SAINDO DA ROTINA PEDAGÓGICA
Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga
Grande parte de nosso processo educativo comprovadamente não segue os parâmetros traçados para a sala de aula e imposto pelos currículos escolares, muito menos, pelos guias estabelecidos pelos educandários tanto públicos como privados.
Observa-se que educar é satisfazer a curiosidade informativa dos educandos, mesmo que esta por vezes exija uma pesquisa mais detalhada. Porém nem sempre os professores procedem à mesma, por receio de se estender e não cumprir o programa que lhes é exigido pelos burocratas da administração escolar e oficial.
Há alguns meses, alunos do ensino fundamental pesquisando na internet sobre crustáceos para trabalho de Ciências encontraram o termo ‘caranguejola’ associado a artigos que eu publiquei em 2007 e curiosamente me crivaram de questões, sendo a principal, se o veículo a que nos referíamos no artigo teria a forma de um caranguejo?
Respondi-lhes que não… precisamente, mas que se recorrêssemos ao imaginário poderíamos nos surpreender com a origem da denominação e suas comparações. Claro que a ‘caranguejola’ seria um veículo rústico e pesado podendo comportar uma média de 12 a 16 passageiros e geralmente puxado por dois ou quatro burros que circulavam pelas ruas centrais de nossa cidade no século XIX.
Estes veículos haviam sido trazidos para Petrópolis por volta do final da década de 90 por empresários considerados ‘desenvolvimentistas’, como um Sr. Felipe Bruck, pioneiro neste transporte à época da administração de Hermogênio Silva, e que foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Petrópolis no mesmo período. Estes observaram que com a chegada do trem à recém-criada Estação da Leopoldina (1885), no centro de nossa cidade, ocorria a necessidade de transporte para a elite, tanto carioca como local, que se deslocava entre hotéis e mansões em nossas vias principais. O primeiro veículo se locomovia entre a Leopoldina e a Cascatinha.
Mais tarde, o próprio Hermogênio Silva, convocou para um dialogo o dono do Banco Construtor, Franklin Sampaio, propondo um projeto de maior envergadura para a cidade que encontrava-se em pleno ciclo de desenvolvimento industrial.
Este transporte fugiria ao tradicional, coche ou a charrete, que eram ainda muito utilizadas pelos que residiam em áreas não contempladas por um transporte coletivo. Confundiam-se também com as célebres ‘diligências’ que marcaram a subida da serra com sua tradicional viagem pela Estrada dos Mineiros.
A elite que fugia do Rio na época do veraneio, mais precisamente das epidemias, para Petrópolis, as utilizava muito no deslocamento, pois nossas estradas centrais eram de terra, muito empoeiradas e quando das chuvas, ficavam completamente enlameadas. O que conduzia o imaginário dos ilhéus açoriano, imigrantes, a comparar o veículo de burros com a ‘sapateira’ da caranguejola, pois as patas dos burros procuravam se firmar na lama das ruas.
Longe de possuir o formato de caranguejo, o veículo conduzia a esta denominação pois o imaginário dos ilhéus procurava observar familiaridades na região com sua terra de origem, assim, o bonde de burros passou a ser conhecido como ‘caranguejola’.
Alguns poucos estudiosos locais chegaram a atribuir a denominação a Mário de Sá-Carneiro, poeta modernista português, um dos grandes membros da Geração d’Orpheu, falecido em Paris em 1916, pois teria sido ele autor de um poema cujo título denomina-se ‘Caranguejola’. Mas, ao contrário do que muitos consideram ser este poema a origem da denominação popular empregada ao ‘bonde de burros’ em nosso país, principalmente em Petrópolis, a referência maior seria a conferida pelos ilhéus portugueses ao crustáceo decápode, braquiúro, da família dos cancrídeos da costa atlântica e rochosa da Europa, principalmente das ilhas do arquipélago dos Açores ao de Cabo-Verde.
Os ilhéus também denominavam o caranguejo de burro, cava-terra, centola, santola e ‘sapateira’. Nos dicionários portugueses a mesma expressão é encontrada para designar ‘armação de madeira de pouca solidez’, que no Brasil seria chamado pelo Aurélio de ‘calhambeque’.
A chegada de imigrantes ilhéus para Petrópolis ao final do século XIX e inicio do XX, principalmente de açorianos, e de muitos ilhéus que seguiram para as regiões agrícolas como a do Alto Caxambu, Vale de Santa Isabel, ou mesmo da cidade do Rio de Janeiro, pode haver conduzido a expressão ao conhecimento popular que se tornou comum ao cotidiano petropolitano.
Saciados, nossos alunos retornaram às suas pesquisas corriqueiras, mas a curiosidade falou bem mais alto, tanto que logo passaram a visitar sites com fotos de bondes puxados a burros, mais precisamente os que circularam em 1875 no Rio e que ligavam as regiões de Cascadura, Freguesia e Taquara.
Portando cópias de algumas fotos pertencentes ao arquivo do Museu Imperial, principalmente as deste veículo à frente da estação ferroviária da Leopoldina em Petrópolis, debatemos algumas interpretações do material e encerrei a exposição, dando por finalizada uma aula não contemplada pelo currículo, mas pela experiência profissional.
“O professor ao recorrer à improvisação em sala de aula precisa então transpor, diferenciar, ajustar os esquemas disponíveis,coordená-los de uma maneira original. O professor sai, então, da sua rotina, na medida em que se encontra perante um problema novo”. (PERRENOUD, Philippe. Práticas Pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote. (Temas de educação 3). Instituto de Inovação educacional, 1993.39 p.).