CINEMA EM PETRÓPOLIS – SUA HISTÓRIA

Joaquim Eloy Duarte dos Santos, associado titular, cadeira n.º 14, patrono João Duarte da Silveira

O CINEMA PETRÓPOLIS

INÍCIO PELO FIM

Na noite de 21 de abril de 1996 a tela do Cinema Petrópolis foi iluminada pela última vez. O filme exibido “Coração Valente”, protagonizado por Mel Gibson, coloriu de muita aventura a despedida do maior e mais confortável cinema do Município. Alguns cinéfilos fizeram questão de permanecerem até as 23 horas, retirando-se devagar e lançando últimos olhares para o salão, a tela, o monumental espaço, esperando o projecionista desligar as máquinas, as luzes serem apagadas e acompanhando, já na calçada, os funcionários fecharem as portas.

Na manhã de 22 de abril, muito cedo, funcionários da empresa Luiz Severiano Ribeiro, desmontaram o cinema, embarcaram tudo para o Rio de Janeiro, lacrando as portas e sepultando definitivamente o palácio de tanto sonho, divertimento, emoção, música, levando naquelas barulhentas viaturas um pouco da alma de cada espectador.

Na mesma semana, a empresa Severiano Ribeiro recebeu visita de petropolitanos inconformados mas que não apresentaram nenhuma alternativa financeira válida para a continuidade do cinema. A argumentação mais forte do empresário era o número reduzido de freqüentadores, tornando inviável o funcionamento do gigantesco cinema em imóvel alugado, não cobrindo a ínfima renda as despesas da mínima manutenção.

Abria-se, para a reminiscência do Município, mais um capítulo da sua melhor História Cultural, que tivera em seu palco tantos teatros e cinemas desde o início da povoação fundada por Júlio Köeler e D. Pedro II.

O TEATRO XAVIER

No ano de 1913, no espaço urbano, que corresponde ao números 804 a 808 da Rua do Imperador, o capitalista João Xavier fez construir um sobrado amplo destinado ao funcionamento de um teatro. Caprichou na concepção arquitetônica procurando edificar um espaço de diversões com as características dos melhores teatros do Distrito Federal. O salão de espetáculos foi projetado e construído com 28 camarotes, 18 frisas, 620 cadeiras e 400 galerias, com bom palco e camarins confortáveis. A fachada compunha-se, no térreo junto a calçada, de 3 portas, com entrada central onde eram expostos os cartazes e fotografias dos espetáculos, enquanto as demais destinavam-se ao comércio. Passada a sala de exposição e a bilheteria, penetrava-se em um corredor e, em meio a este, a esquerda, abria-se espaçosa sala de espera com cadeiras estofadas; no final do corredor chegava-se a uma grande área ao ar livre, ornamentada com vasos de plantas; pelo lado esquerdo da área penetrava-se na platéia do suntuoso e belo teatro.

Na noite de 6 de fevereiro de 1914 o capitalista e empresário João Xavier inaugurou a casa, denominada TEATRO XAVIER, apresentando, no palco, a “Companhia de Óperas Cômicas e Operetas Scagnamiglio Caramba”, empresada por Carlos Zanini, A. M. Willner e R. Bodansky.

A “Tribuna de Petrópolis”, alguns dias antes, na edição de 31 de janeiro de 1914, noticiou: “Está definitivamente resolvido que a récita inaugural do belo Teatro Xavier tenha lugar na noite de 5 de fevereiro próximo, com a aplaudida opereta “Il Barone Zingaro”.

“A Companhia Caramba dará suas récitas nesta cidade com o mesmo esplendor com que se tem apresentado no Teatro Lírico, da Capital Federal.

“Para o transporte do material da importante “troupe”, vão ser tomados três vagões de carga da Estrada de Ferro Leopoldina.

“A Companhia Caramba virá completa e compõe-se de 90 pessoas.

“A orquestra será regida pelo distinto maestro Beleza.

“Já tomaram localidades, como assinantes, os senhores: Dr. Joaquim da Costa Leite, comendador Carlos Leal, Dr. Moscoso Bandeira, Dr. Araújo Silva, João de Souza Lage, deputado Souza e Silva, Dr. Luiz da Rocha Miranda, viúva Guinle, Seixas Corrêa, Dr. Paulo de Frontin, Dr. Pedro Nolasco, José Figueiredo, viúva Reinghantz, Dr. Viveiros de Castro, Dr. Alberto de Faria, Dr. Toledo Dodsworth, Dr. Jacy Monteiro, Dr. Regis de Oliveira, Eduardo Dantas, Dr. Grandmasson, Dr. Maurílio de Abreu, Dr. Tavares Guerra, Barão de Ibirocahy, Dr. Queiroz Mattoso, comendador Arthur Watson, Vasco Ortigão, Francisco José de Souza, Dr. José Kallembach, Roldão Barbosa, Rodrigo Monteiro, Oscar Liberal, José Loureiro da Silva, Manoel Maia, Domingos Nogueira, Francisco Cossenza, Mário Corrêa Ventura Thomaz, Vicente Gagliardi, Eugênio Gudin, Dr. Oswaldo Cruz, Almeida Amado, Dr. Arthur Araripe, Dr. Américo Guimarães, Dr. Austregésilo R. Pestana, Freitas Machado, Antônio Noronha, Carlos Cirne, Vicente Marchesi, major Paulo Queiroz, Atílio Cerri, Edmundo Tetcher, Dr. Jorge Esteves”.

A divulgação, encomendada pelo empresário, assinalava a boa receptividade junto a figuras representativas da sociedade local e veranista endossando o importante empreendimento cultural, garantindo presença nas primeiras récitas. Todos os assinalados eram importantes cidadãos de larga influência social e, ao anotar suas adesões, prenunciava-se absoluto sucesso na estréia.

A inauguração atrasou um dia, estreando no dia 6 com a opereta cômica “Le Zingaro Barone”, seguindo-se nos dias subseqüentes alguns espetáculos componentes do vasto repertório da Companhia Caramba, que vinha anunciando as peças musicais “Diabo a Quatro”, “A Viúva Alegre”, “Amore de Maschere”, “A Casta Susana”, “La Bella Roette”, “Reginatta delle Rose”, “O Conde de Luxemburgo”, “Mãe”, obviamente nem todas encenadas no Teatro Xavier na seqüência anunciada, por impraticável a presença, em todos os dias, do público amante dos espetáculos operísticos.

A inauguração repercutiu intensamente, foi grande o movimento, tanto de espectadores como de curiosos que, se comprimindo em empurrões e apertos, fecharam a então Avenida 15 de Novembro diante da fachada iluminada da casa.

A “Tribuna de Petrópolis”, na edição de 7 de fevereiro, abriu grande espaço para o marcante acontecimento, assinalando textualmente o sucesso de público, não deixando, porém, de criticar a peça e o espetáculo:

“Não foi surpresa para nós, nem para ninguém, o brilhantismo com que foi inaugurado ontem o Teatro Xavier, essa confortável casa de diversões com que o espírito empreendedor e progressista do Sr. João Xavier acaba de dotar a nossa cidade.

“O teatro esteve repleto, notando-se por todo o recinto as mais distintas famílias da nossa sociedade. Não podia, na verdade, ter sido nem mais numerosa nem mais seleta a assistência no espetáculo inaugural.

“A peça escolhida para a estréia foi “Le Zingaro Barone””, em três atos, de Strauss. Todos os artistas que se encarregaram dos diversos papéis mereceram bem os aplausos entusiastas que lhes dispensou o público. Não vale, pois, destacar este ou aquele.

“Le Zingaro Barone” é, porém, uma opereta que não agrada em absoluto. O primeiro ato, demasiadamente longo e um tanto monótono, cansa o espectador. O segundo, ao contrário, prende e atenção do princípio ao fim, decorre mais suavemente e tem melhores trechos de música que aquele. O último ato, entretanto, deixa o espectador insatisfeito.

“O que se deseja, em teatro, é que os atos se passem num crescendo, para que a impressão deixada pelo final seja sempre mais forte, mais agradável e perdure por mais tempo que a dos demais. A peça levada ontem à cena no Teatro Xavier contraria, infelizmente, essa praxe primordial de sucesso, que todos os autores procuram observar.

“Mas isso não quer dizer que a opereta não agradasse. Agradou, e foi aplaudida, podendo-se, por isso mesmo, afirmar que a Companhia Caramba teve uma estréia auspiciosa.

“A orquestra, composta de 24 professores, sob a regência do Maestro Belezza, não desmentiu, antes consolidou a justa fama de que vem precedida”.

A notícia crítica, como não poderia deixar de ser, assinala, em seguida, o comparecimento das personalidades à inauguração do Teatro Xavier, com presenças ilustríssimas, o que orgulhava sobremaneira a vida da cidade.

“Muito mais foram as pessoas que compareceram à “premiére”de ontem, cujos nomes não nos foi possível conseguir”, afirmou o repórter, deixando assinalados os seguintes nomes: nos camarotes e frisas: Marechal Hermes da Fonseca e sua exma. Senhora, coronel Arthur Alves Barbosa e senhora, encarregado dos negócios de Portugal, Dr. Oscar Weinschenk, J. A. Brohe, D. Teresa Souza F. Monteiro, Leitão da Cunha, Joaquim de Gomensoro, marechal Pires Ferreira, comendador Augusto Ferreira, Maurílio Abreu, dr. Silva Costa, comendador Amoroso Lima, Dr. H. Mayrinck, Dr. João Proença, ministro argentino e adido, John Kumming, Dr. Frederico Pinheiro, Dr. Ramos Valadão, Dr. Hermogênio Silva e famílias; nos “fauteuils”: Dr. Aníbal Freire, Dr. Benjamim Batista, Oliveira Figueiredo, Casimiro Vianna, Dr. Sampaio Vianna, Dr. Arthur de Sá Earp, coronel José Guilherme, Rodrigo Mattoso, Marcos Abreu, Fridolino Cardoso, Dr. João Murtinho, Dr. Fernando Vidal, Dr. Mário e Aroldo Leitão da Cunha, Dr. Joaquim Vidal, Mme. e Mlle. Nioac de Souza, Mme. J. Guimarães, Dr. Gustavo de Souza, Dr. Augusto Reinghantz, Dr. Franklin Sampaio Filho e famílias” e, ainda, todos os assinantes assinalados na notícia da “Tribuna” de 31 de janeiro de 1914, transcrita no início desse trabalho.

Na bela noite de gala não faltaram sorvetes e bombons mandados distribuir pelo empresário João Xavier às famílias que ocupavam os camarotes; também taças de champanhe oferecidas às autoridades e aos representantes da imprensa. Na oportunidade, saudaram o empresário João Xavier, o presidente da Câmara Municipal, coronel Arthur Alves Barbosa, em nome do Município, a ele agradecendo dotar à cidade de um teatro “digno de sua cultura e civilização”; o poeta, escritor e jornalista Dr. Gregório de Almeida, em nome da imprensa carioca; o jornalista Armando Martins em nome da “Tribuna de Petrópolis”; o jornalista Guimarães Júnior, em nome do “Jornal do Comércio”. Por último, o Dr. Smith Vasconcellos, em vibrante improviso, saudou o Chefe do Executivo, Arthur Barbosa, pelo total apoio dado ao empresário para a construção e instalação do teatro.

O evento contou com a presença do Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca e de sua jovem esposa Nair de Teffé, com a qual se consorciara no dia 8 de dezembro de 1913, no Palácio Rio Negro, constituindo-se a inauguração do Teatro Xavier no primeiro evento social e cultural em Petrópolis com a participação do casal. Recebeu-o, na porta do teatro, o Chefe do Executivo Arthur Alves Barbosa e o empresário João Xavier, acompanhando o ilustre casal e sua comitiva até o camarote.

Não menos ilustres foram as presenças do cientista Oswaldo Gonçalves Cruz, que seria, em 1916, o primeiro prefeito de Petrópolis, o engenheiro Paulo de Frontin, o economista Eugênio Gudin, os notáveis políticos petropolitanos Hermogênio Silva e Arthur de Sá Earp e tantos outros citados nesse artigo.

Terminada a temporada da Companhia Caramba, na noite de 15 de fevereiro estava no palco a afamada Companhia Teatral de Eduardo Pereira, vinda do Teatro Carlos Gomes, do Rio de Janeiro, apresentando duas peças: “Rosas de Todo Ano” e “A Boneca Alemã”.

No dia 18 de fevereiro o empresário contrata duas páginas na “Tribuna de Petrópolis”, nas quais divulga o seu teatro, com fotos da fachada e interiores, edição em papel especial, com matéria nas duas primeiras páginas do periódico.

O propósito de João Xavier era explorar o teatro lírico e declamado, como casa especializada, já que os teatros funcionavam como cinemas: o “Cinema Paulicéia”, da empresa D. Teixeira, na Avenida 15 de Novembro (hoje Rua do Imperador) n. 629, no prédio onde mais tarde funcionou a “Casa Cossenza”, a “Casa Sloper” e hoje abriga a “Farmácia Avenida”; o “Cinema Centro”, da empresa Carlos Zanini, na mesma avenida, esquina com Barão de Teffé, naquela época a Rua do Palácio, prédio demolido para dar lugar ao “Edifício Minas Gerais”; o “Teatro Floresta”, mais tarde”, em 1916, “Cinema Rio Branco”, da empresa Mello & Cia.

No Carnaval de 1914, nos dias 21 a 24 de fevereiro, o teatro abriu suas portas para bailes carnavalescos, como era costume naquele tempo como atividade de compensador movimento financeiro. Passado o carnaval, o empresário reabriu a casa, agora predominando o cinema.

Na noite de sábado, dia 28 de fevereiro de 1914, a “Tribuna de Petrópolis” anunciava:

“CINEMA TEATRO XAVIER
“Hoje – sábado, 28 de fevereiro de 1914 – hoje
“Grande e magnífica orquestra sob a regência do conhecido maestro Salvador Cammardelle
“A mais suntuosa sala de espetáculos desta cidade com a exibição do magnífico programa que se segue:
“Pathé Journal” – último número repleto de variados e empolgantes assuntos. As últimas proezas do frio na Europa
“A VAMPIRA INDIANA – magistral trabalho da Aquila Film, de Torino. Grande drama da vida real em 4 longos e belíssimos atos
“BIGODINHO – Gata Borralheira, magnífica comédia interpretada pelo cômico da Pathé, Mr. Prence
“ROMANCE DE UM TOUREIRO – grandioso drama, a vida real em 2 longos atos, editado pela importante fábrica italiana Cines de Roma
“AMANHÃ
“O VASO CHINÊS – alta comédia em 3 atos da Nordiak Film, de Copenhague.
“PREÇOS – Camarotes: 10$000; Frisas: 8$000; Poltronas: 1$000; e Galerias: $500”.

A casa era a melhor de Petrópolis, nenhuma a suplantava em conforto e instalações de primeira linha, dai praticar preços superiores em relação aos concorrentes. Durante o período de veraneio, a boa freqüência cobria os custos mas quando as famílias veranistas retornavam ao Rio de Janeiro e o frio começava a dominar o tempo, ressentiam-se os cinemas de espectadores assíduos em razão do poder aquisitivo da população, que era de regular a baixo. O empresário João Xavier tentava atrair público, divulgando na imprensa local as qualidades do cinema. Como na edição da “Tribuna” de 24 de março de 1914:

“AO PÚBLICO
“O Cinema Teatro Xavier é o único que oferece completa segurança aos seus espectadores pois que é construído de barras de ferro, tijolos e cimento armado, tendo além disso 8 saídas, sendo 3 na fachada e 5 de um lado, construído especialmente para teatro e cinema. Não é armazém arvorado em sala de diversões de Petrópolis. Este cinema, além de todas as vantagens já enumeradas, é o único que dispõe de ampla platéia espaçosa e com as suas poltronas suficientemente separadas, tendo a preferência dos melhores filmes da Companhia Cinematográfica Brasileira e de outras casas congêneres”.

Em verdade era a única construção petropolitana criada para a atividade de casa de diversões, não sendo adaptada como as demais. A propaganda não surtiu muito efeito pois, a 17 de abril de 1914, o empresário procurava passar o contrato do teatro:

“TEATRO XAVIER – Arrenda-se por contrato este luxuoso teatro, completamente mobiliado, boa instalação elétrica, dínamo e aparelhos para cinema, pronto a funcionar. Para tratar no mesmo com o proprietário”.

Não apareceram interessados e João Xavier continuou a gerir a casa, procurando sensibilizar o público com boas programações. Na fase difícil do outono e inverno, a 2 de julho de 1914, o empresário anunciou que o teatro passaria a funcionar apenas às quintas-feiras e domingos “com programa sempre novo, exibindo os melhores filmes e as mais emocionantes novidades”.

Para não deixar de lado a finalidade de casa de espetáculos cênicos, o empresário, conquanto tivesse dificultada a contratação de companhias do Rio de Janeiro, pela época imprópria da pouca movimentação da cidade pelos veranistas, paralisou o cinema durante poucos dias para a cenarização do espetáculo “A Cabocla de Caxangá”, levada ao palco na noite de 17 de julho de 1914, juntamente com a exibição dos filmes “Belezas da Natureza”, “Os Aviadores Rivais”, “Folias de Lucas”, “Dano Cruel” e “Mistérios do Telefone”.

O cinema passa a divulgar textos de exaltação de suas instalações e melhorias técnicas: “O mais luxuoso, o mais ventilado e o mais confortável cinema, com 49 camarins e frisas, 800 cadeiras de primeira e 700 de segunda. Projeções sem trepidação”. No dia 23 de julho uma nova investida visando a qualidade da casa, publicada na “Tribuna de Petrópolis” sob o título “Notícias Diversas”: “A empresa do Teatro Xavier acaba de adquirir uma nova máquina registradora e emissora de bilhetes, adaptável às bilheterias dos teatros.

“Esse aparelho, que é movido a eletricidade, distribui aos espectadores as entradas com mais presteza, evitando a demora na porta quando é mais de uma entrada adquirida, pois enquanto a máquina emite, o bilheteiro faz o troco.

“Como a máquina constitui uma novidade para esta cidade convém, única a exclusivamente, por sua causa, ir-se ao espetáculo de hoje no elegante Teatro Xavier”.

A nota não dá a mínima importância ao programa em exibição desde que convoca os espectadores para constatarem a eficiência da máquina emissora de bilhetes, esta a máxima atração da noite.

No mês seguinte, agosto de 1914, o Cinema Xavier aparece com outra novidade, divulgada na edição da “Tribuna” do dia 17:

“O Teatro Xavier inaugurará amanhã um novo aparelho cinematográfico da fábrica “A Universal” cujas projeções são nítidas e sem trepidações.

“Com esse melhoramento a empresa procura corresponder à preferência que tem tido a sua casa de diversões por parte das exmas. famílias petropolitanas”.

Em setembro divulga na propaganda diária:

“TEATRO XAVIER – Empresa brasileira
“Dominando sempre. Veni. Vidi. Vinci.”

Em novembro de 1914, dia 27, o cinema lança as matinês infantis, apresentando como atração os artistas cômico-circenses Fathmé, César Nunes, Pepe e Oterito.

Um fato pitoresco, acontecido no Cinema Xavier, no início da noite de 10 de setembro de 1914, ilustrou a crônica policial e fez a sociedade dar boas gargalhadas e o assunto ser tema de muitas conversas durante algum tempo. Assim a “Tribuna de Petrópolis” noticiou o acontecimento, na edição de 11 de setembro:

“QUEM O ALHEIO VESTE
“Todos os que se achavam ontem, às 7 horas da noite, na porta do Cinema Xavier foram atraídos pelo vozerio que faziam no corredor da conhecida casa de diversões alguns cavalheiros e senhoras.
“É que uma dama, bem trajada, que se fazia acompanhar de um rapaz, ao comprar o seu bilhete para assistir a exibição dos “Três Corações”, foi repentinamente chamada à ordem por um senhor já idoso, que à viva força a conduziu à polícia.
“Na delegacia foi o caso explicado e dado à reportagem. A referida dama roubara um vestido e um fino par de sapatos e com eles havia aparecido em público. O dono das “prendas”, como é natural, reclamou os seus direitos, vendo-se o agente na contingência de mandar a dama para o xadrez.
“A fita teve aí o seu epílogo”.

Uma cena de filme de cinema, um espetáculo para a rua, de custo nenhum, com direito a um bate-boca na delegacia, que, nesses anos, estava instalada no conjunto dos prédios do Fórum.

Passou o ano de 1914 sem muita novidade, funcionando o cinema como sempre, com pouca incursão de espetáculos teatrais, até dezembro de 1915 quando a empresa anunciou, com muito orgulho, a retomada do lírico, com a apresentação da “Grande Companhia do barítono francês De Francesky, tudo abrilhantado pela orquestra de 24 professores do Teatro Xavier.

Mas a Companhia não veio e em seu lugar entrou, a 3 de janeiro de 1916, a “Companhia de Operetas Vienenses Esperanza Iris”.

Em 29 de março de 1916 o Cinema Teatro Xavier fecha as portas, comunicando, pela imprensa, o início de algumas reformas. Na verdade essa reforma não compreendia qualquer alteração estrutural no prédio ou nas instalações do cinema, porém um acerto de passagem da casa para um arrendatário, desistindo João Xavier de continuar gerindo os negócios. A casa passa para o exibidor cinematográfico do Rio de Janeiro, J. R. Staffa, empresário do “Cinematógrafo Parisiense”, um dos melhores dos Distrito Federal.

O TEATRO PETRÓPOLIS

A grande reforma do Cinema Teatro Xavier foi a troca da denominação. Sob Jacomo Rosário Staffa, a casa foi rebatizada de TEATRO PETRÓPOLIS e sua inauguração marcada para o dia 1 de abril de 1916. Uma grande festa coroou a abertura da casa segundo a notícia da “Tribuna de Petrópolis”, edição de 2 de abril:

“TEATRO PETRÓPOLIS

“Foi uma festa de elegância, uma festa ultra-chic, a que ontem se realizou no ex-teatro Xavier, para solenizar a data da sua reabertura sob propriedade e direção do Sr. J. R. Staffa.

“A festa começou com a exibição de vários filmes cinematográficos de incontestável valor artístico. A assistência foi numerosa e seleta, vendo-se nos camarotes representantes do corpo diplomático e distintos cavalheiros e famílias de elevada representação na sociedade brasileira.

“O Sr. Senador Leopoldo de Bulhões compareceu representando o Sr. Presidente do Estado e a Câmara Municipal.

“Após o espetáculo efetuou-se no salão do Teatro uma esplêndida soirée que se prolongou, sempre muito concorrida, até a madrugada.

“Nas danças tomaram parte inúmeras famílias.

“O Sr. Staffa ofereceu a todos os seus convidados, aos quais prodigalizou as máximas gentilezas, um profuso e delicado “buffet”, trocando-se, ao champanhe, várias saudações.

“O serviço de “buffet” esteve a cargo da Confeitaria Falcone.

“Durante a festa fez-se ouvir uma excelente orquestra.

“O Teatro Petrópolis dará hoje matinê e “soirée” a preços comuns.

A grande reabertura foi a convite e o comparecimento assinalou importantes personalidades da vida petropolitana, do Estado e País. Não teve, entretanto, como na inauguração do Teatro Xavier, no dia 6 de fevereiro de 1914, a presença do Presidente da República e esposa.

No dia 2 abriu as portas para o público com a seguinte programação, em sessões contínuas em matinê e “soirée” : “Praia de Skagen”, “Mam’zelle Nitouche”, “O Prisioneiro Real do Castelo de Zenda”.

Jacomo Rosário Staffa, como João Xavier, desejava que o Teatro apresentasse diariamente filmes cinematográficos mas, sempre que possível, peças teatrais, cortinas cênicas e artistas avulsos para se exibirem nos intervalos das mudanças de rolos. Atendendo ao objetivo anunciou no dia 5 de abril:

“A empresa desejando tornar o Teatro Petrópolis o ponto predileto de rendez-vous da sociedade serrana resolveu dar diariamente as sessões teatrais em um só espetáculo.

“Assim, nos dias úteis, as funções começarão as 7 e meia havendo nesse período de tempo um intervalo de 15 minutos para a entrada dos trabalhos puramente de palco.

“Nenhuma alteração de preços acarretará essa útil modificação, porquanto será mantida a tabela seguinte: camarotes: 10$000; poltronas: 1$000; e galerias $500.

“Nos domingos haverá duas sessões”.

Para Staffa era fácil o contato com os artistas avulsos e as companhias de teatro e canto lírico, além da distribuição de fitas cinematográficas, por estar no ramo no Rio de Janeiro desde 1907 quando abriu o afamado “Cinematógrafo Parisiense”, inaugurado em 9 de agosto de 1907, na Avenida Central (hoje Rio Branco) n. 179, no mesmo prédio onde funciona o Inacen, órgão do Ministério da Cultura e o Teatro Glauce Rocha. Era um cinema de apenas 160 lugares, sempre com casas lotadas. Staffa, como um dos pioneiros da atividade, tinha grande prestígio, tornando-se representante das melhores fábricas de filmes, dentre elas a maior de todas na época, a Nordisk, que distribuía os filmes dos maiores astros. O empresário, no apogeu, distribuiu filmes para cerca de 500 cinemas no país. Sua vinda para Petrópolis foi uma conseqüência natural de sua visão empresarial já que arrendava um cinema bem instalado, em prédio apropriado, uma casa digna, na cidade mais importante do país nas temporadas dos verões presidenciais. No mês de julho de 1914, quando o Teatro Xavier ganhava nome e tornava-se um bom ponto de entretenimento, Staffa fez um contrato para exibição de filmes no “Coliseu Luso-Fluminense”, com o empresário Adelino Motta, que anunciou orgulhosamente: “Hoje, contrato com o Cinema Parisiense de R. Staffa – O salão cinematográfico mais freqüentado do Rio”.

O Coliseu era uma enorme tenda de circo instalada na Praça da Inconfidência, com espetáculos variados, a preços populares, onde Staffa auscultou o público petropolitano para o cinema, cedendo filmes para exibição. Provavelmente, desse contato surgiu-lhe a idéia de adquirir o Teatro Xavier, esperando o momento propício, até consegui-lo e explorá-lo com sucesso.

Staffa, que nascera na Itália, a 3 de novembro de 1869, em família de posses, fugiu de casa ainda menino de seus 12 anos, embarcou em navio com destino ao Brasil, em terceira classe, passou a viver de expedientes, contraindo febre-amarela aos 15 anos de idade. Engraxate, jornaleiro, baleiro, vendedor ambulante, condutor de bonde da linha do Jardim Zoológico, travou conhecimento com o recente negócio do Barão de Drummond, o “jogo do bicho”, ganhando alguns contos de réis em uma bem sucedida “fezinha”, aplicando o dinheiro em bancar, por conta própria, algumas apostas, estabelecendo-se com uma porta na Rua do Ouvidor para venda de cartões postais e jogo-do-bicho. Amealhando bom capital, fez um passeio à terra natal, onde viu o grande sucesso que faziam as casas exibidoras de cinema. De volta ao Rio de Janeiro, abriu o “Cinematógrafo Parisiense” e tornou-se empresário empreendedor e muito rico.

Assumindo o Teatro Petrópolis, J. R. Staffa, como assinava e era conhecido, não descurou de suas atividades empresariais no Rio de Janeiro, começando a busca de uma pessoa de empreendimento e tirocínio para assumir a casa.

Encontrou Roldão Barbosa, filho do construtor Adelino Barbosa, com o qual trabalhara na mocidade mas que, no momento, exercia atividades comerciais. Era apaixonado por teatro e cinema; esteve presente, em meio a muitas personalidades, sendo muito jovem e ainda pouco conhecido nas elevadas rodas da cidade, na inauguração do Teatro Xavier naquele esplêndido dia 6 de fevereiro de 1914.

Roldão Barbosa, no dizer do saudoso historiador Gabriel Kopke Fróes foi “sem dúvida alguma, o mais lúcido dos empresários cine-teatrais que Petrópolis até hoje possuiu”. A observação está contida no artigo “O Velho e Saudoso Teatro Petrópolis”, publicado na edição de 23 de novembro de 1964, no “Jornal de Petrópolis”. E ficou para sempre porque nenhum outro, na cidade, foi maior do que ele, na atividade, em todos os tempos.

Nasceu e cresceu em Petrópolis, estudos no Colégio São Vicente de Paulo, estágio cultural nos Estados Unidos, auxiliar do pai nos anos 1910 e 1911, esportista, foi partícipe eficiente na fundação do Petropolitano Futebol Clube, lá no campo da Terra Santa, de saudosa memória. Muito alegre, extrovertido, participava de festas e eventos com seu grupo de amigos. De certa feita, na madrugada de 8 de março de 1914, quando retornava de um baile, sofreu acidente de automóvel na carona de seu amigo Oswaldo Oliver, que bateu contra uma mureta na Avenida Köeler. Os rapazes foram medicados na Farmácia Leite e convalesceram em suas casas, com ferimentos leves e grande susto. Roldão residia com os pais na casa n. 237 da Rua 14 de Julho, hoje Rua Washington Luís, construída por seu pai no ano de 1899, hoje relacionada no tombamento geral do Centro Histórico e à espera de uma boa restauração.

Após os bailes carnavalescos realizados no Teatro Petrópolis nos dias 17 e 18 de fevereiro de 1917, o empresário Staffa preparou a casa para passá-la para Roldão Barbosa. A “Tribuna de Petrópolis”, edição de 4 de março desse ano estampou a seguinte notícia:

” A REABERTURA DO TEATRO PETRÓPOLIS

“A ansiedade do público petropolitano pela reabertura dessa magnífica casa de diversões vai ser, afinal, satisfeita hoje. O arrendatário do Teatro Petrópolis, Sr. Roldão Barbosa, fez organizar um programa que vale ouro, e que será exibido em matinê “soirée”.

“Damos, a seguir, publicidade de todo o programa, pois não há um só filme que desmereça de destaque:

“Ei-lo:
“Festas Esportivas em Christiania, natural
“Em Apuros, comédia da fábrica Luxo
“A Marinha Italiana, primeira série, obra em prol da vitória e da glória da Itália
“Tricot porte Bonheur, filme cômico da Ambrosio, só na matinê.
“Cora, drama em 3 atos, trabalho que será exibido pela primeira vez no Brasil, tendo sido retirado ontem da Alfândega.
“Na “soirée” será exibido, como extra, a segunda série de “A Marinha Italiana”.
“É, como se vê, um belíssimo programa, que atrairá, por certo, ao Teatro Petrópolis grande concorrência”.

J. R. Staffa passou a programar os filmes para o Teatro, escolhendo os lançamentos, estendendo-os à serra e, muitas vezes, nas mesmas datas das estréias no Rio de Janeiro. Na programação dessa reabertura, nota-se o seu dedo patriótico ao exibir filmes de exaltação e glória à rua terra natal, a Itália.

A imprensa petropolitana saudou com entusiasmo o “novo” Teatro Petrópolis, estampando a “Tribuna”, a 6 de março, em sua seção “Crônica de Verão”, o seguinte comentário:

” A reabertura do Teatro Petrópolis anteontem levou a essa elegante casa de diversões enorme concorrência agradando a todos o magnífico programa, no qual fulguravam filmes artísticos e de valor. E, assim, o novo empresário, o simpático e estimado moço R. Barbosa pode começar bem, como que tendo entrado no seu teatro com o pé direito”.

O Teatro Petrópolis se agigantou nas mãos de Roldão Barbosa que diariamente fiscalizava tudo, recebia os espectadores, criando para a casa muitas chamadas estampadas nos programas, no “hall” do Teatro e na divulgação pela imprensa, tais como:
“Salon da Elite Petropolitana”
“Conforto e elegância”
“O melhor Teatro do Estado do Rio”
“Os programas mais variados”
“Verdadeiro triunfo das celebridades cinematográficas”
“As maiores produções do mundo, todas elas possuidoras de milhares de admiradores”
“O Teatro Petrópolis é o melhor cinema do Brasil”
“Pela primeira vez na América do Sul…”, anunciando a estréia do filme “A Irmã Branca”, com Lilian Gish, a grande atriz daqueles tempos.
“O Teatro Petrópolis é exibidor das melhores fábricas do mundo”.

Criada a Prefeitura Municipal, por ato do presidente do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Nilo Peçanha, em agosto de 1916, nomeado o primeiro prefeito, Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz, a preocupação desse consagrado cientista com a saúde e a segurança da população, incentivou um trabalho de redobrada fiscalização nas construções urbanas, mandando o prefeito Oscar Weinschenck, por ato n. 66, de 3 de agosto de 1917, que fosse procedida rigorosa fiscalização no Teatro Petrópolis e nomeando os engenheiros-civis Maurício Morand e Manoel Ribeiro de Almeida e o médico Dr. Eduardo Corrêa de Lemos, instruiu que vistoriassem com rigor aquela casa de diversões. Assim, também, com o Cinema Rio Branco, antigo Floresta.

Os técnicos assinalaram no extenso laudo da vistoria as boas condições do prédio e das instalações, recomendando apenas pequenos reparos. Eis alguns trechos do documento:

“O Teatro Petrópolis é um edifício em alvenaria, de construção recente e em perfeitas condições de estabilidade. Tendo nele procedido exame cuidadoso os peritos notaram apenas alguns defeitos, de correção fácil, relativamente aos recursos em caso de incêndio, à aeração da sala de espetáculos e a parte da instalação elétrica. Os peritos passam a expor esses defeitos, indicando as medidas de correção que lhes parecem convenientes. Quanto aos casos de incêndio, notaram os peritos a falta de canalização d’água capaz de fornecer esse líquido nas condições de pressão e de descarga necessárias para tal eventualidade observaram que, com obra relativamente pequena, poder-se-ia tornar sensivelmente mais rápida e fácil a saída dos espectadores”.

Os peritos especificam, em seguida, as providências técnicas a serem seguidas para sanar os defeitos. Sobre as condições gerais da casa, observam:

“As condições de saída dos espectadores são em geral boas, salvo quanto às galerias do lado direito da pessoa voltada para o palco. É necessário que se construa desse lado uma escada de descida para o segundo pavimento, igual e simétrica da que existe do lado oposto. São muito boas as condições de saída dos espectadores do segundo para o primeiro pavimento. As de saída do primeiro pavimento, porém, conquanto regulares, podem ser facilmente muito melhoradas, transformando-se em portas as duas janelas da fachada nesse pavimento e construindo-se externamente ai escadas semelhantes à que existe em frente à porta entre essas janelas. Essa obra é também julgada necessária pelos peritos porque representa melhoramento de grande alcance tornando muito mais fácil que atualmente a saída dos espectadores.

“A aeração da sala de espetáculos se faz em boas condições, exceto nas proximidades do palco porque pela abertura destinada ao “ponto” penetra na sala dos espectadores ar carregado de umidade e de exalações da terra, e porque o lugar destinado à orquestra fica em ponto baixo onde naturalmente se acumulam os produtos mais pesados da respiração. Tal defeito pode ser corrigido revestindo-se de concreto o solo sob o palco e instalando-se um pequeno exaustor…

“A instalação elétrica está em geral, em boas condições, havendo alguns reparos a fazer a respeito na “cabine” de projeção e no quadro geral de distribuição. A “cabine” de projeção é de madeira mas convenientemente revestida de amianto. Os fios condutores da energia, porém, estão ai em alguns pontos presos por pregos. Tais pregos devem ser substituídos por suportes de porcelana. Há nessa “cabine” um pequeno quadro em madeira que deve ser substituído por outro de mármore…”

O laudo foi firmado em 22 de agosto de 1917. Se as exigências foram cumpridas não ficou assinalado, porém eram de pouca relevância, salvo a parte elétrica e a umidade no setor do palco que, provavelmente, foram corrigidas.

O cinema firmou-se verdadeiramente, com programações atraentes, funcionando durante todo o ano.

A revista “Verão em Petrópolis”, de 20 de dezembro de 1924, comenta em artigo da redação, a excelência dos dois melhores cinemas de Petrópolis, o “Capitólio” e o “Petrópolis”, afirmando em um trecho:

“… dois belíssimos edifícios que honram a cidade e o Estado do Rio, funcionam diariamente e todos exibem programas de primeira ordem, com produções das mais acreditadas e afamadas fábricas, além de turnês artísticas de conhecidas companhias teatrais que sobem a esta cidade. Os nossos teatros por enquanto reuniram sua ação na exploração do divertimento comum: o cinema. A não ser a vinda de artistas avulsos, alguns realmente bons, o cinema invadiu tudo e tornou-se querido, fazendo parte já do programa natural da vida de qualquer cidadão”.

Mais adiante a crônica define a excelência da melhor casa de exibição cinematográfica da cidade, o “Petrópolis”:

“Pertencente ao Sr. J. R. Staffa, está entregue à empresa Roldão Barbosa que imprime, rigorosamente, um cunho de elegância nas suas funções e detém, em primeira mão, filmes suntuosos da Fox, Paramount, First Circuit, Gaummont, Pathé, com os já célebres “Programas Serrador”. Excelente orquestra, ampla sala de exibições, traz artistas avulsos que deliciam a nossa platéia merecendo sempre uma concorrência das mais seletas e elegantes”.

Na noite de 29 de novembro de 1929 chegou o cinema sonoro e o “Petrópolis” era o pioneiro da novidade.

A revista “Verão em Petrópolis”, sintetizou, em artigo da redação, publicado em janeiro de 1930, a euforia e o entusiasmo dos petropolitanos:

“A nossa terra teve, há pouco, uma demonstração positiva de quanto pode a boa vontade de um de seus filhos, aliada ao esforço e à capacidade de trabalho de quem possuindo um espírito adiantado e culto, sente constantemente a ânsia do progresso e da perfeição. Queremos referir-nos ao Sr. Roldão Barbosa, o empresário dos nossos dois grandes teatro (referência ao Cine-Teatro Glória que existiu no local onde hoje está a agência do INSS, na Rua Barão de Teffé) com a sua iniciativa de instalar em Petrópolis a última novidade da arte cinematográfica – o cinema falado, cantado e sincronizado. A aquisição e montagem dos aparelhos pelos quais se fazem as novas exibições, a que o público vem assistindo no Teatro Petrópolis com muito agrado, custaram dezenas de contos de réis”.

Segue-se, no artigo, laudatório elogio à capacidade empresarial e ao destemor de Roldão Barbosa por dotar a cidade dessa evolução do cinema concomitante com o Rio de Janeiro.

Nas décadas de 20 e 30, de Roldão Barbosa, no prédio de J. R. Staffa, o “Petrópolis” e, da empresa Trotta & Ramos em prédio de propriedade de Jeronymo Ferreira Alves, o “Capitólio” foram as maiores casas de lançamentos cinematográficos e coqueluche dos amantes da Sétima Arte.

Funcionavam, ainda, os cinemas “Dom Pedro”, construído por João D’Ângelo, “Glória” e “Santa Cecília”, este explorado pela Escola de Música Santa Cecília sob a administração direta do presidente da entidade, Joaquim Gomes dos Santos. Haviam desaparecido o “Cassino Fluminense”, o “Paulicéia”, o “Central”, o “Floresta” ( depois “Rio Branco”).

Nas quatro décadas seguintes, firmaram-se o “Petrópolis”, o “Capitólio”, o “Dom Pedro” e o “Glória”, este de menor duração, sob Luiz Severiano Ribeiro, e mais o “Cine Art-Palácio” no novo prédio da Escola de Música Santa Cecília, o “Esperanto”, em larga garagem no final da Rua Paulo Barbosa, de propriedade de José Varanda, todos no centro e, nos bairros e distritos, algumas pequenas casas exibiam filmes e a maior delas, construída para a finalidade, o “Cine Garcia”(depois “Santa Teresa”), no Alto da Serra.

O Cinema Capitólio antigo foi demolido e, em seu lugar, surgiu o prédio, ainda existente, construído no decorrer dos anos de 1939 e 1940, inaugurado em 4 de abril de 1940, arrendado da família Ferreira Alves pela empresa Severiano Ribeiro. Mas, esta história merece ser contada em capítulo próprio.

O historiador Gabriel Kopke Fróes sintetiza em seu artigo “O Velho e Saudoso Teatro Petrópolis”, já citado, o que foi a casa de Roldão Barbosa no período áureo. Diz”:

“As “soirées” do “Petrópolis”, no verão, eram como que a sala de visitas da alta sociedade brasileira. As frisas e os camarotes tinham, todos os anos, donos certos, alugados que eram para a temporada. Tal como faziam no Rio, durante o inverno no Municipal, os assinantes visitavam-se durante o espetáculo e, no intervalo, freqüentavam o “foyer”. Também o teatro na era Roldão Barbosa viveu sua fase áurea. Basta dizer que, em 1924, só no mês de fevereiro, exibiram-se no “Petrópolis”, com suas companhias, Maria Olenewa e Ermetti Zacconi… Quem teria coragem de trazer à nossa cidade figuras da projeção da extraordinária bailarina e do grande trágico?”

O CINEMA PETRÓPOLIS

Roldão Barbosa, após tantos anos festejado pela população petropolitana pelo seu “Teatro Petrópolis” e, ainda, pelo “Café Avenida”, que explorou na loja à esquerda do prédio do cinema, com comunicação direta com a casa de espetáculos, além de haver introduzido na cidade o “snooker”, que instalou no mesmo sobrado, assumindo igualmente uma fase do “Cine Glória”, deixa a cidade, estabelecendo-se com casa comercial no Rio de Janeiro.

Emergiam no Rio de Janeiro novos empresários do ramo e, dentre eles, o maior de todos os exibidores brasileiros, Luiz Severiano Ribeiro, com vários cinemas no centro da Capital Federal, nos subúrbios e expandindo sua grandiosa rede para os municípios do Estado. Petrópolis, por sua importância como “Capital de Verão do País”, aguçou o tino empresarial do exibidor. Assessorou Jeronymo Ferreira Alves na construção do novo prédio do “Capitólio”, acendendo polêmica na imprensa petropolitana, notadamente na “Tribuna de Petrópolis”, que reclamava a construção de um teatro sem palco, o que efetivamente aconteceu porque ao empresário só interessava o cinema e havia caído o interesse do público pelos espetáculos de cortina e a atividade teatral não agüentava casas em dias seguidos. O “Cinema Capitólio”, como vimos, foi reinaugurado a 4 de abril de 1940.

Luiz Severiano Ribeiro arrenda o “Cinema Glória” e, mais tarde, o “Dom Pedro”, de João D’Ângelo & Cia., que estava sob o empresário J. A. Pernambuco Júnior. Faltava o “Petrópolis”.

Na noite de 30 de março de 1941, o Cinema Petrópolis exibiu os filmes “Toda Mulher tem Segredo”, “Esposa de Mentira” e os complementos “O Patinho Feliz”, desenho colorido e “Ressurgimento da Baixada Fluminense”, documentário nacional obrigatório. Na matinê os episódios 9 e 10 do seriado “Os Três Mosqueteiros”. Anunciou para segunda-feira, 31 a quarta-feira 2 de abril os filmes “O Filho dos Deuses”, com o consagrado astro Tyrone Power e “Inferno de Mulheres”, com a linda Rochele Hudson.

O programa não foi cumprido porque o cinema fechou no dia seguinte, 1 de abril, “para reconstrução”, conforme aviso divulgado na imprensa local. Em poucos dias o velho sobrado estava derrubado e elevados os tapumes. Os adquirentes do terreno projetaram um edifício de 8 pavimentos, com os três primeiros destinados ao futuro cinema, estes com extensão de 23,80m até a Rua Centenário (hoje 16 de Março), com imponente fachada no estilo art déco que era bastante empregado em edificações para cinemas naqueles anos, frente e fundos do prédio com metragem linear de 15,10m., correspondendo ao prazo de terras n. 113-C. O projeto foi apresentado à Prefeitura Municipal de Petrópolis no dia 3 de junho de 1941, aprovado em julho do mesmo ano, sendo autor o arquiteto Ricardo Lins, engenheiro responsável Miguel Mauro Filho e construtor a empresa Terra, Irmãos & Cia., estabelecida à Rua Mem de Sá, 21, no Rio de Janeiro. O exibidor Luiz Severiano Ribeiro, que já fechara contrato antecipado de arrendamento da casa supervisionou diretamente o detalhamento técnico do futuro cinema, estabelecendo um palco com boca de 15 metros para uma tela de 9 metros, com profundidade inadequada para espetáculos teatrais. Era um projeto de cinema.

Atrás dos tapumes, na poeira ainda depositada e sobre ela as estacas, as vigas, as fundações que subiam, edificava-se um belíssimo cinema, majestoso túmulo e memorial do velho “Petrópolis”, de muitas histórias e saudades, assim como do “Café Avenida”, à esquerda e do “Salão Cosmopolita”, do barbeiro e cabeleireiro de elevado prestígio José Soares, à direita da entrada do teatro; também ainda pairava no ar o aroma açucarado das balas e confeitos de “A Petropolitana”, que por muitos anos, nas dependências do sobrado, adocicou os paladares da meninada e dos adultos.

Na noite de 4 de abril de 1944, já entrando no quarto ano da demolição do sobrado e início das obras do “Edifício Petrópolis”, foi inaugurado o “Cinema Petrópolis” pelo empresário Luiz Severiano Ribeiro, em “soirée” a convite, com direito a um champanhe, recebendo pessoalmente as autoridades, à frente o interventor do Estado do Rio de Janeiro, Almirante Amaral Peixoto e senhora Alzira Vargas do Amaral Peixoto, filha do presidente da República, Dr. Getúlio Vargas e o Prefeito Municipal de Petrópolis Dr. Márcio de Mello Franco Alves e esposa Branca de Franco Alves.

A “Tribuna de Petrópolis”, edição de 4 de abril de 1944, assim noticiou o expressivo acontecimento do dia:

“INAUGURA-SE HOJE O TEATRO PETRÓPOLIS

“Em “avant-première” será exibido o tecnicolor “O Fantasma da Ópera”, em benefício da Maternidade de Petrópolis.

“Inaugura-se hoje o Teatro Petrópolis com uma única sessão, às 20,30 horas, quando será exibido o filme em tecnicolor “O Fantasma da Ópera”, com Nelson Eddy, Susana Foster e Claude Rains.

“A solenidade festiva da reentrada ao público da tradicional casa de diversões, completamente remodelada, dotada que foi com um magnífico salão de projeções tipo Metro e poltronas estofadas, constituirá, por certo, o grande acontecimento mundano da “saison” devendo a renda da bilheteria, num gesto generoso do Sr. Luiz Severiano Ribeiro, reverter em benefício da Maternidade de Petrópolis, tendo aquele empresário cinematográfico convidado para patrocinar o ato as exmas.sras. Alzira Vargas do Amaral Peixoto e Branca Alves”.

Com efeito, o acontecimento estava revestido de todos os cânones daqueles tempos: inaugurava-se o maior cinema da cidade e um dos melhores do Estado do Rio, com poltronas estofadas, grande novidade na cidade, tendo o empresário o cuidado de convidar para madrinhas as duas mais importantes damas da sociedade fluminense: a esposa do interventor e filha do presidente da República e a esposa do prefeito municipal, esta a gestora e dirigente da Maternidade de Petrópolis, para a qual era destinada a renda da estréia do cinema. Perfeito!

O filme exibido era em tecnicolor, técnica que era o grande sucesso do momento; a fita era, ao mesmo tempo, de suspense, musical e baseada em um grande romance da época, lido e endeusado pelos intelectuais e delícia da juventude; “O Fantasma da Ópera” reunia um elenco de primeira, o cantor Nelson Eddy, a soprano Susana Foster e o grande ator de grandes criações Claude Rains. Que programa!

A casa esteve à cunha, como se dizia nos teatros, só que agora o título “teatro” não cabia mais, senão pura a simplesmente “cinema”.

Luiz Severiano Ribeiro dominava a exibição cinematográfica na cidade, senhor de todos os lançamento e dos principais cinemas, deixando aos demais a produção dita “B” e as reprises dos cartazes de maior empatia, que ele esgotava à exaustão em sua rede e depois permitia aluguel para os “poeiras”. Competiu com eles nas programações de suas casas menores, o “Glória” e o “Dom Pedro”. O “Capitólio” ficou no meio termo e o “Petrópolis” traduziu o luxo e o conforto.

No Cinema Petrópolis reunia-se toda Petrópolis e a programação era de primeira, existindo na Rua do Imperador dois pontos de encontro para papos e paqueras: o cinema e a “Casa D’Ângelo”. Tornaram-se famosas as sessões do cinema das 19,30 horas, nos domingos, a “sessão das sete e meia”, que recebiam filas enormes a partir de 18 horas, lotando a casa e com espectadores em pé nos acessos laterais do grande salão. A gerência abria duas bilheterias direcionadas para as duas vertentes da avenida, subindo uma fila para os lados do “Café Coringa” e a outra descendo diante do frontal do “Savoya Hotel”. O público aumentava e delirava quando o cinema exibia as “chanchadas” da Atlântida, onde pontificavam os nomes de Oscarito, Grande Otelo, Anselmo Duarte, Eliana Macedo, Cyl Farney, Fada Santoro, Adelaide Chiozzo, o vilão José Lewgoy, o caricato Wilson Grey, cantoras e cantores de rádio, magníficos elencos de apoio, enfim, bilheteria certa e satisfação garantida. Também nos lançamentos dos domingos (naqueles idos o primeiros dia de exibição era aos domingos) o empresário contratava a exuberante produção da Metro-Goldwyn-Meyer, com seus musicais onde pontificavam os nomes de Gene Kelly, Frank Sinatra, Cid Charrise, Jane Powell, Kathryn Grayson, Mário Lanza, Howard Keel, José Iturbi, Donald O’ Connor, Ethel Merman, Judy Garland, Anne Blytt e muitos outros. Todos os grandes lançamentos de Hollywood daqueles anos dourados tiveram suas estréias na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro no “Petrópolis”.

Em certa fase o “Petrópolis” lançou a sessão “pré-estréia”, iniciando às 10,30 horas, nos domingos, exibindo filmes antes do lançamento comercial ordinário. Os assistentes que lotavam o cinema assistiam filmes realmente inéditos, sem a costumeira divulgação preliminar, sendo surpreendidos ora com bons filmes, ora com produções que não agradavam, mas ficava a sensação nos cinéfilos de uma conquista íntima de superioridade quando se dizia, de boca cheia: “- Eu já vi esse filme na pré-estréia!”

Luiz Severiano Ribeiro, como todo empresário de sucesso, mantinha casa em Petrópolis e a sua, na rua Barão do Amazonas, possuía um mini-cinema onde ele exibia para os amigos e familiares a melhor produção antes do lançamento em seu grande circuito. Seus amigos petropolitanos assistiam, verdadeiramente, as “pré-estréias”, no conforto da bebericação e do encontro cinéfilo verdadeiro.

O “Cinema Petrópolis” abriu poucas vezes sua casa para a comunidade petropolitana e, raramente, para exibições teatrais, porque o “palco” não tinha a dimensão adequada, o mesmo se podendo dizer do “Cinema Capitólio”. Nos finais de cada ano os grandes estabelecimentos de ensino alugavam a sala para formaturas e alguns empresários a utilizaram para espetáculos de música. Não era uma constante e para conseguir a sala era bastante difícil convencer o empresário.

Foi o melhor e maior cinema da cidade. Alimentou de imagens e sonhos a nossa população, sofrendo a natural decadência em virtude do advento da televisão e, com ela, a parafernália da vida contemporânea. Os cinemas, em todos os lugares, foram encolhendo, muitos fechando, resistindo o “Petrópolis”, com aquele gigantismo ocupado por poucos espectadores em cada sessão. Da agitação do passado, o salão conheceu dias de silêncio profundo, quebrado por uma tosse surda aqui e um suspiro ali, ouvidos em meio ao som dos filmes violentos e ruidosos, até o dia de sua capitulação, 21 de abril de 1996.

O patrimônio cultural, naquele espaço criado e sustentado por tantos anos, não pode retornar como antes, existindo essa vigilante constatação na alma de cada petropolitano. Quanto ao patrimônio arquitetônico, este ali está e deve ser preservado. Aos doutos cabe estimar a melhor utilização do salão e entornos de uma forma que preserve a casa e seu passado, sabendo cada petropolitano de bom senso e amor ao patrimônio da cidade, que não pode passar a templo religioso, como se propala e assusta; antes pode se tornar em casa cultural multifacetada, respeitada a magnífica decoração interna de seus idealizadores, não como acontece com o “Capitólio” que mantém o salão para estacionamento de veículos, enegrecendo as paredes e a sensibilidade artístico-cultural da Cidade.

O antigo “Teatro” e o novo “Cinema” – Petrópolis – têm patrimônio cultural a preservar, de lembrança, saudade, documento de duas épocas.

É uma questão aberta enquanto a deterioração avança.

Fontes de consulta: No arquivo e hemeroteca da Biblioteca Municipal de Petrópolis, as coleções da “Tribuna de Petrópolis”, anos 1914 a 1944; “Jornal de Petrópolis”, anos de 1941 a 1943. No meu arquivo particular exemplares da revista “Verão em Petrópolis”, anos de 1922 a 1924; artigo de Gabriel Kopke Fróes: “O Velho e Saudoso Teatro Petrópolis” (23/11/1964, Jornal de Petrópolis); série de artigos publicados no “”Diário de Petrópolis”, sob o título geral “Cinema – 100 Anos”, de minha autoria, a partir do dia 17/12/1995, e nos 7 domingos subseqüentes, terminando na edição de 4/2/1996; artigos meus: na Coluna do Instituto Histórico, da “Tribuna”, intitulados “Os Teatros-Cinemas – 1920 / 1940” (Tribuna de Petrópolis 9 e 10/2/1994) e “Subsídio para uma História da Atividade Teatral em Petrópolis (Revista do Instituto Histórico de Petrópolis, 1988); artigo de Raul Lopes na coluna do Instituto Histórico de Petrópolis, sob o título “Em Torno do Teatro” (Tribuna de Petrópolis, 13/11/1993); e artigo de Alice Gonzaga “Parisiense: Cinema na Avenida Central”, in “Filme e Cultura”, número 47, agosto de 1986, publicação da Embrafilme.