À MARGEM DE UMA CONFERÊNCIA
Francisco José Ribeiro de Vasconcellos – associado emérito, ex-associado titular, cadeira n.º 37, patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima
Bela e comovente a homenagem prestada pelo Ministro Rocha Lagôa, na tarde de 12 de maio do corrente, quando pronunciara no Instituto Histórico de Petrópolis, sua conferência rememorativa dos oitenta anos da morte de Oswaldo Cruz, ocorrida a 11 de fevereiro de 1917, nesta cidade de Petrópolis, Imperial por outorga popular.
O Ministro relembrou os feitos e a glória do festejado sanitarista; a repercussão internacional de sua obra em prol do saneamento do Rio de Janeiro, do combate a epidemias e endemias e da criação do Instituto que pelos anos afora haveria de dedicar-se à investigação das doenças tropicais e à produção das correspondentes vacinas e drogas empregadas na erradicação dos agentes dessas mesmas doenças.
E, como não podia deixar de ser, o conferencista abordou a presença de Oswaldo Cruz em Petrópolis, notadamente quando, em 1916, fora escolhido pelo então Presidente Nilo Peçanha, para ser o primeiro Prefeito da cidade.
Esse tema merece um enfoque especial, pelas sérias implicações políticas que ele embute.
À primeira vista, parece ter havido nas hostes partidárias petropolitanas uma enorme resistência à indicação de Oswaldo para o cargo, agravando-se tal estado de coisas a medida que o sanitarista com a saúde cada vez mais claudicante tentava dar rumo ao seu governo e forma ao estupendo plano que engendrara para a sua administração, até o desenlace já no clima carnavalesco de 1917, em que se confundiam os esgares momescos com os apupos da turba a serviço dos eventuais inconformados, à porta do Prefeito quase inanimado.
Mas atrás das aparências havia uma série de crises e contrariedades que somente a lupa do exegeta pode identifica.
Quando em 1910 caiu o hermogenismo, subindo os moreiristas (partidários de Joaquim Moreira), não só a política como a administração petropolitanas sofreram um grande abalo. E a prova disso está na acirrada batalha que se travou na imprensa local. De um lado os hermogenistas/saerpistas, que tinham como arauto a Tribuna de Petrópolis; do outro os moreiristas que se escudavam no jornal O Comércio.
Os seis primeiros anos da segunda década do século foram aqui de incertezas, de longas batalhas pelo poder e de uma certa inércia administrativa, o que se refletiu na vida do município como um todo e, em especial no perímetro urbano do 1º Distrito.
E, de repente, a grande raposa fluminense, o campista Nilo Peçanha, voltava à presidência do Estado, para cumprir o seu segundo mandato, inconcluso como o primeiro.
A Constituição estadual de 9 de abril de 1892, havia consagrado um dos postulados mais insistentemente defendidos pela propaganda republicana: a autonomia municipal, quer do ponto de vista político-administrativo, quer do fiscal. A Lei Orgânica dos Municípios, que se seguiu à Carta de 1892, foi autêntico espelho dessa nova situação.
Mas, como tudo no Brasil não é feito para durar, como aqui, certamente por uma deformação ibérica, ninguém respeita pactos e compromissos, onze anos depois de promulgada a Constituição estadual, os municípios haveriam de sofrer a primeira agressão à sua autonomia, notadamente os de Campos e Niterói, onde foram criadas prefeituras, sendo os prefeitos nomeados pelo Presidente do Estado, deixando assim o Presidente das respectivas câmaras de terem funções executivas, conforme determinava a Carta fluminense.
Nesse verdadeiro pé no breque de 1903, a eminência parda de Nilo Peçanha fez-se presente com toda a sua força politiqueira e persuasiva.
Correu o marfim. Em 1916, nova bomba, seria igualmente detonada pelo filho de Sebastião Peçanha. Sob a alegação de que a Estrada União e Indústria carecia de melhores e maiores atenções, por ser uma rodovia estratégica, argumento bastante pueril se examinado o contexto em que se enquadra a veterana estrada de rodagem e o momento político serrano, Nilo Peçanha interveio autoritariamente em Petrópolis e por tabela na pacata Paraíba do Sul, criando por decreto prefeituras nos dois municípios. Era o tiro de misericórdia na autonomia municipal fluminense, como um todo e, especificamente na petropolitana.
E o primeiro Prefeito nomeado para esta cidade foi Oswaldo Cruz, que virou bode espiatório da circunstância política nesta urbe, já que a intervenção autoritária do Presidente do Estado alem de tirar as prerrogativas do Presidente da Câmara, alijava situacionistas e oposicionistas da briga pelo poder no município. Portanto, é de se concluir que não foi propriamente contra Oswaldo Cruz que se voltaram as baterias dos ressentidos serranos, mas contra o quadro que ele passava a representar. Execrada era naquele momento a figura do Prefeito imposto de cima para baixo, ao arrepio dos arraiais políticos locais e de toda a filosofia republicana. Qualquer pessoa que tivesse sido guindada aquele cargo, teria sofrido os mesmos constrangimentos e a mesma rejeição.
Infelizmente, Oswaldo Cruz fora o escolhido para superar mais esta provação, entre as muitas que amargou durante sua brilhante trajetória neste planeta, podendo uma vez mais repetir o seu tão conhecido lema: não esmorecer para não desmerecer.