ALUNO ALCEU E O PROFESSOR KOKPE (O)
Maria de Fátima Moraes Argon, Associada Titular, Cadeira n.º 28 – Patrono Lourenço Luiz Lacombe
Assim começa a carta [i] dirigida a Alceu Amoroso Lima (1893-1983), datada de 14 de agosto de 1926 e assinada simplesmente Winckelmann: “Permitta-me V. a quem perdi de vista ha tantos annos e venho agora encontrar, pelas saudades e recordações que acaba de trazer á beira do tumulo de um velho Mestre, o mesmo menino que conheci como o derradeiro discipulo de meu pobre Pae; […] meu comovido ‘obrigado’ pelas palavras de seu artigo de domingo último”.
[i] Arquivo Tristão de Athayde. Acervo do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade – CAALL (Rua Mosela, 289 – Petrópolis), unidade da Universidade Candido Mendes.
Quem era Winckelmann? Quem era o velho Mestre? Recorrendo aos jornais com os quais Dr. Alceu colaborava, localizamos n’O Jornal, edição de domingo, 7 de agosto, o artigo “O precursor” que elucidava a questão: tratava-se do professor João Kopke e de seu filho, Winckelmann Köpke (1886-1951). Esse e outros artigos de Dr. Alceu publicados n’O Jornal e na Revista do Brasil, nos anos 1926 e 1927, foram reunidos na sua obra Estudos (1927).
Neste belíssimo e poético texto, Alceu Amoroso Lima revela a importância do professor particular na formação de sua mentalidade: “[…] aquele que representara, para mim, o primeiro contacto com as coisas da intelligencia”. É possível captar a afetividade construída entre o mestre e o aluno:
João Köpke procurou sempre na criança o gosto da criança. Viveu com a infância e inserido na alma infantil. Desde o seu método de aprender a ler, que reagia contra o ensino triste, abstracto, mecânico das cartilhas e do b a-ba […]. Eu bem me lembro, por exemplo, que aprendi a escrever e a compor sem saber uma simples regra de gramática. E Köpke fazia questão de estimular a espontaneidade infantil.
Aos nove anos de idade, quando ingressou no Ginásio Nacional, o menino Alceu levou um choque com o contraste, como ele próprio declara: “o ensino me appareceu em todo o seu horror de inquisição, de rigidez, de impersonalidade, de abstracção secca e distante”. Para ele, as aulas de Kopke eram “uma pequena aventura que abria realmente horizontes, sem cansar, sem pesar, com a illusão do fácil e do não ensinado mas apenas conversado”.
João Kopke nasceu em Petrópolis, a 27 de novembro de 1852, e faleceu no Rio de Janeiro, em 27 de julho de 1926. Era filho do português Henrique Kopke Júnior, naturalizado brasileiro, que, em 1849, fundou e dirigiu o Colégio Kopke, primeiro educandário particular de Petrópolis que funcionava no regime de internato. Fez seus estudos iniciais neste estabelecimento que, por diversas vezes, recebeu a visita do imperador d. Pedro II. Bacharel em Direito pela Faculdade de São Paulo em 1875, foi, segundo Gabriel Kopke Fróes (1897-1986), o primeiro petropolitano a se diplomar em curso superior. Nomeado promotor público em São Paulo, abandonou a carreira em 1878 para dedicar-se ao magistério, lecionando em vários colégios de São Paulo, onde depois fundou o Instituto Henrique Kopke. Mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro, transferindo para lá seu educandário, frequentado por alunos que se tornariam figuras expressivas do Brasil.
Autor de vários livros, sua obra tem sido estudada por incontáveis pesquisadores e, mais recentemente, dois manuscritos inéditos foram divulgados: O livro de Hilda, processo analytico da leitura, pela tese de doutorado de sua neta Maria Lygia Kopke Santos (2013), e Versos para os pequeninos, pela tese de livre docência da profª. Norma Sandra de Almeida Ferreira, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (2104). Este último ganhou, no ano passado, uma edição on-line fac-similar disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2017/03/kopke-facsimile.pdf.
João Kopke utilizava uma metodologia intuitiva através de lições de coisas que Alceu assim relembra:
Sem assunto fixo, ao ar livre, caminhando pelo jardim, ao sabor do accaso, e dos encontros, passava de tudo nessas aulas. E era uma delicia. E era assim que o mestre se fazia um companheiro e que o véu das regras frias, dos mecanismos systematicos não tolhia a liberdade original das coisas, dos factos e das ideias.