TOPONÍMIA PETROPOLITANA: UMA SITUAÇÃO PREOCUPANTE

Manoel de Souza Lordeiro, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 24 – Patrono Henrique Pinto Ferreira, falecido

Topônimo (do grego topos, lugar, e onyma, nome) é nome próprio de lugar: identifica acidentes geográficos, povoações, logradouros, cidades, estados e países, por exemplo. A toponímia vem a ser o estudo lingüístico ou histórico da origem dos topônimos. Trata-se, em suma, da ciência dos nomes dos lugares e acidentes.

No dizer de J. Romão da Silva a toponímia não é um elemento subsidiário da História, mas um apoio de inegável valor para a ciência geográfica. Para Camille Vallaux, que a elegeu como uma das partes mais atraentes da Geografia Descritiva, a nomenclatura deveria ter precedência sobre qualquer outro procedimento, já que a “toponímia pode se constituir em um fio condutor de grande utilidade”. Da mesma forma que datas e fatos são importantes para o conhecimento histórico, uma base nomenclatural é indispensável para o conhecimento geográfico.

Um exemplo significativo é o dos topônimos de origem tupi-guarani que tornaram possível tirar conclusões sobre determinados fatos a partir de sua etimologia. Segundo J. Romão, os topônimos indígenas possuem, geralmente, uma impressionante força descritiva, proporcionando definições sintéticas e expressivas dos acidentes e lugares a que se aplicam. Técnicos que projetaram usina atômica em uma praia de Angra dos Reis, não teriam sido surpreendidos com a instabilidade do solo se tivessem atentado para o significado do topônimo tupi Itaorna: pedra que afunda…

Existe uma prática generalizada de se criar ou substituir topônimos – ignorando-se a denominação original – ao sabor de preferências pessoais e até de modismos. Tal procedimento tem sido explicado – mas não justificado – pela carência de informações confiáveis, mas o que ocorre, na maioria das vezes, é que não se faz o menor empenho em apurar a verdade.

Não precisaríamos buscar exemplos em outros países, eis que aqui mesmo são incontáveis os topônimos, de origem indígena ou não, que vêm desde o descobrimento. Ainda assim, parece exemplar o que ocorreu com o famoso Cabo Cañaveral, que cidadãos bem intencionados, sem sombra de dúvida, tentaram rebatizar como Cabo Kennedy. Ainda que incontestável o mérito da homenagem, após algum tempo prevaleceu a denominação original: o nome do presidente que pretendiam homenagear acabou sendo atribuído ao centro espacial lá existente.

Um exemplo de desprezo aos topônimos foi o que aconteceu, em Petrópolis, com a Pedra da Lagoinha (1.520m), que passou a ser conhecida, anos atrás, como “Morro da Torre do Morin”, após a instalação, no seu topo, de equipamentos de telecomunicação. Seria o caso de rebatizar-se o Pão-de- Açúcar como “Pedra do Bondinho”… A Pedra Redonda, próxima da Raiz da Serra, figurando há mais de cinqüenta anos nas cartas do Departamento do Serviço Geográfico do Exército, passou a ser chamada de “Ovo de Colombo”, simplesmente porque alguém assim julgou apropriado.

A multiplicidade de denominações de logradouros tem causado, também, inúmeros problemas, entre os quais a constante alteração de endereçamento postal. Quando da fundação de Petrópolis e sua colonização com imigrantes de origem germânica, ruas, praças e quarteirões foram batizados, em sua maioria, com nomes de vilas, cidades ou províncias de onde procediam os colonos (Ingelheim, Bingen, Westfalia). Outros nomes resultavam de homenagem a personalidades de destaque da monarquia, em especial integrantes da família imperial (Rua do Imperador, Rua da Imperatriz, Rua Bourbon, Rua Princesa Januária, Rua D. Affonso). Aos poucos, porém, com a chegada da Corte e a elevação de Petrópolis à categoria de cidade, a presença das legações de países estrangeiros e de nomes destacados da política, dos meios culturais e científicos e do setor empresarial, a toponímia original foi sendo descaracterizada. O Palatinato Superior passou a ser o Morin; o nome Renânia não é mais citado (abrange, entre outras, as ruas Washington Luiz e Coronel Veiga). Mudanças políticas dariam, também, a sua contribuição: por ocasião da proclamação da República as ruas do Imperador e da Imperatriz, por exemplo, passaram a denominar-se Av. 15 de Novembro e Av. Sete de Setembro, respectivamente (por decreto de outubro de 1979 a Rua do Imperador recuperou sua antiga denominação, o mesmo ocorrendo com a Rua da Imperatriz, por decreto de janeiro de 1983). Na Segunda Grande Guerra nomes como Bingen e Mosela, por exemplo, foram substituídos por Araraquara e Baependi, respectivamente, nomes estes de navios mercantes brasileiros supostamente afundados por submarinos alemães. Um dos casos típicos em Petrópolis é o da atual Rua Dr. Nelson de Sá Earp: foi Rua Bourbon, no Império, e na República Rua Cruzeiro e Rua João Pessoa.

Não menos preocupante é o problema das falhas ocorridas no decurso da produção de cartas topográficas, mais especificamente no processo de reambulação, o qual consiste na coleta de nomes para ilustrar a carta e esclarecer detalhes não suficientemente definidos no levantamento aerofotogramétrico, por exemplo. Nesse caso o problema é mais sério porque pode envolver a responsabilidade de instituições do mais alto gabarito e com excelente folha de serviços prestados ao país, como é o caso da Fundação IBGE. Como nenhuma corrente é mais forte que seu elo mais fraco, tais instituições acabam por ter o seu conceito comprometido.

Na fase de coleta de dados devem ser consultados, além dos cadastros municipais – que encerram um grande número de informações esclarecedoras – instituições culturais como os institutos históricos locais, setores de cartografia das forças armadas, associações de montanhismo, etc. Moradores das localidades também podem ser consultados, mas as observações obtidas desse modo nem sempre são confiáveis. No campo, por exemplo, a rotatividade nos tempos atuais é muito elevada, e muitos dos habitantes dos vales interiorianos são pessoas simples, rústicas até, e nem um pouco preocupadas com questões de toponímia.

A ausência ou precariedade da nomenclatura pode tornar-se um fator negativo, determinante de conclusões inexatas na interpretação das cartas topográficas, levando ao descrédito todo o trabalho desenvolvido com base nesses documentos. As cartas topográficas bem como os mapas (que têm uma abrangência maior) são produzidas no Brasil por diversos estabelecimentos oficiais e privados, destacando-se entre os primeiros aqueles ligados às forças armadas e o IBGE. Tem essas instituições como proposta fundamental “a produção de informações de natureza geográfica necessárias ao planejamento do território, ou à sua defesa, bem como o atendimento de outras demandas da sociedade no tocante à organização do espaço e à dinâmica da malha político-administrativa (IBGE)”.

Através do exame procedido em algumas cartas topográficas, fica evidenciado, pelas inúmeras falhas constatadas, que em algum ponto o elo foi rompido, comprometendo o resultado final. Um exemplo: a folha denominada ITAIPAVA, da Carta do Brasil da Fundação IBGE (escala 1/50.000), a qual abrange a maior parte do município de Petrópolis. Uma formação montanhosa conhecida desde os anos 30 como Serra Negra – ao norte do Vale dos Esquilos, bairro do Retiro – é rebatizada como “Pedra do Retiro ou Seio de Vênus”, quando essas duas elevações estão claramente assinaladas na carta por suas curvas de nível, sem qualquer registro toponímico, entretanto. O curioso é que se trata de acidentes geográficos (com 1.541m e 1.410m, respectivamente) dos mais conhecidos do município, figurando em cartas, de 1922, da Diretoria de Obras da Prefeitura. No caso específico temos um problema imediato: a nascente do Rio Piabanha, principal curso d’água de Petrópolis, fica na vertente ocidental da Pedra do Retiro. Pela carta do IBGE ela estaria sendo deslocada para a Serra Negra…

Um dos casos mais evidentes de desinformação veio a ocorrer com o Rio Morto, também conhecido como Rio do Bonfim. Os responsáveis pela reambulação obtiveram – não sabemos se de algum morador local ou de um funcionário do cadastro em dia de mau humor – a (des)informação de que se tratava do “Rio do Poço do Ferreira” (sic), simplesmente porque existiu nesse rio, anos atrás, um poço freqüentado por banhistas e que era assim denominado. Consultando antigas cartas do município nos arquivos históricos da Prefeitura e do Museu Imperial, lá iremos encontrar referências do Rio Morto (há registros desde o século XVIII) e “Rio Morto ou do Bonfim”, não se justificando, pois, o erro cometido. Não teve melhor sorte o Rio Moss, que na carta do IBGE passou a denominar-se Rio Cremerie.

Ainda na folha ITAIPAVA, no trecho que abrange a Serra dos Órgãos, a desinformação é total: naquele setor da carta a troca de nomes tem causado transtornos aos usuários, já que muitos argumentam – e não se pode deixar de dar-lhes razão – que o dado ali registrado tem a chancela do IBGE. Logo, passa a ter cunho oficial e… assunto encerrado! Não se desconhece que entraves burocráticos podem ter prejudicado a obtenção de informações; mas isso apenas explica, não justifica. É importante frisar que a análise procedida limitou-se a apenas uma folha da Carta do Brasil, representando, portanto, uma pequena amostragem, o que faz supor que outros segmentos da Carta também apresentem falhas, impondo-se a sua revisão. É notória, contudo, a carência de investimentos governamentais no setor, o que praticamente inviabiliza a edição de novas cartas escoimadas dos erros apontados.

O problema, entretanto, não se restringe às cartas topográficas. Nos letreiros dos ônibus, nas placas de ruas e na sinalização urbana constata-se o constante desrespeito à grafia dos topônimos. A população, desinformada, sequer tem conhecimento da pronúncia dos mesmos, ocorrendo casos como o da Rua Dr. Thouzet (tuzê), assim denominada em homenagem ao médico francês Napoleón Thouzet, fundador da primeira casa de saúde particular em Petrópolis, em 1862. Pois bem, a população só conhece a rua como “touzéti”. E mais, ônibus que servem o logradouro já ostentam letreiro grafado “Touzeth”, o que contribui para aumentar a confusão reinante.

Antonio Izaias Abreu diz que “malgrado os chamamentos constantes dos que se ocupam sobre o assunto (…) as autoridades e os governos não se conscientizaram plenamente da importância que a matéria requer”.

Diga-se, contudo, a bem da verdade, que entidades como a Prefeitura Municipal, o Museu Imperial e o Instituto Histórico de Petrópolis, empenhadas na recuperação do passado histórico da cidade, vem produzindo valiosa documentação, proporcionando um maior conhecimento dos topônimos. A Prefeitura, por exemplo, fez constar nos carnês do IPTU o nome dos antigos quarteirões, e um mapa com a sua localização foi elaborado pela Secretaria de Planejamento, através do Programa de Gerenciamento do Cadastro Técnico-PROCAT.

Referências Bibliográficas:
1. ABREU, Antonio Izaias da Costa. Municípios e Topônimos Fluminenses. Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro – Niterói, 1994.
2. FUNDAÇÃO IBGE – Conselho Nacional de Geografia. Carta do Brasil. Escala 1/50.000. Folha ITAIPAVA. Edição 1972.
3. PROCAT – Cadastro Técnico da Prefeitura Municipal de Petrópolis.
4. ROMÃO DA SILVA, J. Função e Destino de Utilidade Geográfica da Toponímia. In Boletim Geográfico-Conselho Nacional de Geografia-IBGE. Ano XXIV, n° 187-Jul/Ago 1965. Rio de Janeiro.
5. XAVIER DA SILVA, Yedda Maria Lobo. Nomenclatura dos Logradouros Públicos. In Revista do Instituto Histórico de Petrópolis, volume do cinqüentenário do IHP. 1988.