DISCURSOS – FUNDAÇÃO DE PETRÓPOLIS – 16/03/1981

Ruth Boucault Judice, associada titular, cadeira n.º 33, patrono Padre Antônio Tomás de Aquino Correia

16 de março de 1843!

Neste dia nascia Petrópolis.

Com um privilégio: o de receber em 1845 uma leva de famílias alemãs para sua colonização. Com Petrópolis nascia também a sua História, cantada e louvada por vários oradores em muitas oportunidades como esta.

Não serei redundante.

Quero falar hoje sobre nossa Petrópolis atual. Uma cidade de clima excepcional a poucos quilômetros do Rio, de topografia rara, incrustada na Serra dos Órgãos entre morros de verdes abundantes e toda direcionada pelos rios que a decoram.

Nasceu como fazenda imperial, de um Imperador amante das artes, da cultura e do progresso. Por isso Petrópolis é paradigma de arquitetura do final do século XIX. O ecletismo e o produto da Revolução Industrial, que eram estilos vigentes na Europa, na época de D. Pedro II vieram para cá de encomenda, como foi o caso do Palácio de Cristal (comprado pelo Conde D´Eu). Tais estilos estão presentes nas estruturas metálicas de nossas antigas fábricas que vinham da Bélgica. No recortado dos chalés (já produtos das primeiras máquinas tico-tico) construídos em harmonia com a paisagem. No neo-classicismo da arquitetura palaciana, do qual a Casa da Câmara é flagrante exemplo, não só na sua fachada de ordem jônica como na sua decoração adequada, onde estão presentes os raios de Júpiter, os colares de pérolas, as linhas de óvulos, as palmetas e volutas, enfim toda a gama de modernatura neo-clássica. Importante também sua arquitetura popular de inspiração eclética, além dos neo-góticos das igrejas do começo do século.

Tudo isso foi fruto da inspiração de um imperador. Quis ele somar à colonização germânica, o plano urbanístico de um alemão, o Major Koeler, resultando desses somatórios a nossa cultura local, um verdadeiro patrimônio de artes, usos e costumes que brotaram desse amalgama do brasileiro com o alemão, na Serra.

Depois disto, com o advento da República, passou a ser, no verão, sede dos presidentes e das embaixadas. Nasceu nobre e sobreviveu assim. Mas nunca se esqueceu do seu colono, do bravo lavrador que lavrou a primeira terra da cidade recém-formada. Isto está patente nos quarteirões que ainda guardam seus nomes de origem – Bingen, Westefalia, Ingelheim, Mosela, Siméria e tantos outros; lembra-se também dos primeiros operários oriundos das famílias germânicas, formando mão-de-obra de grande especialização, haja visto a qualidade do que se construiu no final do século passado e no início deste.

Não podemos esquecer da indústria prestigiada por D. Pedro, nascendo firme e forte, tão forte que tem resistido aos impactos do falso progresso!

Podemos dizer que toda esta memória está adormecida, mas pronta a reagir à primeira solicitação. O povo é sensível. Basta provocá-lo com perguntas que a sensibilidade brota.

Eu, como Presidente do Instituto Histórico, no momento, lancei esse desafio a mim mesma, – o de sensibilizar toda a população para o valor de seu patrimônio -.

Nós do Instituto Histórico pretendemos ser a Memória da Cidade. Uma Memória que sabemos não anda bem, mas que medicada de acordo voltará a existir.

Somos um país novo e uma cidade mais nova ainda. Mas nascemos em berço de ouro, em berço coroado com a coroa do nosso querido Imperador D. Pedro II.

A proximidade do Rio, as condições climáticas e a escolha do Imperador – que fazia de Petrópolis o seu descanso e seu retiro cultural – ajudaram essa cidade a crescer dentro de parâmetros europeus. Caminhamos muito, em pouco tempo. Fomos a primeira das poucas cidades planejadas no Brasil. Temos uma arquitetura que sem ser barroca nem colonial é também de grande valia nas artes.

O urbanismo do Major Koeler é tecnicamente tão atual, que os próprios técnicos hoje, depois de estudá-lo cuidadosamente, concluíram que é a solução mais viável, mais espontânea, para a formação da cidade. Concluíram que crescer acompanhando o curso dos rios, preservar os morros sem escondê-los, para que sua vegetação proteja não só os mananciais de água, como purifique o ar e manter a estética da paisagem que eles emolduram continua sendo a solução ideal.

Não são difíceis nossas soluções. Basta refazer o que o Koeler programou. Hoje, com as facilidades do avanço da técnica e toda abertura para o progresso, falta-nos apenas aprender a coexistir com o passado, usando para isto a preservação. Já se disse que os verdadeiros homens de progresso são os que têm um respeito profundo pelas coisas do passado.

A nossa responsabilidade é grande, pois corresponde a nossa herança que foi enorme. Para nossa reflexão: em sã consciência, a Petrópolis que vamos entregar aos nossos filhos é a mesma que recebemos de nossos pais? Melhoramos essa Petrópolis ou a pioramos? Soubemos respeitar o que já é tradição, ou apenas ignoramos que ela existe?

Aos homens públicos aqui presentes, deixo essas perguntas. Que as respostas venham em forma de ação, pois urgentemente Petrópolis pede um Futuro para o seu passado.