PETRÓPOLIS E SEUS TIPOS URBANOS

Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga

Hoje é muito comum contemplarmos pelo centro de Petrópolis uma mulher de óculos, morena, magra, portando uma imensa mala, vagando perdida pelas ruas da cidade, olhos perdidos no horizonte, caminhando por uma cidade completamente invisível para ela.

Os jovens a chamam de “Maria da mala”. Histórias são contadas pelos cantos, como a de que teria perdido um filho em viagem e que aguarda seu retorno.

Outros vagueavam pelo universo da cidade e somente em um momento de rompante demonstram suas personalidades, doentias, esquizofrênicas ou apenas carinhosas e comunicativas em seu trajeto.

O careca que caminha por quilômetros e quilômetros dentro da cidade é tachado de louco. Ele pede às pessoas dinheiro em troca de levar o lixo, e assusta pela sua forma de andar e por seus olhos perdidos porém caçadores. Dizem que é membro de importante família.

Outro caminha com seu caderno, ora com um guarda-chuva…

São tantos os representantes deste universo paralelo ao nosso e do qual não tomamos conhecimento, pelo contrário, nos permitimos apossar pelo medo ou pelo asco.

São personagens que encontramos em nosso cotidiano, visto pela maioria na atualidade como párias, que não possuem registro ou famílias e por tal se tornam invisíveis ao nosso universo considerado ‘normal’.

Indivíduos excluídos socialmente desprovidos de qualquer vinculação ao cosmo social.

Uma jornalista em 1999 produziu uma série de crônicas pelo jornal Zero Hora de Porto Alegre, que lhe valeu o Prêmio Esso de Jornalismo regional. Reportagens sobre registros urbanos dos personagens que habitam a paisagem social de Porto Alegre, seu mundo invisível.

Lembrei-me de haver visualizado algo comum em minhas pesquisas no passado-recente de nossa cidade, mais precisamente em meados dos anos 50, e vasculhei minhas anotações quando encontrei a presença do jornalista Silvio de Carvalho retratando os personagens de sua época pela cidade em sua revista Vida Serrana (1954). Silvio que discorria sobre uma variedade de assuntos, não se furtou jovem ainda, em retratar o cenário invisível urbano de nossa cidade. Claro que os personagens não eram em grande número e envelheceram presentes em nosso cenário ao final do século XX.

“Papa-ovo”, “Bem-te-vi”, “Tiê”, célebres figuras de nosso cotidiano por algumas décadas. Que serviram de troça para alguns adolescentes ou mesmo adultos, que corriam atrás de crianças que freqüentemente promoviam brincadeiras.

“Papa-ovo” era o próprio mau humor. Carregava um saco e se movia rapidamente pelas calçadas. Ao final da vida, já ficando desdentado e abandonado pela família foi adotado pelos funcionários e médicos do INPS que o conduziam a internações para que doenças que lhe acometiam pela vida itinerante pelas intempéries petropolitanas fossem tratadas.

“Bem-te-vi”, cuja chamada pelos transeuntes que assobiavam copiava o pássaro da fauna, ou o “Tiê”. Outros eram mais uma ‘piada urbana’, como o Barão, que se dizia descendente de D. Pedro.

Silvio não produziu crônicas sobre estes personagens, mas retratou com sua Rolleiflex, como parte do registro social de sua revista. Registrar somente socialites não promovia o rico histórico do cotidiano petropolitano de época.

Personagens que habitam o cotidiano das cidades, que fingimos não ver e até mesmo chegamos a considerar como normalidades urbanas, mas que devem ser observados como um patrimônio cultural de transição memorialística urbana, que possuem registros até mesmo desafiadores, tragédias familiares entre outros.

Ocorre em nossas sociedades a necessidade de se desenvolver uma consciência coletiva sobre as suas presenças, uma memória social destes ‘tipos de rua’, característicos em nossas sociedades.

Já descrevemos as ternas palavras que o grande editor-diretor da Tribuna de Petrópolis, Arthur Alves Barbosa, e os demais cavaleiros da sociedade desfraldavam sobre a prostituta portuguesa “Maria Comprida” que faleceu com pouco mais de 18 anos de idade na primeira década do século XX, ou de “João Turco”, um cocheiro, que quando não trabalhava passeava a pé por toda a cidade em 1911, o João Costa de Jesus.

Gabriel Fróes é quem relembra em suas crônicas outros tipos de rua, como José Ângelo de Morais, tradicional tipo popular da cidade conhecido como “Mariquinhas”, que faleceu no Hospital Santa Tereza em 1932 aos 82 anos de idade, ou de “João Tijolo” em 1956.

Fróes ainda relembra o “Presidente”, Egídio Francisco Bonifácio da Silva, que faleceu aos 65 anos em 1961 e desfilava soberbamente pelas ruas com uma faixa que lhe haviam confeccionado copiando a faixa de nossos presidentes.

Ainda no decorrer de fins do século XIX e na passagem do século XX, estes típicos personagens eram abandonados pela família, muitos eram presos por ser considerar que perturbavam a ordem pública, passavam a habitar celas com malandros urbanos, ou conduzidos a sanatórios espalhados pelo Estado como o Pinel entre outros. Em Petrópolis foram criados alguns destes sanatórios na época pós-Segunda Grande Guerra, onde alijados da sociedade, de sua família, por transtornos diversos, tornavam-se prisioneiros clínicos do que os conduzia ao agravamento de suas enfermidades, mas continuam em nossas memórias urbanas.