OBRIGADO DOUTOR !

Joaquim Eloy Duarte dos Santos, Associado Titular, Cadeira nº 14 –

Nos dias da “belle epoque” petropolitana, nos anos 20, os médicos petropolitanos ou aqueles que clinicavam na cidade nas épocas do veraneio, atendiam os pacientes em três áreas: na própria residência, no domicílio do paciente e nas farmácias. Não havia o consultório particular em sala individual ou as cooperativas médicas. O paciente era tratado pessoalmente pelo médico, em casa, e, quando hospitalizado, o médico de família, acompanhava todo o tratamento na casa de saúde.

O médico de família era o orientador terapêutico, o conselheiro de toda a casa do cliente, aquele psicólogo sem sê-lo que ouvia as confidências familiares e sabia da vida de cada um. A confiança no médico amigo, pronto em todos os minutos das 24 horas do dia, era absoluta, na mesma importância do padre confessor. Quando o doente podia se locomover, ia até a casa do médico se consultar ou, para melhor comodidade, escolhia os horários nos consultórios das farmácias. Se acamado, corria o doutor até ele, sentava-se na beirada do leito, tomava as medidas preliminares de apuração do mal, diagnosticava e, por fim, no seu talão receituário, indicava o medicamento apropriado, com aqueles hieróglifos só compreendidos pelo farmacêutico.

– Vá a senhora, ou mande o menino, na Farmácia Central para o aviamento da receita – ordenava o médico, enquanto ia se levantando, recolhendo os instrumentos, guardando-os na valise e seguindo em direção à porta de saída, completando: Não é nada; tome o remédio e muito repouso. Amanhã estará pronto para o trabalho. Saía e assim findava sua visita.

O forte da clínica era a farmácia. As maiores, instaladas na avenida 15 de Novembro, mantinham consultórios equipados com material e móveis para consultas corriqueiras e, alguns, com aparelhos para pequenas cirurgias, para uso exclusivo dos médicos registrados nos estabelecimentos e que cumpriam horários fixos.

A Drogaria e Farmácia Central, na avenida 15 de Novembro n. 613, era a maior de todas, de propriedade de Monteiro & Martins, farmacêuticos diplomados e premiados com medalha de ouro na Exposição Nacional em 1908, no Rio de Janeiro. Mantinha o seguinte corpo clínico com consultórios no sobrado: clínica médica: Dr. Joaquim Moreira, Dr. Arthur Cruz, Dr. Heitor Leitão da Cunha, Dr. Modesto Guimarães, Dr. Corrêa de Lemos, Dr. Amélio Tavares, Dr. Vital Fontenelle Dr. Alynthor Werneck de Carvalho, Dr. Cândido Martins, Dr. Lourenço da Cunha, Dr. Arlindo de Souza e Dr. Francisco de Souza; partos e doenças de senhoras: Dr. Paulo Figueira de Mello; moléstias de crianças, senhoras e partos: Dr. Augusto de La Rocque Júnior; doenças de crianças: Dr. Paulo Mattos Rudge; doenças da garganta, nariz, ouvidos e boca: Dr. Eurico de Lemos e Dr. Cesar da Silva; operações, partos e moléstias de senhoras: Dr. Sá Earp Filho. Os médicos ofereciam em alguns horários da semana consultas grátis aos pobres.

A Farmácia e Drogaria Fluminense, na Avenida 15 de Novembro n. 1008, de propriedade do farmacêutico Rubens de Andrade, este com medicamentos registrados como Água Inglesa Andrade, Agriol, Vitogeno, Odontalgico e Diastol, mantinha o corpo clínico com os médicos: clínica médica: Dr. Henrique Mercaldo e Dr. Gabriel Bastos; clínica médica e de crianças: Dr. Ernesto Tornaghi; moléstias nervosas das crianças, pele e sífilis: Dr. Hugo Silva; sífilis e moléstias de crianças: Dr. Armando Lacerda; e anunciava que mantinha “consultórios clínicos e cirúrgicos grátis aos pobres”.

A Farmácia Leite, na avenida 15 de Novembro n. 557, de propriedade de L. Duque & Leite, anunciava seus preparados, tais como Starkol, Araxina, Iodo Tannico, Xarope Iodo Tannico, Óleo de Jerusalém, Chá de Petrópolis, Essência Maravilhosa, Dynól, Yndól, Linimento Sedativo, Xarope Iodureto de Ferro, cápsulas de Davirds, atendia os clientes com os médicos: clínica médica: Dr. Antônio Joaquim de Paula Buarque, Dr. David de Sanson, Dr. Gabriel Porto, Dr. J. Monteiro e Dr. Romão Júnior; doenças da mulher e da criança: Dr. Oliveira Leite,. A Farmácia Leite, ainda na década de 20, passou à denominação de Farmácia e Drogaria Petrópolis, mantendo o mesmo corpo clínico.

A Farmácia Modelo, na Avenida 15 de Novembro n. 613, de menos dimensão que as anteriores, tinha um consultório clinico de uso do Dr. Armando Lima, clínico geral, operador e parteiro.

Alguns médicos atendiam em duas farmácias. Os horários diários, de segunda-feira a sábado, compreendiam os dois turnos da manhã e da tarde, iniciando-se as consultas por volta das 8/9 horas e terminando por volta das 16/17 horas.

Existiam, ainda, muitos cirurgiões-dentistas com consultórios em suas residências: Dr. Manoel Gonçalves, Dra. Marieta Borges, Dr. Luiz Afonso de Miranda e Silva, Dr. José Maria da Costa Bento, Dr. Júlio Werneck, Dr. Pedro Lacerda Rocha, Dr. Fordham, Dr. Waldemar Sampaio, Dr. Antônio Cunha, Dr. Carlos Keyes, Dr. F. Perkins, Dr. Coachmann, Dr. Castello Branco, Dr. Funchal, Dr. Floriano de Avelar Werneck, Dr. Vicente de Sá Earp, Dr. Henrique Gonçalves da Cunha, Dr. Adhemar F. de Sá Rego, Dr. Nestor Barbosa, Dr. A. Carvalho Lana, Dr. Deoclécio de Abreu, Dr. Quintiliano P. M. Montenegro e Dr. W. Langsdorf.

Com a advento da modernidade, que veio chegando nos anos 30 e sob a nova ordem política nacional e mundial, o médico de família foi desaparecendo, os consultórios nas farmácias perdendo a clientela, os farmacêuticos deixando de preparar os medicamentos, que passaram para a industrialização cartelista, e a construção dos novos prédios no Centro Histórico de Petrópolis com muitos pavimentos superiores e divididos em salas para profissionais liberais, levou os médicos e dentistas para os consultórios privados.

Ainda resistiram alguns médicos de família, assumindo o antigo papel, já nos anos 60, porém sem qualquer ligação com as farmácias. Seus consultórios passaram para os sobrados e prédios altos. Dentre eles o saudoso Dr. Nelson de Sá Earp, que atendia prazerosa e rapidamente nas residências. Cito, ainda, o Dr. Sylvio Marques Duarte. Da minha lembrança de menino vem o nome do Dr. Virgílio que sempre estava lá em minha casa atendendo a família.

Nos dias correntes tudo mudou e muito. A população cresceu com os problemas se multiplicando; a massificação tomou conta de tudo e o exercício da previdência social, sob equívocos insanáveis, fez gerar as cooperativas médicas, os planos de saúde e os terríveis preços praticados pela indústria farmacêutica, vendendo e vendendo remédios inócuos e perigosos sem o mínimo controle, tudo parecendo porteiras para introduzir os animais no terreiro dos rodeios.

A “belle epoque” foi tragada pelo progresso o qual, se bom para a melhoria da vida, da saúde, da longevidade, do entretenimento, da tecnologia, por outra face, deu-nos a moeda do desequilíbrio humanístico que afoga os pacientes nas senhas dos consultórios, das clínicas, dos hospitais, deixando na saudade o médico conselheiro e verdadeiro amigo da ciência e do seu paciente.