A CONFERÊNCIA INTERAMERICANA DE PETRÓPOLIS

Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira nº 15 –

Entre 15 de agosto e 2 de setembro de 1947, as atenções do Mundo voltaram-se para Petrópolis, escolhida para sediar a Conferência Interamericana, que reuniu 21 nações americanas, na expectativa auspiciosa de encontrar a fórmula de salvaguardar a defesa e a segurança do continente americano.

O governo brasileiro escolheu para sede do importante conclave o imponente e histórico Hotel Quitandinha que, diga-se de passagem, hospedou e soube proporcionar conforto e bem estar aos delegados americanos, correspondendo plenamente à confiança nele depositada pelo governo.

O importante conclave foi instalado em 15 de agosto de 1947, com solenidade presidida pelo General Eurico Gaspar Dutra, presidente da República, tendo tomado parte na mesa o Chanceler Raul Fernandes, presidente da Conferência e o embaixador do Canadá, Jean Desy.

Discursando na ocasião, disse o presidente Dutra a certa altura: “Tem-se dito que a guerra, como fato social, deve ser tratada , à maneira das doenças, com medidas de prevenção e não de repressão. Sabemos todos que para acabar com a guerra, não basta torná-la ilegal; é preciso também eliminá-la dos costumes, atingindo-a nas suas causas complexas e profundas” (1).

(1) Jornal de Petrópolis, 16 de agosto de 1947, p.1.

Também fizeram uso da palavra o Chanceler mexicano Jaime Torres Bordet que discorreu sobre a situação do continente e focalizou as questões que seriam debatidas em plenário e o Secretário Geral das Nações Unidas, Trigie Lie que se referiu de maneira elogiosa ao ex-Chanceler Leão Veloso e ao senhor Osvaldo Aranha, com os quais privou na ONU.

A Conferência Interamericana de Petrópolis representou um importante passo no sentido de fortalecer princípios básicos que assentara, Simão Bolívar, desde 1815, na sua famosa Carta de Jamaica, James Monroe, desde 1823, na mensagem ao Congresso norte-americano, a respeito das intervenções da Europa nos países constituídos da América, Luís Maria Drago, desde 1902, negando o direito de intervenção armada para cobrança coercitiva de dívidas.

Com efeito, os aspectos essenciais do como (prático e imediato) na aplicação dos princípios do pan-americanismo, foram os temas da Conferência de Petrópolis: definição preliminar e jurídica do que seja, de fato, agressão em direito internacional; declaração definitiva —- às complementares, que vigoravam parcialmente, —- do compromisso de auxílio e assistência de todos à parte ofendida e atacada por qualquer potência não americana; redação, quiça militar, pelo menos técnica, da obrigatoriedade da defesa conjunta do Novo Mundo, em caso de invasor, seja europeu, seja guerra com forças de país asiático etc.

Embora o espírito unitário do direito internacional na América estivesse firmado e não pudesse sofrer controvérsias, “os pontos ocasionais que criam as circunstâncias históricas ou as situações econômicas, militares, culturais e políticas, no mundo, eram as causas, os motivos que justificavam as assembléias pan-americanas entre as quais a que no momento se instalava em Petrópolis” (2).

(2) Jornal de Petrópolis, 16 de agosto de 1947, p.3.

Foram criadas na Conferência três importantes comissões:

1ª Comissão: Medidas a serem tomadas nos casos de ameaças ou atos de agressão.

2ª Comissão: Processos e órgãos para a execução do Tratado.

3ª Comissão: Preâmbulos, artigos protocolares e outros dispositivos.

A 1ª sessão plenária, realizada em 16 de agosto, aprovou as atas das sessões anteriores, a preparatória e a festiva e debateu assuntos diversos.

Os delegados brasileiros designados para as comissões foram: Prado Kelly e Edmundo da Luz Pinto, para a 1ª comissão; Levi Carneiro e Afonso Pena Júnior, para a 2ª comissão; Hildebrando Acioli e Edmundo Luz Pinto, para a 3ª comissão.

A 2ª sessão plenária, realizada em 13 de agosto, foi marcada pela atuação do delegado de Cuba, embaixador Guillermo Belt, o qual levou ao plenário a tese da agressão econômica, visando garantir as nações contra agressões também de caráter econômico. Afirmou o delegado cubano que “um bloqueio eficiente às fontes de produção e abastecimento de matérias-primas, concorrência desleal e boicote dos produtos, além de medidas financeiras coercitivas, podem levar um país e seu povo à miséria” (3).

(3) Jornal de Petrópolis, 18 de agosto de 1947, p.1.

A 3ª sessão plenária, realizada em 18 de agosto, foi marcada pelo afastamento dos trabalhos da Conferência dos delegados da Nicarágua —- o de Somosa, ditador, então no poder, e o do presidente constitucional deposto, professor Arguellas, pelo Secretário Geral do conclave Faro Júnior.

A 4ª sessão plenária, realizada em 19 de agosto, teve seus trabalhos suspensos por alguns minutos, por proposta de Raul Fernandes, presidente da conferência, para homenagear a senhora Eva Peron, esposa do chefe do governo argentino, em visita a Petrópolis e que havia chegado a Quitandinha por volta das quatorze horas.

Em seguida, Eva Peron seguiu para Samambaia, onde foi recepcionada na residência do casal Leitão Garcia.

Nas demais sessões plenária que se sucederam até o dia 2 de setembro, as três grandes questões do importante Tratado Continental que constituíam as vigas mestras desse acordo de 21 nações, ficaram definitivamente caracterizadas e assentadas.

A 1ª comissão reafirmou o preâmbulo, os direitos fundamentais do homem.

A 2ª comissão definiu e assentou os atos e as ameaças de agressão contra o Continente, de um Estado Americano, contra outro.

A 3ª comissão, estruturou os órgãos e os processos para a execução do Tratado e definiu de maneira sábia e profunda, a obrigatoriedade dos acordos assentados nas conversações entre os que participaram do conclave.

Fato digno de nota ocorreu na sessão plenária realizada em 29 de agosto, quando a Argentina reivindicou a soberania sobre as ilhas Malvinas, Geórgias do Sul e Sandwichs, além das terras incluídas dentro do setor antártico, afirmando:

“A Delegação Argentina declara que dentro das águas adjacentes ao Continente Sul-Americano, na sua extensão correspondente às cotas da República Argentina, na chamada Zona de Segurança, não reconhece a existência de colônias ou possessões de países europeus e afirma que reserva e mantém especialmente intactos os legítimos títulos de direito da República Argentina sobre as ilhas Malvinas, Geórgias do Sul e Sandwichs do Sul e sobre as terras incluídas dentro do setor antártico argentino acerca do qual a República exerce sua correspondente soberania” (4).

(4) Tribuna de Petrópolis, 30 de agosto de 1947, p.1.

O encerramento da Conferência de Petrópolis ocorreu no dia 2 de setembro, com discursos de Raul Fernandes, “apresentando em nome do Brasil, suas despedidas aos delegados latino-americanos, exaltando a ação conjunta, toda ela dirigida no sentido de obter a concretização da paz em nosso Continente” (5). Na oportunidade, o presidente Harry Truman, dos Estados Unidos, proferiu também vigoroso discurso, “discorrendo sobre o significado da Conferência, pondo em relevo a necessidade da união sempre crescente dos países latino-americanos, fazendo sua profissão de fé nos destinos da América e agradecendo as gentilezas que lhe foram tributadas” (6).

(5) Jornal de Petrópolis, 3 de setembro de 1947, p.1.

(6) Ibid. p.1.

No mesmo dia, 2 de setembro de 1947, às 17 horas, no Palácio Itamarati, foi assinado o Tratado do Rio de Janeiro, tratado de Assistência Mútua, integrado nas normas estabelecidas para as Nações Unidas.

Este Tratado, em seus 26 artigos: “condena o uso da força e estabelece métodos de solução pacífica dos conflitos (artigos l e 2); considera qualquer ataque armado a um dos Estados americanos como ataque a todos; define o Polo Norte até o extremo sul a zona de segurança do Hemisfério (artigo 4); determina reunião imediata de um órgão de consulta em caso de qualquer agressão a um Estado americano (artigo 6); leva em conta a recusa da ação pacificadora para a determinação do agressor (artigo 7); institui medidas diplomáticas e sanções punitivas (artigo 8); estabelece as formalidades e funções do órgão de consulta e, em seu artigo 17, reza: o órgão de consulta adotará as suas decisões pelo voto de dois terços dos Estados signatários que tenham ratificado o Tratado. As partes interessadas ficam excluídas da votação” (7).

(7) CARVALHO, Delgado de. História Diplomática do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1959, p.313.

O Tratado de Petrópolis “se revestiu de tamanha significação que iria mais tarde influir, na essência e na forma, na elaboração e na redação do Pacto do Atlântico Norte, celebrado em 1949, no qual aparecem, projetados no plano mundial, princípios pelos quais o Brasil se batera nas Assembléias interamericanas e nas reuniões de chanceleres” (8).

(8) CARVALHO, Delgado de. História Diplomática do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1959, p.314. Jornal de Petrópolis, 5 de setembro de 1947, p.1.

A importância do Tratado do Rio de Janeiro fora vislumbrada pelo Secretário de Estado dos EUA, presente à Conferência de Petrópolis, quando ao retornar a Washington, declarou aos jornalistas “que a Conferência tinha tido grande êxito e que é provável que produza resultados de grande importância não só para o Hemisfério Ocidental, como também para o mundo em geral” (9).

(9) Jornal de Petrópolis, 5 de setembro de 1947, p.1.