Carvalho, este informava que as construções dos colonos, dividiam-se em 3 categorias: alvenaria, frontais de xadrez e pau a pique. A cobertura do telhado também se classificava em: telha (cerâmica), lousa e taboinha.

Em 1855, no Relatório do Diretor da Colônia, o Capitão José Maria Jacintho Rebelo, informava que nesta época, as casas permaneciam com as mesmas características das construções acima mencionadas, porém para o telhado surgia um novo material, o zinco. Apesar de que, num dos últimos relatórios de Koeler no ano de 1847, dirigido ao Presidente da Província, dava conhecimento de que havia na Colônia 234 casas cobertas com palha, 215 com taboinhas e 54 com telhas (cerâmica) ou zinco.

Em resumo. Pelo relatório de Koeler a telha de zinco já era usada desde 1847 (talvez antes), porém acredita-se que o uso deste material nas casas dos colonos, acentuou-se a partir de 1855, substituindo por definitivo a palha e as taboinhas na maioria das casas.

Vale ressaltar que a palha usada na cobertura dos ranchos e primeiras habitações, vinham das matas do Quarteirão Worms (Quitandinha).

Outra casa que ainda existia era a do colono Jacob Haubrich, que situava-se no Quarteirão Darmstadt. Infelizmente não tive acesso pelo proprietário para poder descrever o estado em que se encontrava. Soube recentemente que a casa foi demolida, para dar lugar à construção de um terminal rodoviário. Apenas tenho uma ilustração da Tribuna de Petrópolis de 30/07/1985, em uma reportagem intitulada “Bingen: Comandos da Tribuna”.

Outra casa que merece destaque especial é a que pertenceu ao colono Philipp Peter Molter no Quarteirão Mosela. Embora a casa tenha sido totalmente reformada e passada por vários proprietários, ainda permanece com alguns detalhes germânicos no visual do chalé.

Por volta de 1970, o médico Dr. Gerardo Evangelista de Oliveira Soares, um entusiasta da história e do planejamento da Imperial Colônia, adquiriu o prazo de terras n.º 837 no Quarteirão Mosela. Lá encontrou em ruínas o que seria o resto da 2ª etapa da construção residencial dos Molter. Decidiu então, reformar totalmente o prédio, guardando dentro do possível as características primitivas.

O Dr. Gerardo, inteirando-se melhor da história da Imperial Colônia, verificou que sua propriedade situava-se nas imediações da desaparecida Praça Trier. Lembrando então o anfiteatro romano em Trier (Alemanha), resolveu construir um no seu terreno, designando-lhe como “Konstantinus Amphitheater”, com espaço suficiente para comportar um bom número de espectadores e uma espaçosa arena (palco) com lugar para os figurantes. Além do Anfiteatro, reservou um salão na sua nova residência para atender a eventos culturais e lá realizou inúmeras apresentações como recitais, saraus e festas. Vale mencionar que estas e outras informações, foram possíveis através contatos recentes que fiz com o próprio Dr. Gerardo, que mostrou-se ainda muito interessado nas causas nobres e históricas de Petrópolis.

Segundo um artigo publicado na Tribuna de Petrópolis pelo saudoso historiador Gustavo Ernesto Bauer, o Dr. Gerardo Soares promovia por conta própria homenagens aos nossos colonizadores germânicos, principalmente os colonos do Quarteirão Mosela.

Pensando no resgate das nossas tradições e principalmente na colonização germânica, precisamos, com a colaboração de todos, urgentemente, enquanto ainda há tempo, aumentar nossa atenção para as causas nobres da nossa cidade. Como prioridade, é necessário resgatar a história, restaurar e conservar o que ainda resta das lembranças materiais deixadas pelos nossos colonizadores. Como prova material ainda temos, além de algumas primitivas casas que são verdadeiras “Raridades da Imperial Colônia”, muitos papéis (contendo inúmeras informações), objetos e utensílios usados pelos colonizadores e ou pelos seus primeiros descendentes. Devemos também cadastrar o monumental número de documentos existentes nos arquivos particulares. Isto poderá ser feito através de uma grandiosa campanha, pedindo para que todos que tenham algo que lembre os colonos ou a colonização, doem para o Museu Casa do Colono ou para o IHP (Instituto Histórico de Petrópolis), ou apenas permitam o acesso para que possamos pesquisar e tornar público uma boa parte desconhecida da nossa história.