OS FRANCESES NA ORIGEM DE PETRÓPOLIS

Antônio Eugênio de Azevedo Taulois, associado efetivo, titular da cadeira n.º 29, patrono Luiz da Silva Oliveira

O petropolitano nasceu de muitas nacionalidades mescladas num caldeirão de etnias, que foram se integrando com harmonia e conciliação, resultando numa identidade própria, de certo modo, diferente da sua vizinhança próxima. Os FRANCESES em Petrópolis, participaram ativamente dessa união construtiva.

Antes dos franceses se aproximarem de Petrópolis, eles descobriram o Brasil logo depois de Cabral e não o deixaram mais. No início, foram expulsos a ferro e fogo, mas, depois, deixaram marcas profundas, como a Missão Artística de 1816, que identificou os encantos e as desigualdades de nossa sociedade; a Missão do Gen. Maurice Gamelin, que reformulou o Exército Brasileiro e a Missão Cultural que criou a USP.

Antes da fundação de Petrópolis em 1830, dois franceses, o arquiteto Pierre Pézerat e o engenheiro Pierre Taulois assinaram o orçamento do Palácio da Concórdia que Dom Pedro I pretendia construir na sua fazenda do Córrego Seco e não saiu do papel por ter sido o imperador forçado a retornar a Portugal. Em 1835, o professor de caligrafia e desenho de Dom Pedro II, M. Louis Boulanger esteve em tratamento de saúde naquela fazenda e registrou: “L’air pur que l’on respire dans cettes montagnes et dont la fraîcheur rapelle le printemps d’Europe”. (O ar puro que se respira nessas montanhas e o seu frescor, são os mesmos da primavera da Europa)

Em 1843, outros 59 franceses vieram trabalhar na conclusão da Estrada Normal da Estrela. Eles faziam parte de um contingente que deixou Dunquerque no brigue Curieux para a Colônia do Saí (SC), mas resolveram ficar por aqui.

A primeira estatística da Colônia em 1845, indicava a presença de 15 franceses, 61 portugueses, 7 ingleses e mais 81 brasileiros e 1921 alemães. Não se sabe quem eram esses franceses, mas as atas de distribuição de terras, contratos de obras e outros documentos, depois de 1847, indicavam os engenheiros Jean Gustave de Frontin, Eugène Jeanne, Charles Philippe Garçon Rivière e Pierre Taulois, os médicos Thomas Charbonnier e Vincent Sigaux e alguns comerciantes, como Thimothe Durier, Antoine Morin, Adolphe Bartels e outros. Entre os colonos alemães, havia quinze famílias com nomes tipicamente franceses – Rabelais, Noël, Dupont, Dupré, Delvaux (Delvô), Duriez, Moret etc – possivelmente descendentes huguenotes que deixaram a França por causa do Édito de Nantes e não mais retornaram depois da sua revogação em 1865.

Petrópolis começou mesmo com o engenheiro alemão Júlio Frederico Köeler que não só desenhou a cidade e delineou suas posturas como teve a sensibilidade de integrar o temperamento saxônico do colono alemão com a índole latina dos brasileiros e a dos outros estrangeiros que se uniram para levantar a cidade. Essa sua aptidão sutil tem muito a ver com a enorme influência francesa que Köeler recebeu na sua formação. Ele nasceu em Moyen, Reno-Palatinato, em 1804, região que, desde a Guerra dos Trinta Anos, vivia sob a influência velada, mas real, da França e que se manifestou mais intensamente, depois da anexação da região por Napoleão. Falava fluentemente o francês. No Brasil, enquanto não aprendeu o português, só se comunicava em francês. Quando seus bens foram vendidos, após a sua morte, todos os livros no seu inventário eram franceses, incluindo autores como Sauligne, Lamartine e outros. Nenhuma obra em alemão. Depois de dois anos no Brasil, já estava casado com uma brasileira, deixando clara a sua adaptação à nova pátria. Quando os colonos alemães iniciaram aqui a sua vida, Köeler exigiu deles a adoção dos padrões sociais e religiosos brasileiros. Essa facilidade da assimilação de uma cultura diferente da sua não era muito comum aos alemães, como ficou demonstrado, por exemplo, quando aqui esteve o seu conterrâneo Pe. Theodor Wiedmann, repatriado dois anos depois de chegar. Esses são fortes indícios de sua individualidade latina, notadamente francesa.

Mas a chegada dos franceses a Petrópolis foi gradual, muito diferente da chegada dos alemães e italianos que vieram em grande número ocupando bairros inteiros em torno da Vila Imperial, ou mesmo dos portugueses que se espalharam por toda a povoação. Os franceses se aproximaram de Petrópolis do mesmo modo que conquistaram o Rio de Janeiro em 1816, superando em poucos anos a influência inglesa, antes predominante. Em Petrópolis, como no Rio, eles efetivamente marcaram presença na comunidade pelos seus hábitos de vida, sua cultura e, principalmente, por suas boas maneiras e civilidade. Um pacífico batalhão de educadores, engenheiros, pintores, alfaiates, modistas, além de hoteleiros, padeiros, confeiteiros, cozinheiros e outros mais pontificaram não pelo número, mas pela qualificação dos seus atributos profissionais e humanos.

Algumas iniciativas desses franceses pioneiros são descritas enfaticamente por cronistas da época, como o Grande Hotel Bragança, preferido pelo Imperador e pela elite; o Orquidário BINOT até hoje com a família, a famosa La Maison des Douches; La Boulangerie Française com sua “pâtisserie” e que podia ostentar as armas imperiais na embalagem; o laticínio Cremerie Buison; o Sanatório Hermitage do Dr. Napoleon Thouzet. Os engenheiros Charles Rivière, George Jeanne e Pierre Taulois acompanharam Koeler nas obras da colônia, tendo Taulois coordenado a confecção da Carta Topográfica da região. Seu filho Pedro Taulois fez a medição e locação dos prazos de terra entregues aos colonos. No Quarteirão da Mosela, Eugène Bataillard tinha um sítio muito visitado, onde plantava uva, morango, hortaliças e produzia um bom vinho.

Mas foi na educação que os franceses mais se destacaram desde a fundação da cidade. As “Écoles de Jeunes Filles pour Bonnes Manières”, como as das Mmes. Jenny Diemer, Cramer, Zoé Taulois, Emile Jacob e M. Geslin, transmitiam boas maneiras, cultura e prendas domésticas para as moças da cidade. Os padres Lazaristas e as irmãs de São Vicente de Paulo fundaram o Colégio Sta. Isabel de renome até hoje, e o Colégio São Vicente e o Seminário. Mas o Colégio Sion, pelo prestígio de suas freiras da Congregação Notre Dame de Sion como educadoras, talvez tenha sido a presença francesa mais forte na educação feminina em Petrópolis.

Os historiadores franceses que descreveram Petrópolis em suas obras como Henry Raffard, autor do Jubileu de Petrópolis; Charles Auguste Taunay; o fotógrafo Revert Henry Klumb; Auguste de Saint Hilaire; Charles Ribeyrolles; Charles Reybaud e Georges Clemenceau não podem deixar de ser citados.

Houve um nobre francês que se tornou brasileiro por seu casamento. O Príncipe Louis Philippe Gaston d’Orléans, o nosso Conde d’Eu, tinha 21 anos quando aqui chegou para se casar com a Princesa Isabel e viveu quase trinta anos entre Petrópolis e o Palácio de São Cristóvão. Após o banimento da Família Real, deixou-se envelhecer entre recordações no Chateau d’Eu, na Normandie e retornou a Petrópolis em 1920, com 84 anos, hospedando-se no Hotel Bragança. Foi a pé até o Palácio Imperial e ficou do muro, olhando o Colégio São Vicente que ocupava suas instalações. Só foi reconhecido pelo historiador Alcindo Sodré, que o encontrou chorando na volta para o hotel, segundo descreve.

Nos últimos 164 anos, aquele orgulho que os franceses tanto prezam, o “fière d’être français”, continua presente nesse alto de serra, muitas vezes veladamente, quase encoberto. Mas pode ser encontrado em alguns dos que já se foram, Mário Fonseca, Guy Lavocat e outros sempre presentes, reunidos em torno da Associação Cultural Franco-Brasileira e da Alliance Française.