ABREU E LIMA, O BRASILEIRO QUE FOI GENERAL DE SIMON BOLÍVAR – TRAÇOS DE SEU PERFIL MILITAR
Cláudio Moreira Bento, associado correspondente

O presente artigo focaliza a vida e obra do brasileiro Inácio Abreu e Lima, general de Simon Bolívar, filho de Pernambuco que, depois de concluir seu curso de cinco anos na Academia Real Militar (1812-16) no Largo de São Francisco no Rio de Janeiro, envolveu-se como Capitão do Regimento de Artilharia em Recife na Revolução Pernambucana de 1817, junto com seu pai, Padre Roma, que foi executado na sua frente em Salvador. Obrigado pelas circunstâncias, deixou o Brasil e se apresentou a serviço da Independência da Grã Colômbia (Panamá, Colômbia, Venezuela e Equador), onde se destacou como Chefe de Estado-Maior de diversos líderes ente os quais Simon Bolívar, sendo o único a possuir um curso numa Academia Militar, e tendo retornado ao Recife em 1831, onde teve destacada atuação política e jornalística.

SUMÁRIO

Significação histórica do General Abreu e Lima na Venezuela
A falsa imagem de Abreu e Lima, uma interpretação
A real imagem de Abreu e Lima
A falsa visão ultrapragmática de Abreu e Lima
Traços do perfil militar de Abreu e Lima
Soldado do Regimento de Artilharia de Pernambuco
Matrícula na Academia Real Militar em 1812
No 1º Ano Matemático da Academia Real Militar – matérias
No 2º Ano Matemático – matérias
No 3º Ano Matemático – matérias
No 1º Ano Militar – matérias
No 4º Ano Matemático da Academia Real Militar – matérias
Comparação da formação de Caxias e de Abreu e Lima
Indefinições no itinerário de Abreu e Lima, 1816-17
O martírio do Padre Roma segundo seu filho Abreu e Lima
Capitão Abreu e Lima a serviço da Grã-Colômbia
A primeira missão de Abreu e Lima na Grã-Colômbia
Atuação na conquista da ponte de Boyacá
Abreu e Lima, herói de Porto Cabello
Prenúncio de Guerra Civil na Grã-Colômbia
A Guerra Civil na Grã-Colômbia
Comandante da Brigada Pacificadora do Rio Hacha
Fé de Oficio do general brasileiro de Bolívar
Retorno de Abreu e Lima ao Brasil
A opinião de Abreu e Lima sobre a Guerra do Paraguai
Uma explicação para a duração prolongada da Guerra do Paraguai
Conclusão

abreu e lima

General José Ignácio Abreu e Lima (1774-1869)
(Foto IHGB Lata 48, nº1)

Significação Histórica de Abreu e Lima na Venezuela

O historiador Vamireth Chacon na obra – Abreu e Lima – General de Bolívar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, delineou, com apoio em farta e segura documentação, a real dimensão da, até então, muito discutida e controversa vida e obra do ilustre brasileiro de Pernambuco – José Inácio de Abreu e Lima.

Personagem histórica egressa como capitão de Artilharia em 1816, da Academia Real Militar, do Largo de São Francisco, no Rio, hoje a nossa Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende.

Figura heróica e romanesca, se singularizou por haver lutado pela independência da Grã-Colômbia sob as ordens de Simon Bolívar. Participação esta caracterizada por sua atuação em diversas ações militares e, principalmente como tenente-coronel nas batalhas de Boyacá e Carobobo, decisivas, respectivamente, para a libertação da Colômbia e da Venezuela, e que puseram um fim ao controle espanhol sobre a região do Caribe; e mais, na batalha de Ayacucho, a Batalha das Nações, que assegurou a independência do Peru e se projetou como a última batalha da libertação colonial da América do Sul.

Em todas as ações, seja como secretário, chefe de estado-maior e comandante de tropas, impôs-se como “chefe valente, ilustrado e fiel”. Como comandado e comandante conduziu-se com cordura e prudência, constituiu-se exemplo de ordem e subordinação e, por tudo, “benemérito da Venezuela em grau heróico e iminente”, segundo se conclui de atestado muito honroso e lisonjeiro que lhe foi passado em 24 de abril de 1831, por seu último comandante na Venezuela – o general Mariano Montilla, então comandante do Departamento de Magdalena e do qual e Abreu e Lima fora chefe de estado-maior.

Ao retornar ao Brasil, depois de estar 15 anos afastado por seu envolvimento na Revolução Pernambucana de 1817 foi, por atos sucessivos do Império do Brasil, considerado no gozo dos direitos de cidadão brasileiro, sendo lhe permitindo usar os títulos de General da Colômbia e as considerações que este país lhe conferiu, relativas às ações militares de Boyacá, Carabobo e Puerto Cabello, onde teve grande destaque como comandante e honrou sua formação na Academia Real Militar no Rio de Janeiro, e mais, sua placa de Libertador da Venezuela, que vez por outra usava com justificado orgulho.

Hoje, quem visitar o forte Tuma, em Caracas, depara à sua entrada com imponente monumento a Los Próceres da La Independência, no qual, encabeçando a lista dos generais-de-brigada, o turista encontrará o nome JOSE IGNACIO DE ABREU Y LIMA, brasileiro. Inscrição que se constitui em sua consagração militar.

Sua consagração como pensador político independente que foi depois de retornar ao Brasil e até falecer, consta de sua lápide logo à entrada do cemitério dos Ingleses, no Recife, com a seguinte inscrição: “Aqui jaz o cidadão brasileiro, general José Ignácio de Abreu e Lima, propugnador esforçado da liberdade de consciência”.

Faleceu em 8 de março de 1869. Foi lhe negada sepultura no Cemitério Publico, pelo Bispo D. Francisco Cardoso Ayres. Isto por haver recusado a abjurar o seu catolicismo ecumênico do que, talvez, tenha sido um precursor entre nós.

Tentar recompor o itinerário e traços do perfil militar do general Abreu e Lima é nosso objetivo, ao lado de algumas colocações em torno da falsa imagem que tem sido dele projetada e da real que passou a desfrutar, em função do magnífico trabalho de Vamireth Chacon, junto ao Tribunal Brasileiro de Historia. Tribunal que por certo colocará Abreu e Lima na galeria dos heróis brasileiros precursores de nossa emancipação política ao lado de seu pai, mártir da Independência do Brasil e seu homônimo.

A falsa imagem de Abreu e Lima – uma interpretação

Até o livro de Vamireth Chacon, a verdadeira imagem de Abreu e Lima era desvirtuada por conceitos negativos, dúbios, apressados, emitidos no calor das inúmeras brigas, disputas e polêmicas filosóficas, políticas, históricas e até patrimoniais que entreteve com adversários do porte de Ramon Gusman, na Venezuela, Evaristo da Veiga, Regente Diogo Feijó, Cônego Januário da Cunha Barbosa, Visconde de Porto Seguro, Monsenhor Pinto de Campos, Bispo Cardoso Aires, colônia portuguesa no Recife, família Cavalcanti, em Pernambuco e Inquisição, para citar os mais poderosos e importantes.

Assim foi alvo de ataques, farpas, ironias e intrigas diversas, incorporadas à memória nacional por jornais, publicações e registros da época e deles exumados, para usos diversos, sem a devida e serena crítica pelo Tribunal de História.

Segundo se concluiu de Vamireth Chacon, Abreu e Lima foi um solteirão inveterado, dono de um temperamento irascível, impulsivo, agitado, polêmico, do tipo que não levava desaforo para casa . Assim contam-se inúmeros casos de haver ido às vias de fato.

Suas atitudes muitas vezes beiravam o quixotismo. Era um hipocondríaco notável, sempre atormentado por dores de cabeça, mais de fundo afetivo para com seus amigos, o que prova a consideração que os Generais Bolívar e Paez e respectivas famílias lhes dispensavam. Carregava uma mágoa pelos privilégios reservados aos portugueses no Exército e na Academia Real Militar e uma grande admiração e amor por seu pai, cuja execução à morte, por estar implicado na Revolução Pernambucana de 1817, foi obrigado a assistir no Campo Santana ou da Pólvora da Bahia.

Herdara em grande parte o temperamento do pai, sua valentia e até o nome, chegando ao ponto de adotá-lo igual, em 1816, em requerimento.

Era de certo modo puro e ingênuo e presa fácil de diversas intrigas que o envolveram ao longo de sua vida. Por outro lado, era fiel às suas convicções, pensador político fecundo, defensor intransigente da liberdade de consciência e orgulhoso da sua independência do governo, ao qual só recorreu uma vez pedindo que reconhecesse seus títulos e condecorações conquistadas nas guerras de Independência da Colômbia e da Venezuela.

Por todas estas características, segundo interpreto, apareceu no campo das idéias dominantes e cristalizadas de seu tempo, “à semelhança de um macaco solto numa loja de louças e cristais”. Com isto despertou as mais variadas reações e ataques preventivos de seus diversos contendores e entre estes, cite-se, os próprios irmãos.

Argeu Guimarães ao estudá-lo, em 1920, percebendo as contradições do General de Bolívar que despertou à época em que viveu tantas reações e inimizades, escreveu:

“Não há por que deprimir Abreu e Lima pelas contradições que o afligem, elas muitas vezes são aparentes. Por que, em realidade, se trata de um alto espírito que não cessa de evoluir.”

A real imagem de Abreu e Lima

Vamireth Chacon, com sua autoridade de historiador das idéias políticas e autor inclusive dos excelentes trabalhos traçando o perfil parlamentar e pensamento político, 1982, do senador Manoel Luís Osório, Marquês do Herval e do deputado Euclides de Figueiredo, assim apresenta o seu coestaduano, com apoio em análise modelar e isenta, em que pese o apreço, profunda admiração e, até certo ponto, identificação com o general Abreu e Lima, conforme o referiu:

“Liberal radical, transformado em liberal moderado clássico. Defensor da monarquia hereditária constitucional, socialista utópico e católico ecumênico”.

Para Morivalde Calvet Fagundes em A Maçonaria e as Forças Secretas da Revolução, Abreu e Lima atuou como um maçom liberal retrógrado e reconstrutor, ao lutar no Brasil pela restauração de D. Pedro I no trono do Brasil, após haver estado com este na Europa. E assim sendo, se opunha aos “maçons moderados e exaltados atuando no Rio de Janeiro”.

Abreu foi, ainda na Venezuela, envolvido em intrigas por sua posição favorável à monarquia constitucional hereditária. Posição expressa em carta ao general Santander, 14 de junho de 1823, da seguinte forma:

“Concordar com o sistema imperial constitucional é o passo mais acertado para os brasileiros. Pois, toda a outra forma de governo nos teria confundido e reduzido a uma completa anarquia e dissolução. O Brasil é imenso e povoado somente no litoral, por uma mistura de classes que jamais se uniria sob nenhum sistema, que se afaste muito do sistema imperial antigo”.

Fica claro que Abreu e Lima foi à Venezuela e Colômbia lutar pela independência e não pela República. Portanto, era coerente sua atitude, ao retornar ao Brasil, de defender o retorno de D. Pedro I, e na sua ausência sua irmã, a Princesa D. Januária, como regente.

Ainda em 1840, como sinal de vitória de sua tese, visitou o Imperador D. Pedro II para cumprimentá-lo pela maioridade. E o fez fardado de General da Colômbia, com todas as suas condecorações. Daí em diante não mais usou a farda e as medalhas conquistadas em combate e somente, vez por outra, a placa de Libertador da Venezuela.

Deixando a política, dedicou-se a escrever seu primeiro trabalho – Compêndio de História do Brasil… Ele o dedicou:

“Ao muito alto, muito poderoso Senhor D. Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil – em sinal de profundo respeito e da mais pura afeição”.

Talvez se San Martin, adepto da Monarquia Constitucional, não tivesse sido voto vencido em sessão maçônica em Guaiaquil, da qual se retirou abruptamente e em silêncio, para a Europa, vencido pelo ponto de vista de Simon Bolívar, republicano constitucional, outro seria hoje o mapa da América do Sul. Talvez constituída de três ou quatro poderosas nações.

A manutenção da unidade do Brasil, com a Monarquia, em contraposição com o fracionamento da unidade da América do Sul espanhola, com a República, parece comprovar o acerto do ponto de vista do brasileiro general de Simon Bolívar, que defendeu o libertador até seus últimos instantes com a pena e nos últimos instantes com a pena e com a espada, o que os bolivarianos nunca devem olvidar.

Abreu e Lima, em sua posição monárquica, não se deixou levar por mágoas contra a monarquia absoluta em Portugal, em nome da qual seu pai foi fuzilado à sua vista em Salvador, em 1817, por estar envolvido na Revolução Pernambucana, em função da qual ele foi obrigado a afastar-se do Brasil por 15 anos.

Penso que o acolhimento de Abreu e Lima pelos ingleses em seu cemitério, no Recife, liga-se à sua vinculação à Maçonaria Inglesa ou azul defensora da Monarquia Constitucional.

A falsa visão ultrapragmática de Abreu e Lima

O erro mais grave e o maior desserviço à memória de Abreu e Lima foi cometido por analistas apressados e ultrapagmáticos, ao explorarem sua figura como precursora do Comunismo e depois do Socialismo no Brasil. Isto por terem-no julgado apressadamente um anticlerical, acatólico e filho natural de um padre que por esta razão alimentou diversas polêmicas com a Igreja e seus ministros, como a de acusar a Bíblia de falsa e criticar a Inquisição em sua época. Atitudes que terminaram por ser-lhe negada sepultura em cemitério público, que era também o católico, em função da união da Igreja com Estado no Império.

No campo das idéias por haver recebido o apelido de General das Massas em relação às suas preocupações pelo povo, ao retornar da Venezuela, por haver escrito livro sob o título Socialismo; por haver estudado e clinicado Homeopatia no Recife e idealizado torná-la acessível à população mais carente do Recife; por haver feito sua malograda campanha de deputado, junto aos trabalhadores do porto de Recife e por outros motivos.

Situação agravada pelos incontáveis ataques que recebeu de seus inúmeros adversários que terminaram por confundir e desvirtuar sua real imagem póstera.

Os que o tem explorado assim – desistiram de fazê-lo. Abreu e Lima não foi nada disso, conforme o provou Vamireth Chacon.

Traços do perfil militar de Abreu e Lima

Soldado de artilharia do Regimento de Pernambuco

José Ignácio de Abreu e Lima nasceu no Recife, em 8 março de 1794, quando seu pai José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima – conhecido pela alcunha de Padre Roma, possuía 26 anos. Consta com apoio em diversos documentos que seu pai, grande orador, ousado e valente, havia estudado antes no Convento do Carmo de Goiana, com o nome de Frei José de Santa Rosa. E que dali seguira para Europa, onde se graduou em Teologia, em Coimbra, e fora sagrado padre em Roma (daí seu apelido de Padre Roma) pelo mais tarde Papa Pio VII, que o secularizaria por breve oficial. Estes dados não estão ainda comprovados por documentação firme e segura.

Para Argeu Guimarães, Abreu e Lima herdara do pai “o temperamento impulsivo e agitado, caráter veemente, espírito insatisfeito e acentuada fisionomia de batalhador e idealista”

Segundo se conclui do historiador pernambucano Pereira da Costa, Abreu e Lima estudou em escola secundária leiga que passou a funcionar no Seminário de Olinda, inaugurado em 22 de fevereiro de 1800, por D. Azeredo Coutinho, Bispo de Olinda e Governador Civil de Pernambuco. Seminário que, segundo o mestre Pedro Calmon, se constituiu num dos núcleos revolucionários mais intensos e influentes desse tempo.

Seminário que teria grande projeção na Revolução Pernambucana de 1817, chamada ainda por Pedro Calmon de “Revolução dos Clérigos”, pois nela tomaram parte, segundo Renato Alencar, 60 padres e 10 frades, e quase todos os maçons. Estes, iniciados, em maioria, em loja maçônica criada em Pernambuco em 1809, da qual faziam parte João Ribeiro Pessoa, alma da Revolução, e o padre Miguelinho, ambos professores do Convento de Olinda. Segundo Morivalde Calvet Fagundes, iniciados maçons em Lisboa, em 1807. A esta Loja de Pernambuco teria pertencido de forma atuante o padre Roma, pai de Abreu e Lima. Abreu e Lima, na escola Ieiga do Convento, segundo Pereira da Costa, adiantou-se em Humanidades (Latim, Filosofia, Retórica e Francês).

Em 1811, ao conhecer a carta de lei de 4 de dezembro de 1810, do Príncipe D. João, que criou a Academia Real Militar, Abreu e Lima assentou praça no Regimento de Artilharia da guarnição de Pernambuco, com parada em Recife (local defronte à Santa Casa em 1824 – fim da Rua Larga do Rosário).

Esta unidade, ao lado do Convento de Olinda, irá ter papel decisivo na Revolução Pernambucana de 1817. Nela teve lugar, na revolta e tomada do quartel pelos revolucionários. Revolta cujo início foi assinalado pela morte, a golpe de espada, do comandante do Regimento, Brigadeiro Manoel Barbosa da Costa, fulminado pelo capitão José Barros de Lima – O Leão Coroado, do mesmo Regimento, e com auxílio de seu genro.

Abreu e Lima ao ingressar, o fez como soldado. Tinha que provar perante um Conselho do Regimento, formado pelo comandante, auditor e três capitães, idoneidade e filiação.

É possível que os seus futuros colegas, capitães de 1816 e revoltosos do citado Regimento, tenham lhe atestado idoneidade e filiação: Capitães Domingos Teotônio, Jorge Martins Pessoa, José Barros Lima e Amaro Francisco de Moura.

Assim, antes de partir para o Rio, Abreu e Lima havia tomado contato com os três mais influentes núcleos da Revolução nativista de 1817 em Pernambuco, e mais, com o Regimento de Artilharia, onde era muito grande a animosidade entre oficiais brasileiros e portugueses.

Matrícula na Academia Real Militar

Em 10 de setembro de 1811, o Conde de Linhares autorizou a matrícula de Abreu e Lima, no ano 1812, nos estudos da Academia Real Militar nos seguintes termos, em aviso à Junta da Academia:

“Aviso sobre:
JOSE IGNACIO DE ABREU E LIMA MELLO
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor – O Príncipe Regente nosso Senhor maior, houve por bem conceder licença a JOSE IGNACIO RIBEIRO DE ABREU E LIMA MELLO, Soldado da oitava Companhia do Regimento de Artilharia da Guarnição da Praça de Pernambuco, para poder matricular-se nos estudos da Academia Real Militar, ao ano próximo futuro.
Ass: Conde de Linhares”.

Em 15 de abril de 1812, o segundo ano de funcionamento da Academia Real Militar no Largo de São Francisco, Abreu e Lima foi matriculado na Academia como segue, conforme o livro de matrícula:

“JOSE IGNACIO RIBEIRO DE ABREU E LIMA – José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima, soldado de Artilharia de Pernambuco, de idade de dezessete para dezoito anos, foi admitido à matrícula do primeiro ano Matemático na classe obrigatória, por despacho da Junta Militar, em 15 de abril de 1812”.

Abreu e Lima ingressou na Academia Militar Real como soldado de Artilharia e não como cadete. A condição de soldado, bem como a de cadete de Artilharia pela Carta de Lei que criou a Academia, caracterizava a classe dos obrigados à graça, distinta dos demais, da classe dos voluntários. Como obrigado passou a receber o soldo e farinha (alimentação) de sargento de Artilharia, de igual forma que os cadetes de Artilharia. Ainda como obrigado, Abreu e Lima passou a participar de acordo com a Carta de Lei que criou a Academia Real Militar, com maior rigor dos Exercícios Científicos e a dar aulas teóricas e praticas.

Passou a concorrer, ao final do ano com os prêmios (partidos) em dinheiro conferidos aos alunos de maior distinção.

Os obrigados também se distinguiam dos voluntários por estarem sujeitos a praticar no Regimento de Artilharia nos dias que a Junta da Academia ordenasse, em acordo com o comandante do Regimento e sem prejuízo dos estudos.

Assim, Abreu e Lima não ingressou como cadete na Academia Real Militar, condição conferida aos filhos dos majores de 1ª linha de Portugal e postos superiores e dos mestres de Campo de Auxiliares e Ordenanças e outros que, por seus pais e quatro avós provassem nobreza notória. Assim, não era exigida nobreza notória para o ingresso na Academia.

Acreditamos que a condição de soldado e de cadete de Artilharia fosse precursora da classe nobre de soldado particular criada, em 1820, por D. João VI, oito anos depois da matrícula de Abreu e Lima e destinada aos filhos da burguesia, ou a filhos de pais notáveis no mundo civil “pelo emprego ou cabedais”.

Classe criada com a de segundo cadete destinada aos filhos dos oficiais de 1ª linha no Brasil e aos condecorados, com alguma ordem de Portugal.

Como todos os alunos da Academia Real Militar, Abreu e Lima passou a desfrutar os privilégios e franquias concedidos aos alunos da Universidade de Coimbra.

Em 1818, decorridos seis anos de sua matrícula, foi permitido que filhos legitimados gozassem privilégios dos pais, para os efeitos do Estatuto do Cadete.

O curso na Academia Militar Real era inicialmente de sete anos. Destes, os quatro primeiros matemáticos, ao final dos quais o aluno era designado oficial do Exército de Portugal, bem com a respectiva Arma. Os três últimos anos eram os militares: cinco, seis e sete anos. A carta de lei exigia que para sair Alferes de Cavalaria e Infantaria era necessário o 1º matemático e o 1º militar (quinto da escola).

O executivo da Junta da Academia cumulativamente com direção de exercícios militares anuais da Academia Real Militar de ataque e defesa de praças era o coronel de Engenheiros Mário Jacinto Nogueira da Gama, de fato o primeiro comandante na extensa e honrosa galeria de ex-comandantes ou dirigentes da hoje Academia Militar das Agulhas Negras em Resende.

O coronel Jacinto atingiu o marechalato e o título de Visconde de Baependi. Foi ministro do Império, deputado senador e presidente do Senado no Império e autor do primeiro orçamento unificado do Brasil.

Foi na Fazenda de Santa Mônica, por ele construída, em Valença, que passou os últimos 800 dias de vida e faleceu, em 7 de maio de 1880, o Duque de Caxias, aos cuidados do filho do Visconde de Baependi, que era casado com uma das suas filhas, a baronesa de Santa Mônica .

No 1º Ano Matemático da Academia Real Militar – 1812

Abreu e Lima cursara sucessivamente o 1º, 2º e 3º anos do Curso Matemático e o 1º ano do Curso Militar. Deixara a Escola depois de maio de 1816, quando cursava o 4º e último ano Matemático. Deduz-se que, como obrigado, tenha praticado durante todo o tempo no Regimento de Artilharia do Rio de Janeiro.

O Duque de Caxias tirara curso equivalente ao de Abreu e Lima. Ou seja, freqüentara sucessivamente o 1º Militar, 2º Matemático e 3º Matemático. Não chegou a iniciar o 4º Matemático como fez Abreu e Lima, sem concluí-lo.

A hierarquia escolar funcionava. Abreu e Lima entrou como soldado proveniente do Regimento de Artilharia da Bahia. O posto predominante era o de cadete e havia até majores.

Abreu e Lima trazia como vantagem seus conhecimentos de latim e francês aprendidos na escola do Convento de Olinda. Isto dava status especial, de colocação na cabeça da lista de matrícula e, ao final do curso, uma vantagem para escolha do local para servir, conforme regulamento da Academia.

As matérias previstas no 1º ano eram Aritmética, Álgebra (equação 3º, e 4º graus), Geometria, Trigonometria Retilínea e noções de Esférica e Desenho. Eram indicadas obras específicas dos seguintes autores franceses:

Sylvestre François Lacroix (1765-1843) – Matemático
Adrien Marye La Gendre (1752-1834) – Geometria
Jean Baptista J. Delambre (1759-1808) – Astrônomo
Euler Leonard (1707-1783) – Geômetra (suíço).

Abreu e Lima continuou como soldado de Artilharia e se mostrou muito assíduo, com só duas faltas em abril e duas em maio justificadas.

No 2º Ano Matemático da Academia Militar Real – 1813

As matérias previstas foram Resoluções de Equações, Analítica, Cálculo Diferencial e Integral, Descritiva e Desenho.

A Carta de Lei indicativa das obras específicas dos seguintes mestres franceses:

Sylvestre François Lacroix (1765-1843) Matemático
Gaspar Monge (1746-1818) Geometria.

Durante todo o curso Abreu e Lima continuou como soldado de Artilharia, depois de matriculado em 2 de abril. Seu nome apresentou a supressão do sobrenome Mello e a apóstrofe em d’Abreu. Foi assíduo, com faltas justificadas: quatro em maio; quatro em julho e duas em agosto e outubro.

Ao final do ano, em 24 de novembro de 1813, figurou como Furriel do Regimento de Artilharia de Pernambuco, requerendo promoção a 2º Tenente.

No 3º Ano Matemático da Academia Militar real – 1814

Em função de sua dedicação aos estudos, foi matriculado no 3º ano, em 21 de março de 1814, na condição de 2º Tenente do Regimento de Artilharia de Pernambuco e com o nome José Ignácio Ribeiro d’Abreu e Lima. De sua assiduidade dizem suas faltas: abril: duas; maio: uma justificada, outra não; junho: uma justificada, julho: três justificadas e três não; agosto: idem; setembro: três; outubro: três justificadas; novembro: quatro justificadas. As matérias previstas foram Mecânica (Estática e Dinâmica); Hidráulica (Hidrodinâmica e Hidrostática); Balística e Desenho. Foram indicados os seguintes autores, franceses e dois ingleses:

Louis Benjamin Fracoeur – Mecânica;
Gaspard Clair François M. Prony (1755-1839) – Hidráulica;
Olinthus Gilbert Gregory (1774-1841) – Mecânica (inglês);
Jean Antoine Fabre (1749-1834) – Engenheiro;
Adabe Charles Bossut (1730-1814) – Matemático;
Etienne Bezout (1730-1783) – Matemático;
Benjamin Robins (1707-1751) Matemático (inglês);
Leonard Euler (1707-1783) – Geômetra (conhecido como Eulero).

No 1º Ano Militar Academia Real Militar – 1815

Em 5 de março Abreu e Lima foi matriculado no 1º ano militar da Academia, que correspondia ao 5º ano do curso completo. Interrompeu assim o Curso Matemático.

Este ano era atribuído a dois professores. O primeiro lecionava Tática, Estratégia, Castramentação (Arte de Acampar), Fortificação de Campanha e Reconhecimento de Terrenos. O segundo professor lecionava Química.

Para assuntos militares devia-se atentar no que de importante havia aparecido sobre a matéria e, em especial nos escritos dos generais franceses:

– Barão Simon François Gai de Vernon (1760-1822). Havia sido capitão de Engenheiros em 1790 e servido com distinção no Exército do Reno (1792-93). Como major-general no Exército do Norte ele fez aceitar o plano de campanha de que resultou as batalhas de Honds, Choote e Menin e a libertação de Dunquerque. Integrou a direção da Escola Politécnica de 1798-1811. Fez a campanha de 1812 e dirigiu, em 1813, a defesa de Torgau.
Era autor de duas obras notáveis sobre Fortificações de Campanha.
– Conde de Cessac, Jean Girard Lacuée (1752-1841). Capitão em 1785. Integrou, em 1789, Comitê instituído pela Assembléia Francesa para reorganizar o Exército da França. General de Brigada, em 1793, encarregado de organizar a defesa da Fronteira dos Pirineus. Dirigiu o Bureau de Guerra em 1795. Presidente de Seção de Guerra do Conselho de Estado, em 1803. Ministro da Guerra em 1808, Inspetor Geral de Infantaria, 1814. Autor das seguintes obras:
O guia de oficial em campanha – 1786, 2v.
Projeto de Organização do Exército Francês – 1789.
Arte militar (sobre Tática e Estratégia depois da Revolução Francesa).

Portanto, as obras sobre Fortificações em Campanha do General e Barão Gay de Vernon, juntas com as sobre Artilharia (Estratégia e Tática) e Serviço em Campanha, do Conde Cessac, tiveram grande influência na formação dos oficiais egressos de nossa Academia Real Militar.

Como curiosidade, D. João, obrigado por Napoleão a transferir-se para o Brasil com a Família Real, baseou o ensino matemático em cientistas franceses e o ensino militar em obras de dois generais franceses que se destacaram na formulação da Doutrina Militar da Revolução Francesa, que abordamos pela Cadeira de História da Academia Militar e de forma sintética na obra: AMAN. História da Doutrina Militar da Antigüidade à II GM. B. Mansa, Gazetilha. 1979 – p.79.

Abreu e Lima estudou nestas obras em 1815 e o futuro Duque de Caxias em 1819.

O curso de Química era baseada na obra dos seguintes cientistas franceses:
Antoine Laurenti Lavoisier (1743-1794);
Louis Nicolas Vauquelin (1763-1825);
Antonio François Fourcroi (1755-1809); e
Jean Antoine Chaptal (1752-1832).

O curso de Estratégia, Tática e Serviço em Campanha de Abreu e Lima de 1815 foi complementado com os quatro anos de exercícios práticos no Regimento de Artilharia, e mais, nas manobras anuais da Academia, de ataque e defesa de praças. Isto conferiu a Abreu e Lima uma muito boa formação militar para a época e da qual iriam se beneficiar as guerras de libertação da Colômbia, Venezuela e Peru e os generais da Colômbia e Venezuela de que Abreu e Lima foi Chefe de Estado- Maior.

No 4º Ano Matemático da Academia Real Militar – 1816

Abreu e Lima foi matriculado no último ano matemático, em 6 de março de 1816. Sabe-se que freqüentou março e abril com 11 faltas justificadas. Daí por diante é um mistério o seu itinerário, que carece ser mais esclarecido.

Sabe-se que em 11 de maio de 1816 havia atingido o posto de Capitão de Artilharia, com 22 anos, a concluir por requerimento que fez ao Secretário da Junta da Academia, no sentido de que certificasse se ele havia freqüentado, ou não, matriculado, o quinto (4º Matemático) da mesma Academia.

Em resposta, deduz-se que havia freqüentado, matriculado, “tendo cometido 11 faltas justificadas na freqüência dos meses de março e abril de 1816”.

Aí terminam os registros de Abreu e Lima na Academia Real Militar onde ele ascendeu por estudos e valor, em quatro anos, do posto de Soldado ao de Capitão de Artilharia. Seus conhecimentos de francês, em curso à base de obras francesas, deve haver sido de real valor para ele como aluno e monitor.

A Carta de Lei que instituiu a Academia Real Militar, por certo, foi obrigada em seu início a queimar etapas e dispensar diversas exigências. Pois são diversas as exceções ao espírito da Lei. Por exemplo, a idade de ingresso era 15 anos e Abreu e Lima o fez com 18 anos, talvez com a ressalva “de obrigado e graça”.

Comparação: Formação de Caxias e Abreu e Lima

Abreu e Lima freqüentou a Academia Real Militar de 1812-1816 e o futuro Duque de Caxias, o maior de nossos generais, de 1818-21. Abreu e Lima ingressou aos 18 anos como Soldado de Artilharia “de obrigado e graça”. Saiu pouco mais de quatro anos depois como Capitão de Artilharia, aos 22 anos, depois de ser Furriel e 2º Tenente.

Caxias ingressou aos 15 anos, como Cadete de Infantaria e voluntário. Saiu quatro anos depois como Tenente de Infantaria, aos 19 anos, tendo passado a Alferes ao final do 2º ano de curso. Caxias galgou a posição de maior de nossos generais sem freqüentar outra escola que não a da Academia Real Militar.

Ambos foram influenciados pela Doutrina Militar da Revolução Francesa, particularmente através das obras do General e Barão Cessac. Abreu e Lima teve a vantagem do conhecimento da língua francesa na Escola do Seminário de Olinda.

Indefinições no itinerário de Abreu e Lima (1816-1817)

Não se dispõe de fontes firmes e seguras sobre o itinerário de Abreu e Lima, entre sua saída da Academia Real Militar e sua fuga, com apoio da Maçonaria, para os Estados Unidos em 1817.

Da Academia, penso, tenha retornado para o Recife, para o seio de sua unidade de origem – o Regimento de Artilharia, de onde saíra como soldado pouco mais de quatro anos antes. Ali teria encontrado um ambiente hostil e dividido por forte animosidade, entre oficiais brasileiros e oficiais portugueses servindo na unidade.

Assim acreditamos que, por seu temperamento, Abreu e Lima tenha se envolvido num incidente com oficiais portugueses, classificado de indisciplina grave. Inicialmente, o que teria resultado seu envio preso, para a Fortaleza de São Pedro, em Salvador “por assuada, resistência e ferimento”. Ou seja, por reunir gente armada para motim, resistir à prisão e ferir os que o prenderam. Pensamos que este fato teve repercussão muito negativa nos seus colegas capitães brasileiros do citado regimento em Recife que iriam desempenhar papel decisivo na eclosão da Revolução Nativista de 1817.

Primeiro, o Capitão Domingos Telônio que estivera na Bahia em contato com os maçons, bem como no Rio de Janeiro, antes de se colocar na liderança militar do movimento nativista. Segundo, o Capitão José de Barros Lima, “O Leão Coroado”, que, ao fulminar com a espada o comandante do Regimento, marcou o início da Revolução de 1817. Julgamos que Abreu e Lima se envolveu na Revolução e era peça importante da mesma na Bahia, pois, quando seu pai se dirigiu à Bahia e foi preso em caminho com um filho menor, ia com a missão de entender-se com os maçons e visitar seu filho homônimo preso, talvez para conspirar com ele.

Lamentavelmente seu pai foi preso e julgado. E Abreu e Lima, como um duplo e muito penoso castigo, foi obrigado a assistir seu fuzilamento.

E esta visão do martírio do seu pai pela causa da Independência do Brasil, por certo o marcou fundo para o resto da vida, o que o faz merecedor de todos os brasileiros de um profundo respeito e admiração.

Impressionou-o, sobremodo, o eloqüente e histórico exemplo de coragem que seu pai e mártir da Independência lhe deu ao assim proceder.

O Padre Roma, a 29 de março, véspera do Domingo de Páscoa, marchou serenamente para a morte, depois de reconciliar-se com Deus. Dispensou a venda nos olhos. Volvendo-se para o pelotão de fuzilamento falou, segundo Argel Guimarães, pondo a mão sobre o coração:
“Camaradas eu vos perdôo a minha morte. Lembrai-vos que aqui é a fonte da vida! Atirai!”

Inscreveu-se assim, heroicamente, dentro dos maiores mártires da Independência do Brasil e na lista mais autêntica da nobreza do Brasil independente, a nobreza do martírio pela Independência da Pátria.

Abreu e Lima teve preocupação em demonstrar possuir nobreza de sangue. Se ele possuiu não conseguiu provar. E hoje é desnecessário tentar fazê-lo, por possuir ele, como seu pai, a nobreza do martírio e do sofrimento pela independência do Brasil, os quais ajudaram a conquistar como revolucionários em 1817.

Por esta razão devem não só serem considerados como, principalmente, tratados como heróis da independência do Brasil.

Decorridos seis meses do fuzilamento de seu pai, Abreu e Lima conseguiu, com apoio da Maçonaria, evadir-se da Fortaleza São Pedro, em fevereiro de 1818. Segundo se conclui de Argeu Guimarães, Abreu e Lima nasceu quando seu pai ainda era padre, e que teve legitimados os filhos por breve apostólico, depois de deixar as vestes sacerdotais.

Sobre a mãe de Abreu e Lima não existem referências. Vamireth Chacon refere-se à firma Viúva Roma e Filhos, da qual Abreu e Lima participou com seus irmãos no Recife, depois de mudar-se em definitivo para lá, na época da Revolução Praieira.

O martírio do Padre Roma, segundo seu filho Abreu e Lima

De retorno ao Brasil e decorridos 26 anos do martírio de seu pai pela causa da independência do Brasil, Abreu e Lima assim o descreveu em seu Compêndio de História do Brasil – 2v.:

“No momento em que escrevo estas linhas, tantos anos depois, assalta-me todo o horror daquela tremenda noite. Nela fui quase companheiro da vítima. Era eu que parecia o condenado, e não ele. Vi morrer milhares de homens nos campos de batalha e muitos nos suplícios. Mas, nunca presenciei tanta coragem, tanta abnegação da vida, tanta confiança nos futuros destinos da sua pátria. Enfim, tanta resignação.

Era o meu pai quem me animava, porque eu parecia inconsolável. Uma mão de ferro me arrancava o coração. Meu pranto e minha dor comoviam a todos que se achavam presentes.

Era mister separar-me, então, para dar alívio às minhas lágrimas. E me conduziam a outra prisão, de onde eu voltava depois, a poder de minhas súplicas. Isto, até que foi forçoso me arrancarem dos braços de meu pai para sempre.

Uma circunstância, mais do que todas, vinha, de quando em quando, agravar essa espécie de martírio com que os algozes de meu pai queriam amargurá-lo ainda mais que tudo.

Um moço de compleição muito débil e delicada, fora preso em sua companhia (irmão de Abreu e Lima). E achava-se metido em um dos imundos calabouços do oratório chamado “Segredo”.

Nu e estendido sobre a lama, mais parecia um espectro do que ser vivente. Coberto de lodo, faziam-no sair algumas vezes para que meu pai o visse. Nesse momento, terrível para seu coração de pai, parecia comovido. Beijava o meu irmão, e como para distrair-se dirigia a palavra a algum dos sacerdotes que o acompanhavam.

Com toda essa prova de tremenda e brutal ferocidade, não fez desmentir, um só instante, a sua resignação como filósofo e como cristão.

Chegando ao lugar de suplício, fez um pequeno discurso alusivo à sua situação, desculpando os soldados do ofício de algozes. Depois, pediu-lhes que atirassem com sangue-frio para não martirizá-lo. Elevando ambas as mãos algemadas ao peito, fez delas o alvo de seus tiros.

Durante o Conselho de Julgamento protestou contra a sua competência. Defendeu-se sem culpar ninguém. E negou-se a todas as sugestões que lhe fizeram para descobrir o objeto da sua missão.

No oratório, ninguém lhe ouviu uma queixa contra pessoa alguma. E no lugar do suplício excedeu em magnanimidade a todos quantos o precederam, na mesma desgraçada sorte.

Os baianos viram como morreu um homem livre. A lição devia ficar-lhes impressa”.

Por isto, julgamos que José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima, pai e filho, são credores do reconhecimento nacional à altura do martírio que esta página traduz.

Abreu e Lima a serviço da Grã-Colômbia

Depois de um ano e um mês desde sua fuga da Bahia, Abreu e Lima chegou em La Guaira, em outubro de 1817. Ali ingressou como capitão nas forças da Grã-Colômbia (Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá) sob a liderança do General Simon Bolívar.

Ao oferecer seus serviços, em carta a Bolívar, declinou sua condição de egresso da Academia Real Militar do Rio, haver sido instrutor de oficiais em Angola e lecionado Matemática.

Oferecia seus serviços e sua disposição de sacrificar-se pela independência da Venezuela.

Lutaram pela mesma causa, segundo Vamireth Chacon, na obra citada sobre Abreu e Lima, o irmão deste, Luiz Ignácio Ribeiro Roma, que o acompanhou desde a Bahia, Francisco Antônio Barreto, Emiliano Benício Mundrucu e o poeta José Natividade Saldanha.

Abreu e Lima ligou-se por laços de admiração e respeito recíprocos aos seguintes generais, entre outros, da Grã-Colômbia que o comandaram e que regulavam em idade com ele:

Simon Bolívar: Abreu e Lima ligou-se muito a Bolívar, o defendeu com sua espada e com sua pena. Foi chefe de Estado-Maior do Departamento de Madalena e protegeu Bolívar até seus derradeiros momentos em Santa Marta.

José Antônio Paez (1790-1873). Foi fundador da Venezuela e seu Presidente por três vezes em 1830, 1838 e 1861. Abreu e Lima ligou-se a fundo a este chefe, cuja esposa Bárbara o tratou como a um filho quando esteve quase à morte em Maracay.

Esteve com o General Paez em Boyacá, Carabobo, Queceras del Médio e Puerto Cabello. Paez promoveu Abreu e Lima a Tenente-Coronel e a Coronel. A ele Abreu e Lima dirigiu, em 1869, uma carta célebre que o Diário de Pernambuco, do Recife, transcreveu em 20 e 21 de março de 1873.

Carlos Soublette. Abreu e Lima foi chefe de Estado-Maior deste general depois da Batalha de Boyacá, percorrendo então o Norte e o Vale do Apure e o Oriente. Soublette foi Ministro da Guerra de Bolívar e depois Presidente da Venezuela. Era um talentoso e ilustrado chefe. Abreu e Lima foi honrado em ser por ele requisitado para servir depois de Carabobo.

Rafael Urdaneta (1789-1845) lutou pela independência de vários países. Foi Presidente Provisório da Colômbia em 1830, cargo que ofereceu a Bolívar e este recusou. Foi ele que promoveu, a pedido de Bolívar, o brasileiro Abreu e Lima a General da Grã-Colômbia em 1830. Deposto com a separação da Colômbia da Grã-Colômbia, foi para Venezuela onde foi Senador e Ministro. Faleceu em Paris quando, na Europa, negociava a independência da Venezuela. Abreu e Lima fora seu chefe de Estado-Maior no Departamento de Zulia, 1826-27.

Antônio José de Sucre (1795-1830). Um dos mais ilustres imediatos de Bolívar. Libertou o Equador na batalha de Pechincha, 1822 e o Peru, em Ayacucho, onde o Coronel Abreu e Lima esteve sob suas ordens. Foi Presidente da Bolívia em 1826-28. Foi assassinado em 1830, no contexto da guerra civil que resultou na separação da Colômbia da Grã-Colômbia.

Mariano Montilla. Foi o último comandante do General Abreu e Lima no Departamento de Madalena de 1827-31, onde este exerceu as funções de chefe de seu Estado-Maior. Foi o General de Divisão Montilla que atestou, oficialmente, os serviços militares à Grã-Colômbia prestados pelo brasileiro Abreu e Lima, bem como traçou o seu perfil militar.

Francisco de Paula Santander (1792-1840). Comandou Abreu e Lima em Boyacá, condecorando-o por sua bravura na conquista da ponte do Boyacá. Recebeu desse general uma medalha de seu uso com a esmeralda de Muzo.

Na guerra civil que resultou na separação da Colômbia, Abreu e Lima brigou com Santander e ficaram em campos opostos. Santander foi duas vezes Vice-Presidente da Colômbia separada.

Primeira missão de Abreu e Lima

A primeira missão de Abreu e Lima foi como jornalista, no Correio de Orinoco, Angostura, QG de Bolívar, de 13 de fevereiro de 1819 a 23 de março de 1822. Neste jornal, defendeu a Revolução de Pernambuco de 1817, na qual seu pai fora martirizado e se contrapôs ao julgamento feito deste movimento nativista, por Hipólito da Costa, cuja biografia traçamos em nosso livro Hipólito da Costa – o gaúcho fundador da Imprensa do Brasil. Porto Alegre: AHIMTB/IHTRGS/Gênesis, 2005.

Em outro número investiu contra o que classificou de três jugos: a monarquia absoluta, o fanatismo religioso e os privilégios feudais.

Itinerário militar de Abreu e Lima

Abreu e Lima acompanhou Bolívar em 1819, desde seu QG em Angostura (Ciudad Bolívar) no Rio Orinoco, através de épica e sofrida travessia dos Andes para um encontro decisivo com os espanhóis.

Isto depois de haver conquistado o apoio dos Lharenos, cavaleiros do Orinoco, sob a liderança do General José Antônio Paez, que até então apoiavam os espanhóis.

Aí teria início a grande amizade de Abreu e Lima com o General Paez. Abreu e Lima com o seu batismo de fogo em Tópaga, contra tropas de elite, adestradas por oficiais ingleses de Wellington. Depois de Tópaga lutou em Molinos, em combates em torno do Pântano de Vargas.

Em 7 de agosto de 1819 tomou parte na Batalha de Boyacá que abriu o caminho para Bogotá e assegurou a independência da Colômbia, por varrer os espanhóis do Planalto Central da Colômbia e do Vale do Madalena.

Atuação na conquista da ponte de Boyacá

Abreu e Lima, integrado à Vanguarda ao comando de Santander, tomou parte onde a luta foi mais acesa, pela posse da ponte de Boyacá, tendo-a atravessado com os Guias de Música.

Foi condecorado por esta participação por Santander. Libertada Bogotá, Abreu e Lima acompanhou a Divisão de Soublete para Norte, na qualidade de seu chefe de Estado-Maior. Lutou em Cúcuta, onde segundo diz, salvou a Divisão.

Do Norte da Colômbia veio para o Vale do Apure e de lá para o Oriente. Ali sofreu baixa.

Restabelecido, se dirigiu ao Rio Apure para servir como Ajudante-de-Campo do General Paez, ao qual tomara-se de grande amizade e batia-se por ele como se fora o seu pai.

Paez acolhera Abreu e Lima como se fora um filho, salvo da morte em Maracay por sua esposa Bárbara.

Com o Exército de Bolívar e como Ajudante-de-Campo da 1ª Divisão ao Comando de Paez, Abreu e Lima seguiu na direção de Caracas, em 3 de abril de 1819. Assistiu de uma colina a batalha de Queseras del Médio, na qual seu líder, o General Paez, com sua Cavalaria lhanera, mediante um ardil, obteve retumbante vitória sobre o general espanhol Torrilo.

A Abreu e Lima coube redigir como Ajudante-de-Campo a Parte de Combate, onde assinalou: “El General Paez e seus bravos compañeros se ha excedido asi mismo, haciendo mucho mas de lo que justamente debia esperarse de su valor y de su intrepidez”.

Prosseguindo, teve lugar a Batalha de Carabobo, de 24 de junho de 1821. Nela coube à 1ª Divisão de Paez, e atual 1ª Divisão de Infantaria em Maracaibo – Estado de Zulia, na Venezuela, decisivo papel que tivemos oportunidade de estudar em 1979, talvez pela primeira vez na Cadeira de História da AMAN à luz dos Princípios de Guerra e de Manobra e Elementos, junto com a de Boyacá. Nela, o Tenente-Coronel Abreu e Lima, Ajudante-de-Campo da 1ª Divisão Paez, foi ferido entre outros tantos bravos, por combater no ponto focal e decisivo da batalha. Inclusive de lança em punho.

Nesta batalha, comparada à de Yorktown, foi destruído o único exército com o qual a Espanha podia manter o seu poder. A Venezuela teve assim consolidada sua independência, como República.

Após a vitória de Carabobo, Abreu e Lima participou do encontro vitorioso de Sabana de La Guardia, último obstáculo, e conquista de Porto Cabello que seria o maior momento de sua carreira militar.

Herói de Porto Cabello

Coube-lhe como Ajudante-de-Campo da 1ª Divisão de Paez comandar uma das colunas sobre Porto Cabello – o último reduto espanhol no Caribe.

Ali Abreu e Lima atuou como artilheiro, ao organizar e dirigir barragem de Artilharia sobre a cidade, causando danos consideráveis no casario.

Foi além, o redator dos boletins de combate. Dois, em 28 de abril de 1822. Um descrevendo a reunião dos navios de guerra para o bloqueio e o segundo o início do combate noturno. No terceiro, em 3 de maio, anunciou a junção das duas colunas, uma sobre seu comando, que irrompeu pelo Puerta de la Estacada, o único excesso da tropa espanhola que executava a cobertura externa da estacada que envolvia Puerto Cabello.

Por sua bravura em Puerto Cabello o brasileiro Abreu e Lima permaneceu na memória local por muitos anos, conforme assinalaria em 1883 o futuro Barão do Rio Branco.

Em 22 de janeiro de 1824, guapo ou bravo – o maior elogio que podia partir de Paez.

Neste posto, ele tomaria parte na Batalha de Ayacucho, de 12 de fevereiro de 1824, integrando as forças enviadas por Bolívar, ao comando de Antônio José de Sucre. Antes, Abreu e Lima fora encarregado de conduzir ao Peru reforços militares, via marítima.

Prenúncios de guerra civil

Abreu e Lima, ingênuo, foi colhido pelos primeiros ventos da guerra civil. Foi provocado pelo jornalista adverso Antônio Leocádio Gusmán do Jornal El Argos. Este insinuou que Abreu e Lima era mercenário, incompetente como militar e que não merecia confiança de Bolívar, em razão de ligar-se à sua sobrinha Benigna.

Fez colocações maldosas contra o Brasil em favor da Argentina, na guerra Cisplatina (1825-28), que ambos sustentavam e outra série de colocações negativas que comprometiam a imagem de Abreu e Lima conforme se conclui de Pedro Calmon na História de D. Pedro II.

Abreu e Lima “estopim curto”, na noite de 9 de setembro de 1825, encontrou o jornalista Gusmán na rua e desferiu-lhe golpes de sabre no rosto, o que o obrigou a usar barba pelo resto da vida.

Em conseqüência, sofreu violentos e injustos ataques. Foi submetido a Conselho de Guerra. Houve insinuações que havia sido mandado por Bolívar assassinar Gusmán. Existiam em Bogotá desconfianças contra oficiais estrangeiros. Além disso, Abreu e Lima capitalizou as desconfianças que ali existiam contra o Imperador do Brasil.

Em 11 de setembro de 1825, defendeu-se Abreu e Lima no Conselho de Generais. Mas, em vão. Foi condenado, em 8 outubro de 1825, a seis meses de pena que cumpriu recluso no deserto de Bajo Seco, entre o Lago Maracaibo e Andes, no Departamento de Zulia, tendo inclusive se retirado do serviço ativo por petição de 8 de novembro de 1826.

Abreu e Lima passou maus momentos de solidão e com a opinião pública em geral voltada contra ele. Gusmán chegou ao ponto de ir até o quartel de Abreu e Lima e exigir que seu comandante o executasse à morte.

Gusmán seria mais tarde Ministro do Interior e foi dos que obrigaram Bolívar, mesmo à morte, a exilar-se. Era, pois, inimigo poderoso, e Abreu e Lima caiu como um anjo em sua armadilha.

A guerra civil

Em 1827 Abreu e Lima foi requisitado para chefiar o Estado-Maior do Departamento da Zulia, ao comando de Urdaneta. Serviu de intermediário parlamentar entre Urdaneta, no Zulia, e nesta ocasião rompeu com Santander. Em 1827 ainda, foi para Bogotá junto com Urdaneta, a pedido de Bolívar.

Assumiu a chefia do Estado-Maior do Departamento de Madalena, onde permaneceu até 1831.

Retornando do Peru, Bolívar requisitou os serviços de Abreu e Lima para fornecer subsídios ao Abade de Pradt, na Europa, para este defendê-lo de graves acusações que Benjamin Constant lhe assacara (não o brasileiro).

Abreu e Lima escreveu em 1828-30 farto material publicado em jornais e planfletos sob o título Resumem histórico de la última dictadura del Libertador Simon Bolívar, comprobada por documentos. Abreu e Lima, com apoio em documento que Bolívar lhe facilitou de seu arquivo, respondeu minuciosamente aos ataques de Benjamin Constant. (não confundir com o brasileiro, repito).

Este material foi publicado, em 1922, pelo Governo da Venezuela, como homenagem à independência do Brasil.

Este trabalho foi decisivo para a promoção do brasileiro Abreu e Lima como General-de-Brigada do Exército da Colômbia, assinada pelo Presidente Urdaneta, por indicação de Bolívar.

A pressão sob Bolívar aumentou. Houve um atentado contra sua vida. Sucre foi morto numa emboscada. Bolívar doente, com os últimos que se mantiveram fiéis a ele, retirou-se pelo vale do Madalena, para Bogotá e dali para o litoral visando o exílio.

Abreu e Lima, como General, continuou na chefia do Estado-Maior do Departamento de Madalena por onde tinha lugar a retirada de Bolívar, do Departamento sobre o comando do General Montilla.

Fazia parte da tropa de proteção a Bolívar que terminou falecendo, em 17 de dezembro de 1830, em Santa Marta.

Comandante da Brigada Pacificadora do Rio Hacha

Decorrida uma semana da morte de Bolívar, o General Abreu e Lima reuniu e assumiu o Comando da Brigada Pacificadora del Hacha, composta de Infantaria e Cavalaria de elite dos batalhões do Apure e Yaguachi e Esquadrão de Hussards da Madalena. Lançou proclamação solidarizando-se com o General Rafael Urdaneta.

Em sua proclamação, apoiada por toda a sua tropa, após afirmar que o Libertador Simon Bolívar havia sucumbido à calamidades públicas, todos reafirmaram os seguintes objetivos: defender a integridade nacional; obedecer e respeitar o Presidente Urdaneta, penhor dessa Integridade; respeitar a autoridade de Madalena; defender até a morte o santuário das cinzas do Libertador; convocar a solidariedade de todos os militares.

Mas a guerra civil veio e Abreu e Lima deu combate a rebeldes na província do Rio Hacha e Santa Marta, vencendo-os.

Fé de Ofício do General Brasileiro de Bolívar

Quatro meses da morte de Simon Bolívar, o General Mariano Montilla, Comandante de Abreu e Lima no Departamento de Madalena, firmou a honrosa certidão dos serviços militares prestados pelo brasileiro Abreu e Lima à independência da Gran Colômbia, de 1818-1831, de Capitão a General. Em linguagem atual ele atesta o seguinte, com complementos interpretativos do autor entre parênteses:

“Participou de várias campanhas da Independência, com honra e distinção, sendo ferido em Carabobo. Por esta razão, obteve a confiança dos primeiros generais da República (Bolívar, Paez, Soublete, Urdaneta, Sucre), e em especial de S. Exa. o Libertador Simon Bolívar.

Tomou parte em quase todas as principais batalhas (Boyacá, Carabobo, Porto Cabello e Ayacucho) desde 1818 até a inteira liberdade de Grã-Colômbia (Colômbia, Venezuela, Panamá e Equador atuais).

Por sua conduta sempre plena de valor e intrepidez, galgou, sucessivamente, até o posto de general-de-brigada que atualmente exerce.

Obteve várias medalhas e distinções (medalha de Boyacá, Carabobo, Porto Cabello e Libertador da Venezuela). Esteve sempre no Exército onde obteve comissões importantes e serviu ao lado dos primeiros e mais distinguidos chefes (Bolívar, Paez, Soublete, Urdaneta, Sucre e Santander). Desempenhou comissões muito importantes dentro e fora da Grã-Colômbia (missões no Peru e Estados Unidos). Em todas portou -se com honradez sem limites e desinteresse inimitável.

Nos vários comandos que exerceu, se conduziu com cordura e prudência. Comandando ou obedecendo. Comandou em 1824 a Esquadra de Divisão enviada da Venezuela em auxílio ao Peru (atuou em Ayacucho). É benemérito em grau heróico e eminente da Pátria (Grã-Colômbia). Em todos os acontecimentos políticos Abreu e Lima mostrou firmeza e caráter, e sobretudo lealdade e bondade a toda prova.

Nos três anos e meio que serve sob minhas ordens neste Departamento de Madalena, desempenhou graves e delicadas comissões.

Ele foi o chefe que, por sua moderação e sagacidade, pacificou as províncias do rio Hacha e de Santa Marta, depois de bater os grupos rebeldes em diversos encontros.

Sua conduta foi sempre pela República da Gran Colômbia, e pautada por lealdade, firmeza e honradez. Foi um dos chefes militares que mais mereceram em todas as épocas a minha particular confiança, amizade e estima, bem como a do Governo”.

A certidão, firmada pelo próprio General Montilla, em Cartagena, em 24 de abril de 1831, honra a Abreu e Lima, a Academia Real Militar do Brasil onde estudou e o Brasil, principalmente por estas adjetivações: valor e intrepidez, honradez sem limites, desinteresse inimitável, exemplo de subordinação e de conduta inatacável, firmeza de caráter, lealdade e bondade a toda prova, cordura e prudência.

Retorno ao Brasil

Abreu e Lima, com a vitória das forças que combatiam Bolívar e se sagraram vitoriosas na separação da Colômbia, sofreria como outros próceres as naturais represálias. Estas, consistentes em prisões, expulsões ou convites para deixarem a Colômbia sob o falso estigma de “desafeito ao sistema constitucional e suspeito à causa pública”.

Abreu e Lima foi expulso da Colômbia junto com os últimos fiéis a Bolívar até o fim, por Decreto de 9 de agosto de 1831, do novo Ministro da Guerra, General José Maria Obando (1792-1861).

Este, com a deposição de Urdaneta da Presidência, presidiu a Colômbia por cinco meses em 1831, sendo eleito mais tarde Presidente. Obando morreu em combate, em 1861, quando tentava derrubar a Confederação Granadina.

Abreu e Lima retornou ao Brasil, depois de uma breve estada na Europa onde esteve com D. Pedro I. Aqui passou a lutar pelo retorno de D. Pedro ou de sua irmã, como regente, pelo jornal O Raio de Júpiter. O governo reconheceu estar ele na plenitude de seus direitos de brasileiro e título de general e medalhas ganhas na independência da Venezuela, Colômbia e Peru.

Em 1840, decidida a maioridade, usou pela última vez seu uniforme de general de Bolívar ao visitar o Imperador D. Pedro II.

Depois, enterrou o militar e dedicou-se, até morrer, ao ofício de escritor (jornalista, filósofo, historiador), atividades amplamente abordadas por Vamireth Chacon em sua obra específica e por Barbosa Lima Sobrinho em A Defesa Nacional em 1965 e por José Honório em Teoria da História do Brasil e em História e Historiadores do Brasil.

Neste contexto, chegou a ser condenado à pena perpétua, logo comutada, por acusações de envolvimento na Revolução Praieira, em Pernambuco.

Em 15 de agosto de 1848, através do jornal A Barca de São Pedro, no Recife, escreveu sobre um “Estado-Maior de um Exército”, artigo a merecer uma análise específica, se localizado.

Opinião de Abreu e Lima sobre a Guerra do Paraguai

Ao escrever ao General Paez em 18 de setembro de 1868, Abreu e Lima retomou os assuntos militares. Evocou sua atuação militar na Grã-Colômbia e terminou por fazer as seguintes considerações ao seu comandante em Carabobo:

“General Paez, saiba que os brasileiros são tão valentes como os venezuelanos. E mais, que a Cavalaria do Rio Grande do Sul não é inferior à de Aguera.”

Sobre a Guerra do Paraguai, em curso, e no seu terceiro ano, referiu ao General Paez:

“Se V. conhece as nossas cidades, o nosso comércio, a nossa riqueza territorial, a nossa população, se espantaria de ver que semelhante povo gastaria três anos em uma guerra que teria durado quando muito seis meses, se tivéssemos um bom general ou um almirante sequer”.

Mal sabia Abreu e Lima que este grande general, egresso como ele cinco anos mais tarde da Academia Real Militar, estava justamente aparecendo com suas manobras consagradas de seu gênio militar na História Militar Mundial.

Era o Marquês de Caxias, que havia flanqueado Humaitá por terra e água e feito cair pela manobra o principal objeto militar da guerra – A Fortaleza de Humaitá, a Sebastopol Americana, utilizando, para reconhecimentos, balões operados pelos irmãos Allen, veteranos do Exército do Norte na Guerra de Secessão nos EUA, conforme revelou-nos o historiador de nossa Força Aérea – Brigadeiro Nelson Lavanére Wanderley.

E mais, que tinha iniciado na época da carta de Abreu e Lima a Paez, a preparar a célebre Manobra de Piquiciri, que tornou possível envolver aquela posição fortificada através de Estrada Estratégica, construída sobre o Chaco, pelos Corpos de Pontoneiros e de Engenheiros do Exército, sob inspiração do general baiano Argolo Ferrão.

Estrada que permitiu ao Marquês de Caxias desembarcar de surpresa na retaguarda profunda do exército adversário, em São Fernando, entre Assunção e o grosso do exército adversário, aceitando o risco calculado, ao colocar em risco o princípio de guerra da segurança na travessia do Chaco, em beneficio do principio da surpresa, que obteve a nível estratégico.

Ação memorável, que permitiu ao Marquês de Caxias na série de batalhas de dezembro – A Dezembrada -, de 1868, destruir a capacidade defensiva tática do General Solano Lopes, depois de destruída a sua capacidade ofensiva estratégica pela Marinha em Riachuelo, a capacidade ofensiva tática em Tuiuti pelo General Osório, a sua capacidade defensiva tática em Humaitá e, assim, abrir caminho para a conquista do objetivo político da guerra – a capital, Assunção.

Manobra que consagrou Caxias na galeria dos grandes generais e onde, repetimos, ele correu o risco calculado, conquistando surpresa estratégica. Esta, obtida com o desembarque em Santo Antônio, condição rara na História Militar da humanidade.

Assim a observação de Abreu e Lima, longe do teatro da Guerra do Paraguai, não procedia. O Brasil possuía dois grande generais Caxias e Osório.

Explicação da duração prolongada da Guerra

A duração da guerra, já há três anos, segundo Abreu e Lima, tem a seguinte explicação:

o Brasil teve de enfrentar uma enorme distância de apoio logístico, desde o Rio de Janeiro até o Passo da Pátria. O cordão umbilical Rio de Janeiro – exército em operações, foi assegurado por nossa Marinha de Guerra, através de centenas de quilômetros de mar e rios. Ela foi sem dúvida um grande general adversário. Ela foi enfrentada pelos russos na guerra russo-japonesa de 1904 e pelos ingleses na guerra dos Boers – 1895. E, em data recente, ainda pelos ingleses na guerra das Malvinas, onde tiveram que montar verdadeiras bases logísticas flutuantes.

O teatro de guerra desenvolveu-se ao longo do Rio Paraguai, dominado por fortificações fluviais do porte e valor defensivo de Curuzú, Curupaiti e Humaitá. Fortalezas erigidas sobre a margem esquerda do Rio Paraguai, cheia de obstáculos naturais e desconhecidos do exército aliado, que não dispunha de cartas, esboços e informações sobre o terreno. Informações que eram obtidas em desgastantes reconhecimentos de Cavalaria à viva força, numa extensa planície, sem dominâncias de vistas por parte dos aliados.

Assim, escrevi certa feita que o Brasil enfrentou os seguintes generais adversários:

Distâncias de Apoio Logístico, o general Terreno, desconhecido e difícil por natureza e agravado por fortificações. E mais os generais Tifo e Cólera que ceifaram milhares de vidas brasileiras e aliadas. E os chefes e soldados paraguaios, valorosos, souberam tirar o melhor partido dessas circunstâncias adversas aos aliados.

Conclusão

Abreu e Lima ingressou como soldado de Artilharia, em 1812 na Academia Real Militar, com 18 anos, dela se desligando como Capitão de Artilharia em 1816. Seu pai, fuzilado na Bahia, à sua frente, é mártir da independência do Brasil, ao nível de Tiradentes. Abreu e Lima merece, pelo martírio do pai, pela independência e sua participação e sofrimento naquele movimento nativista, o respeito de todos os brasileiros. A serviço da Grã-Colômbia honrou como soldado o curso que tirou na Academia Real Militar, que colocou a serviço da independência de nações irmãs como atesta a lisonjeada Fé de Ofício passada por seu último comandante, o General Montilla.

Ele desfrutou da consideração, respeito e amizade de Simon Bolívar e de seus mais destacados generais. Lutou na Grã-Colômbia não pela república, mas pela independência. Pois se conservou monarquista constitucional, com sistema capaz de manter a unidade do Brasil como a história o provou.

General de Bolívar, teve este título e suas condecorações reconhecidas pelo Brasil. Foi um liberal clássico e um socialista utópico, com nenhuma conotação com o socialismo europeu e o comunismo, como pretendem alguns que o tem explorado indevidamente sob estes aspectos.

Foi escritor e jornalista de vocação e soldado de contingência, pensador político fecundo, patriota acendrado. Lutou e sofreu como poucos em defesa da liberdade de consciência. Sofreu até depois da morte, em razão de seus restos mortais serem recusados em cemitério público pelo bispo D. Cardoso Ayres. Apesar de protestos populares, a negativa consumou-se. Católico, ecumênico e maçom grau 33, não teve a sorte do Visconde de Inhaúma, Joaquim José Ignácio, cujo veto de sepultamento em cemitério público por D. Pedro Maria Lacerda – Bispo no Rio de Janeiro, foi derrubado à força de sua condição de Vice-Almirante da Marinha Imperial do Brasil, de grande herói da Guerra do Paraguai, como Comandante-em-Chefe das Forças Navais Brasileiras na Guerra do Paraguai e depois Chefe do Estado-Maior da Armada e Ministro da Marinha.

Abreu e Lima, desde 1937 é patrono da cadeira 35 do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, ao lado do Duque de Caxias, cadeira 58 e do Visconde de Inhaúma, cadeira 77. Leva seu nome uma instituição cultural da Venezuela. Com apoio neste trabalho foi consagrado patrono da Companhia de Engenharia de São Bento do Una-PE, terra natal do ex-Ministro do Exército Gen. Ex. Zenildo Gonzaga Zoroastro de Lucena, que assim o consagrou, como ato de justiça na voz da História.

Ele está a merecer um julgamento sereno no tribunal da História do Brasil e a consagração merecida depois de tanto silêncio em torno de sua vida e obra. Silêncio em parte pela exploração indevida de seu nome por comunistas que, assim procedendo, vêm rezando em vão, em sepultura indevida, e de longa data, particularmente no Recife; por verem em Abreu e Lima o que ele não foi e sim os que eles desejariam que fosse. Um meio de reparar a incompreensão e confusão em torno da real projeção de sua vida e obra na Colômbia, Venezuela e Brasil seria transformá-las numa co-produção cinematográfica. Obra que consagraria seu pai como mártir da independência do Brasil na revolução nativista precursora de Pernambuco de 1817.

E a vida aventurosa de Abreu e Lima se presta a um filme. Possui todos os ingredientes para tornar-se um sucesso na América do Sul. E mais do que isto, um elo de compreensão e maior aproximação entre o Brasil e o restante da América do Sul, como prova que tudo daqui para a frente deve nos unir e nada nos separar no grande futuro para América do Sul, que está demorando a chegar por falta de uma maior unidade de esforços entre seus países.