AMARO VASCONCELLOS, INDUSTRIAL EM PETRÓPOLIS
Francisco de Vasconcellos, Associado Emérito
Campos dos Goitacazes, 1926. O capitão de indústria Francisco Ribeiro de Vasconcellos, enfrenta mais uma crise no mercado açucareiro. Afora isso, afligi-o um certo desentendimento familiar, que pode pôr em risco anos de sacrifícios na montagem de um pequeno império, que tinha como empresa holding a Usina São José.
É nesse momento que Amaro, terceiro rebento do usineiro, alma irrequieta, farejadora de progresso, contaminada por uma ponta de delírio ambulatório e pelo espírito de aventura, deixa Campos, para radicar-se em Petrópolis, onde pretendia iniciar carreira de industrial em áreas que nada tinham a ver com as atividades tradicionais da família, há duzentos anos lidando com a cana de açúcar.
Abril de 1926. Amaro Vasconcellos, já está instalado na serra, desfilando com sua baratinha amarela pelas ruas petropolitanas. Fez-se sócio do Tênis Clube e não demorou muito já estava de namoro com moça de tradicional família de Corrêas.
Em 4 de maio daquele ano, protocolava na Prefeitura, sob o nº 1894, requerimento em que anunciava estar montando seis máquinas para fabricação de pregos e um motor elétrico de 6 H.P., no prédio nº 159 da rua João Caetano, pelo que, pedia a devida licença.
A 7 de maio, pelo requerimento 1957, pedia permissão à autoridade competente, não só para estabelecer a fabrica de pregos, mas também uma carpintaria movida à eletricidade e solicitava lhe fosse cobrado o imposto proporcional ao resto do ano. Informava que o empreendimento ia ter 12 operários.
A 10 de maio, novo requerimento: o de nº 1985, nos seguintes termos:
“O abaixo assinado, Amaro Vasconcellos, já tendo instalado as suas máquinas no barracão da rua João Caetano 159, de acordo com o requerimento nº 1894 de 4 de maio do corrente, e tendo satisfeito todas as exigências dessa Prefeitura, requer vistoria para as ditas máquinas” .
A vistoria foi efetivada a 14 de maio e detectou no local um motor elétrico de 6 H.P., seis máquinas de pregos e u’a máquina de serra de fita. Os emolumentos foram pagos pelo talão 1458 em 25 de maio de 1926.
O jornal “O Comércio” de 3 de setembro daquele ano, estampava na seção de anúncios:
“FÁBRICA DE PREGOS AMARO VASCONCELLOS – Fabrica e vende esse artigo em qualquer quantidade. Rua João Caetano 159 – Fone 961 – Petrópolis”.
E o “Jornal de Petrópolis” de 25 daquele mês, fazia bela divulgação da pequena industria através de reportagem, que merece transcrição na íntegra:
“Industria que honra Petrópolis. Uma visita ao estabelecimento do snr. Amaro Vasconcellos. A primeira e única fábrica de pregos no Estado do Rio.
Sabedores de que o snr. Amaro Vasconcellos, moço industrial campista, há cerca de três meses fixara residência em nossa cidade e aqui montara industria de móveis de estilo antigo, pregos e clips, fomos ontem procura-lo no seu estabelecimento à rua João Caetano nº 159.
Gentilmente recebidos pelo distinto industrial, a quem já conhecíamos pessoalmente, percorremos as magníficas instalações industriais, com que o snr. Amaro Vasconcellos, espírito empreendedor e progressista, vem de dotar a cidade de Petrópolis.
Em três meses de funcionamento, as suas excelentes instalações já produziram lindos e custosos móveis de jacarandá, estilo antigo, e com variadas encomendas de acordo com caprichosos desenhos dos mais afamados catálogos. A industria de móveis do snr. Vasconcellos é pois uma positiva realidade.
Ao lado dessa industria figura a seção de pregos, primeira e única do Estado do Rio, produzindo já 700 kgs. diários para todos os tamanhos, não chegando para as encomendas deste Estado, Minas e Rio. Conjuntamente com os pregos, produzem-se ali, clips, (grampos para papel) na medida de 800 caixas diárias.
Dentro em breve, o snr. Vasconcellos fabricará também alfinetes e grampos.
Como se vê, as industrias reunidas do snr. Amaro Vasconcellos, é um novo cometimento que honra Petrópolis, ficando-lhe esta credora desse esplêndido reclame para seus foros de cidade adiantada”.
Essa reportagem tinha o dedo de Alcindo Sodré, então diretor do Jornal de Petrópolis. Alcindo era sobrinho e genro do dr. Antônio Augusto de Azevedo Sodré, proprietário da Fazenda Quitandinha. Aí havia estado em visita de cortesia, por volta de 1925 / 26, o Coronel Francisco Ribeiro de Vasconcellos, pai de Amaro, dado que Antônio tinha um filho, Altino, que na altura desempenhava as funções de químico da Usina São José, em Campos, de propriedade do Coronel.
Daí a amizade das famílias e a boa acolhida que Amaro encontrou aqui por parte do diretor do Jornal de Petrópolis.
A reportagem deixou a nu o espírito empreendedor e pioneiro do então jovem Amaro, que, mesmo a despeito da forte concorrência que lhe podia fazer a empresa Hime Com. e Ind., que praticamente detinha o monopólio da fabricação de pregos e correlatos no Brasil, não titubeou em montar em Petrópolis fábrica que iria trabalhar na mesma faixa, primeira e única no Estado do Rio de Janeiro. Esse pioneirismo de Amaro, quarenta anos mais tarde, se faria presente em Januária, no vale do São Francisco, quando ele lançou naquele solo feracíssimo as primeiras sementes de melão, hoje uma realidade no mercado de frutas do Nordeste brasileiro.
Pelo requerimento nº 2.285 de 10 de junho de 1927, o irrequieto industrial campista, pedia a transferência da fábrica de móveis para outro endereço, nos seguintes termos:
“Amaro Vasconcellos, querendo mudar somente a sua oficina de carpintaria que funciona anexa à fábrica de pregos, da rua João Caetano 159, para a rua Carlos Gomes 385, requer a V. Excia. se digne mandar conceder-lhe a necessária licença, procedendo-se à competente transferência nos respectivos lançamentos”.
Amaro Vasconcellos sempre foi muito mais criador que administrador. Ele gostava do desafio, do sonho, da decolagem, da idealização e do estabelecimento da empresa. Depois vinha o dia-a-dia, a rotina, a repetição monótona dos mesmos métodos e técnicas, o que para ele não tinha a menor graça.
E foi assim, que dois anos e meio depois de funcionamento, o pioneiro dos pregos em Petrópolis, pelo requerimento 7035 de 31 de dezembro de 1928, pediu baixa da firma, arquivando-se o processo a 31 de julho de 1929.
Dois dias antes, o fiscal da Prefeitura, Aquiles Antônio da Costa, informava que a fábrica de Amaro havia realmente desaparecido do local. No prédio nº 159 da rua João Caetano, instalara-se ainda no correr de 1929 o empreendimento de Dethloff & Cia. Ltda., dedicado ao fabrico de chocolate.
Mas Amaro Vasconcellos não deixara Petrópolis por causa disso. Em meados de 1927, estando ainda a fabricar pregos, clips e móveis, voltara-se para a área de tecidos, mais especificamente para a fabricação de sedas.
Os pobres de espírito, os tipos parasitários, os sinecuristas do poder público, os que não nasceram para ousar, para enfrentar adversidades, para correr riscos, estão sempre prontos para denegrir, para escarnecer, para diminuir, para debochar os que saem a campo, dispostos a arrostar quaisquer intempéries, para atingir seus objetivos.
Bastou Amaro Vasconcellos sair de Campos, do aconchego dos seus, abandonando o prato feito que lhe oferecia a generosa mão paterna, para meter-se na aventura da indústria de pregos e móveis em Petrópolis, para voltarem-se contra ele as baterias dos incompetentes e dos sem iniciativa.
E foi assim, que nasceu o Amaro tachinha, apodo que visava depreciar o fabricante de pregos, atividade menor, aos olhos burgueses, que a de usineiro.
Houve até quem o comparasse a Policarpo Quaresma, aquela figura de idealista caricaturada pela pena satírica e mordaz de Lima Barreto.
Mais tarde, quando Amaro Vasconcellos desistiu dos móveis e dos pregos para dedicar-se à seda, inventaram que ele havia quebrado, que era um louco, em via de meter-se em nova aventura, num dos momentos mais críticos da industria têxtil, alcançada também pelas impatrióticas greves, que de resto, convulsionaram o país a partir do fim da 1ª Guerra Mundial.
Sobranceiro a tantas iniquidades, Amaro seguiu ousando e acreditando na sua boa estrela. Agora era a seda que o empolgava.
É bom explicar, que nesse tempo (anos vinte), a Usina de açúcar estava para Campos, assim como a Fábrica de tecidos estava para Petrópolis. Eram setores cobiçados pelos grandes capitalistas da época, que davam enorme status e invejável prestígio social. Mas também é certo que no fim dos anos vinte era grande a crise nesses dois ramos da atividade industrial. Basta que se compulsem os jornais da época. Oportunamente, o assunto será mais detalhadamente abordado.
Em 2 de outubro de 1924, pelo requerimento 3815, Carlos Oto Loeffler pedia licença à Prefeitura, para construir pequena fábrica para a manipulação de sedas, de acordo com o projeto que juntava ao pedido. A obra seria executada à rua Coronel Veiga, em frente ao nº 1321. Seu orçamento era de 10:000$000.
Pelo requerimento 1780, de 14 de abril de 1925, Carlos Oto Loeffler chamava a autoridade competente para verificar a obra e suas instalações, concedendo-se-lhe então, o habite-se. Na averbação do prédio consta o valor de 20:000$000 tendo o mesmo tomado o nº 1320 da rua Coronel Veiga.
Criado o espaço físico – geográfico para que se desenvolvesse a industria, era hora de instala-la de verdade. Daí o requerimento de nº 3380 de 15 de julho de 1925, que rezava o seguinte:
“Loeffler & Cia., firma composta dos sócios Carlos Oto Loeffler e Carlos Frederico Loeffler, precisando se estabelecer com fábrica de tecido de seda à rua Coronel Veiga nº 1320, vem pedir a vossa senhoria que se digne arbitrar a licença a pagar. Junta o talão da Coletoria. Pede para arbitrar também a licença de mercado do referido artigo”.
Manifestando-se a Secretaria de Obras da P.M.P., disse:
“Julgo que o requerente deve ser atendido. Trata-se de um prédio de construção recente, cujas obras foram vistoriadas, conforme se depreende da petição nº 1780 de 14 de abril de 1925. As instalações dos motores e teares foram examinadas por esta Diretoria. A fábrica em questão tem 4 teares sob os nºs 70.670 a 70.673, conforme consta do livro de registro da Diretoria de Obras”.
Pelo requerimento 5175 de 3 de novembro de 1925, Loeffler & Cia., tendo concluído a instalação de uma caldeira em sua fábrica, conforme solicitara no requerimento nº 3077 de 22 de junho do mesmo ano, vinha pedir vistoria na dita caldeira a vapor, de 9H.P., fabricada por Morshall Sons & Cia.. Efetivou-se a diligência a 9 de novembro, tendo os emolumentos sido pagos pelo talão 1794, a 14 do mesmo mês.
Presume-se então que Loeffler & Cia., começou a operar na fabricação de seda em Petrópolis, no apagar das luzes de 1925.
Em 1926, a pequena industria da rua Coronel Veiga, já possuia seis teares e pelo requerimento nº 1335 de 17 de março, pedia para mudar a sua seção comercial para a então Av. Quinze de Novembro 807, sobrado. Comprometendo-se o requerente a não vender a varejo, logrou deferimento de seu pedido, a 21 de maio daquele ano, pagando emolumentos pelo talão 1454 em 22 dos mesmos mês e ano.
Foi justamente nessa quadra, que a industria têxtil petropolitana entrou em crise, chegando ao auge dela em 1929, quando a Santa Helena parou e a Cometa e a Dona Isabel estiveram à beira do colapso.
Foi realmente um Deus nos acuda, operários em recesso, gente desempregada, famílias em desespero.
Não obstante, Amaro Vasconcellos, homem que não enjeitava desafios, parecia alheio ao mundo que girava em torno dele. Embora fosse leitor assíduo de jornais, as notícias alarmantes não pareciam molesta-lo e ele resolveu entrar também no grande clube dos industriais de tecidos, escolhendo logo um dos mais nobres – o da seda.
É verdade que a empresa pela qual se interessara era de mínimo porte, se comparada às grandes fábricas que iam da Werner à Santa Helena. O risco era bem menor, mas sempre existiria.
Amaro foi em frente e, arrendou a Loeffler & Cia., seu negócio de manipulação de sedas à rua Coronel Veiga 1320. Foi pelo requerimento 3034 de 11 de agosto de 1927, que ele comunicava à autoridade municipal o negócio que havia efetivado e pedia a transferência do empreendimento para o seu nome. A transação foi feita pelo valor de 34:200$000 e foi lançada às fls. 56 do livro nº 1 de Averbações de Firmas e Transferência de Estabelecimentos Industriais e Comerciais, sob o nº 348 em 21 de julho de 1927, com despacho final da Diretoria de Fazenda da P.M.P. de 2 de setembro daquele ano.
Assim sendo, Amaro Vasconcellos levou algum tempo ainda mantendo concomitantemente as suas fábricas de pregos e de móveis, que partiram do zero e a de sedas, por arrendamento a empresários pre – existentes.
Como não possuísse tinturaria, levava suas peças de tecido de excelente qualidade, ao funcionário da Fábrica Santa Helena, Guarino Baravelli, que era dos mais conceituados tintureiros da praça. E para expor à venda os seus produtos, Amaro alugou a loja do prédio nº 365 da então Avenida Quinze de Novembro, hoje rua do Imperador.
Ali fizeram sucesso por cerca de quatro anos, os produtos da Fábrica de Sedas Santo Amaro.
Na grande crise de fins de 1929, Amaro Vasconcellos estampava na primeira página da “Tribuna de Petrópolis”, edição de 24 de dezembro:
“SEDAS – GRANDE REDUÇÃO EM TODOS OS ARTIGOS SOMENTE ATÉ O FIM DO MÊS. FÁBRICA DE SEDAS SANTO AMARO – AV. XV DE NOVEMBRO 365 – FONE 706”.
Liquidação de tempos bicudos e de fim de ano.
Mas o intimorato Amaro venceu a crise, passou pela Revolução de 30 com todas as suas ameaças de mudança na vida nacional e, em 1931 ele começou a preparar sua retirada da industria textil e enfim, de Petrópolis.
Por recibo de 12 de março de 1931, Amaro vendeu o seu negócio que funcionava à Av. 15 de Novembro 365 a Farah e Silva Ltda., por 17:500$000. ( Averbação 947, fls. 56, livro 2 de Averbação e Transferências de firmas ) .
Salim Farah e Walter Silva eram os sócios da empresa sucessora de Amaro, que pelo requerimento 6689 de 21 de setembro de 1931, pediram transferência do estabelecimento para o seu nome.
Farah e Silva admitiram mais um sócio, Eugênio Silveira de Souza e, em 31 de outubro, requeriam que os lançamentos municipais fossem feitos em nome da nova razão social – Farah, Silva & Cia. Ltda.. Em 29 de dezembro, davam baixa da firma ( Requerimento nº 9009 ).
Curiosamente, na mesma data, pelo requerimento 9010, Silva & Pizzolato pedem licença para estabelecerem-se com comércio de tecidos de seda no mesmo prédio da Avenida XV de Novembro 365.
Seis meses depois, a 4 de junho de 1932, Silva & Pizzolato vendem o comércio a Amaro Vasconcellos pelo preço de 31:142$500. ( Averbação 1033, fls. 70, livro 2) E, como de praxe, pelo requerimento 40404 de 22 de junho, Amaro pede o lançamento das taxas e impostos em seu nome.
Estranho esse vai e vem, que não encontra uma explicação plausível na frieza dos documentos burocráticos e que não poderá ser elucidado pela falta absoluta de depoentes, todos mortos, inclusive Amaro que se foi a 15 de fevereiro de 1967.
Mas o caso do 365 da Avenida Quinze, não pararia aí. A 22 de novembro de 1932, pela escritura pública lavrada no 4º Ofício da Comarca de Petrópolis, livro 21, fls. 52 v, Amaro, vendia seu negócio de fazenda a Carlos Franco da Cruz, pelo preço de 47:575$000. ( Averbação 1.082, do mesmo livro nº 2, requerimento 7812, de 7 de dezembro de 1932 ). Pelo requerimento 7487 de 31 de dezembro de 1934, Carlos Franco da Cruz pedia baixa do negócio.
Foi justamente em 1934, que Amaro Vasconcellos desligou-se definitivamente de suas atividades industriais nesta cidade, deixando-a para tomar o rumo de Goiás, onde em Cristalina, iria dedicar-se à exploração do cristal de rocha.
Seria seu sucessor na fábrica de sedas, Gabriel Homsy, que, pelo requerimento 3325 de 19 de maio de 1934, declarava que, tendo adquirido por arrendamento a fábrica de sedas que passara a denominar-se Tecelagem de Sedas Remânia Ltda. À rua Coronel Veiga nº 1320 ( Cartório do 5º Ofício, livro 2, fls. 72, valor 24:000$000, em data de 20 de abril de 1934 ), pedia então a transferência do estabelecimento fabril para o seu nome, informando que ficaria como gerente dele José Pomin.
A averbação foi feita no livro 2, fls. 108, sob o nº 1273.
E o nosso bom Amaro, alma de passarinho em vôos permanentes por esses brasis, sempre na rota do progresso, também não ficaria muito tempo em Cristalina. De lá, sempre em Goiás, ele rumou para Ipamerí, onde constituiu família, já quase quarentão, com Adélia Rosa Schmalz, rebento do ramo goiano de uma linhagem germânica que se radicara em Santa Catarina. Mas isto já é uma outra história ….