OS DOIS “NASCIMENTOS” DE FREI MONTE ALVERNE

Enrico Carrano, Associado Titular, Cadeira n.º 3 – Patrono Antônio Machado

Em seu belo discurso de posse na Academia Petropolitana de Letras, a 20 de março de 1927, o ilustre sacerdote e advogado paraibano, Padre Lucio Gambarra, que atuou na Paróquia de Cascatinha de 1914 a 1937, afirma que o frade franciscano, Frei Francisco de Monte Alverne, Pregador Imperial de Dom João VI a Dom Pedro II, e precursor do Romantismo no Brasil, patrono da cadeira na qual tomava assento, a de n.°29, teria nascido duas vezes: a primeira em 1785, ao receber na pia batismal o nome Francisco José de Carvalho, mudado aos 23 anos e por ocasião do sacerdócio, para o de Frei Monte Alverne; e a segunda, em 19 de outubro de 1854, aos 79 anos, quando a convite do Monarca, reaparece após 16 anos de recolhimento, cego e debilitado por grave enfermidade, para pregar o famoso panegirico de São Pedro de Alcântara, no Outeiro da Glória, e na presença de figuras seletas da sociedade de então, entre as quais Machado de Assis e Joaquim Manuel de Macedo.

Nas palavras de Pe. Gambarra:

“Se o primeiro nascimento ficou assignalado desde a juventude de conquistas, de revelações e prodigios, que só em anunciar a predestinação dos genios, o segundo ainda mais se notabilizou, pelo caracter de ressureição com que, após 16 annos de tacitude e obscuridade, durante os quaes todos o lastimavam e carpiam, se mostrou redivivo, na plenitude do seu genio vindo ao pulpito da egreja da Gloria prégar o celebre sermão de S. Pedro de Alcantara, o sublime cégo, emulo de Homero e Milton e talvez ainda maior que ambos, porque, sem desservir os homens, mas antes os instruindo com a sua doutrina de mestre, com o seu verbo de apostolo, sempre esteve, até aos ultimos instantes da sua vida, ao serviço de Deus, da sua Egreja e da Patria.”

 O escritor José de Alencar também assistiu ao “segundo nascimento” de Monte Alverne e registrou:

“Chegou o momento. Todos os olhos estão fixos, todos os espíritos atentos. No vão escuro da estreita arcada assomou um vulto. É um velho cego, quebrado pelos anos, vergado pela idade. Nessa bela cabeça quase calva e encanecida pousa-lhe o espírito da religião sob a tríplice auréola da inteligência, da velhice e da desgraça. O rosto pálido e emagrecido cobre-se desse vago, dessa oscilação de homem que caminha nas trevas. Entre as mangas do burel de seu hábito de franciscano cruzam-se os braços nus e descarnados. Ajoelhou. Curvou a cabeça sobre a borda do púlpito e, revolvendo as cinzas de um longo passado murmurou uma oração, um mistério entre ele e Deus… esperai um momento… um segundo… ei-lo! O velho ergue a cabeça, alçou o porte, a sua fisionomia animou-se. O braço descarnado abriu um gesto incisivo, os lábios, quebrando o silêncio de vinte anos, lançaram aquela palavra sonora, que encheu o recinto, e que foi acordar os ecos adormecidos de outros tempos. Frei Francisco de Monte Alverne pregava.”

Na literatura discute-se o enquadramento da obra de Monte Alverne, a maioria dos estudiosos classificando-o como escritor neoclássico; outros, em menor número – com razão – situando-o como pré-romântico.

Com efeito, a marca dos neoclássicos está, exatamente, no iluminismo e no resgate/predomínio da razão, antítese da fé, como foco da narrativa; e a obra de Monte Alverne, como se sabe, é eminentemente religiosa…

E de outro giro, reconhecidamente quatro são as características dos textos de Monte Alverne: a subjetividade, o antilusitanismo, a influência dos franceses, Chateaubriand e Bossuet, e a religiosidade conjugada com o patriotismo/nacionalismo.

Pode-se dizer, sem exagero algum, que o Pregador Imperial do Brasil foi o mentor dos nossos escritores românticos, de que são exemplos José de Alencar, Gonçalves de Magalhães e Araújo Porto Alegre. Aliás, estes dois últimos publicaram as “Cartas à Monte Alverne”, escritas entre 1832 e 1836. 

Os sermões de Monte Alverne estão perpetuados em suas antológicas “Obras Oratórias”, editadas pela Garnier a partir de 1853. Recomenda-se ainda a leitura de “Monte Alverne: Pregador Imperial 1858-1958”, do Frei Roberto B. Lopes, ed. Vozes, 1958.

Monte Alverne pregou pela última vez em 02 de janeiro de 1857; o grande orador não sobrevive a esse dia, e vem a falecer em 02 de dezembro de 1859, data natalícia de Dom Pedro II. No sepultamento, o Mordomo Paulo Barbosa da Silva representou o Imperador, e Araújo Porto Alegre fez uso da palavra.