HONRANDO A ESTIRPE
Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de
Albuquerque Lima

Há um ditado antigo que assim se enuncia: quem quer se fazer não pode, quem é bom já nasce feito.
Talvez pouca gente saiba nos dias que correm, que o prédio nº 167 da Av. Koeler nesta cidade, pertenceu outrora ao
Dr. Vicente Candido Figueira de Melo Saboia, Barão e depois Visconde de Saboia, que nele faleceu a 18 de março
de 1909.
Nascido em Sobral no Ceará a 13 de abril de 1836, o Dr. Vicente era o sexto filho de José Saboia (1800/1870) e de
Joaquina Inacia Figueira de Melo Saboia (1803/1873).
Em 1858 doutorou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. No ano seguinte, depois de submeter-se a
concurso, foi nomeado expositor da Seção Cirúrgica da mesma Faculdade e, em 1872, chegou a catedrático de
Clínica Cirúrgica, tendo lecionado por cerca de vinte anos.
Assumiu a diretoria da Faculdade de Medicina em 1881 e pouco depois tornou-se médico da Família Imperial.
Homem de cultura humanista, bem relacionado com o mundo científico europeu, tornou-se membro da Real
Academia de Medicina de Roma, da Academia de Medicina e da Sociedade de Cirurgia de Paris, da Sociedade de
Obstetrícia de Londres, da Academia de Ciências de Lisboa. No Brasil integrou a Imperial Academia de Medicina e
foi sócio do Instituto do Ceará.
Promoveu por incumbência do governo geral a reforma do ensino superior brasileiro e deixou inúmeros trabalhos
publicados, a maioria na área de cirurgia que era sua especialidade. Introduziu entre nós o método antisséptico que
lhe permitiu fazer sucesso com cirurgias abdominais, o que representava alto risco de vida em sua época. Também
foi o primeiro a usar aqui a atadura gessada.

Casou-se o Dr. Vicente Saboia no Rio de Janeiro, aos 6 de janeiro de 1861, com D. Luiza Marcondes Jobim, natural
da então província de São Pedro do Rio Grande, filha do Senador José Martins da Cruz Jobim, que foi figura muito
atuante no Imperial Instituto Fluminense da Agricultura.
Os futuros Viscondes de Saboia tiveram cinco filhos a saber: Edmundo Jobim de Saboia, que seguiu a carreira
paterna; Eduardo Jobim de Saboia, engenheiro; Adelaide Jobim de Saboia; Julieta Jobim de Saboia; Maria Luisa
Jobim de Saboia, cujo filho Anibal Saboia Lima meteu-se na carreira diplomática.
Agora, para honra dessa magnífica estirpe, um outro diplomata, Eduardo Saboia, vem de ocupar o noticiário
internacional em razão do ato de coragem, de desprendimento e de solidariedade humana que houve por bem
praticar. Em o fazendo demonstrou ser um verdadeiro Saboia, herdeiro do caráter desassombrado e libertário do
cearense.
Sem medir consequências que lhe poderiam redundar em prejuízos profissionais, atendeu aos apelos da própria
consciência e do humanitarismo que deve presidir as ações de médicos, advogados, magistrados, diplomatas,
sempre que um semelhante seu está em iminente perigo.
Um senador da República boliviana perseguido pela caudilhagem bárbara, refugiou-se na Embaixada brasileira e lá
aguardava um expediente judicial para deixar o pais. Mas como a justiça de lá é infuncional, haja vista o que
aconteceu com aqueles rapazes que ficaram presos ilegalmente em Oruro, o tal salvo conduto nunca apareceu.
E não apareceria mesmo, já que se tratava de um desafeto do caudilho, que fizera denuncias graves contra o regime
local.
Vendo padecer aquele pobre homem deprimido prestes a cometer uma loucura mercê do interminável confinamento
num cubículo da representação brasileiro em La Paz, Eduardo Saboia, numa ousada operação de alto risco,
passando por cima de meras formalidades, atacou a questão nodal e pôs o homem a paz e a salvo em Corumbá,
que é tão território brasileiro quanto a embaixada em La Paz.
Por uma questão de coerência comportamental, o Brasil não poderia negar proteção a um perseguido político.
Se o fizera extra-territorialmente, mais razão teria ainda para fazê-lo dentro de suas próprias fronteiras.
E o nosso herói Saboia merecia uma condecoração pelo ato de bravura em defesa dos direitos humanos tão caros à
Anistia Internacional e ao nosso próprio governo.
Trabalhar com dois pesos, duas medidas é ser incoerente e portanto é não ter credibilidade. Nenhuma satisfação
devemos ao caudilho de plantão no altiplano andino.
O escritor boliviano Alcides Arguedas distinguiu dois tipos de caudilhos: os letrados, raríssimos em nossa pobre
América e os bárbaros que foram e seguem sendo muitos: Rosas, Odria, Trujillo, Somoza, Rojas Pinilla e os atuais,
edições pioradas dos antigos já que empolgados por ideologias pífias, improdutivas, ultrapassadas.
A primeira coisa que fazem é mudar a constituição para se eternizarem no poder. O Congresso é de fachada e
composto de vacas de presépio; o judiciário é um teatro de marionetes. E a América insiste nesse modelo que
nenhum beneficiário lhe trouxe desde as guerras de independência.
O caudilho não admite oposição e muito menos constatação. Ele é o dono da verdade. No fundo está entroncado
naquele velho princípio: ou crê ou morre. Ele é um ditador nato. A história da América espanhola é escrita em grande
parte no exílio pelos refugiados políticos. O Senador Pinto Molina é apenas mais um deles.
Só me resta como brasileiro fidalgo, democrata (no sentido grego do termo) e desfronteirizado dar as boas vindas ao
Senador e parabenizar o diplomata Eduardo Saboia pela conduta brava e exemplar.

Certamente temos algo em comum: não temos medo de remar contra a correnteza. Nisso seguimos à risca o que
pregou há pouco o Papa Francisco de quem tenho a honra de ser xará.