DOM  SEBASTIÃO,  o  INFANTE  CARIOCA

Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança (Dom), Associado Correspondente

Muito se tem escrito sobre a chegada da família Real ao Brasil.

Os 200 anos foram festejados com conferências,  publicações e hóspedes ilustres foram trazidos à nossa terra.

A importância desse evento para a Terra Santa Cruz foi festejado com entusiasmo e sublinhado dizendo-se  que este acontecimento tinha sido um dos maiores, senão o maior, presente que Portugal nos fez.

Nós o devemos ao senhor Bonaparte, um corso de origem italiana, que a si mesmo proclamou Imperador e que de qualquer maneira transformou o mundo de então.

Em todos os acontecimentos, no entanto, fogem pequenos particulares.

De um desses desejo ocupar-me.

É uma migalha histórica, que passou desavisada nas imponentes dissertações que enfeitaram a vinda da Corte Lusitana para a ex-Colônia, para o Vice-Reino, para o Reino e para o futuro Império.

Tivemos uma ascensão rápida e única na história.

Dentro do turbilhão da chegada da Corte, passou quase desapercebido um jovem. Tinha 22 anos. Dizem que não era bonito, faltam-nos retratos para confirmar esta afirmação.

Caminhava ao lado do Regente, era quase a sua sombra, era o seu sobrinho predileto, era o Infante Dom Pedro Carlos.

Para se chegar ao personagem objeto desse estudo, temos que olhar para trás na história.

Em 1785, a Infanta Dona Maria Ana Vitória, irmã de Dom João, casava com o riquíssimo Infante Dom Gabriel da Espanha, filho predileto do Rei Carlos III.

A Infanta tinha 20 anos. Em 1786 nascia em Aranjuez Pedro Carlos; foi batizado e recebeu 18 nomes. (1)

1.Devemos a religiosidade da Casa de Bourbon à tradição de dar seus recém-nascidos uma imponente série de nomes de santos protetores. Um neto de Dom Pedro Carlos chegou ao primado de receber uma carga de bem 27 apelidos. Em geral a imposição dos nomes era aliviada, aplicando-se após pelo menos 15-20 denominações a fórmula: “y todos los santos”. A mortandade infantil naquele tempo era altíssima e assim esta praxe era uma invocação, um pedido a uma tão necessária proteção celeste.

Seguiram-se dois partos infelizes. A varíola grassava na Espanha e em 1788, com a distância de 18 dias, o pequeno Pedro Carlos perdeu os pais. Tinha dois anos; o Rei Carlos III, prostrado com a morte do jovem casal, tomou a si a formação do neto.

O menino tinha nascido debaixo de uma má constelação, pois vinte dias depois falecia também o velho Rei Carlos III, que era o seu protetor.

A pobre criança caiu debaixo da custódia do tio, o Rei Carlos IV.

Este tinha uma numerosa família e não mostrou grande entusiasmo em aumentá-la com um sobrinho, filho de um irmão que sempre invejou.

Dona Maria I, a avó materna, reclamou então para si a criação do neto.

Foi bem-vindo este pequeno e riquíssimo Infante, acolhido em Lisboa num berço ao lado do qual já estavam colocadas as ordens portuguesas de Cristo e de São Bento de Avis. O pequeno Infante já trazia em sua bagagem, em vez de brinquedos, as condecorações de Tosão de Ouro e a Ordem de Carlos III.

Mesmo assim, nem tudo foram honras que o deviam rodear. As relações entre os membros da Casa Real eram tensas e Dona Maria I tinha perdido a razão durante um ato público em Salvaterra, e assim, em 1792, ela foi declarada incapaz, assumindo Dom João a Regência.

Dom João tinha casado em 1790 com Dona Carlota Joaquina que havia diversos anos que estava sendo educada pelos Bragança e cuja feiura e mau caráter eram conhecidos.

Pedro Carlos era ao mesmo tempo sobrinho de Dom João e primo irmão de Carlota Joaquina. O jovem Infante tornou-se um português pela educação que recebia e pelo ambiente no qual vivia.

Além disso era um varão que estava de reserva para uma eventual sucessão também em Portugal.

Carlota Joaquina no começo o recebeu bem, era um simpático “Infantito” da sua terra, mas em anos futuros os seus sentimentos mudaram muito.

Não sabemos quais foram os seus mestres ou educadores. Sabe-se que circulava pelos corredores e devia relacionar-se mais com os moços de estrebaria, que com a família, pois:

“Era voz corrente que este príncipe era ignorante, grosseiro, desconfiado, de linguagem ordinária e não raro indecente.

Não gostava da Espanha, que praticamente não conhecia” (2)

2.Pereira, Angelo, As Senhoras Infantas, Filhas d’ El Rei D. João VI, pag,23, op.cit.

Quando nasceu, em 1793, a primeira filha de Dom João, a Infanta Maria Theresa, ele representou no batizado, o padrinho, o Rei Carlos IV. (3)

3.Zuquete, Afonso E. Martins, Nobreza de Portugal, pag.704, op.cit.

Curiosa coincidência, dezassete anos mais tarde, ele casaria com a batizada.

Daquele dia em diante, os dois Infantes estiveram debaixo do mesmo teto.

A crise entre Dom João e Dona Carlota Joaquina se tornara cada vez mais aguda.

O regente morando em Mafra e a sua intrigante mulher em Queluz.

Assim mesmo, nove foram os filhos que nasceram desse difícil conúbio.

O pequeno Infante, de cuja educação poucos se ocupavam, devia ser instruído em sua terra natal. No fundo era um príncipe espanhol mas a fleuma portuguesa, a simpatia paternal de Dom João e a voluntária incúria por parte da corte madrilena, fizeram que Pedro Carlos ficasse quase esquecido.

A volta do mesmo para Espanha teria danificado o apetite de muitos tios que avidamente olharam para o seu enorme patrimônio.

Veio o fatídico 1808, a já planejada transferência  da Capital do Reino para o Brasil.

Nada mais natural que o Regente levasse o sobrinho querido.

Devia ser o amor paternal que o ligava ao jovem órfão e não certamente o caráter e a índole do mesmo.

Ele acompanhava o tio e os primos, Pedro e Miguel, na nau que os levaria ao Brasil.

Uma aventura formidável para um jovem de 22 anos.

Dom João morava com os filhos e Dom Pedro Carlos na Quinta de São Cristóvão e Carlota Joaquina, com as infantas, no Paço da Cidade, e em seguida, em uma casa em Botafogo.

Muito tinha acontecido após o batizado de Maria Theresa. Ela, na chegada ao Brasil, tinha 15 anos. Era a filha mais bonita e inteligente, e a mais culta dos infantes. Ignoramos se Pedro Carlos havia melhorado a sua índole e as suas maneiras, sabemos somente, que começaram a se namorar. Dom João protegia e observava com gosto esta recíproca simpatia.

Dona Maria Theresa, como primogênita, era a Princesa da Beira, o que lhe dava uma posição especial na corte e, portanto, Carlota Joaquina não via com bons olhos esta eventual união. Os seus planos eram outros. Desejava unir a filha com o seu irmão, o Rei Fernando VII, mais velho dez anos.

Estávamos na fase das grandes intrigas de Dona Carlota Joaquina para conseguir a Regência das colônias espanholas na América do Sul.

O seu eventual opositor poderia ser Pedro Carlos, o único varão Bourbon, livre e não prisioneiro de Napoleão.

Ela portanto odiava o jovem primo, o protegido do marido.

Procurava desacreditá-lo de toda a maneira. No entanto, Dom João preparava em surdina a notícia do noivado da filha com o jovem sobrinho.

“A união era parte da estratégia de Souza Coutinho para reforçar o direito de Pedro Carlos ao trono Espanhol. Os preparativos foram feitos em segredo e, quando Dona Carlota  os descobriu, ficou furiosa, acusando o marido de “alcoviteiro”, e dizendo que preferia que sua filha fosse jogada num poço a vê-la casar-se com seu primo.” (4)

4.Lima, Manuel de Oliveira, Dom João VI no Brasil, pag.187, op. cit.

Tudo foi inútil, e em 13 de maio de 1810, aniversário de Dom João, se realizou o matrimônio de Pedro Carlos e Maria Theresa.(5)

5.Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, “Livro de Casamento (AP1200A) folha 34, do infante D. Pedro Carlos de Bourbon e de Bragança e da Princesa D.Maria Thereza.” Celebrou o rito o Capelão Mor, D. José Caetano da Silva Coutinho.

As testemunhas foram Dom João VI e Dom Pedro, o futuro Dom Pedro I, que então  contava 12 anos.

Foi um matrimônio de amor. Uma grande paixão de ambas as partes.

A cerimônia foi das mais solenes, D. João queria dar uma nota especial ao acontecimento. A monarquia vivia na sua capital de ultramar e a sua vontade tinha prevalecido sobre a da mulher.

No entanto Carlota Joaquina continuava a esbravejar, chamando esta união de “matrimônio monstruoso”. (6)

6.Boleo, Luisa V. de Paiva, D. Maria I a Rainha Louca, pag. 339, op.cit.

O jovem casal se estabeleceu em São Cristóvão, sob o manto protetor paterno.

Dom João nomeou, no dia do casamento Dom Pedro Carlos, que já ostentava também o título de Infante de Portugal, Almirante-General da Marinha Portuguesa e mais tarde Presidente da Real Academia das Ciências de Lisboa. (7)

7.Kerrebrouk, Patrick van, La Maison de Bourbon, pag. 417, op.cit.

A vida do casal corria num mar de rosas, e em 4 de novembro de 1811, em São Cristóvão, via a luz, o primeiro e único filho do casal, o Infante Dom Sebastião.

O pequeno Infante recebeu, além dos nomes tradicionais da casa de Bragança, o nome de Sebastião em homenagem à sua cidade natal, a de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Foi o único Infante Espanhol nascido no Brasil e nas Américas.

Grande foi a alegria do casal e a satisfação do Regente.

Realizou-se um solene batizado na Capela Real, pelo Capelão Mor Dom José Caetano da Silva Coutinho, tendo sido padrinhos a Rainha Dona Maria I e Dom João, então Príncipe do Brasil, conforme deixou escrito o Cônego da Cúria Antônio Pedro Teixeira. (8)

8.Cúria Metropolitana do Rio de janeiro, “Livro de Batismo (AP1293) folha 29,dos Funcionários de Serviço do Paço”. O batizado foi efetuado pelo Capelão Mor, D. José Caetano da Silva Coutinho. O batizando recebeu os nomes de Sebastião Gabriel Carlos João José Francisco Xavier de Paula Miguel Bartolomeu de S. Geminiano Rafael Gonzaga.

Pedro Carlos, conforme a voz que corria na época, estava doente “por excesso de seu exercício conjugal, e por isso fizeram separar os cônjuges.” (9)

9.Marrocos, Luis Joaquim dos Santos, carta de 3 de abril de 1812, pag. 118, op.cit.

Na realidade parece que Pedro Carlos faleceu em São Cristóvão de tuberculose, em 4 de julho de 1812, sete meses após o nascimento do único filho.

Realizou-se um solene mas tristíssimo enterro, do Paço da Cidade até o Convento de Santo Antônio. Foi o mais grandioso realizado no Rio até àquela data.

Militares da guarnição formaram alas em todo o percurso.

Frei Basílio Röwer O.F.M., em sua primorosa história do Convento de Santo Antônio, nos dá uma descrição da cerimônia fúnebre:

“No préstito sobressaíam os nobres e pessoas gradas com longas capas pretas e chapéus desabados, dos quais pendiam longos fumos, montados em cavalos cobertos de amplas mantas negras e seguidos de seus lacaios de libré, que ostentavam no braço esquerdo os telizes com os respectivos brasões das famílias e alumiavam a estrada com brandões acesos. Também os capelães e cônegos acompanhavam o cortejo a cavalo, carregando tochas.

O coche fúnebre era puxado por 8 machos ajaezados de pesado luto.

Já era alta noite quando o préstito chegou à ladeira do convento. Depois de colocado o caixão na igreja, houve encomendações e assinatura de termos de entrega.

Em seguida foi colocado na capela do Ecce Homo, no claustro, onde os religiosos terminaram as exéquias com mais uma encomendação.

Era quase meia-noite.

No dia 27 de junho celebrou-se missa solene de 30º dia, na Capela Real e quem fez o elogio fúnebre foi o nosso Frei Sampaio.

A trasladação do caixão para a Capela do Ecce Homo foi apenas provisória.

Dom João VI mandou fazer em Portugal, um artístico túmulo de mármore que devia encerrar os restos mortais do seu mui querido genro.

Foi ele colocado na Capela da Conceição, pertencente aos Terceiros, ao lado da Epístola da Igreja do Convento e inaugurado com toda a solenidade a 25 de março de 1817.

No dia seguinte, Dom João VI com toda a família real e os grandes do reino tornaram ao convento para assistir à missa pontifical celebrada pelo Bispo, com assistência do Cabido e muitos sacerdotes.

Houve sermão, formatura de tropas, salvas das fortalezas e entrega das chaves do túmulo.”(10)

10.Röwer, Frei Basílio O:F:M:  O Convento de Santo Antônio do Rio de janeiro; op.cit.

O imponente monumento fúnebre ao qual se refere o antigo Padre Guardião, foi realizado em Lisboa, na oficina do escultor Joaquim Machado de Castro e pelo discípulo Faustino José Rodrigues, entre 1814 e 1816. (11)

11.Joaquim Machado de Castro, nasceu em 1781 falecendo em 1822. Estudou escultura, seguindo as instruções de Nicolau Pinto. Em seguida as instruções de Nicolau Pinto. Em seguida estudou com José de Almeida que aprendeu em Roma, subsidiado por Dom João V. Colaborou nas obras de Mafra, dirigidos pelo escultor italiano Alexandre Giusti. Machado de Castro realizou muitas obras importantes entre os quais o baixo-relevo do frontispício e várias estátuas de mármore da Basílica do Coração de Jesus. Os escultores dos túmulos de Dona Mariana Victória ( mãe de Dom Pedro Carlos e irmã de Dom João VI ), Dona Mariana d’Áustria ( mulher do João V ) e a estátua equestre de Dom José em Lisboa.

O pequeno Sebastião permaneceu nove anos no Brasil debaixo de uma sábia educação materna, dos carinhos e da asa protetora do bondoso avô.

Dom João, no entanto, apesar de sua fama de indolente e abúlico, construía com sabedoria os alicerces para o futuro Império brasileiro.

Não tinha deixado também de dar uma alfinetada a Napoleão, invadindo a Guiana Francesa, ocupando inclusive a capital, Caiena.

Foi uma pequena desforra!

Não podemos esquecer a elevação do Brasil a Reino com a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, e a atuação da diplomacia portuguesa no Congresso de Viena.

O tratado proibindo o tráfego dos escravos, uma pacificação dos surtos revolucionários que ameaçavam a unidade nacional, foram também fatos que contribuíram para um fortalecimento do país e a elevar o prestígio do novo Reino, em campo internacional.

O pequeno infante, com 4 anos, viu partir duas de suas tias para a Europa. Certamente as mesmas o haviam mimado e brincado com ele.

De fato, em 1816, Maria Isabel e Francisca de Assis foram casadas com dois tios maternos. A primeira com o Rei Fernando VII e a segunda com o irmão do mesmo, o Infante Carlos, que nós ainda encontraremos neste estudo.

No mesmo ano falecia, com 81 anos, Dona Maria I, cujo corpo foi levado num imponente cortejo para o mosteiro da Ajuda.

Sebastião, o pequeno carioca, deve ter percebido os momentos de luto pelo falecimento da bisavó, mas também o da aclamação de Dom João a Rei Fidelíssimo.

Já tinha 5 anos, quando Dona Leopoldina chegava para casar com o tio Pedro.

Mais uma vitória diplomática do Rei, que para realizar este conúbio, teve que hipotecar até as rendas do Estado, para garantir o “contra-dote” de Dom Pedro. (12)

12.Bragança, op.cit.pag.550

Até ao regresso da Corte para Lisboa, Dom Sebastião estava residindo com a mãe, em São Cristóvão. Dona Maria Theresa era dotada de forte personalidade e ambição. Estava preocupada em recuperar as propriedades espanholas do filho, que o tio Dom Carlos tinha-se adjudicado, e obter o reconhecimento de Infante espanhol para o pequeno e desconsiderado filho.

Dom Sebastião tinha, caso raríssimo, o duplo infantado, o de Portugal e o da Espanha.

A ocasião para conhecer o velho mundo se apresentou quando o Rei voltou para Lisboa com a família.

Ficou o tio Pedro.

Nunca mais se veriam. A Corte tinha deixado o jovem Brasil, que teve, no curto período da permanência de Dom João, uma grande mudança.

Tinha-se aberto ao Mundo e tudo, já naquele tempo, deixava prever um futuro brilhante.

Em 26 de abril de 1821, a Corte, após 13 anos de permanência na terra de Santa Cruz voltava para Lisboa. Foram anos agitados e ao mesmo tempo de grandes acontecimentos.

Dom João deixou um país preparado para enfrentar o seu grande destino.

O Rei partiu triste, tinha-se acostumado à vida carioca, a uma existência de liberdade e sem o cerimonial pesado, existente nos palácios lisboetas.

Devia ter sido uma saída melancólica; levavam-se dois caixões, o da Rainha Dona Maria  e aquele do Infante, que a filha viúva, não quis deixar no lindo e recém-inaugurado monumento fúnebre.

Dizem que Dona Carlota Joaquina derramou sim lágrimas, mas de contentamento.

Ia ajudar o filho querido Dom Miguel e tecer intrigas nas cortes de Lisboa e da Madrid.

Nessa procissão de despedida seguia um pequeno brasileiro, o Infante Dom Sebastião.

Despediu-se ele do tio Pedro e da tia Leopoldina, e podemos afirmar, que apesar de não ter voltado mais ao Brasil, ele se orgulhava muito da terra que o viu nascer.

A volta para Portugal era uma incógnita.

Encontraram um ar triste, um país arruinado, desunido, que somente podia ostentar um glorioso passado.

Para Maria Theresa começava uma árdua luta.

Recuperar o rico Priorado de Castilla y León, que Dom Sebastião tinha herdado do pai.

Outro fator era o seu reconhecimento por parte da Espanha.

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Madrid devia ter esquecido Dom Pedro Carlos e ainda mais o seu filho, nascido no longínquo continente sul-americano.

Nasceu na “Corte Amazónica” como a chamavam.

Ele tinha que receber uma renda anual de 140.000 ducados, das suas propriedades.

Quando chegaram a Lisboa encontraram as caixas vazias.

Maria Theresa encarregou um advogado de questionar o ávido tio.

Venceu a causa e se decidiu então a mudar para Madrid, com licença do Rei (Fernando VII), que no entanto havia reconhecido os seus direitos assim como os de Dom Sebastião.

Em Madrid não encontraram mais a querida tia Dona Maria Isabel, a qual após dois anos de casamento, havia deixado viúvo o Rei.

Vivia com grande prestígio na Corte, a outra irmã Dona Francisca de Assis.

O encontro das duas irmãs deve ter sido de grande emoção.

Duas Infantas portuguesas eram agora “as Rainhas” em Madrid.

Maria Theresa, pela sua inteligência, habilidade, espírito brilhante e beleza, rapidamente conquistou a todos, apesar da sua posição de Infanta viúva.

Maria Theresa educava o filho dentro de um estreito conservadorismo e espírito religioso. Ela conseguiu restabelecer uma estrita etiqueta na Corte, inclusive a usança, que havia sido abolida, de que os Grandes de Espanha deviam servir a mesa do Rei e, ao deitar-se o mesmo, tirar-lhe as botas. (13)

13.Medrano, Ricardo Mateos Sáinz de, «Los desconocidos Infantes de España», pag. 135, op.cit.

Na Corte as duas irmãs eram conhecidas como “as portuguesas” que também com todas as suas forças e com ingentes quantidades de dinheiro apoiaram o irmão Miguel.

No entanto, Dom Sebastião se estava desenvolvendo num jovem de notáveis qualidades. Seus preceptores, Serapio Serrano e o padre Verdugo (14) tiveram uma grande influência no jovem.

14.Medrano, Ricardo Mateos Sáinz de, «Los desconocidos Infantes de España», pag. 146, op.cit.

Dom Sebastião estava em Madrid, quando em 10 de março de 1826 chegou a notícia da morte de Dom João VI.

Deve ter sido um golpe duro para o sensível moço. A lembrança do bondoso avô o deve ter levado, em espírito, para a terra natal.

Devia rever os passeios na Quinta da Boavista e na Fazenda de Santa Cruz, levado pela mão do bondoso Rei.

Havia assistido as missas com as maravilhosas composições do famoso maestro português, Marcos Portugal, que tanto havia sido admirado e protegido por Dom João.

Deviam soar aos seus ouvidos as conversas do pessoal de São Cristóvão que, quando se referiam a ele, falavam carinhosamente de Dom Tãosinho.

As excursões com a mãe à Ilha de Paquetá eram as mais emocionantes.

Iam visitar o Avô João, que ele via sentado numa grande mesa com pacotes de documentos, que vagarosamente lia, observando ao mesmo tempo da janela os lindos beija-flores, que animadamente esvoaçavam.

Um sentimento de tristeza deve tê-lo feito voltar à realidade.

Um pressentimento amargo, que nunca mais voltaria à sua terra natal.

Aliás, o ano de 1826 foi realmente um ano de grande luto para a família, pois em dezembro veio a notícia da morte da tia Leopoldina, a mulher do tio Pedro, que se tornara uma imperatriz tão amada pelo seu povo.

Dom Sebastião a conservava na memória, dinâmica, saindo a cavalo com um grande chapéu.

Ela era simples e não gostava de ricas roupagens. Mexia com pedras variegadas, lindas borboletas, bichos empalhados, tudo coisas que ele então não compreendia, mas devia achar muito interessante.

Mas a bondade dela, ele a conservava no coração.

Desde muito cedo o jovem carioca tinha tido pendores pelas artes e letras.

Era escritor e pintor de certo talento. Chegou a ser um gravador notável, realizando lindas litografias.

Ainda moço organizou dois periódicos, “El Largato” e “Mariposa”, que ele distribuía no seio da família real.

Lia muito, colecionava livros e chegou a formar uma importante biblioteca.

Dominava perfeitamente cinco línguas modernas e tinha bons conhecimentos de Latim e Grego.

Colecionava quadros e tinha um grande interesse pela arqueologia.

Dentro de seu amplo espectro de interesses figurava também a física, chegando a criar o primeiro laboratório de física da Espanha.

Uma descrição resumida da pessoa do Infante nos é data por Pirala, que desejamos reproduzir:

             “ (…) las letras, las ciências y artes tuvieron en el joven don Sebastián un aventajado discípulo, y un templo en su cuarto (…) ejecutaba litografías y se vangloriaba de artista. Su biblioteca era regia, su gabinete de física el primero de España, y su galeria de pinturas forma la riqueza del museo del Ministerio de Fomento (…) aunque Cristiano no se desdeñó de conocer las obras arábicas y gozar fama de regular orientalista (…) su biblioteca servia diariamente de academia. Allí tenía su tertúlia a la que acudian Vallejo, Gumila, Tordera y luego Martínez de la Rosa u otros. Convencido de que nada enseña como el trato, gustaba de conversar con los hombres de valor y oír sus lecciones y oír sus consejos (…)”.  (15)

15.Pirala, História general de la guerra civil, apud Medrano, pag.136, op.cit.

Nota-se na educação do jovem Infante a falta de um pai.

Fora educado pela mãe e pelas tias, e em sua vida futura notar-se-á uma falta de firmeza nas decisões, que poderia ter-lhe  dado o exemplo, uma preparação e disciplina masculina.

Não era um atleta. Seu aspeto físico, todavia não acompanhava a formação do seu espírito. O seu rosto não tinha um semblante cativante. Ele tinha um problema de visão, pois era acentuadamente vesgo e os olhos refletiam uma certa tristeza.

Podemos dizer ainda que tinha uma estatura média e que era portador de barba e bigode, que lhe davam um ar de professor.

Os conterrâneos o descrevem como muito amável, acessível, generoso e de ótimo caráter.

Em 1832, Dom Sebastião se une em matrimônio com a Princesa Maria Amália, filha do Rei Francisco I das Duas Sicílias. Foi um matrimônio dinástico que se realizou por procuração, em Nápoles, e pessoalmente no Palácio de Aranjuez, perto de Madrid.

Apesar de ter sido um casamento feliz e também de agrado por parte da dominadora mãe, ficou sem descendência.

Devemos precisar que Maria Amália foi a irmã mais velha da Imperatriz Dona  Theresa Christina. Também não era bonita e de constituição muito frágil. Ela faleceu após 24 anos de matrimônio, não deixando descendência. Maria Amália devia ter um ótimo caráter e Dom Sebastião muito chorou a sua perda.

Na Espanha estava em vigor a lei Sálica, isto é, a sucessão ao trono somente poderia ser feita  por via masculina.

O Rei Fernando VII, não tendo filhos, decidiu mudar a lei e a tradição, debaixo de forte pressão da Rainha, e designou a filha mais velha como herdeira.

Isabel, ainda menor, jurou, como Princesa de Astúrias, em 20 de junho de 1833.

Este ato foi em detrimento do herdeiro legítimo, o irmão do Rei, o Infante Dom Carlos.

Fernando VII faleceu logo em seguida, no dia 29 de novembro.

Isabel II é aclamada Rainha e a ambiciosa mãe, Maria Christina, declarada Regente, assume o governo com o apoio dos liberais.

Este ato de usurpação provocou o protesto de Dom Carlos e uma violenta reação das “portuguesas”.

Estas abraçaram com força a causa de Dom Carlos, Carlos V, para o partido apostólico-absolutista.

Maria Theresa e Francisca de Assis se retiraram para Portugal, coisa que Fernando VII já havia pedido a Dom Miguel, e se instalaram no Palácio do Romalho, que tinha sido residência de Carlota Joaquina.

Dom Sebastião, não somente não as acompanhou, mas assistiu ao juramento de Isabel, como Princesa das Astúrias e a aclamação da mesma.

Em 11 de setembro de 1834 faleceu, na Inglaterra, a Infanta Dona Francisca de Assis, deixando três filhos, os quais foram acudidos por Dona Maria Theresa.

Dom Sebastião, no entanto, desgostoso com as medidas do Governo liberal e com a grande corrupção nele reinante, aderiu aos carlistas.

Grande devia ter sido também a pressão materna.

Ele foi imediatamente expropriado pela Rainha e declarado decaído do título de Infante.

Dom Sebastião pôs a sua espada à disposição do exército carlista.

A família de Dom Carlos, exilada a estas alturas, estava morando em Trieste. Dom Sebastião, não podia somente aderir à causa carlista, mas a sua presença física era necessária junto do exército.

Para isso teve que viajar, camuflado de comerciante inglês, através do norte da Itália e o sul da França.

Entrou na Espanha através da “cueva de las brujas” em Zugarramurdi, no prolongamento dos Pirineus ocidentais.

Nomeado ajudante de Dom Carlos (V) sendo depois  chefe do exército carlista com o grau de Capitan-General.

Trouxe muito dinheiro, recolhido nas cortes reacionárias europeias.

Tinha o dom de animar as tropas com brilhantes arengas levando-as a varias importantes batalhas.

Participou do assédio de Bilbao, chegando com o exército a Castilla la Nueva.

Neste ínterim, Maria Theresa acedeu ao pedido da irmã,  Francisca de Assis, e  casou com o viúvo Dom Carlos (V) .

Para isso ela tinha que viajar da Trieste para a Espanha.

Passou os Pirineus montada numa mula camuflada de camponesa.

A guerra carlista chegava ao fim, as forças de Isabel II prevaleceram, e em 1855 falecia, em Trieste, Dom Carlos (V).

Dom Sebastião retirou-se novamente para Nápoles, Corte do cunhado Fernando II.

Dedicou-se à pintura, ao estudo da arte e com certeza, arqueólogo amador que era, devia frequentemente visitar as escavações de Pompeia e Herculano.

Em 1857 falecia a esposa Maria Amália e em 1859 Fernando II de Nápoles.

Estava sem o apoio do cunhado e sem dinheiro.

O perigo carlista tinha momentaneamente passado e Isabel II se tinha mostrado muito clemente e generosa com os parentes que a haviam hostilizado e combatido.

Tinha perdoado a António de Orléans, o intrigante Duque de Montpensier, que havia conjurado contra ela, apesar de estar casado com a irmã.

Vistos os bons ventos que sopravam de Madrid em 1857, Dom Sebastião se reaproximou novamente de Isabel II.

Em 1859 ele reaparece na Capital Ibérica e a Rainha o reintegra novamente nos títulos e na fortuna confiscada.

Na mesma ocasião, ele casa com a cunhada da Rainha, a Infanta Maria Christina, da qual teve cinco filhos.

Dona Maria Theresa, todavia não era uma pessoa que cedia ou mudava suas opiniões e este casamento a enfureceu, como naturalmente também aos Carlistas, ainda fiéis à causa.

O casal se estabeleceu num palacete na Calle de Alcalá, e em certas ocasiões no Palácio de San Juan, que pertencia ao Grão Priorado, do qual o Infante tinha as rendas e era Grão Prior Honorário.

Podia-se dedicar finalmente a seus estudos, e foi nomeado Presidente e membro de muitos silogeus espanhóis, franceses e italianos.

Foi sócio também do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Devia manter boas relações com Dom Pedro II, seu primo irmão e seu cunhado.

Em São Cristóvão existiam dois grandes quadros a óleo do Infante e da sua segunda mulher, pintados por Madrazo, que após 1889 foram herdados pelo Príncipe Dom Pedro Augusto, o neto predileto do Imperador.

Nesse retrato, Dom Sebastião aparece em farda de “Capitan-General”, com as suas numerosas ordens e, com  especial destaque, a Imperial Ordem do Cruzeiro do Brasil.

Infante-Dom-Sebastiao

Dom Pedro II chegou a conhecer este primo, na França, durante a primeira viagem que o Imperador realizou em 1871.

Quanto à origem dos dois majestosos quadros, não sabemos em que ocasião estes foram presenteados aos Monarcas.

Em 1870 caiu a Monarquia e Isabel II foi para o exílio na França, seguida também pela família do Infante.

Este se estabeleceu em Pau, perto da fronteira espanhola na Vila Labordette.

Desde aquele momento, o velho Infante se colocou ao serviço da destronada Rainha, mantendo uma ótima relação com o Príncipe Dom Afonso, o futuro Afonso XII.

Ele foi seu conselheiro, procurando também uma reconciliação entre os carlistas e isabelistas.

Em 1874 a Monarquia é restaurada com Afonso XII e Dom Sebastião quis acompanhá-lo no ingresso em Madrid.

O chefe do governo Cánovas de Castillo não o permitiu por medo de influência de Dom Sebastião no jovem soberano.

Assim mesmo ele continuou conselheiro do novo Rei.

Porém o exílio, agravado com a notícia da morte, em Trieste, da mãe, a Princesa da Beira, em 17 de janeiro de 1874, foi um duro golpe para ele.

Também estava muito amargurado pelo ódio que lhe dedicavam os seus antigos correligionários carlistas, que eram numerosíssimos naquela região da França.

A sua amargura pelos ataques sofridos transparece claramente na carta que ele escreveu, poucos dias antes de morrer, a Afonso XII:

(…) es tal la ira y el furor que les ha entrado que, entre otras cosas, se me há mandado un cartel de desafio por un conde francês ( que no conozco ) firmado, y con las señas de sus habitaciones. Cuantas injurias, cuantos denuestos, cuantos groseros insultos puedan imaginarse y mucho más están contenidos en esse escrito soez e inmundo que conservo, y tendré la honra de mostrarte algún dia para que veas hasta donde pueden llegar el fanatismo y el delírio.

Como ni mi posición, ni mi dignidad no me permiten outra cosa, he juzgado mirarlo con el más completo desprecio y esperar a ver si continuan otras manifestaciones de semejante naturaleza venenosa, pero entretanto he querido elevarlo a tu superior conocimiento.

Si hay que combatir, combatiremos; estoy pronto y resuelto a todo, y a que quede bien puesto el pabellón; y, aunque preferiria mil veces pelear frente a frente con los carlistas en los campos de batalla, y verter, si fuera necesario mi sangre por ti y por la pátria, como mil veces há tenido el honor de decirte; el veterano de los capitanes generales solo debe decir lleno de sumisión, cúmplase lo que S.M. manda (…)” (16)

16.Carta de Dom Sebastião ao Rei Afonso XII, Pau, 26 janeiro 1875. Arq. General de Palácio, caixa 20, reinado Afonso XII.  Apud Medrano, pag. 148, op.cit.

A morte de Dona Maria Theresa o deve ter abalado muito.

A Princesa da Beira, esta mulher de ferro, sua enorme força, foi a alma do carlismo durante três gerações e foi o maior apoio do filho.

Ela está sepultada na catedral de San Giusto, em Trieste, aos pés de um altar lateral, conjuntamente com a irmã Dona Francisca de Assis, o marido de ambas, Dom Carlos (V), assim como três filhos e um neto dos mesmos.

Curioso desígnio do destino, hoje repousam 2 filhas de Dom João VI em solo italiano, numa cidade às portas do mundo eslavo.

Dom Sebastião foi um dos últimos Príncipes que vieram do absolutismo.

Ele foi quase um artista e quase um eficiente general. Teve uma vida agitada e certamente não muito alegre, ficando sempre à margem da história.

Dominado muitas vezes pela ambiciosa mãe.

Os seus filhos não se distinguiram e após o seu passamento delapidaram rapidamente a sua grande fortuna.  

Os seus atos políticos, tão inseguros e muitas vezes reprováveis, eram todavia guiados por um monarquismo em favor da Espanha, não se importando se predominavam os carlistas ou os isabelistas.

Sua maior alegria, no fim da vida, era ver Afonso XII no trono dos seus antepassados.

A sua saúde no entanto, decaia rapidamente.

Em Pau, centro dos Carlistas que o hostilizavam, faleceu em 14 de fevereiro de 1875.

Isabel II, que sempre gostou do velho tio, lhe tinha perdoado e o tinha reintegrado na família.

Assim ela abriu ao Infante Carioca as portas do Escorial para a sua eterna morada.

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Gravura feita por Batistelli em 1836, reprodução de quadro de L. Ferrante

(coleção do autor)

Bibliografia

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