PERDEMOS O BONDE

Joaquim Eloy Duarte dos Santos, associado titular, cadeira n.º 14, patrono João Duarte da Silveira

Os mais antigos viram o bonde circulando por Petrópolis; alguns outros ouviram dele falar; a mocidade nem sabe do que estamos tratando, salvo se já se penduraram nos bondes de Los Angeles, Califórnia (USA), subindo e descendo das elevações ao nível do Oceano Pacífico e vice-versa. Ou na Disney.

O bonde chegou a Petrópolis em 1895, trazido pelo grande empresário Franklin Sampaio, a pedido do Presidente da Câmara Municipal Dr. Hermogênio Silva. O melhoramento no transporte urbano ainda não rodava sobre trilhos e a tração era animal. No ano de 1910 a Companhia Brasileira de Energia Elétrica assinou contrato com a Câmara Municipal para a exploração do bonde elétrico, substituindo a tração animal e implementando os trilhos.

Para o serviço e a segurança dos passageiros, foram reforçadas algumas pontes e, até, construídas novas de ferro, uma na Rua Souza Franco e outra diante do Palácio de Cristal.

No dia 13 de dezembro de 1912 foi inaugurada a primeira linha do centro histórico para Cascatinha. Houve festa na Praça Dom Pedro com direito a dobrados pela Banda Euterpe, discursos e, em seguida, um lanche para convidados na sede da companhia, Rua Padre Siqueira, no prédio onde funciona hoje a empresa Fácil/Única.

Mais adiante, com sucesso, as linhas Alto da Serra e Circular enfeitaram de alegria e ruidosidade as pacatas ruas petropolitanas.

Os primeiros carros tinham encosto e assentos de palhinha; os vagões eram fechados em virtude do clima petropolitano, frio e chuvoso, e não como os do Rio de Janeiro onde o bom era viajar pendurado nos estribos. A molecada, em Petrópolis, não podia viver perigosamente suas piruetas de infância em nossos sóbrios e bem comportados bondes.

Dois funcionários conduziam o bonde: o motorneiro e o condutor, cabendo a este último a cobrança das passagens e a fiscalização geral enquanto circulava. Em épocas de veraneio, quando a população aumentava, duplicavam os bondes em circulação, acrescentavam-se horários estratégicos e, até, lançavam-se nos trilhos carros abertos que o povo apelidava de “caixa-de-fósforos” e “chama-chuva”. Perfeitamente integrado à vida da cidade, funcionou, por largo tempo, carro especial destinado ao serviço de carga para utilização das indústrias, principalmente nas linhas do Alto da Serra e de Cascatinha.

No governo do Prefeito Oscar Weinschenck, no ano de 1922, as extensão das linhas foi ampliada para os lados da Renânia, com bondes circulando pela Rua 14 de Julho (hoje Washington Luiz) até as Duas Pontes, subindo para o Valparaíso pela Rua Gonçalves Dias e estabelecendo um circular atingindo a Visconde de Itaboraí e retornando pela Rua Rocha Cardoso e 14 de Julho ao centro da cidade. O transporte por bondes era chamado tecnicamente pela Prefeitura de “viação férrea urbana”.

No ano de 1921 a empresa concessionária introduziu novos carros com portas automáticas, dispensando o condutor (cobrador). Respeitando uma tradição, os bondes foram pintados de vermelho, a mesma cor da pontes, atendendo a uma consulta popular.

O ponto terminal dos bondes era na Estação Ferroviária da Leopoldina Railway, Rua Dr. Porciúncula, enquanto prédio primitivo que vinha do século passado. Quando a Leopoldina demoliu a construção e edificou novas instalações o terminal dos bondes foi deslocado para a Avenida 15 de Novembro (hoje Rua dos Imperador) e Praça da Inconfidência, diante da hoje extinta e saudosa “Casa Gallo”.

Com o aparecimento dos automóveis e, na seqüência, dos coletivos urbanos, o bonde passou por uma fase de descuido da concessionária, piorando os serviços e desprezado qualquer investimento de melhoria, a partir do ano de 1936. Embora o povo amasse os bondes e a eles conferisse preferência para o transporte, aproveitou-se desse descaso da C.B.E.E., o engenheiro Yeddo Fiúza, que era Prefeito-Interventor de Petrópolis, para enviar mensagem à Câmara Municipal, pedindo a denúncia do contrato de concessão e extinção do serviço. No interregno de tudo explode o Estado Novo, em 10 de novembro de 1937; é fechada a Câmara e Yeddo Fiúza assume sua postura interventorial dura e inflexível. No dia 15 de julho de 1939 o último bonde se despede da cidade. Usando uma tática espúria, muito empregada por profissionais da construção civil, num final de semana, foram retirados os trilhos, surpreendendo a população. As composições foram vendidas para Minas Gerais e os trilhos cercaram a grande propriedade rural mantida pelo interventor Yeddo Fiúza.

Foi uma pena. Bem administrados, melhor explorados turisticamente, ainda caberiam hoje, em nosso Centro Histórico, os bondes elétricos. E, porque não sonhar? Estariam perfeitos nos distritos, principalmente nas ruas que ainda guardam certo bucolismo do passado. Na revitalização do Centro Histórico, uma linha de bondes enfrentaria perfeitamente a loucura atual do trânsito e seria freio de tanta e tanta loucura no estresse incendido de nossa vida citadina.