A QUESTÃO DE LIMITES ENTRE OS ESTADOS DO RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS – I

Francisco de Vasconcellos, Associado Emérito

Muita gente se recorda da arrastada pendência envolvendo a questão de limites entre Minais Gerais e o Espírito Santo que chegou praticamente aos nossos dias, quando deu-se o deslinde, para a alegria e tranqüilidade dos habitantes de Mantena, Mantenópolis, Barra de São Francisco, Baixo Guandú, Aimorés, etc., etc.

Também é do conhecimento geral o renitente protesto de mais de cento e setenta anos, dos pernambucanos, na defesa de um imenso território, que ia até os arredores de Paracatú, perdido para a Bahia e Minas Gerais, como pena pela ousadia da revolução de 1824.

Mas, o que poucos sabem é que os Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, tiveram durante décadas problemas, em face da imprecisão dos limites na região dos rios Pirapetinga, Pomba, Muriaé e Carangola.

O decreto imperial nº 297 de 19 de maio de 1843, considerando as dúvidas resultantes da imprecisão da linha divisória entre as duas províncias, na zona em epígrafe e querendo evitar os conflitos oriundos delas, estabeleceu o seguinte no seu artigo 1º:

“Os limites entre a Província do Rio de Janeiro e a de Minas Gerais, ficam provisoriamente fixados da maneira seguinte: começando pela foz do riacho Pirapetinga do Paraíba, subindo pelo dito Pirapetinga acima até o ponto fronteiro à barra do Ribeirão Santo Antonio do Pomba e daí por uma linha reta à dita barra do Santo Antonio, correndo pelo Ribeirão acima até a serra denominada Santo Antonio e daí a um lugar do rio Muriaé chamado Poço Fundo, correndo pela Serra do Gavião até a cachoeira dos Tombos no rio Carangola e seguindo a serra do Carangola até encontrar a Província do Espírito Santo.”

Onze anos depois, o relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro, Luiz Antonio Barbosa, datado de 2 de maio de 1854, acusava as instruções dadas ao engenheiro Pedro Taulois para a demarcação de limites entre o município de Campos e a Província de Minas Gerais.

Vale esclarecer, que naquele tempo, o município de Campos, extensíssimo, compreendia praticamente todo o norte da província fluminense, abrangendo os territórios hoje pertencentes a Itaperuna, São Fidelis, Lage do Muriaé, Natividade, Porciuncula, Varre Sai…

Essas instruções dadas ao engenheiro Taulois, bisavô do nosso preclaro colega Antonio Eugênio de Azevedo Taulois, estavam fulcradas no decreto de 19 de maio de 1843 e em síntese continham o seguinte:

1º – que ao chegar a Campos, Taulois deveria entregar às autoridades daquela cidade os ofícios da presidência, recebendo delas, documentos idênticos, para serem levados aos distritos onde teria de exercer as suas funções;

2º – que de Campos, deveria seguir o mais breve possível para Tombos, à margem esquerda do rio Carangola, junto à cachoeira do mesmo nome;

3º – que em estando aí, faria ver às autoridades fluminenses e mineiras os objetivos de sua missão, solicitando delas o auxílio necessário para o desenvolvimento de seus trabalhos;

4º – que a primeira zona a ser demarcada, por ocorrerem nela a maior parte dos conflitos, seria aquela compreendida entre a cachoeira do Poço Fundo no rio Muriaé e a dos Tombos, no Carangola;

5º – que não deveria Taulois cogitar de novas divisas, mas sim demarcar a linha divisória entre as duas províncias com base exclusivamente nos limites constantes do decreto de 19 de maio de 1843, indicando especificamente a localização da serra do Gavião;

6º – que se esta serra não tocasse no Poço Fundo nem na Cachoeira dos Tombos, deveria o engenheiro, partindo deles, procurar pela linha mais curta procurar a serra em apreço, no lugar em que mais se aproximasse e por ela seguindo até o outro ponto;

7º – que nenhuma questão de conveniência dos moradores, poderia levar Pedro Taulois a afastar-se da execução pura e simples das disposições do decreto de 19 de maio de 1843, fazendo sentir aos que eventualmente formulassem alguma reclamação, que a demarcação tinha um caráter provisório, não prejudicando portanto a decisão final do corpo legislativo;

8º – que os trabalhos de demarcação consistiriam na abertura de uma picada onde seriam colocados marcos de pedra lavrada ou de madeira de lei, que indicariam o rumo da linha divisória;

9º – que concluída essa tarefa, o engenheiro Taulois, levantaria a planta e faria a derrota da linha lindeira em toda a sua extensão, com minuciosas declarações de seu curso, participando às autoridades dos distritos confinantes de Minas e São Paulo, para que cada um a reconhecesse, dando conta de tudo à presidência da Província, que lavraria o competente auto;

10º – que demarcada a linha em apreço, prosseguiria Taulois na sua missão, partindo da Cachoeira dos Tombos pela serra do Carangola, até a divisa da Província do Espírito Santo;

11º – que em seguida, passaria a fazer o mesmo entre o Poço Fundo e o ponto do Ribeirão de Santo Antonio designado pelo decreto de 19 de maio e entre a barra deste e o ponto fronteiro do Pirapetinga;

12º – que Taulois teria que dar parte do desenvolvimento de seus trabalhos, de 15 em 15 dias, fazendo presente à presidência, as dificuldades eventualmente encontradas, para que lhe chegasse a tempo e hora os socorros necessários;

13º – que deveria também fazer estudo especial dos lugares por onde passava, de modo a manter o governo informado sobre qualquer alteração que se fizesse necessária, no texto do decreto de 19 de maio de 1843.

Essas instruções tinham a data de 23 de fevereiro de 1854.

Mas o engenheiro Taulois mal esboçou o seu trabalho. A crônica deficiência de verbas que sempre afligiu a Província e depois o Estado do Rio de Janeiro, impediu que ele avançasse no seu intento.

No relatório de 1º agosto de 1857, apresentado pelo Vice Presidente João Manoel Pereira da Silva à Assembléia Legislativa provincial, consta na epígrafe limites, a informação de que os mineiros seguiam fazendo assentamentos em territórios de São Fidelis e de Campos. E textualmente:

“Há muitas pessoas que asseveram que a freguesia da Glória, criada pela Assembléia Provincial de Minas, está situada em terras da Província do Rio de Janeiro.”

O relatório não descurava de que havia sido também com intenções geo-políticas a nível provincial, que fora criada a nova freguesia de Lage (origem do atual município de Lage do Muriaé), com território desanexado de Santo Antonio de Guarulhos (hoje Guarús, fronteiro a Campos dos Goitacaze, à margem esquerda do Paraíba).

E a Assembléia fluminense, através de leis específicas, autorizara a abertura de estradas na região, de modo a guarnecer o flanco naquela região em litígio.

Eram todas essas medidas, porem, meramente paliativas, já que o problema da fixação definitiva da linha lindeira entre as duas províncias, arrastava-se indefinidamente.

Antes que terminassem os anos cinquenta do século passado, o 1º Tenente Antonio augusto Monteiro de Barros havia sido nomeado para chefiar a comissão fluminense nos trabalhos de demarcação dos limites com Minas, mas este engenheiro fora logo substituído pelo Capitão Sebastião de Souza e Melo.

Este também não logrou dar um passo no desempenho de suas funções, dado que fora chamado pelo Ministro da Guerra para uma outra missão.

No relatório de 4 de maio de 1862 apresentado pelo Presidente da Província Luiz Alves Leite de Oliveira Belo ao Vice José Norberto dos Santos, lê-se o que se segue:

“Não estando traçada ainda a linha reta que o citado decreto (de 19 de maio de 1843) manda correr pelo ribeirão de Santo Antonio, desde o ponto fronteiro à sua barra no rio Pirapetinga até a serra de Santo Antonio, pretendem as autoridades mineiras do município de Leopoldina que o limite entre as duas províncias seja o leito do referido ribeirão, desde a foz até suas nascentes e constantemente procuram estender sua jurisdição ao curato de Santa Ana do Pirapetinga, na freguesia de São José de Leonissa (origem de Itaocara), não obstante prestarem os seus habitantes, desde que foi fundada a povoação em 1930, obediência a esta Província.”

E como o governo não tinha meios para resolver os problemas causados pela indefinição dos limites, finalizava o Presidente:

“Entretanto continuam as queixas e reclamações dos povos.”

Algumas vezes a Província, carente de recursos para enfrentar os custos da demarcação, apelou para o governo central. Uma delas foi em 1865, quando o Marquês de Olinda, então Ministro do Império, pelo aviso de 6 de setembro daquele ano, declarou que havia submetido a questão à seção competente do Conselho de Estado.

E mais uma vez o assunto empacou.

E pelos anos setenta, ninguém mais falou no assunto, apesar de persistirem as dúvidas e as diatribes na zona conflitada.

Na próxima oportunidade veremos como o tema evoluiu na última década da monarquia e no alvorecer da República.