UMA TRAGÉDIA – 50 ANOS

Arthur Leonardo de Sá Earp, Associado Titular, Cadeira n.º 25 – Patrono Hermogênio Pereira da Silva

Foi a 16 de dezembro de 1946, por volta das dezenove horas, perto do jantar.

Dos mais velhos sou o remanescente e quero lembrar o fato para render tributo à dor de muitos e à lembrança dos que já se foram.

A explosão foi forte. Tenho nos ouvidos apenas o silvo altíssimo e inesperado. Houve desequilíbrio entre a quantidade de pólvora e a resistência do material do cano. O canhão foi pelos ares.

Danilo Falconi faleceu, depois de horas de esforço para salvar-lhe a vida. Ney, em gravíssimo estado, escapou e chegou à idade de 59 anos, com grande mérito de serviço ao próximo na carreira sacerdotal que abraçou. Dos dois filhos de Zélia, cozinheira da casa dos avós Arthur e Arabella, um sofreu ferimentos no rosto e o outro saiu ileso, protegido pelo corpo de Ney, que lhe caiu por cima. Tenho ambos na memória, mas perdi contato no correr da vida.

Este era o grupo central de uma turma de garotos que, por inspiração e liderança do inteligentíssimo Ney, estudava os ensinamentos da física e da química e fazia experiências que encheram de fumaça a então tranquila Rua 16 de Março e outros barrancos usados para as explosões. O bando se compunha de dois gêneros de participantes: os intelectuais e os acompanhantes brincalhões. Eu integrava o número destes.

O fato aconteceu na garagem da casa da vovó Arabella, (vovô Sá Earp havia falecido em 1941), na Rua Marechal Deodoro, 73 (hoje Edifício Arthur de Sá Earp Filho, onde está o Banespa), no fundo do terreno, à esquerda, na divisa com as terras do Colégio Santa Isabel.

O canhão estava dentro da garagem, voltado para a porta, apontando para os lados da Vila Macedo.

O projétil era um pedaço de cabo de vassoura introduzido à força no tubo que surrupiáramos da obra que se fazia na nossa casa da Av. D. Pedro I e que preparáramos para ser o cano do canhão.

Na extremidade inferior do tubo fizéramos soldar uma tampa, na Casa Cruzeiro. Com a explosão esta peça lesionou o joelho do Ney, seu ferimento mais leve, e dali foi cirurgicamente extraída.

O tubo atravessava uma tábua que era sustentada por duas rodas. Tal armação fora preparada com os jovens Papais, nas instalações de sua casa de móveis, onde hoje se ergue o Edifício Arabella.

A pólvora resultou dos ingredientes manipulados por Ney. Eles tinham sido adquiridos disfarçadamente, ou seja, por pessoas diferentes e em três lugares distintos. Salvo engano, coube-me comprar salitre na Farmácia Santo Antonio! Ou enxofre?

Mamãe estava no Hospital Santa Teresa, onde no dia 10 anterior dera à luz o sexto filho, Pedro Paulo.

Nos difíceis momentos atuais, não quero mencionar outras recordações.

Peço a Deus por aqueles que sofreram a angústia dos primeiros efeitos da tragédia e da necessidade de socorrer os feridos. Lembro-me deles todos.

Agradeço ao Pai celeste os cuidados da D. Ilda Maduro, nossa professora e diretora da escola em que aprendemos tudo. Ela conseguiu que Ney lhe desse a fórmula que ele obtivera de TNT (era o explosivo mais potente da época), com a promessa de não a usar.

O período de vida era o de após-guerra, com todas as influências dos conflitos e dos testes dos instrumentos mais poderosos para vencer os adversários. Depois de TNT, só a bomba atômica! Ney não chegou a tanto, graças à D. Hilda!

Nossas orações pela família Falconi, estimada e mais próxima de nós pela desgraça maior da perda do Danilo; pelos nossos pais e pelos nossos familiares envolvidos; por Zélia, seus familiares e nossos companheiros de brinquedo, perdidos no correr do tempo mas não no respeito e na lembrança daquilo que aconteceu há meio século! Haverá uma missa por Danilo e Ney. E por todos os outros que estas duas queridas pessoas representam, sintetizam e evocam, quando se rememora o que ocorreu no anoitecer de 16 de dezembro de 1946.

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