JOAQUIM NABUCO
Paulo Jeronymo Gomes dos Santos
da Academia Petropolitana de Letras
A cadeira nº. 37, que humildemente ocupo, na Academia de Letras, por indicação e insistência dos saudosos amigos Mário Fonseca e Win Van Dijk, exalta a figura, com honra, sublimidade e de grandeza impar Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, talento e brilho de primeira ordem, que se firmou na tribuna parlamentar e popular, diplomata, escritor, destaque na crítica literária e na história política.
Nasceu há 150 anos passados em 19 de agosto de 1849, em Pernambuco, onde também nasceu o grande Maestro João Paulo Carneiro Pinto, fundador da Escola de Música Santa Cecília, em 16 de fevereiro de 1893, ele nascido em 26 de junho de 1854, entidade que atualmente dirigimos e que persiste na sua trajetória idealística de ensinar música, graças ao idealismo de uns poucos, para a qual a cidade de Petrópolis, precisa dar sua inteira atenção e cooperação.
Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo, morreu em Washington, em 17 de janeiro de 1910, abrindo os olhos para o mundo em um engenho de açúcar chamado Massangana e sua infância foi marcada por um acontecimento que veio delinear, seu futuro de forma obstinada, cônscia de responsabilidade e segura determinação.
Amamentado por uma mãe preta, sempre teve a acompanhar‑lhe os passos um pagem, contratado por seus padrinhos D. Ana Rosa Falcão de Carvalho e Joaquim Ferreira de Carvalho, que cuidava de todos os seus movimentos, além de receber um devotamento todo especial de seus padrinhos, que ficaram cuidando do menino, visto seus pais terem se mudado para o Rio de Janeiro, por ser o pai, político influente, senador do Império.
Viveu Joaquim Nabuco, toda a sua infância no engenho Massangana, de propriedade de seus tios, e o fato que marcou a trajetória de sua vida se deu quando, sentado, no patamar da escadaria que levava ao interior da casa, absorto na contemplação da bela natureza, na movimentação de quantos viviam no local, do movimento dos carros de boi, vendo o ir e vir dos escravos, na faina de trabalho diário, ouvindo o trinar dos pássaros pousados nos galhos das árvores, pasmando‑se com a beleza das borboletas, riscando o céu com suas asas multicores e sentindo o vento roçar nos seus cabelos em desalinho, despertou‑lhe a atenção, os gritos de um pobre escravo, mais ou menos 20 anos, fugindo, esbaforido, tropeçando aqui e ali, para desviar‑se do azorrague de um severo capataz que, gritando pega‑pega, tentava atingir e impedir a fuga do negro fujão.
O pobre negro, com o corpo já fustigado e dolorido pelos golpes do chicote, vendo Joaquim Nabuco sentado, cai‑lhe os pés clamando: “Sinhô… Sinhô… Sinhôzinho! Sarve‑me pru favo”.
Os olhos do jovem Nabuco, apenas 8 anos, se estatelaram, ante o inopino do acontecido, levanta‑se dos degraus onde se achava sentado e, interpondo‑se entre o escravo fujão e seu algoz, grita forte, com todas as forças de seu pulmão: Basta! Basta! O capataz para, ainda brandindo o chicote que parece ficar hirto no ar, e seus pés ficam tolhidos de ação como se estivessem presos ao chão por imã forte, fica sem saber se obedecia ou não a tão corajosa ordem. O negro segurando as calças de Nabuco, permanece ajoelhado, sempre a chamar Sinhô!… Sinhôzinho! Vendo a firmeza do jovem, o capataz estanca, fazendo descer de suas mãos o chicote. Os olhares se cruzam, do fugitivo a implorar clemência, do capataz, espumando de ódio e de Joaquim Nabuco, fulminando o algoz com severidade. Há um silêncio grave! O capataz assume sua derrota! Joaquim Nabuco ao mesmo tempo em que punia com severidade o algoz, mandando‑o dispersar, igualmente lança ao escravo fujão, um termo e doce olhar de proteção.
Este fato, este ato, acontecido e inesperado, mas vivido com realidade fez Joaquim Nabuco, alimentar‑se do firme propósito causa que nunca abandonou ao correr de sua vida, ‑ de dedicar‑se de corpo e alma à causa da abolição da Escravatura. Massangana estava gravada na sua retina. Nunca mais o esqueceria.
Fez‑se amigo dos escravos e seus filhos, passando a ser um ídolo na senzala.
Do incidente Joaquim Nabuco, que ouvira o relato do escravo dizendo que era grandemente maltratado, daí a razão de sua fuga, pede a sua madrinha que lhe compre o escravo. D. Ana Rosa, faz‑lhe o desejo e o escravo lhe é ofertado, a quem Nabuco nunca tratou como escravo, deixando‑o correr pelas cercanias com inteira liberdade.
Mas logo adiante, morre sua madrinha e Joaquim Nabuco, sem ter a proteção de quem tanto lhe dispensava os melhores cuidados, se vê obrigado a ir para o Rio de Janeiro, viver na companhia de seus pais
Aos 16 anos vai para São Paulo estudar na Faculdade de Direito, onde teve como colegas Castro Alves, Afonso Pena, Rodrigues Alves e vultos outros da época.
Mas Joaquim Nabuco não esquecia Massangana, onde tantos e bons momentos vivera e donde guardava extraordinárias recordações. Seu pensamento estava lá, eternizado.
Inteligente e perspicaz, no dizer de todos os seus mestres, funda aos 18 anos dois jornais acadêmicos: A Tribuna Liberal e a Independência. Passa a escrever em todas as edições e oferece a outros jornais os seus artigos, impressões, opiniões e juntamente com os artigos, passa a orador loquaz, de solenidades, abordando com inteireza moral, todos os assuntos. E começa a ser conhecido, seu nome se destacava, pelo calor de sua oratória.
Retorna a Recife, para completar seu Curso de Direito bacharelando‑se em Ciências Jurídicas e Sociais em 28/11/1870.
Destaca‑se, como prometera, aos 8 anos ao ver um negro fugindo dos açoites – como defensor dos escravos ‑ contra o sistema vigente. Escreve “A Escravidão” anátema contra o flagelo que imperava no Brasil, cruel injustiça social.
Escreve ao pai. “Há uma Glória única que eu sonho para o Senhor! Quero ver seu nome no decreto que acabar com a escravidão.” Vem ao Rio! Emprega‑se no escritório do pai. Mas percebe que não estava talhado para o mister. A advocacia não era sua predileção e abandona a profissão.
Retoma a Pernambuco, à Massangana, mas encontra tudo mudado, Vai a igrejinha onde se achava sepultada sua madrinha protetora, D. Ana Rosa. Revê o cemitério dos escravos, e se emociona ao lembrar de tantos e tantos, e como eles o adoravam. Seu pensamento faz lembrar a promessa que fizera, e reafirma sua decisão de anos atrás. A defesa dos escravos. Custe o que custar. Todos os meios possíveis para a erradicação da abolição. E começa num frenesi, de quase loucura, a sua campanha e luta pró-escravos. Vai aos Estados Unidos e a Inglaterra, começa a pregação. É eleito deputado por Pernambuco, onde com vibração e entusiasmo, determinação e enfrentamento, defende suas idéias, seus pontos de vista, chamando a atenção de todos para o triste quadro que o Brasil mostrava ao mundo, a mancha negra da escravidão. E passa a ser notado e todos se empolgam com seus dotes oratórios, e o conhecimento que mostrava da história do Brasil e do mundo.
Por duas vezes, atacado de tifo recupera‑se. Chega o ano de 1880. Como deputado, incendeia o país, com seus discursos criticando abertamente, ‑ possuindo coragem hercúlea, ‑ quantos apoiavam e defendiam a escravatura. Sua fala desperta o Brasil de norte a sul, e daí surgiram dezenas de associações contra a escravatura. Soma a seu lado uma legião de apóstolos: Ruy Barbosa, Saldanha Marinho, André Rebouças, José do Patrocínio, Joaquim Serra, Luís Gama, e outros. Mas também não eram só apóstolos a seu favor. Outros grupos se formaram contra as suas idéias e muitas vezes foi obrigado a entrar em duelo oratório, em diferentes lugares, mostrando uma audácia e convicção extraordinárias. Do grupo de apóstolos, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio se destacavam dos demais.
Coelho Neto, descrevendo José do Patrocínio, assim o define:
“Estranha figura semi-bárbara, quase grotesca. Avançava, recuava, agachava‑se, girava, retorcia‑se, despejava‑se e ficava na ponta dos pés, arremangado, com a gola do casaco, tão subida que as vezes, parecia um capuz de monge, ou colete sugado, deixando espancar a camisa”
Joaquim Nabuco era uma figura imponente, de espirito liberal, fundador da Sociedade Brasileira contra a Escravidão. 1,87 m de altura, era firme e decidido em suas citações, cadenciado, equilibrado em todas as suas atitudes, sempre com a mão esquerda no bolso da calça e a direita livre para o apontar ou para um gesto mais vibrante, cabeça ereta, colocando com maestria cada palavra usada, sabendo se impor de tal forma que todos lhe prestavam atenção, e dessa postura, aos poucos foram surgindo adeptos e arregimentando em torno de si, uma legião de simpatizantes para a sua causa ‑ a da Abolição.
Ceará e Amazonas, foram os primeiros a abolir a escravatura em 1884. Veio depois o Rio Grande do Sul.
Foi Ministro do Brasil na Inglaterra, e Embaixador nos Estados Unidos. Escreveu “Um Estadista do Império”, “MinhaFormação ‑ O Abolicionismo”.
Em seus discursos Joaquim Nabuco, além da questão abolicionista, incluía outro pensamento seu, a democratização do solo e são dele estas palavras. “O que pode salvar a nossa pobreza, não é o emprego público, mas o cultivo da terra”. E também Joaquim Nabuco, condenou acerbamente em muitos dos seus discursos, o êxodo rural para as cidades. Enfatizou: “A vida rural é mais proveitosa do que a citadina. O habitante rural não conhece o pó, a agitação e a convivência entre os sãos e os doentes, porque tem a sua disposição o ar puro, o sol, a água corrente, as frutas e as verduras, brotam do solo e dos galhos das árvores. O ar campestre, vigora os pulmões, purifica o sangue, acalma os nervos. Viciados de tóxicos, neurastênicos e tuberculosos, certamente não os encontramos no habitante rural. A terra é pródiga, sempre agradecida. Lhe oferecemos a semente e ela nos dará o pão”.
Assim era Joaquim Nabuco, de corpo e alma, na maior projeção nacional, defensor dos escravos.
Mas, para encerrar esse nosso trabalho sobre essa figura de tanta expressão nacional, que jamais emudeceu sua voz, na luta contra a escravidão, que não temeu adversários, que enfrentou campanhas contrárias à sua idéia, que jamais abaixou sua cabeça aos contrários aos seus ideais. Faremos algumas citações de suas frases, suas falas, cheias de veemência, repleta de acertos e verdades. Vamos ouvi‑lo e sentir a sua vibração:
“Para que o país seja uma nação de fato, primeiro passo é abolir a escravatura. O que é a escravidão senão o roubo do trabalho e a degradação desde o berço? O que é o senhor de escravos, senão um patrão que reduz a coisas, os seus operários? A escravidão passa de geração a geração, força os músculos da primeira, paralisa os movimentos voluntários da segunda, enerva o coração e deprime o cérebro da terceira”.
“Protestai contra esse poder implacável que fez ouro com a vida e o sofrimento de trabalhadores. A escravidão tem atrasado, por séculos o país. Nenhum povo pode ser grande, sem ser livre, feliz sem ser justo, unido sem ser igual. A escravidão está parindo, por séculos, sobre os joelhos de nossa pátria”.
E prossegue o tribuno Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo:
“Eu denuncio a escravidão como incursa em todos os crimes do código penal em todos os mandamentos da Lei de Deus”.
“Aos artistas eu denuncio a escravidão como o roubo ao trabalho, aos sacerdotes, o roubo da alma, aos capitalistas, o roubo da propriedade, aos magistrados o roubo da lei, às senhoras, o roubo da maternidade, aos pais, filhos, irmãos, como o roubo da família, aos homens‑livres, o roubo da liberdade, aos militares o roubo da honra, aos homens de cor, o roubo de irmãos, aos brasileiros, o roubo da pátria, a todos, enfim, eu denuncio esta escravidão maldita, como fratricida de uma raça, e o parricídio de uma nação”.
E Joaquim Barreto Nabuco de Araujo, em todas as suas manifestações, nos seus escritos, nos comícios, nas tribunas, nos jornais, onde quer que se apresentava, sempre cumprindo a sua palavra, dita aos 8 anos de idade, anatematizava o que representava para o Brasil, a nódoa da escravidão, manchando com sangue a bandeira, o céu e o solo brasileiros.
Dessa pregação cívica, portentosa, cheia de brasilidade, corajosa, destemida e audaz, intimorata e percuciente, e absolutamente sem tréguas pregada por Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo e por José do Patrocínio, um negro filho de um monsenhor e de uma escrava, ‑ “considerado o tumulto feito homem”, ardoroso defensor dos seus irmãos de raça e cor, através da sua Gazeta de Noticias, de palavra fácil e repentina, que certa vez ao ser insultado, por um dos seus antagonistas, com a expressão: “Cala a boca negro!”
Ele, Patrocínio, respondeu de imediato firme e resoluto, sem medo:
“Sou negro, sim… Deus me deu a cor de Otelo, para que eu tivesse ciúmes de minha pátria!”
O Brasil despertou para a grandeza de ver a escravidão abolida, vencendo e escalando degraus, vagarosos, mas firmes, como “a proibição da importação de escravos, a Lei dos sexagenários, a Lei do Ventre Livre e a alforria dos 110 escravos da Princesa Isabel em Petrópolis, no Palácio de Cristal, a 1º de abril de 1888, e culminando pela gloriosa e edificante Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, assinada pela Regente Princesa Isabel, sem derramarnento, ‑ e quão glorioso é esse registro – de nenhuma gota de sangue, quando se sabe que nos Estados Unidos, foi preciso acontecer uma sangrenta Guerra ‑ a da Secessão, para exterminar, a mancha mais degradante da mundo ‑ a escravidão ‑ subjugação de um indivíduo a outro, sem direitos, mas apenas deveres, que devem ser cumpridos à risca, a qualquer custo, na completa destruição do maior mandamento de Deus, “amai‑vos uns aos outros”.
Mas, concluindo, perguntamos: “Ficou o Brasil, definitivamente livre da escravidão? Absolutamente, não! Verdadeiramente, não!
Em certos recantos do Brasil, ‑ visto ser o Brasil um país continente, de território imenso, onde existem lugares, onde Presidentes, nunca puseram os pés, ainda existe, lamentavelmente, trabalho escravo, imposto por execrandos brasileiros, obrigando crianças, jovens e idosos a trabalharem por um prato de comida, um chão de barro para dormir e trapos para cobrir‑lhes o corpo, sem nenhum conforto social e assistencial.
E mais, existe e persiste, uma escravidão imperante e operante, imposta, pelos governos de ontem e de hoje, e oxalá, se extinga, no amanhã muito breve, escravizando o povo, milhões e milhões de brasileiros, com impostos repetitivos e escorchantes, e impondo a escravidão da falta de apoio à cultura, às artes, a ciência; a escravidão dos maus políticos, que se assenhoreiam do poder, cínica e exclusivamente, para usufruirem do “direito, ‑ entre aspas”, de levar vantagem.
Está à vista o Ano 2000! Dentro dele vamos comemorar os 500 anos de descobrimento, desta Terra de Santa Cruz.
Brasileiros e petropolitanos, a hora e a vez é esta.
Que surja, um novo JOAQUIM AURÉLIO BARRETO NABUCO DE ARAÚJO, com o mesmo idealismo, com a mesma civilidade, com o mesmo lar u de patriotismo e amor, para acordar, a todos a empunhar “o auri‑verde pendão de nossa terra”, no mais alto dos mastros mostrando a grandeza de um país livre, soberano, e extraordinariamente democrático, liderando as nações do mundo, pela grandeza dos seus princípios.