Arquivo de Alceu Amoroso Lima (O)

Leandro Garcia, da Academia Petropolitana de Letras

Petrópolis é mundialmente conhecida pelas suas belezas naturais, artísticas e históricas. Entretanto, a Cidade Imperial possui uma dimensão ainda pouco valorizada – a de ser uma cidade de pesquisas, considerando os seus importantes arquivos: o do Museu Imperial, o Municipal e, particularmente, o acervo pessoal de Tristão de Athayde (1893-1983), salvaguardado no Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, o CAALL, localizado na Rua Mosela 289, sua antiga residência na cidade. Quero falar deste último.

Alceu foi o mais importante intelectual leigo católico do Brasil, bem como o maior crítico literário do nosso modernismo. Por esta última razão, teve contato com os principais escritores nacionais, especialmente entre as décadas de 20-50. A prática da correspondência foi a sua principal ferramenta, por isso saíam e chegavam à Mosela 289 uma infinidade de missivas, enviadas e recebidas dos diferentes rincões do país, tudo através dos Correios.

Alceu-Amoroso-Lima

Alceu de Amoroso Lima, Tristão de Athayde (1893-1983)

Desta forma, ao longo da vida, Alceu organizou o seu precioso arquivo, que hoje compreende aproximadamente 50 mil documentos entre cartas, fotografias, recortes de jornal, manuscritos e outras naturezas textuais. O mais importante: tudo disponível à consulta e à pesquisa do público em geral. Desnecessário dizer da importância deste espaço para Petrópolis e para o mundo, e não exagero em dizê-lo, pois o acervo do CAALL se abre à investigação de forma interdisciplinar: Literatura, Teologia, História Geral, História da Igreja e outras temáticas. Assim, o arquivo de Alceu Amoroso Lima se abre a inúmeras possibilidades e potencialidades investigativas e hermenêuticas, em natureza sempre aberta, num sintomático processo de work in progress.

Sabe-se que a Epistolografia – área da Teoria Literária que investiga cartas e correspondências – é uma ciência ainda incipiente no Brasil. Fato estranho e paradoxal, já que a carta sempre foi muito usada pelos nossos escritores. Todavia, uma pesquisa sistematizada, nos estudos literários brasileiros, é algo que começou a partir dos anos 2000, com a publicação do primeiro volume da correspondência de Mário de Andrade (com Manuel Bandeira), feito pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

Alceu sabia da importância da sua correspondência, tanto que a organizou de forma meticulosa em diversos armários da sua casa, na Mosela 289, dando uma forma pessoal de organização e catalogação. O velho mestre usou suas cartas para construir uma boa parte do seu pensamento, para dar informações e acompanhar o movimento da literatura brasileira e da crítica literária, sua maior especialidade. Posso dizer, sem medo do exagero, que Alceu Amoroso Lima fez da sua correspondência um verdadeiro laboratório de criação e de ideias, fato este testemunhado pelo precioso conteúdo do seu arquivo.

Costumo dizer aos meus alunos que a pesquisa em arquivos é o futuro dos estudos literários, principalmente numa época marcada pela virtualidade, pela revolução tecnológica das informações e dos dados. Pergunto-me: o que restará do processo de criação, da feitura do texto? E os manuscritos, gênese das obras, sobreviverão aos modernos processadores de texto? Sabe-se que a criação literária em tempos de internet nada se compara à criação tradicional: o papel, o rabisco, a primeira via, a revisão etc. A escrita eletrônica é dinâmica, mas também rarefeita, fugidia, sem materialidade. E aí reside a importância dos arquivos: eles guardam e resgatam a memória da escrita, da criação, da gênese da obra. Por isso, em minha opinião, o arquivo é parte fundamental no futuro dos estudos investigativos de literatura.

Infelizmente, os arquivos e centros de pesquisa de Petrópolis são pouco ou quase nada visitados pelos próprios… petropolitanos! Que valorizemos mais estes locais da nossa cidade, que recebem pesquisadores de outros estados e também do estrangeiro. Dentre estes, presto meu carinho ao CAALL e ao arquivo de Alceu Amoroso Lima.