OS 120 ANOS DO DESASTRE DE CANUDOS
Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima
Delenda Canudos foi a ordem terminante dos que em 1897 detinham nas mãos os cordéis do poder. Mas Canudos era conseqüência e como sempre ocorreu no Brasil, é sempre este que está na alça de mira dos poderes constituídos, ignorantes da velha máxima latina: sublata causa, tolitur effectus. Trocando em miúdos, somente subtraindo-se a causa e que se exterminará o efeito dela advindo.
A questão de Canudos pôs a nu a tragédia social do interior nordestino, velha de muitos séculos, teúda e manteúda no feudalismo renitente, na escravidão à ignorância, no desesperado apelo aos milagreiros NE profetas, no cambão na paranóia coletiva em busca do nirvana.
As causas do fenômeno canudiano foram levantadas e discutidas pelo gênio de Euclides da Cunha e as soluções para o drama sertanejo, com base no diagnóstico, dependeriam apenas da vontade política dos governos, fossem eles estaduais ou federais.
Mas debelar causas custa tempo e dinheiro e isso não interessa ao imediatismo politiqueiro dos nossos coringas, que jamais pensam e agem a longo prazo e que só dispõem de verbas para supérfluos, fachadas e na advocacia em causa própria.
E o desastre de Canudos, que afora cumpre 120 anos, provocou o seu maléfico efeito cascata.
A desgraça comum seguiu latente Nordeste afora e a sedição do Juazeiro de 1913/1914 e todo o fanatismo que se desenvolveu no Cariri cearense em torno do Padre Cícero, comprovaram que a hégira continuava viva no sertão, como escreveu Euclides da Cunha.
Segundo os historiadores, o desastre de Canudos foi a origem do processo de favelização do Rio de Janeiro, agravado no princípio do século XX com a reforma de Pereira Passos, que ao acabar com os infectos cortiços da região central da cidade, não criou nos subúrbios dela conjuntos habitacionais dignos e seguros para abrigar os egressos do bota abaixo.
E como diria o velho Carvalhal Lage, muitas tempestades ainda estavam por vir.
Repensar Canudos nesta lastimável quadra em que vivemos na atualidade, é lamentar os 120 anos perdidos com basófias, demagogias e populismos, alheios aos sábios ensinamentos de Euclides da Cunha.
Passamos essas doze décadas evitando a lupa e o bisturi, usando e abusando de ungüentos, mesinhas e compressas; dourando pílulas, colorindo misérias, escondendo verdades, empurrando detritos para debaixo do tapete.
Segundo Mestre Cascudo os nossos problemas são na realidade soluções adiadas e destas entendem muito bem antropólogos, sociólogos e outros cientistas que devem conhecer a obra de Euclides da Cunha e de tantos outros que estudaram longamente as questões nodais da nossa eterna tragédia social.
Mas não me venham com ciência atrelada a ideologias pífias e espúrias, porque destas o inferno está cheio.