AINDA A VINGANÇA DO CONSELHEIRO

Francisco de Vasconcellos, Associado Emérito

A morte violenta do Marechal Machado Bittencourt, trouxe à tona os subterrâneos putredinosos da República. Já não se falava do perigo da restauração monárquica, tão explorado durante a Guerra de Canudos. Agora a disputa se circunscrevia à intimidade do novo regime. Nada de fantasmas, de paranóias, de inimigos supostos e muito distantes, como no caso canudeano. Tratava-se então de uma realidade palpável, de um confronto entre facções do mesmo credo político, na disputa desenfreada pelo poder.

A Gazeta de Petrópolis, no artigo de fundo de 9 de novembro de 1897, denunciava com todas as letras:

“A situação é difícil, porque de um lado se acha, como a única força, a dignidade da Nação brasileira e do outro, um partido, que embora republicano, não teve o poder de desarmar a mão homicida, que se ergueu contra o chefe da nação. Duas forças que disputam a suprema direção da República, devem marchar no caminho que lhes traçou a lei e toda a transgressão dela trará à Nação, não somente dificuldades econômicas, como a desconsideração do estrangeiro, que, forçoso é dizê-lo, ainda não acredita na estabilidade das instituições republicanas.”

De longe vinha a luta surda e mesquinha do Vice-Presidente Manoel Victorino Pereira contra Prudente de Moraes, Presidente constitucional do Brasil, durante o quatriênio 1894/1898.

Dunhsee de Abranches, testemunha ocular dos fatos, no livro “Como se Faziam os Presidentes”, narra com minúcias as torpes maquinações e o inaceitável comportamento de Manoel Victorino, quando substituiu o Presidente na virada de 1896 para 1897, por motivo de saúde deste. No fundo, Victorino queria perpetuar-se no poder, pelo menos até 15 de novembro de 1898 e para tanto não poupou os expedientes mais escusos e os arranjos mais sórdidos.

A volta de presidente ao Itamaratí, então sede do governo da República, em março de 1897, deixou um travo na boca já por natureza amarga do baiano Victorino. E essa volta coincidiu com o desastre de Moreira Cesar em Canudos, ele que havia sido escolhido a dedo pelo Vice Presidente para liquidar o arraial conselheirista e voltar como homem forte, para dar-lhe a ambição de poder.

Mas o tiro saiu pela culatra, Moreira Cesar foi para o espaço e Prudente reassumiu pronto para enfrentar qualquer refrega.

Correu o marfim. A quarta expedição contra Canudos foi minuciosamente preparada, segundo as circunstâncias do momento e as malogradas experiências anteriores. Pela primeira vez, deu-se tempo ao tempo, houve melhor reconhecimento do terreno, melhor aprendizado das forcas que iriam entrar em combate e apoio logístico. Nessa campanha empenhou-se pessoalmente o Ministro da Guerra, Marechal Machado Bittencourt, que inclusive deslocou-se para o sertão baiano, para melhor informar o Governo Central da marcha dos acontecimentos.

Ora, em face do clima criado em torno de Canudos, questão de honra nacional para os jornalistas e para os arraiais militares, a liquidação do problema a 5 de outubro de 1897, valeu estrondosa consagração de Prudente de Moraes, que saia assim fortalecido dessa insólita crise.

Claro que o quadro sepultava de vez as esperanças de Victorino, que torcia para mais um desastre nas hostes prudentinas para arvorar-se, quem sabe, no salvador da pátria.

Daí para o torpe atentado de 5 de novembro, pouco faltou.

Mas o golpe parece ter vindo em má hora, pois o repúdio ao crime foi praticamente unânime. As primeiras reações deram-se no centro do Rio, quando foram empastelados os jornais REPÚBLICA, FOLHA DA TARDE e JACOBINO.

A Gazeta de Petrópolis, a 13 de novembro de 1897, sob o título “Nada de Fraquezas, nada de tergiversações”, verberava:

“É preciso que não se diga que houve fraqueza por parte daqueles a quem cumpre zelar pela estabilidade das instituições, garantindo ao mesmo tempo os direitos dos seus concidadãos.

Pode-se ser enérgico, sem ser violento.

É nos momentos como o atual, nada é mais salutar para a manutenção da ordem, do que a energia dentro da lei, para com aqueles que esqueceram o respeito que devem aos seus semelhantes e à Nação, como comunidade, encarnada na pessoa do chefe do Estado.

É preciso que não se repita no Parlamento Nacional, em relação ao governo, o que disse o Senador Ruy Barbosa, em relação à Polícia da Capital Federal, acoimada de fraca e imprevidente.

Que o libelo formulado pelo ilustre Senador, não seja reproduzido pelos historiadores, em relação ao atual governo, que tem a sua força no apoio incondicional da unanimidade da população séria e amante da ordem.

Que o governo da República Brasileira, não dê ocasião a que se registre nas páginas da nossa história política atentado igual ao do dia 05 do corrente, que só serve para envergonhar um povo livre, cioso de liberdade.

Para os grandes males, os grandes remédios. Que se apliquem aos delinqüentes as penas da lei.

Nada de fraquezas, nada de tergiversações.”

Findo o sepultamento do Marechal Bittencourt, Prudente de Moraes saiu do cemitério, a bem dizer, nos braços do povo. Era a resposta cabal aos sicários, aos sabotadores da ordem e do regime democrático que parecia querer firmar-se no país, depois dos tempos incertos e tenebrosos da dobradinha Deodoro/Floriano.