CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PETROPOLITANA: ESTADO, NACIONALIZAÇÃO E SISTEMA EDUCACIONAL

Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga

“…Não escapará, decerto, às luzes superiores de v. Exa. Quanta influencia isso (a criação de uma escola de primeiras letras) pode ter sobre os costumes, e quanto importa ir destruindo o uso exclusivo da linguagem alemã.”
(Fernandes Pinheiro, Presidente da Província do Rio Grande do Sul, 1825, p.274, in Willens, Emilio, 1946, Brasiliana, INL/MEC)

Este fragmento de documento do então Presidente da Província do Rio Grande do Sul, espelhava o temor que os brasileiros possuíam já em 1825 pela presença do imigrante europeu, principalmente do alemão no território brasileiro. Uma rejeição clara ao processo de imigração que se iniciava em terra brasileira, principalmente em uma região onde não se acusava forte presença escravista, não estando portanto sujeita a lenta política de organização do processo de produção brasileira tendo por base a mão-de-obra do imigrante em detrimento da substituição do tradicional escravismo.

O assunto em discussão neste ensaio, não é somente a questão da “política de nacionalização” do ensino local, isto é, petropolitano, mas também a presença do Estado brasileiro na área de educação em Petrópolis no século XIX, assim como a questão da “pseudo” ameaça política que a imigração pudesse oferecer à integridade do Estado Imperial brasileiro ou de sua sociedade, possibilitando uma intervenção do Estado na questão educacional na região de colonização e imigração alemã em Petrópolis.

Outra questão que também será abordada é a presença do ensino privado e de suas possíveis características inovadoras, assim como de um projeto de ensino técnico gerado em uma espécie de cooperativa pelos colonos em Petrópolis.

INTRODUÇÃO

De um modo geral quando abordamos a história da educação observamos que a temática “intervenção” do Estado, ou como pode tecnicamente ser designada, “ingerência” nas questões da educação pública não é uma novidade histórica.

Lorenzo Luzuriaga já apontava sua presença desde o século XVI na Europa. Mas se compreendido precisamente como realmente uma ingerência do próprio Estado, neste caso os registros históricos podem ser mais precisamente avaliados a partir do século XVIII, sendo estes em sua maioria relacionados à evolução dos processos político-sociais no contexto da elaboração dos Estados Nacionais contemporâneos e na construção da instrução pública a partir da Revolução Francesa (Luzuriaga, 1959).

No Brasil, a origem do processo educacional repousa no ensino confessional “conversor” que foi desenvolvido pelos jesuítas. Porém, observamos que, a partir da segunda metade do século XVIII, o estado português (juridicamente estruturado pelas Ordenações Filipinas) realiza sua intervenção na educação, tendo por questão o “controle da sociedade colonial” e sendo sua base o estabelecimento do Alvará Régio de 1759 (28/06), que extingue todas as escolas e estabelece um novo regime.

“Os jesuítas[2] apoderados do ensino da mocidade em que infundiam superstição e prejuízos, e a quem regiam com religiosa disciplina, senhores por imediato influxo dos sentimentos do trono da administração nos tribunais e até no recinto doméstico dos particulares conservavam cuidadosamente o seu monopólio, e com muitos, e espalhados [colégios] no Reino e com grande número de criaturas suas [des]tinadas a perpetuar a escravidão científica[3] repeliam a ocorrência de outros mestres, e apenas em alguns pequenos lugares haviam clérigos, e seculares, que ensinavam com o agradecimento de seis vinténs por mês os de Gramática Latina, e de três vinténs os de ler, sendo porém igual a doutrina por que os mestres ensinavam o que nas mesmas escolas jesuíticas tinham aprendido. E vemos com tão débeis socorros, sobressair muitas vezes o Gênio Português o que lhe dá direito a perpétuo louvor.

[…]

Expulsar os jesuítas destina-se parte de suas causas, e rendimentos para o progresso das letras mas não tiveram aquela elevação, que se lhe devia. Conheceu o marquês de Pombal a necessidade de estabelecer Escolas Menores[4], e a este fim deu as providências da Lei de 28 de junho de 1759[5]. Nomeou a seis de julho por Diretor dos Estudos ao Principal Almeida, que deu as Instruções confirmadas por Alvará de 11 de janeiro de 1760 em que é contemplado o Ultramar com seus comissários mas havendo falta no pagamento dos mestres franqueava licença aos particulares pagos pelos discípulos, e não provia as cadeiras que vagavam.”

(Plano de renovação do ensino no Brasil elaborado por José Albano Fragoso, desembargador do Paço e deputado da Mesa de Consciência e Ordens, convocado pelo príncipe regente. Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos

Notação: códice 807, vol. 20

Datas-limite: 1768-1869 – Arquivo Nacional)

Semelhante intervenção, narrado por José albano Fragoso, Estadista português, nascido em Lisboa, que se destacou como principal ministro no reinado de d. José I (1750-1777) , nada mais é, em verdade, que uma discussão política sobre a questão da ascendência do poder no território colonial. O Estado português não admitia o predomínio dos jesuítas e de sua influência na sociedade local, manipulando ideologicamente os coloniais (Novais, 1979).

Assumindo o controle da educação colonial, o poder real português reestrutura as modificações, estabelecendo primeiro a figura do “diretor dos estudos”, e, posteriormente à “reforma pombalina”, com o processo de emancipação brasileira, passa a formação de quadros administrativos nacionais na constituição de uma “nova” elite burocrática, que substituísse a administração lusitana enraizada no mesmo período colonialista.

O século XIX, para o mundo, foi o processo de “publicização e secularização” do ensino. No Brasil, a educação seguia sob a influência da religião, com respaldo constitucional fornecido pela aliança da Igreja com o “novíssimo” Estado brasileiro (Gallo, 1993). Em linhas gerais, a composição seguia a regulamentação do ensino estatal, deixando o sistema privado por sua própria conta.

Este “ensino estatal” estava dividido em duas esferas de administração: a primeira era a nacional, que se responsabilizava pelos níveis, tanto do primário como do secundário, na área da Corte, e também pelo nível superior por todo o país; e o segundo era o provincial, que respondia pelos níveis primário e secundário nas Províncias do Império, segundo Gallo.

Muitos pesquisadores desconhecem que o processo educacional oficial na região serrana de Petrópolis, não possui suas origens em estruturas confessionais, ou mesmo privadas, mas sim foi uma “ingerência” de base estatal. Isto ocorreu devido à preocupação do Estado, durante o Império, com a organização da educação em áreas de forte assentamento de imigrantes ou de colonização próximos à Corte, uma preocupação geopolítica do governo do Império e do governo da Província.

Fato que nos é desconhecido até o presente momento, e que se apresenta como processo corriqueiro nas demais regiões interiores do Brasil, são as comuns visitas às fazendas dos exigentes frades-mestres, ou tios letrados (Freire, 1936). Em nossa região serrana, principalmente na área da Fazenda do Córrego Seco e de tantas outras que compunham originalmente a citada região, não foram encontrados até o presente momento, documentos ou mesmo quaisquer cartas que citassem este procedimento, que é característico das origens do Brasil Colonial, na era dos seiscentos e setecentos, principalmente se recorrermos a estudos considerados clássicos locais, como os de Frei Estanislau (Schaette OFM, 1953).

Nem mesmo o nosso histórico Padre Correia com seu maravilhoso universo de produção artesanal-industrial de ferraduras ou agrícola (frutas), que abastecia toda a região das Minas e/ou da Baixada Fluminense, deixou documentos, ou ocorreram relatos de sua preocupação, a não ser com o do batismo de seus escravos.

REGISTRO OFICIAL

O primeiro registro data de 1840, mais precisamente para a região do Itamaraty, e foi de iniciativa pública do Império por parte do Visconde de Baependi, que autorizou (Rabaço, 1982), a criação de uma escola “de primeiras letras”, alfabetização em português para os filhos dos alemães trazidos por Koeler do Rio de Janeiro.

Uma iniciativa como de tantas outras que já se haviam estabelecido no sul do Brasil. Este fato era um indicador de que estes primeiros imigrantes chegavam de regiões rurais da Alemanha, em sua maioria vilarejos, sem qualquer assistência cultural, conforme a tradição predominante nas mesmas áreas ( Willens, 1946 ). Devemos observar que somente áreas urbanas alemães de comportamento mediano demográfico conheceram a educação pública de caráter estritamente religiosa e destinada ao povo em geral, com aulas ministradas em alemão, as chamadas escolas primárias de alfabetização para leitura da Bíblia. Esta seria uma educação pública que foi preconizada por Martinho Lutero, e de estrutura efervescente mente nacionalista. Segundo Luzuriaga, observamos que a instrução pública repousa no movimento da Reforma Protestante, que tem a escola como lugar da “guerra contra o demônio”. Porém, outros grupos de imigrantes ou colonos na região serrana, que chegaram, já eram alfabetizados e exigiam escolas para seus filhos (Relatórios coloniais da Província).

Devemos lembrar que o Visconde foi posteriormente “camarista” oficial de Pedro II, o que estabelece concisamente uma “(pré)ocupação” existente no próprio Imperador, ainda menino, com o processo educacional brasileiro, fato que se confirma por documentos e depoimentos.

É necessário também destacar que estes imigrantes foram os mesmos chegados a bordo do Justine à caminho da Austrália, e Koeler, habilmente conseguiu manipular por ações do Governo Provincial, conduzindo-os para as obras de melhoramentos da estrada para a serra, autorizadas pelo governo, e concluídas em 1839.

Foram 147 pessoas, que, após a conclusão da mesma obra, estabeleceram-se com autorização da Província, por intermédio do próprio Koeler, na região do Itamaraty. Segundo J. H. Rabaço,estes imigrantes “foram testemunhas inconscientes do Decreto Imperial que transformou o Córrego Seco em Petrópolis”.

EDUCAÇÃO NA IMPERIAL COLÔNIA

O primeiro núcleo escolar definitivo e oficial de Petrópolis foi criado especificamente para meninos alemães que haviam chegados a partir de 1843, com idade de sete a doze anos de idade. Mais tarde, este processo estendeu-se por mais oito escolas, sendo seis para meninos e duas para meninas.

Este momento único na política governo imperial, surgiu como idéia, segundo informações presentes no Relatório da Diretoria da Colônia, do próprio Aureliano Coutinho, presidente da Província (Rabaço, 1982), em novembro de 1845, quando de sua visita a Petrópolis:

“as famílias de colonos que foram me recepcionar além de solicitarem para que apressasse sua nacionalização, pediram escolas para a educação de seus filhos além de párocos ou pastores de suas religiões”.

O diretor e conseqüente Inspetor da Instrução Pública designado foi o próprio Major Koeler, em 1846. Fator este diferencial do das demais províncias brasileiras do período, onde um estrangeiro não receberia posição tão destacada no governo da Província. Semelhante conservadorismo poderia ser observado por receio do comportamento nacionalista dos estrangeiros e também por preconceito dos próprios nacionais.

Talvez possamos verificar nesta condição política, o componente de maior diferença para com o processo educacional público de imigrantes no Brasil na primeira metade do século XIX, mais precisamente na região fluminense. Isto se procedermos à comparação com as informações dispostas por Emílio Willens, detentor do maior estudo sobre o processo de aculturação dos alemães em nosso território (Willens, 1946).

Outro fato deveras importante foi também o envolvimento da presença integrada de D.Pedro e do mordomo Paulo Barbosa no projeto de construção do Palácio de Veraneio, no da cidade e no da organização e constituição da colônia.

Koeler como diretor da Colônia, ainda no primeiro semestre de 1846 impulsiona o funcionamento das primeiras salas de aulas que ocorreram no próprio Quartel das Obras Públicas, sendo que na ocasião ocorreu a matricula de aproximadamente quatrocentos filhos de colonos e que foram atendidos por professores bilíngües especialmente contratados, três católicos e três protestantes (Rabaço, 1982). Podemos neste propósito observar também a preocupação com a presença religiosa na comunidade, onde choques deveriam ser evitados na formação das novas gerações. Assim como processar com a presença de professores bilíngües, de um lento processo de acomodação cultural dos descendentes ao modelo cultural nacional.

O ensino era obrigatório e de condição básica, segundo disposto no próprio regulamento da Imperial Colônia e que fora aprovado pelo Governo Provincial. Todas as unidades locais eram sustentadas pela então criada Caixa de Socorros da Colônia destinados quase que exclusivamente, aos filhos de colonos que chegaram a partir de 1843.

Pela interpretação de Rabaço, ocorria a obrigatoriedade do pai enviar o filho a escola pelo menos por três vezes na semana, caso contrário ocorreria uma multa que seria paga a favor da criada Caixa de Socorros.

Semelhante medida, contrariava o hábito cultural herdado por estes da maioria das sociedades rurais européias de tradição feudal, na qual filhos faziam-se presentes na agricultura doméstica com seus pais objetivando aumentar a produção familiar, compensando a carência de braços no sistema produtivo.

Mas, pelo que observamos esta obrigatoriedade de três dias, permitia com flexibilidade a combinação do hábito cultural familiar com o desenvolvido processo de instrução básica. Este procedimento, segundo observado inaugura um precedente oficial que contrasta com de outras regiões colonizadas por teutos no Brasil, segundo pesquisas ( Willens, 1946).

Conforme registros, Rabaço ainda observou o rigor da fiscalização de Koeler, originaria de sua formação germânica, que resulta na penalização e demissão de professores nas áreas onde ocorreram problemas disciplinares considerados de gravidade.

O ENSINO BURGUÊS

Quando da apresentação de pesquisas acadêmicas, na área de educação, mais precisamente sobre o processo histórico educacional ocorrido em Petrópolis no século XIX, muitas teses e interpretações ganharam direção distinta, da real condição que historicamente se apresentou.

Estas consideram como única a presença de uma “educação tradicional” nos moldes formais de base européia, exemplificado pelo Colégio Kopke, que se destacou na apresentação historiográfica petropolitana pela coleção do Centenário Comemorativo. Em realidade o Kopke foi o primeiro colégio da região de iniciativa privada e que seguia a linha pedagógica oficial na questão curricular, esta sim de características européias. Mas não por ser seu proprietário especificamente um europeu, como também nada que conduzisse a um enquadramento com um modelo de ensino formal, como o desenvolvido na Corte e que se desenvolveria a partir de 1848 em Petrópolis (Sodré, 1937).

O Colégio Kopke, muito bem situado na Rua Conde de Nassau, era caracteristicamente um internato destinado aos filhos da elite da época, principalmente de industriais e comerciantes, que acorriam a matricular seus filhos na serra. O Colégio pela sua importância possuía representação inclusive na Corte, com escritório comercial.

Outro fato que proporciona relativa importância para o mesmo foi a presença cada vez maior de diplomatas com suas famílias na cidade o que também atraía os demais representantes e familiares na Corte.

Dirigido por Henrique Kopke, o estabelecimento fornecia o ensino de línguas como o francês, alemão, inglês e o clássico latim; além do ensino de matemática elementar, geografia, história e na área técnica, os alunos aprendiam escrituração e contabilidade comercial, o que denunciava uma especificação do ensino mercantil presente no período e que consistia em uma novidade para um colégio privado.

Semelhante capacitação tornava-se necessária para os que seguiam direto para o bacharelado na Corte ou mesmo os que viessem a assumir os prósperos negócios dos pais. Poderíamos até quem sabe, considerar para a época como uma formação a nível técnico, que somente se desenvolveria com a criação dos cursos do Liceu de Artes & Ofícios na cidade do Rio de Janeiro.

O Kopke era um internato, uma instituição educacional ideal e característica do século XIX (Áries, 1978), e em seu caso ainda de maior realce por se localizar na serra, sob um clima e condições “agradáveis” para os jovens, em uma cidade que preconizava fortes relações européias em seu ‘modus vivendis’.

Ocorria a probabilidade de que Kopke talvez houvesse estudado na Alemanha em uma “escola latina”, como eram denominados os cursos de ensino secundário e de formação humanista cujos parâmetros serviam basicamente a burguesia alemã com aulas em latim e não em alemão como a escola primária pública de base religiosa reformista.

Entre os professores de sua escola constatamos nomes que se destacaram no processo educacional do século XIX, como a de Calógeras, Paixão, Faletti entre outros também famosos na Corte e com presença em diversos estabelecimentos de renome.

Assim, confirmamos o fato de que neste estabelecimento ímpar ocorreu a implantação de um modelo de ensino, em parte idêntico ao que vigorava nas instituições da Corte na primeira metade do século XIX. Ensino de tradição e similaridade com metodologia e princípios franceses, mesmo em uma época onde o domínio inglês se fazia presente. Mas com currículo adaptável às realidades de sua clientela. Um ensino destinado a formação dos filhos da burguesia nacional.

Mais tarde, com a fuga da elite carioca para Petrópolis em seu veraneio “forçado” resultante das questões sanitaristas, ou pelo modismo implantado pela família imperial, mais precisamente na década de 50 do século XIX, muitos destes professores oriundos do Kopke, também criaram seus próprios estabelecimentos.

Em primeiro constatamos o caso de João Batista Calógeras (1857), que no mesmo período lecionara no Colégio Pedro II; e posteriormente Falleti e José Ferreira da Paixão, que foi “brindado” com uma visita oficial ao seu estabelecimento pelo imperador em 1879, fato amplamente divulgado pelos jornais da Corte no período. Este fato conduziu o Colégio Paixão a destacar-se entre os demais com um esquema de marketing único para um colégio da época, publicidade presente nos jornais além da menção gratuita nas colunas dos jornais do período.

UM “LICEU” EM PETRÓPOLIS EM PLENO SÉCULO XIX

Nesta oportunidade citaremos ainda Alcindo Sodré (Sodré, 1937) que, repetindo Henrique Raffard, nos remete a confirmação de que a primeira proposta educacional que poderia ser considerada de fato originalíssima e de fundamental direito, vindo a ser constituída em Petrópolis, foi à apresentada por uma Sociedade de Agricultura e Indústria criada em 1854 em Petrópolis, a “Der Deutscke Gewerbe und Landwirths Chafttiche Verein in Petrópolis”. Isto se processou por grupo que incluía o já conhecido Carlos Spangemberg e Augusto da Rocha Fragoso, ambos posteriormente presidentes da mesma Sociedade. Foi uma proposta educacional que poderia ser considerada pioneira de forte formação técnica e profissional.

Segundo Sodré, a Sociedade mantinha uma fábrica de vidros em Petrópolis, que fechou em 1862, em seu trabalho ele assinala que a Sociedade manteve aulas com o pressuposto fundamental do “ensino gratuito”. Já José Henrique Rabaço (1982), que desfrutara da companhia e convívio com Sodré, afirma em sua obra, a da Sociedade, era uma escola, entidade com características de “formação profissional” com exclusividade nas necessidades do contexto de produção da própria Colônia. Como referencia Áries, que semelhante processo deixava feliz aos “artesãos” de poder dar às suas crianças um “verniz”.

Porém devemos observar que era grande a preocupação na Colônia, assim como a que ocorria na Corte com os ‘desvalidos’, principalmente as crianças pobres e órfãs, motivo pelo qual o curso gratuito da Sociedade pudesse auxiliar também neste processo.

“13-1-1859 – Inauguração, em uma sala da Diretoria da Colônia da exposição de trabalhos de senhoras de Petrópolis, promovendo-se uma rifa em beneficio dos DESVALIDOS da colônia.”
(Fróes, Gabriel, http://www.earp.arthur.nom.br/gkf/site/, 1999)

Nesta Sociedade havia professores que prestavam concurso, o que já consistia em um procedimento raro para a época em instituições que não fossem públicas como o Pedro II; além da presença de uma biblioteca de características profissionalizantes, que comportava desenhos e modelos de máquinas industriais incomuns no país; além de um stand com variedades vegetais e minerais, destinados a formação técnica dos alunos.

A mesma Sociedade chegara segundo Sodré, a organizar uma exposição de produtos, o que consistia em uma raridade para a época na região serrana, principalmente no contexto da Colônia Agrícola.

Portanto, devemos considerar que o primeiro evento educacional original em terras petropolitanas foi uma espécie de “Liceu dos pobres” (apesar do Liceu sempre haver sido observado como uma escola para burgueses) praticamente nos mesmos moldes do francês de “artes & ofícios”, tal qual o modelo que predominava na Europa no período e do qual Frederico Koeler estudara e desfrutara de formação técnica e profissional. Porém neste caso especifico os ‘pobres’ eram os filhos de colonos alijados de uma continuidade no processo de educação corrente da sociedade brasileira.

Se pudermos caracterizar, esta proposta poderia também ser considerada uma legitima “escola do trabalho” no período, como a referendada pelos pedagogos russos do período revolucionário inicial do século XX como Makarenko, sendo que nesta, para o imenso número de jovens tanto descendentes de teutos como nacionais presentes no extrato da Colônia, que desocupados causavam já enorme preocupação ao cura da região e ao Diretor da Colônia desde 1845 (Rabaço, 1982, 85). Fazendo-se necessário uma educação séria, com uma disciplina cada vez mais rigorosa e efetiva, ou quem sabe “uma forma de prolongar a infância” como frisa Ariès em seu trabalho, evitando-a de se comportar nos padrões da “liberdade do adulto”. “…de um lado, havia a população escolarizada, e de outro, aqueles que, segundo hábitos imemoriais, entravam diretamente na vida adulta…”.

A população de Petrópolis, neste período já comportava sete mil habitantes (Ave-Lallemant, 1858). Três mil brasileiros e dois mil e setecentos alemães, já dispondo de ensino bilíngüe segundo declarações de Frederico Dancke (Silveira, 1982.

Com referências aos padrões de “liberdade do adulto”, cientificamente proposto por Áries, observamos que nesta época, 1856/58 já ocorria uma enorme crise na colônia agrícola, que conduziria ao seu desmonte. A fuga de descendentes de alemães das áreas dos quarteirões para o conjunto citadino evoluía em busca de tarefas domésticas ou sub-empregos, principalmente nos hotéis que surgiam em grande quantidade. Podemos notar que não somente os “desocupados” consistia em uma preocupação, mas também a questão da possível prostituição de jovens ( Willens, 1946).

Crise econômica, isolamento, novo estilo de vida, conflito de identidades. Tudo contribuía para que ocorresse semelhante processo.

“A população alemã perderá, sob a administração municipal, muito mais depressa o seu tipo primitivo do que sob a direção colonial. A geração nova já aceitou, na maior parte, língua e costumes brasileiros, mormente a parte feminina, cuja moral, do lado dos nativos merece poucos elogios. Fome e miséria nos primeiros tempos de vida colonial afrouxaram os vínculos da vida familiar, embotando enormemente o sentimento moral; jamais faltaram tentações contínuas e ocasiões propositalmente arranjadas para praticar imoralidades. Os veranistas do Rio de Janeiro são visitas bem-vindas em muitas casinhas dos vales da colônia. Também essa situação dificilmente sofrerá uma modificação para o melhor. Nome grego, população alemã, língua portuguesa e leis brasileiras encontramos em Petrópolis como também em outras colônias brasileiras. Uma mistura singular de elementos heterogêneos.”
(Johann Jakob von Tschudi, Reisen durch Südamerika, p.214, vol. I (Leipzig, 1866), citado in Willens)

Semelhante processo pode ser confirmado pela leitura de jornais como O Mercantil, onde já se tornavam comuns a busca por domésticos brancos para serem “alugados”, e comentários de colunas carnavalescas onde se salientava que os jovens subiam à serra para “dançar” com as ‘alemãezinhas’ (Silveira Filho, 1985).

O desmonte ideológico na colônia que foi ‘idealizado pela estrutura jurídica do Estado imperial, apesar da resistência de Carlos Spangemberg e outros colonos se processou de forma compactante sendo coroado de êxito pela crise econômica que se abateu na colônia nas décadas subseqüentes, e sendo o processo educacional apenas mais um dos instrumentos de descaracterização introduzidos.

CONCLUSÃO

Na atualidade, visualizamos que muitos acusam as escolas públicas da responsabilidade pela situação de falência de educandários particulares considerados tradicionais no município, assim como de outras regiões brasileiras, mas observamos que historicamente este fato é um mito e que a convivência entre os dois modelos sempre ocorreu, sem que alterasse a sobrevivência dos mesmos estabelecimentos. Tal constatação pode ser processada, pois sempre foram distintos os mercados destinados a ambos, independente das épocas, ou mesmo da condição social em que nas regiões se apresentavam.

Até mesmo nas primeiras décadas do século XX, onde as escolas públicas estaduais proliferavam em grande quantidade em Petrópolis, com seu ensino de ciclo “básico”, não verificamos a interferência na existência das escolas particulares e confessionais (Silveira, 1982), cada qual com seu nicho mercadológico. Nem mesmo quando da proximidade com as décadas da Segunda Grande Guerra, quando surgiram estabelecimentos particulares que atualmente são considerados tradicionais, semelhante não ocorreu.

Os critérios econômicos e administrativos nacionais é que se modificam com grande constância, causando transtornos as instituições, sem nos esquecermos das características econômicas regionais que se alteram com grande periodicidade promovendo mudanças e transformações no cotidiano destas sociedades. Sem é claro, considerarmos que os procedimentos jurídico-institucionais e mesmos pedagógicos transformaram-se radicalmente a partir das últimas décadas do século XX no Brasil, submetendo violentamente a sociedade a uma avassaladora condição de desigualdade e conduzindo as tradicionais “classe média” ao assalaria mento e consequente empobrecimento.

O importante no processo histórico educacional acima narrado é o de observar a relevância que a escola pública ganha na formação histórica de um município como o de Petrópolis, como verticalização do projeto de implantação de uma educação que atendia aos interesses ideológicos da Corte.

Poderíamos, de sobremodo, caracterizar o referido processo como uma proposta nacionalista do Estado para impedir o estabelecimento de núcleos estrangeiros próximos à Corte. Uma espécie de “zona de segurança”, pois do contrário o fenômeno de manifestações estrangeiras poderia provocar sérios transtornos políticos, já que estes poderiam em muito sobrepujar a causa do projeto de imigração que se colocava como uma vitrine do capitalismo para a extinção do escravismo nestas áreas agrícolas como explorado por muitos autores.

Fato que também deve ser observado é o da presença do Estado e da religião na região, ao contrário de outras áreas do país onde ocorreram manifestações que resultaram em ebulições messiânicas como a do Contestado, onde ocorreu a presença de descendentes teutos entre os sertanejos, ou como no caso dos Monges Barbudos no Rio Grande do Sul, que resultou também em um genocídio por parte do Estado, mas que ocorreu uma constatação:

“Sem escolas e igrejas; estressados economicamente; discriminados étnica e socialmente, muitos caboclos agruparam-se (…). Alguns colonos ítalo-germânicos também aderiram ao movimento” (Kujawa, 2000).

Semelhante hipótese sobre a preocupação pode ser confirmada no caso petropolitano pelas palavras do pastor Lallemant reproduzidas por Rabaço:

“Para finalizar o dia tive que fazer o serviço de polícia. Chegando à casa da hospedagem encontrei no grande vestíbulo, ao redor de uma mesa, muita gente agitada. Moços da Renânia tomavam vinho português e prestavam atenção a certos oradores populares das ruas do Rio de Janeiro. Esses miseráveis eram o refugo da legião de mercenários alemães, trazidos para o Brasil pelo Major Schefer e egressos da cadeia de Doemitz em Meclenburgo. Especulavam a sorte futura dos imigrantes e embora devessem ser mantidos afastados dos depósitos pela policia agiam no Porto da Estrela procurando desencaminha os mais jovens, transmitindo-lhes suas artes de malfeitores. Revoltado com as blasfêmias que proferiam contra Deus e as autoridades, aproximei-me da mesa para prevenir os moços, e os maus elementos fugiram. Por fim encaminhei os jovens ao rancho para dormir e fui deitar-me também, após concluir a luta do dia”. (p.85)

O receio do pastor com o caminho tomado pelos jovens da Colônia, que desocupados, e ameaçados pelos “refugiados” políticos alemães que eram fugitivos das revoltas sociais e embrião das nacionalistas do período na Alemanha, era já a esta época uma preocupação dos religiosos reformistas. O que devemos então imaginar em seu sentido por parte do Estado, que passou a tomar providências para que a população se reproduzisse na mesma parcela que a de nacionais e provendo cobertura educacional para todos, com o objetivo de mantê-los ocupados com a formação cultural e no aspecto espiritual.

Assim, podemos caracterizar o processo educacional instalado em Petrópolis, muito mais como um sistema ideológico de defesa da própria organização social nacional na Província e que recebe o aval do próprio encarregado que era Koeler. A área era importante estrategicamente para a Coroa e para seus investimentos, era uma área de trânsito entre as riquezas do interior para o litoral e que deveria como o foi a cem anos passados, vigiado de perto (Furtado, 1959).

Quanto à proposta educacional, na maioria das ocasiões ela consistiu em ser a reprodução do elementar, básico. Principalmente no ensino da língua nacional que se destacava neste quadro, sendo subliminar o ensino em língua alemã, o que fica observado pela atualidade quando a herança e tradição teuta é constatada de forma reduzida.

Outro fator que deve ser relevado e o do ensino técnico-industrial, ao qual Sodré destaca quando das pesquisas do Centenário da Cidade, e que é de grande significado para a pesquisa das origens do trabalho industrial no município com a utilização da mão-de-obra do descendente de colono, fator que priorizará o processo de industrialização da cidade já ao final do segundo quarto do século XIX.

Já a escola particular, reproduz o cenário comum ao da Corte com a perspectiva clara do burgo de veraneio das famílias da elite e a fuga ao problema sanitário que se apresentava no Rio. Semelhante proporciona condições excelentes as mesmas escolas no contexto da cidade, pois se transformam em núcleos de excelência e formação na época para estas famílias. Podemos até mesmo observar o cuidado que escolas possuíam no contato de seus alunos com escravos e outros, limitando as mesmas ações por regulamentos e regras como o do próprio Colégio Kopke (Sodré, 1937).

BIBLIOGRAFIA

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ARTIGOS, TESES E DOCUMENTOS:

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