ALGUMAS COINCIDÊNCIAS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Quando Campos Sales encerrava seu quatriênio em fins de 1902, todos os que haviam exercido a suprema magistratura da República, na última década do século XIX, estavam mortos.

Deodoro sucumbira roído de remorso e de ressentimentos, algum tempo depois daquele fatídico 23 de novembro de 1881, quando renunciara ao poder, depois do golpe de 3 daquele mês, em que fechara o Congresso, tornando-se ditador, a exemplo de tantos caudilhos hispano-americanos.

O Marechal Floriano, morreu a 29 de junho de 1895, justo quando se comemorava o Jubileu de Ouro de Petrópolis, fato que a imprensa local ignorou entretida com os funerais do chamado consolidador da República, venerado na altura pelos próceres e defensores do novo regime, depois das radicalizações causadas pela Revolta da Armada e pela Revolução Federalista.

Os que ocuparam a Presidência no quatriênio 1894/1898, morreram com diferença de dias, no final de 1902.

Primeiro foi a vez do Vice, que esteve interinamente no poder quando o titular teve de afastar-se por motivos de saúde; em seguida foi este para o além, ambos sob o canto fúnebre da Tribuna de Petrópolis, mal saída dos cueiros.

No dia 13 de novembro de 1902, dois dias antes de Campos Sales entregar o bastão a Rodrigues Alves, o periódico em tela abria espaço para chorar o Dr. Manoel Victorino Pereira, que dividira a presidência com Prudente de Moraes em meio às maiores turbulências e crises intestinas, tendo deixado inclusive má fama, quer pelo envolvimento num golpe que pretendia alijar o primeiro mandatário definitivamente do poder, quer por sua implicação no atentado que vitimara o Marechal Machado Bittencourt, logo depois do fim da Guerra de Canudos.

Mas, como no Brasil todo morto vira santo, a folha citada, na indigitada edição, não fez por menos. E carpiu o defunto nesses termos:

“Em pleno vigor da existência, a morte acaba de roubar à pátria e à República, um de seus mais proeminentes vultos: o ilustre baiano Dr. Manoel Victorino Pereira.

Nestas curtas linhas, não nos ocuparemos em fazer a biografia do grande brasileiro; simplesmente, a Tribuna de Petrópolis, compartilhando da extraordinária dor, que acaba de ferir em pleno coração, a nação brasileira, vem, associando-se a todas as classes populares, que lamentam o triste acontecimento, derramar sobre o túmulo do grande apóstolo da ciência, do eminente político, do abalizado professor, do ilustrado orador e escritor, saudosas e sinceras lágrimas, expressão viva do grande pesar que nos vai pela alma”.

Memória curta é com o brasileiro mesmo.

Aqui nestas serras, o Grupo Escolar Silva Jardim suspendeu as aulas e o Dr. Vital Bittencourt fez preleção, relembrando a vida do falecido.

E no dia 15 de novembro, na Matriz desta urbe, houve missa em intenção da alma do procer baiano.

A Tribuna daquele tempo, deve estar deixando mortos de curiosidade os petropolitanos de hoje. Afinal, quem era realmente Manoel Victorino Pereira?

Era ele filho do marceneiro Victorino José Pereira, nascido em Salvador, Bahia, a 30 de janeiro de 1853.

No princípio da vida tentou seguir a profissão do pai, mas acabou descobrindo que estava vocacionado para a medicina. Fez o curso na velha Faculdade da Bahia, graduando-se em 1876. No ano seguinte foi nomeado lente substituto daquela entidade de ensino superior. Depois chegou a catedrático com voto de louvor firmado por toda a congregação.

Foi o primeiro governador da Bahia depois da Proclamação da República. Em 1892 foi eleito Senador Federal. Em 1894 chegou à Vice Presidência do país, compondo a chapa com Prudente de Moraes.

Deixou inúmeras obras notadamente na área médica. Em 1896, com Nuno de Andrade, escreveu sobre o Saneamento do Rio de Janeiro e sobre o Instituto Benjamin Constant.

Por razões meramente circunstanciais, Manoel Victorino Pereira foi dos raros Vice Presidentes da República, até 1930, que tiveram participação ativa na vida nacional, exercendo por razoável período a Presidência. O outro foi Nilo Peçanha, que teve que terminar o quatriênio 1906/1910, em virtude da morte do titular Afonso Pena.

Manoel Victorino Pereira, esteve à frente da Nação por quase todo o segundo semestre de 1896 e nos primeiros dois meses de 1897. Deveu essa ascenção temporária à suprema magistratura, à doença de Prudente de Moraes, submetido inclusive à delicada intervenção cirúrgica, o que na época valia um verdadeiro atestado de óbito.

Foi nessa ameaça que o destino fizera à vida do Presidente, que Manoel Victorino Pereira jogou todas as cartas de sua ambição pessoal, sonhando em aboletar-se no poder até o fim do mandato presidencial.

Enquanto torcia por um desenlace, armava suas treitas. Dunshee de Abranches, em memorável obra “Como se Faziam os Presidentes”, é pródigo em informações sobre esse período turbulento da vida brasileira.

Para os exegetas e estudiosos daquele momento em que periclitavam as tenras instituições republicanas, a indicação de Moreira Cesar para chefiar a terceira expedição contra Canudos, embutia, interesses inconfessáveis e caso fosse a campanha vitoriosa, o grande vingador do novo regime ameaçado pelos jagunços do Conselheiro, seria o braço armado que daria sustentação à desmedida ambição de Victorino, que, prestigiado pela imprensa e pelos formadores da opinião pública teria todas as condições de perpetuar-se no poder, ainda que a custa de uma nova ruptura institucional. E ainda corria por fora a possibilidade de um desenlace do Presidente.

Não bastasse esse lamentável quadro, Manoel Victorino Pereira, provocara crise no governo em fins de 1896, quando determinou manu militari a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, o que determinou a demissão do Ministro da Justiça, Alberto de Seixas Martins Torres.

Mas os tiros do ambicioso Victorino saíram todos pela culatra. A missão Moreira Cesar fracassou com a morte do próprio; a crise fluminense foi logo contornada e Prudente de Moraes voltou ao Itamarati, então sede do Governo Federal, em princípios de março de 1897.

A maneira como Manoel Victorino deixou o palácio quando Prudente reassumiu, tão bem descrita por Dunshee de Abranches na obra citada, dá a dimensão do caráter do homem e de sua índole mesquinha e gananciosa.

De novo à sombra da Vice-Presidência, Manoel Victorino Pereira seguiu fazendo um trabalho de bastidores para desestabilizar o sistema.

Contou-me D. Maria Teresa Monteiro de Queiroz Vieira, mulher do então Chefe de Polícia do Distrito Federal Manoel Edwiges de Queiroz Vieira, que teve este que implantar um estudante de medicina disfarçado de copeiro em casa de Victorino, para que assim pudesse colher algo das maquinações subversivas do Vice-Presidente.

O ano de 1897, não terminaria sem a liquidação de Canudos e por conseqüência sem o aumento vertiginoso da popularidade e do prestígio de Prudente de Moraes. E foi roído de inveja e de ódio, que Manoel Victorino, segundo se apurou à época, teria armado o braço que tentou assassinar Prudente no Arsenal de Guerra no Rio de Janeiro e que acabou custando a vida ao Ministro da Guerra Machado Bittencourt.

Tal a história de um professor de alto nível que se perdeu na desmesurada ambição política.

Já Prudente José de Moraes Barros, foi o estadista por excelência. Com uma paciência e um equilíbrio de pasmar, enfrentou tormentas internas e externas e a todas deu tratamento adequado, resolvendo uma a uma as mais intrincadas questões.

Filho de José Marcelino de Barros e de D. Catarina Maria de Barros, nasceu em Itú, SP., aos 4 de outubro de 1841. Formou-se em Direito pela tradicional faculdade do Largo de São Francisco em São Paulo. Advogou em sua cidade natal, fixando-se depois em Piracicaba. Foi deputado provincial e geral. Republicano convicto, foi o primeiro governador de seu Estado sob o novo regime. Elegeu-se em seguida Senador e Presidente da República para cumprir o quatriênio 1894/1898. Foi o primeiro Presidente civil, o primeiro eleito pelo povo e o primeiro a governar com a constituição de 1891. Morreu aos 3 de dezembro de 1902.

A Tribuna de Petrópolis, na edição do dia 4, assinalou com toda a justiça:

“Quaisquer que sejam as divergências políticas, ocasionadas pelos seus últimos atos de governo, quando na suprema direção da República, não são de esquecer os serviços que prestou à nossa pátria, pacificando-a internamente e tornando-a respeitada no exterior, com a solução dada às questões internacionais então surgidas.

Foi um benemérito digno do respeito de todos os brasileiros; e as manifestações que recebeu ao deixar o governo em 15 de novembro de 1898, provam a estima em que o tinha o povo, árbitro supremo nos governos livres dos atos dos poderes públicos.”

Unidos por tantas coincidências – republicanos históricos, primeiros governadores de seus estados após o 15 de novembro de 1889, logo a seguir senadores, parceiros na chapa que os conduziria à suprema magistratura da Nação, em que foram os primeiros civis do novo regime, os primeiros eleitos pelo povo e os primeiros a governarem com a Constituição, falecidos no mesmo ano e com diferença de alguns dias, Victorino e Prudente, foram no entanto bem distintos na condução da coisa pública. Aquele foi um acendedor de fogueiras; este foi um extintor de incêndios.