GETÚLIO VARGAS E A SUA PROJEÇÃO NA EVOLUÇÃO DA DOUTRINA DO EXÉRCITO (1930 – 45)

Cláudio Moreira Bento, Associado Correspondente

O Presidente Getúlio Vargas, cujo sesquicentenário de falecimento ocorre em 24 de agosto de 2004, em sua juventude foi militar do Exército, por 5 anos. Inicialmente como soldado e sargento do 6 º Batalhão de Infantaria em São Borja, em 1899. A seguir como aluno da Escola Preparatória Tática do Rio Pardo em 1900 ,1901 e 1902 até maio. E finalmente como 2º Sargento de Infantaria do 25º Batalhão de Infantaria, na Praça do Portão em Porto Alegre, em 1902 e 1903, matriculando-se na Escola Brasileira com o idéia de cursar Direito, tendo neste ano tomado parte em Expedição Militar até Cuiabá, com o 25º Batalhão de Infantaria, em função da Questão Acreana. Deu baixa do Exército ao retornar de Cuiabá, em dezembro de 1903, para cursar a Escola de Direito, onde ingressou como aluno ouvinte, matriculando-se em 1904 no 2º ano . Foi seu comandante lá na 9ª Região Militar em Cuiabá, o General João Cézar Sampaio que como coronel comandara a Divisão do Sul que libertou Bagé, em 8 de janeiro, de cerco federalista a que fora submetida por 46 longos dias (1).

(1) – Abordamos em Comando Militar do Sul; Porto Alegre 1993-1995. Porto Alegre: CMS, 1995, os reflexos da morte do Presidente Getúlio Vargas no Rio Grande e salientamos: “Ali no Catete encerrou-se uma vida das mais expressivas do processo histórico brasileiro”.
O pai de Getulio Vargas fizera a Campanha do Paraguai, de Cabo e Tenente Coronel. E na Revolução Federalista 1893-95 lutou em defesa do Governo Federal sendo promovido a Coronel e a General Honorário do Exército pelo Marechal Floriano, por quem Getúlio nutria admiração.
Em 1898, aos 18 anos Getúlio decidiu ser Oficial do Exército. Ingressou como soldado do 6º Batalhão de Infantaria em São Borja onde atingiu ao graduação de 2º Sargento. Dali foi freqüentar em 1899, 1900 e 1901 a Escola Preparatória e Tática do Rio Pardo. Foi dali desligado em 1901, por haver se envolvido em incidente disciplinar em protesto contra a atitude de um oficial que exorbitou sua autoridade contra um aluno.
Foi desligado junto com outros colegas e mandado servir no 25º Batalhão de Infantaria que aquartelava na Praça do Portão, em Porto Alegre..
Em 1903 participou de expedição com o 25 º Batalhão de Caçadores, até Cuiabá – Mato Grosso, dentro de um contexto de disputa do Acre pelo Brasil e Bolívia. Questão solucionada pelo Barão do Rio Branco com a compra do Acre da Bolívia.
Em dezembro de 1903 depois de 5 anos no Exército o 2º Sargento de Infantaria Getúlio Dorneles Vargas deu baixa para dedicar-se ao Direito. O General João Cezar Sampaio é o autor do importante livro muito raro O Coronel Sampaio e os apontamentos do Dr Wenceslau Escobar. Porto Alegre: Liv.Globo, 1920. Assunto importante que tratamos em História da 3a RM 1889-1953. Porto Alegre: 3a RM, 1995. p.159/179.
Em 1906 Getúlio ingressou na política. Fundou o Bloco Acadêmico Castilhista do qual fizeram parte os alunos da Escola de Guerra de Porto Alegre, no Casarão da Várzea, Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góes Monteiro que exerceriam importante papel na vida e obra de Getúlio Vargas e, principalmente no Exército, como seus Ministro da Guerra e Chefe do Estado-Maior do Exército e executores da ação do presidente Getulio Vargas, no Exército, objeto da presente interpretação.

Em Rio Pardo, cuja sede da antiga Escola citada está sendo restaurada e inaugurada esta ano, estudaram na mesma época os seus mais tarde destacados amigos e colaboradores – o já citado Eurico Gaspar Dutra e Mascarenhas de Morais. E mais os generais Bertoldo Klinger, filho de Rio Grande, e Francisco de Paula Cidade de Porto Alegre e ambos destacados historiadores militares no passado.

Em discurso para as Forças Armadas, em 12 de dezembro 1940, Getúlio Vargas, filho de um herói brasileiro da Guerra do Paraguai e no combate à Guerra Civil 1893/95, General Honorário Manoel dos Nascimento Vargas, recordou aos ouvintes com orgulho, sua condição de ex-integrante do Exército, com estas palavras:

– “Como vós fui soldado e encontrei na camaradagem das armas uma escola de lealdade, de abnegação e desinteresse, com o que continuo servindo ao Brasil, somando o meu esforço ao vosso e ao de todos os patriotas, para torná-lo cada vez mais próspero.”

E foi fardado como chefe da Revolução de 30 que ele se deslocou de trem de Porto Alegre ao Rio, onde fardado assumiu do Governo do Brasil.

Sua contribuição para o progresso, relativamente ao Exército, foi a mais marcante da História do Brasil. Sob seu governo a Doutrina do Exército em seus campos Organização, Equipamento, Ensino e Instrução, Motivação e Emprego, atingiu a maior expressão e progressos relativos, ao longo do processo histórico brasileiro.

Um sintético inventário por campo doutrinário citado, corrobora com nossa afirmação, ao mesmo tempo em que se lhe faz justiça por evocar, no cinqüentenário de sua morte (2), a projeção de sua obra na Segurança Nacional.

(2) – Éramos cadetes do 3 º ano da Arma Engenharia e integramos, por sorteio, a que nos candidatamos, a fazer parte da Guarda de Honra enviada pela Academia Militar das Agulhas Negras para velar o Presidente Getúlio Vargas no Palácio do Cadete.
Depois de uma longa e desconfortável viagem noturna, em duas viaturas QT ( Qualquer Terreno) de 1 1/2 tonelada, com grande dificuldade conseguiu-se abrir caminho entre a enorme massa popular em torno do Palácio do Cadete e atingir o seu portão de entrada. Lá fomos recebidos pelo Chefe da Casa Militar, o General Agnaldo Caiado de Castro, herói da FEB que comandara o Regimento Sampaio.
Ele comunicou que a família do Presidente havia dispensado a Guarda de Honra. Sem termos família no Rio, ao contrário da maioria que na Guarda de Honra vislumbrou uma possibilidade de visitar a família, eu e o cadete Álvaro Escobar, também gaúcho e muito consternados com a tragédia, preferimos permanecer no Catete e testemunhar os fatos ali ocorridos na noite de 24/25 de agosto de 1954, com o apoio de conhecidos aspirantes a oficial que integravam o Batalhão da Guarda Presidencial.
Ao amanhecer pegamos uma carona com um capitão que de Jeep retornava a seu quartel nos deixando no inicio do Meier. Era alta madrugada e levamos muito tempo a localizar a casa de um colega, onde acordamos toda a sua família que nos acolheu como foi possível. E muito exaustos dormimos sentados em cadeiras, pois as camas estavam todas ocupadas. Ao amanhecer retomamos a Resende.
Em caminho o cadete Escobar compôs expressiva poesia alusiva a morte do Presidente e a escreveu num pedaço de papel embrulho, a qual conservei por longo tempo, até extraviar-se.

ORGANIZAÇÃO

O efetivo do Exército de 1930 -1945 cresceu 100% e atingiu cerca de 100.000 homens. O aumento destinou-se a fornecer quadros e tropa para as 50 unidades criadas: 13 de Fronteira; unidades-escolas da Vila Militar; unidades motomecanizadas e antiaéreas; regimentos de Artilharia; escolas novas e para as estruturas de apoio logístico e de indústria bélica implantadas ou ampliadas. Para disciplinar toda organização foram promulgadas: as leis de Organização do Exército e do Ministério da Guerra; do Serviço Militar; das Promoções; da Inatividade, etc. Foram baixados os regulamentos básicos: Disciplinar (RDE); Serviços Gerais (RISG), de Continência (R. Cont), de Administração (RAE) e um conjunto de instruções, portarias, etc … que alteraram profundamente a organização do Exército que passou a ser comandado de instalação condigna, construída então e que se constituiu no Palácio Duque de Caxias, defronte à Praça da República, no Rio.

Fato significativo e de grande projeção na Defesa Nacional, foi a criação no Exército da Arma de Aviação que a partir de 1941, com material e pessoal, passou a infra-estruturar o Ministério da Aeronáutica. Igualmente significativo, pela sua imensa projeção na Integração Nacional foi o Correio Aéreo Nacional (CAN) de que foi um dos dois pioneiros e hoje é o seu patrono – o Tenente Brigadeiro do Ar Nelson Freire Lavenére Wanderley, no primeiro vôo do CAN, entre o Rio e São Paulo, além de historiador autor da obra Força Aérea Brasileira: Rio de Janeiro: Edit. Gráfica Brasileira, 1975, 2ª ed. E com o qual convivemos como membros dos institutos Histórico e Geográfico Brasileiro e de Geografia e História Militar do Brasil. Livro prefaciado pelo Ten Brigadeiro do Ar Eduardo Gomes, então Ministro da Aeronáutica e hoje patrono da Força Aérea do Brasil e ambos oriundos do Exército.

EQUIPAMENTO

Visando a reduzir a dependência externa em material bélico, foi criado o Quadro de Oficiais Técnicos, estimulada a indústria civil a produzi-los e implantada a Indústria Bélica Brasileira. Esta, através da construção das fábricas de Itajubá, Juiz de Fora, Piquete, Curitiba, Andaraí, Bonsucesso e Caju, além de remodelados os arsenais do Rio de Janeiro e o de General Câmara e as fábricas de Estrela e do Realengo. Estas fábricas entraram em declínio com a importação de excedentes militares depois da 2ª Guerra Mundial, e hoje as não extintas infra-estruturam a IMBEL.

No setor de Apoio Logístico foram criados: os estabelecimentos Mallet (depósitos de Material de Intendência, de Engenharia, de Comunicações, de Veterinária e de Saúde); os hospitais militares de Porto Alegre, da Bahia, de Alegrete, Santo Ângelo e de Belém, Sanatório de Itatiaia, pavilhões de Neurologia e Psiquiatria do Hospital Central do Exército, a Policlínica Central e o Instituto de Biologia; as coudelarias de Minas Gerais, Pouso Alegre, Tindiquera e os depósitos de reprodutores de Avelar, Campos e São Paulo, além de ampliadas as coudelarias de Saicã e do Rincão.

Grande projeção teve a criação da Rede Rádio do Exército que facilitou sobremodo o exercício mais seguro do Comando, sobre todo o Exército articulado no território nacional. O material de Artilharia, em especial o de Costa, passou por uma sensível modernização e atualização com o concurso de uma Missão Militar Americana contratada em 1939.

A indústria bélica do Exército produziu uma gama enorme de equipamentos militares, inclusive equipagens de pontes B4-A2, cujos pontões tiveram seu primeiro teste com os ponteiros do atual 4º Batalhão de Engenharia de Combate de Itajubá em Fernando de Noronha, durante a última guerra. Unidade que tivemos a honra de comandar em 1981/82. Unidade que foi organizada em Rio Pardo em 25 de janeiro de 1910, no local da antiga Escola Preparatória Tática ora restaurada e com 100 artilheiros do Regimento Mallet, atualmente em Santa Maria. Depois foi transferido para General Câmara onde permaneceu nas dependências hoje ocupadas pelo Arsenal de General Câmara de 1912-15, onde foi dissolvido para em 1918, reorganizado, tomar o destino de Itajubá, atraído pelo prestígio do ex-presidente Wenceslau Braz.

ENSINO E INSTRUÇÃO

As transformações e progressos neste setor foram mais revolucionários no sentido da profissionalização do Exército e da sua consolidação como força operacional. No tocante ao Ensino foram construídas condignas e monumentais, as escolas de Estado-Maior e Técnica do Exército, na Praia Vermelha, até hoje servindo ao Exército. Da mesma forma, a monumental e distinta entre as melhores escolas militares do mundo – a nossa Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), como uma promessa da Revolução de 30 (3). Foi igualmente construída a Escola de Artilharia de Costa da Urca. Foram criadas além, as escolas preparatórias de Cadetes de Porto Alegre (EPPA), no antigo Casarão da Várzea, a de Fortaleza (EPF) e de São Paulo (EPSP) e os centros de preparação de oficiais da Reserva em todas as regiões militares – os célebres CPOR.

(3) – A idéia de uma nova Academia Militar foi promessa da Revolução de 30. Em 12 out 1931, Dia da Padroeira do Brasil, Getúlio Vargas visitou Resende com o Ministro da Guerra, confirmando a idéia de ali construir a Academia em Resende.
Em 16 de julho, ao visitar Resende, na Estação Ferroviária QG das forças que combatiam a Revolução de 32 no Vale do Paraíba, Getúlio Vargas prometeu a oficiais presentes que lançaria em seu governo a pedra fundamental da atual AMAN. Mas foi mais longe e a construiu e a inaugurou.
Em 25 jun 1938, o Presidente Getúlio Vargas lançou a Pedra Fundamental da AMAN, no aniversário de morte do Marechal Floriano Peixoto ocorrida na fazenda Paraíso, próximo da divisa Barra Mansa – Resende.
Em 20 março de 1944, o Presidente Getúlio Vargas inaugurou a AMAN, então como Escola Militar de Resende, a qual quando do seu retorno a Presidência passou a ser denominada Escola Militar das Agulhas Negras. Dados estes constantes de nosso livro História Militar de Resende 1799/2001. Resende: AHIMTB, 2001. (Comemorativo dos 200 anos do município de Resende)

Essa estrutura de ensino do Exército foi ainda enriquecida com a criação das Unidades – Escolas da Vila Militar, da Escola de Educação Física do Exército e de um Grupamento Escola de Artilharia Antiaérea.

Para ordenar esta estrutura foram promulgadas as leis do Ensino e do Magistério Militar e baixadas instruções para regulamentar as escolas e normas para uma mais apurada seleção física, intelectual e moral dos candidatos ao oficialato do Exército.

Neste contexto prestaram relevantes serviços ao ensino no Exército – os generais Mário Travassos e Augusto Duque Estrada, respectivamente o primeiro comandante da AMAN (4) em Resende e o último, da Escola Militar no Realengo. Aliás escola que teve em 1921, como instrutor- chefe de Cavalaria da famosa “Missão Indígena”, o então capitão Euclides de Figueiredo, destacado “jovem turco”, co-fundador em 1913 da Revista Defesa Nacional e coordenador no Gabinete do Ministério da Guerra do combate à Revolução de 24, em São Paulo e um dos chefes militares da Revolução de 32 naquele Estado.

(4) – O Coronel Mário Travassos foi um destacado geopolítico brasileiro que acompanhou em 1931, como capitão secretário, o Coronel José Pessoa a Resende para a escolha do local da AMAN e o biografamos em Os 60 anos da AMAN em Resende. Resende: AHIMTB,2004
A filosofia do Ensino no Exército de predominantemente científica e teórica até 1905, passou até 1920 ao extremo oposto de ser predominantemente prática, segundo o Ministro da Guerra, general Eurico Dutra.

Segundo ainda a autoridade citada, foi procurado o equilíbrio entre a cultura geral e a prática. Baseou-se o Ministro Dutra nas Memórias do Marechal da França, Ferdinand Foch, herói em Marne e Flandres, comandante da batalha de Somme e generalíssimo que conduziu os Aliados à vitória na 1ª Guerra Mundial e que escreveu a certa altura:

“O futuro demonstrará a necessidade da cultura geral ao lado do saber profissional militar, para quem como o militar que vive em presença de sucessivos fenômenos sociais que exigem para a sua compreensão um certo saber político e moral. Assim, não pode um militar, sob pena de segregar-se socialmente, de contentar-se apenas com os conhecimentos profissionais relativos ao manejo das armas e ao emprego da tropa”.

O citado Marechal Foch, que saiu da cadeira de História Militar na Escola Superior de Guerra da França para comandar a vitória aliada na 1ª Guerra Mundial emitiu este importante e realista pensamento:

” Para alimentar o cérebro de um exército na paz, para melhor o preparar para a eventualidade indesejável de uma guerra não existe livro mais fecundo em lições e meditações que o livro da História Militar.”

0 general Charles de Gaulle pensava como o marechal Foch e teve suas palavras a respeito, imortalizadas, em bronze, em pérgula da AMAN à esquerda da saída do pátio Ten Moura, e por ocasião de sua visita ao Brasil, no governo do Marechal Humberto Castello Branco.

Foram entusiastas dessa idéia de equilíbrio da cultura geral com a profissional entre nós e a implantaram mais tarde no Brasil como Ministro da Guerra e como Comandante da Escola Militar do Realengo, depois de 1930, os então major Leite de Castro e o tenente José Pessoa que depois de lutarem no Exército da França na 1ª Guerra, freqüentaram a sua Escola Militar de Saint Cyr.

O então coronel Mascarenhas de Morais, como comandante da Escola Militar do Realengo nos anos 30, deu grande impulso à cultura geral, profissional e especializada dos futuros oficiais, ao implantar a biblioteca central da Escola e criar uma especializada em cada arma ou serviço e outras nos diversos departamentos (educação física, equitação, veterinária, etc…).

Durante o período 1930-45, o Exército se beneficiou por 9 anos do concurso da Missão Militar Francesa e por cerca de 6 da Missão Militar Americana. Esta contratada depois da histórica visita ao Brasil, de 25 de março – 7 de abril de1939, do general George Marshall, Chefe do Estado-Maior do Exército dos EUA. Ele veio a bordo do encouraçado “Nashville”, trazendo inclusive o mais tarde general Matheu Ridway, comandante americano na Guerra da Coréia.

No tocante à progressiva operacionalidade do Exército foram assinalados os progressos. Os períodos de instrução das unidades eram observados e fiscalizados, com rigor. Os resultados práticos ficaram evidentes nas grandes manobras do Vale do Paraíba e de Saicã. Esta contou com o estímulo da presença do Presidente Vargas.(5)

(5) – Resgatamos as Manobras de Saicã em 1940, as maiores que se tem notícia guardadas as devidas proporções no tempo e no espaço e com fotos da época e sendo presidida pelo Presidente Getúlio Vargas que nelas aparece de capacete Ramenzoni, moda naquela época no Rio Grande, na campanha.
A instrução em campanha foi corporificada pela adoção de regulamentos específicos para cada Arma ou Serviço; de Organização do Terreno (OT); de Serviço em Campanha, de Tiro de Armas Portáteis (RTAP) e de Instrução dos Quadros e da Tropa. Para estimular a cultura militar geral e profissional e a sua difusão, bem como a corrente do pensamento militar brasileiro que consolidou a Reforma Militar, foi reorganizada a Biblioteca do Exército, agora também e principalmente como editora, modernizada a Imprensa Militar e estimulada e prestigiada pelos ministros militares a criação do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, bem como a Revista Nação Armada.

Para a ampla difusão da Doutrina do Exército foi criado o Estabelecimento General Gustavo Cordeiro de Farias (EGGCF). Ele editou regulamentos em substituição ao esforço particular que vinha sendo feito por uma plêiade de oficiais que se cristalizaram em torno da Revista a Defesa Nacional em 1913 e usando editoras civis.

O Serviço Geográfico do Exército proporcionou um grande apoio à instrução, ao levantar mais de 25.000 km² em cartas. Assim possibilitou a dispensa de cartas de território europeu sobre as quais, e mais a da Vila Militar, os oficiais brasileiros estudavam em cartas topográficas, em exercícios táticos, chamados impropriamente de jogos da guerra, segundo o grande historiador geógrafo e sociólogo militar brasileiro – general Francisco de Paula Cidade, e contemporâneo em 1902, na Escola do Rio Pardo, do então Sargento Getúlio.

Na prática, a consolidação da cultura geral dos oficiais gerou alguns acidentes ou distorções, produzindo justas reações. Estas por não se produzirem os efeitos esperados. Entre os acidentes ou distorções registram-se as opiniões contrárias ao lecionar-se aspectos genéricos da Psicologia, Sociologia e Filosofia, em detrimento de conhecimentos que eles sugeriam aplicados à vida castrense. Outro foi o estudo descritivo e não o crítico da História Militar, modalidade tão exaltada por grandes capitães da História Militar como a verdadeira escola da guerra para eles, em razão dos ensinamentos que o único laboratório da doutrina militar – o campo de batalha – lhes sugeriu à luz do estudo crítico que realizaram das experiências que nele tiveram lugar e que a História Militar registrou.(6)

(6) – Os exércitos das grandes nações potências e grandes potências estudam criticamente a História Militar em especial a de seus pais. Isto é, não se limitam a estudar descritivamente sem conseqüência para o desenvolvimento profissional de seus quadros. Ao contrário, com base em reconstituições históricas feitas por historiadores profissionais eles as analisam criticamente à luz dos fundamentos de critica escolhidos: Princípios de Guerra, Manobra e seus elementos, Princípios de Liderança, Elementos do Fator Militar, Fatores da Decisão etc. Deste estudo eles colhem ensinamentos do que fazer e do que não fazer numa circunstância de uma guerra, onde vence quem erra menos e acerta mais.
Tem sido difícil implantar esta mentalidade entre nós, impondo-se a História Descritiva ao invés da Critica que ajuda o Exército a progredir e a crescer e a produzir pensadores militares capazes de formularem doutrinas e as transmitirem através de regulamentos.
A História Militar crítica à luz de fundamentos de Arte e de Ciência Militar reflete-se nos comentários ao final de manobras e exercícios militares, denominados genericamente de Critica. Não com o sentido de “marretar”, mas sim o de fixar na mente dos participantes os erros e acertos praticados durante as manobras e os incorporar em sua cultura .profissional
O estudo critico da História Militar tem este sentido ao analisar à luz da Arte e Ciência Militar erros e acertos a serem incorporados na cultura com clareza, para seu uso no momento de uma decisão, na confusão de um combate..

No tocante à Geografia Militar foi confundi-la com Geografia Geral ou Estudos Brasileiros e não abordá-la em seus aspectos topo-táticos e topo-estratégicos e outros de interesse das operações militares nos diversos escalões, conforme foi a intenção do Coronel José Pessoa ao a introduzir na Escola Militar do Realengo com apoio no que observara ao cursar a Escola Militar de Saint Cyr e tendo como professor no Realengo e depois na Escola de Estado-Maior do Exército o coronel Francisco de Paula Cidade, autor da célebre obra Notas de Geografia Militar Sul-Americana.

MOTIVAÇÃO

Este importante campo da Doutrina Militar relativo às forças morais da guerra, tão evidentes nas vitórias de Guararapes, recebeu substancial estímulo no período em estudo, através de diversas ações. O passado militar brasileiro foi rebuscado, pesquisado, interpretado, cultuado e amplamente difundido pelos periódicos militares, pela Biblioteca do Exército, pela Imprensa Militar e a Nacional, como foi o caso da Livraria Globo em Porto Alegre. Os estudos feitos então tornaram possível mais tarde, em grande parte, a sua consolidação na História do Exército Brasileiro – Perfil Militar de um Povo editado pelo Estado-Maior do Exército em 1972, em projeto presidido pelo Cel. Francisco Ruas Santos e do qual participamos como seu adjunto. Tarefa de resgate histórico a que se dedicaram inclusive ilustres chefes do exército, como o Marechal José Pessoa, idealizador da AMAN, que pesquisou e escreveu sobre os grandes chefes da Cavalaria Brasileira, cuja galeria iconográfica que mandou desenvolver, hoje encontra-se no Curso de Cavalaria da AMAN.

Em 1940, o agora General José Pessoa, o idealizador da AMAN e também um dos grandes artífices da concretização de Brasilia (7), iniciou histórico artigo em 1940 na Revista da Escola Militar com seguinte argumento

(7) – A construção de Brasília pelo Presidente Juscelino Kubischek está muito e dever à ação do Marechal José Pessoa, como presidente em 1955/56, da Comissão de Localização da Nova Capital e por havei conseguido junto ao governo de Goiás a oportuna desapropriação da área onde hoje se ergue a Capital Federal. O Marechal José Pessoa estudou com o aluno da Escola de Guerra em Porto Alegre no Casarão da Várzea.
“É da tradição que se nutre a alma da nação. Das relíquias do passado retiram os povos as forças com que vencerão no futuro. Difundir pois o conhecimento da Historia do Brasil é o grande dever de todos nós. Esse conhecimento nos desvendará a grandeza moral de que se cobriram nas lutas pela nossa Independência, unidade política e grandeza territorial, os nossos antepassados.”

Oficialmente o culto aos heróis do Exército do passado mereceu ênfase sob o seguinte argumento ao tempo do Presidente Getúlio Vargas.

“O mérito excepcional sempre foi raro. Daí a necessidade do culto aos heróis mortos de mérito excepcional . Ele desenvolve nosso sentimento de veneração, exemplifica e exalta a virtude para o estímulo dos moços. As suas qualidades deixaram sulcos indeléveis que sempre servirão de lições para o presente e o futuro”.

Assim o Duque de Caxias mereceu culto especial . Foram exumados seus restos mortais e da sua esposa e colocados no Panteon a Caxias, em cerimônia histórica, além de criado o Espadim de Caxias dos Cadetes do Exército, cópia fiel da em escala da heróica espada do Pacificador, que desde 1925, é patrimônio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a que o Duque pertenceu como membro honorário.(8)

(8)- Sobre Caxias, fruto de cerca de 20 anos de pesquisas, produzimos Caxias e a Unidade Nacional. Porto Alegre: Metropole, 2003, editado com recursos obtidos de membros da Academia de História Militar Terrestre do Brasil de que o Duque de Caxias é patrono e comemorativo do seu bicentenário em 2003. Nele integramos diversas informações não constantes das obras de seus principais biógrafos além de aprofundarmos em diversos pontos de sua vida que eram desconhecidos, os incluindo em sua Cronologia que ampliamos bastante
Outros heróis brasileiros do Exército como Osório, Sampaio, Mallet, Vilagran Cabrita, Andrade Neves e Antonio João, etc foram cultuados condignamente. Mereceram ênfase as comemorações do centenário de nascimento do Marechal Floriano Peixoto no Rio, por cerimônia cujo orador foi então tenente-coronel Jonas Correa, junto ao monumento ao Consolidador da Republica. Homenagens a Floriano Peixoto estimuladas pessoalmente por Getúlio Vargas que através de seu pai aprendera a admirar o Marechal Floriano Peixoto

Foi inaugurado monumento aos Heróis de Laguna na Praia Vermelha e restaurados diversos monumentos históricos. Recorreu-se enfaticamente à História Militar através do concurso, em cerimônias cívicas de projeção nacional e no assessoramento superior, de destacados historiadores ou pensadores militares do Exército tais como: generais Estevão Leitão de Carvalho, Valentim Benicio e Souza Docca , Coronéis J.B. Magalhães, Paula Cidade, Lima Figueiredo, Afonso de Carvalho, Cordolino de Azevedo, De Paranhos Antunes, Jonas Correia e outros.

No setor civil registre-se destacada colaboração entre outras de Pedro Calmon – divulgador ímpar através de seus escritos e da sua inspirada e privilegiada palavra, de nossas tradições e glórias militares e mais a de Gustavo Barroso e Eugênio Vilhena de Morais.

Para reconhecer o mérito militar foi criada a Ordem do Mérito Militar. As unidades históricas ganharam estandartes, nomes e distintivos e algumas, uniformes históricos como a AMAN e os Dragões da Independência.

O antigo Batalhão do Imperador extinto pela Regência, foi recriado com o nome de Batalhão da Guarda Presidencial. Depois da Intentona Comunista que provocou tantas vitimas inocentes no Exército, o culto à memória dos mesmos adquiriu grande expressão. Esta tradição se mantinha acesa até o presente, visando a prevenir acontecimentos como aqueles que violentaram as tradições democráticas e cristãs do povo brasileiro e que tiveram como alvo o Exército, desde então a maior barreira do avanço do Comunismo Internacional no Brasil, a caráter ou sob disfarces sutis.

Dentro do contexto, Motivação poderíamos alinhar à valorização do reservista pela criação de seu dia; elaboração do Estatuto dos Militares, Construção de Vilas Militares nas fronteiras Sul e Oeste, em Amambaí, Campo Grande, Mato Grosso, Quarai, Uruguaiana, São Borja, Foz do Iguaçu, Coimbra, Óbidos, Guajará-Mirim, São Luiz, Dom Pedrito, Bela Vista e General Câmara, além das de Quintaúna, em São Paulo, Santa Cruz no Rio de Janeiro, Socorro no Recife e Vila Operária na Fábrica Estrela da Raiz da Serra, para não citar a remodelação da Vila Militar em Deodoro.

Muito significativo foi a FEB antes de partir para a Itália, ter ido buscar inspiração nos Montes Guararapes. Ao retornar ao Brasil foi lá depositar os louros da vitória, proferindo seu comandante Mascarenhas de Morais, palavras antológicas hoje lá inscritas em bronze no interior do Parque Histórico Nacional dos Guararapes que tivemos o privilégio cívico de coordenar sua implantação em 1971, e escrever sobre as memoráveis batalhas que ali tivemos lugar, à luz, inclusive, de preciso levantamento topográfico dos Montes Guararapes antes realizado pelo INCRA sobre nossa orientação.

EMPREGO

Durante o período em tela o Exército atuou na Segurança Interna na Revolução de São Paulo de 1932. Dela tirou precisas lições sobre a necessidade de dispor de uma industria bélica sob seu controle para o apoiar e mais espalhada pelo território nacional do que concentrada em São Paulo. Ali o parque industrial revelou notável capacidade de mobilizar-se belicamente em apoio à Revolução, como já havia na Guerra Civil 1893/95 combinada com a Revolta na Armada em apoio ao governo federal.

Enfrentou em muito boas condições os levantes comunistas ocorridos em novembro de 1935 em Natal, Recife e Rio de Janeiro (Praia Vermelha e Campo dos Afonsos).

Na Segurança Externa, pela primeira vez na História do Brasil o Exército lutou em Teatro Europeu representado pela FEB ao comando do Marechal Mascarenhas de Morais.

Neste contexto, a Defesa Territorial do Brasil sofreu rigoroso teste com a articulação de tropas do Exército para defender o imenso litoral do Brasil, notadamente no Saliente Nordestino, Baía de Guanabara e no estratégico arquipélago de Fernando de Noronha.

Em todas as oportunidades mencionadas ficou evidente a validade do esforço notável despedindo durante o governo de Getúlio Vargas 1930-45, para o desenvolvimento da Doutrina do Exército.

O final do período citado mostrou o grande salto operacional do Exército desde a Revolução Federalista de 1893-95 e Guerra de Canudos em 1897, até o meio século após, quando se fez representar na Itália através da FEB.

Num extremo um Exército que por influência negativa de um positivismo mal interpretado na Escola Militar da Praia Vermelha, revelou, na prática, operacionalidade inferior aos revolucionários gaúchos de Gumersindo Saraiva e aos sertanejos de Antonio Conselheiro. Isto conseqüência de um pacifismo utópico e romântico responsável por tantas vitimas inocentes nas Campinas rio-grandenses, nos cercos da Lapa no Paraná e de Bagé no Rio Grande do Sul e nos sertões da Bahia.

No outro extremo mostrou um Exército que depois de 50 anos de um trabalho sério e ingente, além de suportar e absorver, ainda na Itália, o impacto da mudança da doutrina francesa para a americana, fez muito boa figura no Velho Mundo lutando contra ou em aliança com os melhores exércitos do mundo presentes na Europa Ocidental. E mais, consagrou-se eternamente pelas vitórias de Monte Castelo, Montese e outras.

Não há como negar que a visão de estadista do presidente Vargas se estendeu às Forças Armadas. No Exército ele encontrou o apoio patriótico e inteligente e muito objetivo dos ministros da Guerra generais José Fernando Leite de Castro (1930-32), Augusto Inácio de Espírito Santo Cardoso (1932-34), Pedro Aurélio de Góes Monteiro (1934-35) e de Eurico Gaspar Dutra (1936-45) que cobriu o período de maiores realizações de seu governo coincidente com a 2ª Guerra Mundial, de caráter total.

Havia de parte do Presidente Vargas a consciência estratégica de que nenhuma nação sustenta sua condição de grande nação ou potência econômica se não o for grande nação, potência ou grande potência do ponto de vista militar. Isto independente da tradição brasileira de repúdio à guerra de conquista, “qualité maitresse” de nossa política exterior traçada pelo Visconde do Rio Branco, pai do Barão do Rio Branco. Este, grande estimulador da República Velha do fortalecimento das nossas Forças Armadas, para que o Brasil pudesse desempenhar com prestígio e segurança seu papel no convívio das nações.

No período em tela o ideal do Exercito através do ministro da Guerra general Dutra era de “um exército disciplinado e poderoso, não para atacar os povos livres em razão do repudio no Brasil à guerra de conquista. Mas um exército superiormente aguerrido, em acordo com a nossa grandeza e defensor da soberania de um Brasil eterno, vindo de um passado de glórias”.

Já o Estado-Maior do Exército através de seu chefe, general Aurélio de Góes Monteiro, justificava esse ideal sob o argumento de que “a neutralidade e o pacifismo não subsistem sem força que os assegurem, pois, na ordem internacional a melhor prova de sensatez e inteligência é amparar as boas intenções com as melhores armas ou na falta delas, com as de um forte aliado”. No ultimo caso foi a sábia solução de Portugal de aliar-se à Inglaterra por largo período.

Sobre a atuação da FEB na Itália e dos benefícios resultantes para o Exército no após guerra, abordamos na obra A participação das Forças Armadas e da Marinha Mercante do Brasil na 2ª Guerra Mundial, publicada em Porto Alegre por iniciativa da Associação de Veteranos da FEB, seção de Porto Alegre, dirigida pelo Veterano José Conrado de Souza e acadêmico emérito da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e que prefacia o citado trabalho, participação também divulgada no Museu Militar do Comando Militar do Sul.

Costumo mencionar e agora repito de que a Força Expedicionária Brasileira, que foi mandada a Itália pelo Presidente Getúlio Vargas, fez excelente figura ao lutar contra ou aliada a frações dos melhores exércitos presentes na Europa na 2a Guerra Mundial. E deu a sua colaboração para preservar a Liberdade e a Democracia Mundial ameaçada pelo nazi-facismo.

Fontes de consulta

BENTO, Cláudio Moreira. Como estudar e pesquisar a História do Exército Brasileiro Brasília: EME/ EGGCF, 1979 e 1999 2ed.
(_____) As Manobras de Saicâ .in: História da 3ª Região Militar 1989/1953. Porto Alegre: Pallotti,1995.p.324/346 fotos
(_____) Reflexos do suicídio do Presidente Vargas no CMS. in: Comando Militar do Sul -4 décadas de História 1953/1995. Porto Alegre: Pallotti, 1995. p.83/84.
ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Historia do Exército Brasileiro – Perfil Militar de um Povo. Rio de Janeiro: Sergraf, IBGE, 1972, 3v.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro 1930-1983. Rio de Janeiro: Forense, 1983. v.4. p.3436/3505.
MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Anais do Exército Brasileiro – Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1938-40. 3v
(____). Relatório dos Ministros da Guerra – 1930-45 (Coleção BIBLIEx)