ALBERTO TORRES, O POLÍTICO

Joaquim Eloy Duarte dos Santos, associado titular, cadeira n.º 14, patrono João Duarte da Silveira

Alberto de Seixas Martins Torres, o político. Eis um tema para desfiar em tecidos de muita cautela. Afinal, segundo seu admirador e seguidor Cândido Motta Filho:

“Alberto Torres exerceu a política, discretamente, mediocremente. Foi presidente do Estado do Rio de Janeiro, foi parlamentar, ministro de Estado, conspirador da revolução republicana; mas, em todas as funções políticas em que esteve, não deixou um traço que o distinguisse da mediania dos políticos brasileiros. No governo do Estado escreveu magníficas mensagens; isto quer dizer que ele só se destacou na política, quando pode apresentar-se como pensador”.

Em outro trecho da obra “Alberto Torres e o Tema da Nossa Geração”, editado em 1931, o mesmo autor completa a observação:

“Não foi um político, nem no sentido de homem de Estado, já disse antes. Mas, há um outro sentido de político, segundo a opinião de Ortega y Gasset, quando estuda a personalidade torrencial e frenética de Mirabeau: “Ser político é ter uma idéia clara do que se deve fazer para transformar um Estado em Nação. E ninguém, nesse sentido, foi mais político do que Alberto Torres!”

Nossa civilização brasileira vive em entornos fantásticos de insensatez, predominando, em percentual expressivo, o casuísmo sobre a tese. Daí, relatarem as crônicas desavisadas do dia-a-dia ser político o ente que se apresenta candidato, é eleito, exerce cargos públicos, dirige partidos, enfim, o ser humano exposto diante da mídia por sua ação de homem público. Na média, sim. No todo uma aberração conceitual sem precedente. E vem à baila a frase de forma redundante mas de definição precisa: Existem “políticos” e políticos. O aspado será, numa conceituação extraída de sua capacidade de ação, reação e conteúdo, qualquer figura profissional menos a política.

Alberto Torres, nasceu no Distrito do Município de Itaboraí, na atual ruína urbana de Porto das Caixas, terra de muito prestígio no século passado e natal do Visconde de Itaboraí, Joaquim José Rodrigues Torres, Ministro da Marinha do primeiro gabinete da Regência Permanente, além de outras dez vezes Ministro de Estado e duas vezes Presidente de Gabinete. A Vila de Itaboraí também viu nascer o romancista Joaquim Manuel de Macedo e o grande astro da cena teatral João Caetano dos Santos. Porto das Caixas foi o segundo porto comercial da Baia de Guanabara, centro nervoso de passagem da produção cafeeira da província fluminense para a Corte do Rio de Janeiro.

Alberto Torres veio ao mundo no ano de 1865, início da decadência de Porto das Caixas enquanto o Visconde de Itaboraí nasceu em 1802, e, por sua presença marcante na política do Império elevou Porto das Caixas à invejável liderança portuária fluminense. A família de Alberto Torres e a de Rodrigues Torres não tinham qualquer relação de parentesco.

Foram seus pais Manuel Martins Torres e Carlota de Seixas Torres. Ele, um magistrado de bela carreira, andou servindo no sul e nordeste do país, regressando à província fluminense a partir de 1878. Ingressou na política e faleceu Senador da República.

A formação política de Alberto estava definida pelo exemplo do pai o que levou o jovem a bacharelar-se em direito, abandonando no princípio o curso de medicina.

Embora haja a precoce inteligência de Alberto Torres sido carreada aos meandros da política atuante, porque um republicano histórico, que, aos 24 anos de idade estava junto a Francisco Glicério e Benjamim Constant, naquele dia 15 de novembro de 1889, na casa de Deodoro, suplicando ao adoentado militar saísse à rua para encabeçar o movimento de deposição do Império, acreditava ser o sistema republicano a solução para o crescimento do país. Estando ao lado dos vencedores, inteligente e combativo, o seu passo em direção ao poder estava sulcado na trajetória de seu destino político.

Certamente não era o poder seu fascínio objetivo de vida. Surgiu naturalmente como conseqüência de sua atuação junto às lideranças que assumiam a nova ordem e estas viam no jovem idealista um futuro líder fluminense.

Iniciou sua carreira como advogado auxiliar da Intendência Municipal do Distrito Federal, em 17 de dezembro de 1889.

O Governo Provisório da República, sob o Marechal Deodoro da Fonseca, a 14 de janeiro de 1890, indicou Alberto Torres para assumir a Legação Brasileira em Bruxelas. O neófito pensador estava no limiar de uma carreira diplomática que certamente o levaria aos píncaros da notoriedade mundial.

Barbosa Lima Sobrinho, seu biógrafo, na excelente obra Presença de Alberto Torres (sua vida e pensamento), 1968, narra o encontro de Alberto com Deodoro que fez gorar a carreira diplomática no seu nascedouro.

“…Quando Alberto Torres procurara o Marechal Deodoro da Fonseca, para lhe agradecer a indicação para a Legação de Bruxelas, o Marechal, quando olhou o candidato, com os seus 24 anos imberbes e o jeito tímido, que bem podia ser discrição, não se pôde conter: – Pois é o senhor o nomeado? Não. Não pode ser! Eu julguei que era o seu pai… Tenha paciência: o decreto está sem efeito”.

No dia 28 de setembro de 1891 desposou a jovem Maria José, filha do jornalista Joaquim Xavier da Silveira, grande poeta de Santos, pai de Joaquim Xavier da Silveira, colega de Alberto na Faculdade de Direito de São Paulo.

Seu destino na militância política estava traçado. Membro do Partido Republicano dos primeiros dias do regime, integrou a comissão de sete membros instituída para elaborar o projeto de Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Apesar de muito jovem foi um dos mais ardorosos oradores. Uma de suas bandeiras foi a organização do Poder Judiciário, defendendo o regime de concurso para o ingresso naquele poder; a manutenção dos juizes de paz; e a independência de promotores e juizes do Poder Executivo. Adepto da autonomia municipal condenava a interferência dos Executivo Federal e Estadual na organização das municipalidades. Nos termos da constituição estadual foi eleito Deputado Estadual, cumprindo mandato até 1893 quando, por eleição, passou à Câmara Federal, até 30 de agosto de 1896, quando aceitou a nomeação para Ministro da Justiça e Negócios Interiores no governo do Presidente da República Prudente de Moraes. Esteve poucos meses no cargo ao qual renunciou como protesto pela intervenção em Campos decretada pelo Vice-Presidente Manuel Vitorino, então no exercício da Presidência da República, por doença do titular, à revelia de qualquer decisão de sua Pasta, numa sucessão de desmandos por incompetência jurídica capitaneados pelo Juiz Federal no Estado do Rio de Janeiro, Godofredo Cunha, que concedera habeas corpus preventivo a favor de mesários das eleições que iriam acontecer no dia 30 de dezembro, na cidade de Campos. Fez mais o Juiz Federal: requisitou força federal para garantir a medida em pedido direto ao Presidente da República e não por intermédio do Governador do Estado. Completou a esbórnia o ato do Vice-Presidente Vitorino requisitando ao Ministro da Guerra a cessão das tropas federais requeridas, passando por cima do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, a quem competia o fato constitucional. O Ministro da Guerra, por seu turno, cumpre o requerimento presidencial e remete um contingente do 38º Batalhão de Infantaria para a cidade de Campos.

Alberto Torres, antes de ser um Ministro de Estado, um ex-deputado estadual e federal, um republicano histórico, um constituinte, tudo isso com apenas 31 anos de idade, era um cientista político, um percuciente analista constitucional, um cidadão brasileiro de ilibada reputação e, acima de tudo, ético, fundamentalmente ético. Não concordou com a quebra de autoridade, carnaval de irregularidades abominado por sua personalidade firme, exigindo do vice-presidente o retorno das tropas federais ao Distrito Federal, com o que concordou aquela autoridade, mas não cumpriu e, pelo contrário, um outro contingente do 1ª Batalhão de Infantaria começou o deslocamento para a zona do conflito político-eleitoral. Marchas e contramarchas, abuso de autoridade, politicagem, telegramas arrepiando os fios condutores, eis que a situação fica insustentável. Alberto Torres demite-se. Retorna Prudente de Moraes à presidência e cumpre os poucos dias de mandato.

Parecia que o destino de Alberto Torres era o ostracismo político. Perdera o Ministério como, meses antes, renunciara ao mandato na Câmara Federal.

Um ano após ele assumia o cargo de Presidente do Estado do Rio de Janeiro, eleito pelo Partido Republicano Fluminense, chefiado pelo político petropolitano José Tomás da Porciúncula. Logo ao assumir, surge um novo problema político em Campos: a dualidade de assembléias naquele Município, uma instalando-se a 2 de janeiro no 1º Distrito e a outra a 7 de janeiro de 1898 no 2º Distrito. A primeira era apoiada pelo Partido Republicano, à frente José Tomás da Porciúncula, tendo por Presidente Abreu e Lima e a segunda, independente, sob a presidência de grande líder local, o Barão de Miracema. O feito estava consubstanciado na Lei n.º 373, de 21 de dezembro de 1897 previa que, no caso de dualidade de Câmaras Municipais, competiria ao Presidente do Estado resolver provisoriamente o problema até a solução definitiva ser tomada pelo Poder Judiciário, segundo a constituição estadual. Uma batelada de juristas foi chamada para interpretar a legislação atinente ao fato, como Rui Barbosa e Carlos Maximiniano. Sessões do Legislativo Fluminense se tornaram apaixonadas e a pressão era enorme sobre Alberto Torres que esperavam todos decidisse pela Câmara n.º 1 constituída de partidários de sua agremiação política. Um projeto foi aprovado pela Câmara Estadual e levado à sanção do Presidente do Estado. Nele o reconhecimento da Câmara n.º 1, como era do desejo do Partido Republicano. Alberto Torres vetou e devolveu o projeto para nova apreciação, isto lastreado numa questão profundamente ética para uma ala do Partido que não concordava com a decisão. Foi inevitável o racha no Partido Republicano Fluminense, ficando uma parte com José Tomás da Porciúncula e outra com Alberto Torres. Baldados todos os esforços para uma solução pacífica do problema, Alberto Torres tomou uma decisão baixando o Decreto n.º 530, em 14 de março de 1899, do seguinte teor:

“Artigo 1. Enquanto não for decidido definitivamente o conflito de duplicatas de vereadores e juizes de paz no Município de Campos, exercerão as funções desses cargos os vereadores e juizes de paz do triênio findo de 1897.

Artigo 2. Este Decreto entrará em exercício da data de sua publicação.

Artigo 3. Revogam-se as disposições em contrário”.

Foi uma guerra interna. Porciúncula e seus aliados denunciavam o Presidente do Estado pelo “delito que cometeu”, pedindo para ele punição na forma da lei penal, primeiro passo para o impeachment. Eis que a pretensão é derrotada fragorosamente no Partido Republicano, votando a favor do processo apenas 3 municípios: Cantagalo, Bom Jardim e Santo Antônio de Pádua, 15 silenciaram e 35 foram solidários com o Presidente Alberto Torres. Não satisfeito com a decisão partidária, Porciúncula tentou a via direta do impeachment, procurando reunir 31 deputados, dos 60 que compunham a casa, para instaurar o processo. A 12 de abril de 1899 estava formado o Tribunal Superior composto de 12 membros. Pela maioria foram indicados 10 amigos pessoais de Alberto Torres e dois fiéis a Porciúncula mas que não eram muito freqüentes por motivo de saúde. Jogaram os parlamentares adeptos do impeachment com a honradez dos deputados amigos do presidente, os quais se recusaram aceitar a indicação. Propuseram, destarte, a ignominiosa conclusão de que se recusavam participar da comissão estavam impedidos de votar em todos os atos e fatos do processo. Era um sórdido e bem urdido plano para afastar Alberto Torres da presidência. Sucediam-se os sofismas, governistas jogavam com a falta de quorum, o processo foi se arrastando sem consistência moral, gritos e pancadarias no plenário. Arthur de Sá Earp, partidário de Alberto Torres, desferiu um soco em Alberto Bezamat e este, dias depois, levou uma cacetada de um popular à saída da Assembléia. Por fim, prevaleceu o bom senso, certamente por vergonha e pudor. A 7 de junho o plenário reconhecia a Câmara Municipal presidida por Abreu Lima, eleita no dia 10 de dezembro de 1897 e empossados a 1º de janeiro de 1898.

Tudo como um título de famosa peça do dramaturgo William Shakespeare: “Tanto Barulho por Nada”.

Ficou dessa peleja uma certeza: cindiu-se o Partido Republicano Fluminense, saiu fortalecido Alberto Torres, ruindo paulatinamente o poder político de José Tomás da Porciúncula.

E todo o cenário das batalhas em Petrópolis, que era, naqueles anos de Alberto Torres, a capital do Estado do Rio de Janeiro.

Seu governo pouco acrescentou ao desenvolvimento do Estado. A política sub-reptícia e de bastidores aveludados de más intenções tudo fizeram para obstruir sua ação como dirigente político. Foi, com longo suspiro de alívio, que passou o governo a 31 de dezembro de 1900 a Quintino Bocaiúva.

Retirava-se de Petrópolis para retornar a Niterói enquanto a capital do Estado ainda resistiria até o ano de 1903 na serra, levada de volta pelo Presidente Bocaiúva.

Alberto Torres desencantou-se da política como exercício. Passara rudes momentos na sua clausura do Palácio Rio Negro, em Petrópolis, sofrera indignações, traições, nada acordante com o seu cristalino pensamento político. Lavava a alma em artigos na imprensa, sempre doutrinários de seu pensamento sócio-político, agora mais deitado à especulação sociológica para uma compreensão melhor do caráter do povo brasileiro que se transfigura quando no exercício da política de resultados.

O Presidente Campos Salles convidou Alberto Torres para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. O Decreto de 30 de abril de 1901 e sua posse a 18 de maio do mesmo ano faziam justiça ao seu valor, à sua dignidade, ao seu caráter e, acima de tudo, à sua cultura jurídica, política e sociológica. Era um ministro de apenas 35 anos de idade.

Eis que as cadeiras do poder são substituídas pela pesquisa intelectual. Torres adensa seus conhecimentos nos mestres renomados da cultura sociológica, preocupa-se com a humanidade, discute os problemas mínimos e absolutos, procura a verdade, escreve, pensa, produz substanciosa obra de conteúdo teórico, forma correta, pensamento lúcido.

No ano de 1917, aos 52 anos apenas, abatido pela morte, deixa, muito cedo, prematuramente, a vida ainda por produzir e honrar.

Tudo nela foi rápido, começando cedo, conquistando vitórias maduras quase imberbe, ocupando lugares de anciãos, ombreando e ultrapassando encanecidos sábios. Estudou muito, escreveu e produziu obras que precisam e devem ser reeditadas porque atuais sempre.

Talvez, e aqui caiba a especulação histórica: Alberto Torres caiu no crivo do autoritarismo comum de estadistas medrosos de competição, fingidores de populismo, frutos de épocas de espanto tecnológico, porque seu ideário nacionalista caiu no gosto de Plínio Salgado, ao tempo em que intentava implantar uma nova ordem política, nos caminhos do totalitarismo forte. Execrado este, por ação fulminante, ao tempo em que maquiavélica, do Estado Novo, Alberto Torres, à falta de compreensão lúcida de nossos políticos ou até por conveniências menores e pessoais, foi esquecido ou alijado do processo editorial. Em conseqüência, sua obra científica ganhou espaço nas prateleiras freqüentadas pelos fungos e insetos devoradores. Que nada aproveitam do que consomem, como muitos e muitos de nossa classe política de ontem e de sempre.

O mesmo dir-se-ia de um grande historiador, Gustavo Barroso, autor da “História Secreta do Brasil”, que mergulhou no oceano do esquecimento por imposição do conteúdo de suas idéias as quais, compartilhadas ou não, merecem o respeito e a consideração do conhecimento, discussão e perenidade cultural.

Uma parcela considerável de nossa brava gente brasileira ainda não tem consciência vigilante de que a cultura é uma vertente com muitos afluentes que podem levar à redenção ou ao caos. Não querem enfrentar os riscos do conhecimento pleno para preferirem o negror de conceitos simples e pouco discutíveis. Em suma, ainda não superamos a timidez das conquistas do passado que conferiram passividade contemplativa em compartimento maior do que a luta justa.

Concluindo, é lícito afirmar que o político Alberto Torres existiu e existe por sua portentosa obra crítica e conceitual. Na política do confronto, foi como um ornitorrinco vivendo no Alasca, combateu como pode o frio insensível das paixões miméticas dos lagartos manhosos, jamais a eles se ombreando ou conseguindo botar uma língua mentirosa de tamanha dimensão. Foi justo e coerente com sua personalidade e, nessa limpidez absoluta, a má política não corrompe.

A magnífica obra de Alberto Torres precisa urgentemente ser rediviva e passar a tijolo de cabeceira de muito sociólogo por ai em lides de governo.