BANGUE-BANGUE PETROPOLITANO

Júlio Ambrozio, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 30, Patrono – Monsenhor Francisco de Castro Abreu Bacelar

Vinte anos de exposição agropecuária. É de arromba! Da esquerda à direita, ou vice-versa, há duas décadas o Poder executivo de plantão mobiliza suas forças para promover a barbárie. Um terreiro, ano após ano, reservado como região sazonal e privilegiada da indústria cultural. Nem o pretexto de uma feira agropecuária é justificável. O bairro Caxambu e os distritos não legitimam a existência de uma festa petropolitana que deixa implícita a falsa idéia de vida econômica, social e cultural arraigada à criação de gado grosso, embora não deva ser esquecido a lida com a cavalaria. Eu não sei dizer, por exemplo, se o Departamento de Engenharia da UCP gerou algum estudo sobre o carro-de-boi, tal como o encontrei em universidade federal mineira. O agroboy – outro exemplo -, embora esquizofrênico personagem holywoodiano, achável em Barretos, Ribeirão Preto, Goiânia, não medra no interior da jeunesse dorée serrana. O arrabalde petropolitano – zona típica de subúrbio, com seus espaços vazios, áreas alargadas e de construções baixas – é a franja rural-urbana, ou a cercania hortigranjeira do município.

Fora da tradição, o resto é plágio, diria o madrilês Ortega y Gasset. A novidade, não sendo espúria, necessariamente dialoga com a geografia cultural.

Não existe problema no comparecimento do gado vacum e cavalar, servindo – principalmente para as crianças – como mostra do campo para a urbana Petrópolis. Não se trata também de simples alteração do nome da exposição. O grave é a presença superior desses animais em relação à dos legumes, penosas e hortaliças, valendo toda a feira como acabado mostruário da ausência de vínculo essencial com a realidade provinciana; alienação que, torcendo a franja rural-urbana em benefício do country – o pop-rural norte-americano -, pretende construir, no saloon e nos rodeios, o passado petropolitano e brasileiro acoplados ao faroeste, tempo pretérito estadunidense sobretudo engenhado pelo cinema de Hollywood – John Ford, Raoul Walsh, Anthony Mann, John Huston, Howard Hawks, e tantos outros.

Vinte anos vive mal disposta com Monteiro Lobato e Camara Cascudo a exposição agropecuária.

Pão e circo. Da mesma forma que o alimento, a diversão está vinculada, desde sempre, às exigências da vida cotidiana. O circo faz parte de todos nós. A mesma engrenagem que produz objetos para serem consumidos e trocados, proporciona entretenimento para serem digeridos como alimentos. Tal como os objetos, a diversão está vinculada à biologia. Nada demais. O entretenimento, além disso, contribui alguma coisa com o saber. O problema é quando surge uma cultura de massa, correspondente à economia e à sociedade de massa. Nesse cosmo, a cultura – de fato – é a diversão, funcionando tão somente como lazer e passagem do tempo – o vazio do tempo entre o trabalho e o cansaço. Tudo se agrava, pois o entretenimento, pregado à vida e aos indivíduos, na sociedade de massa avançaria sobre o belo, objeto do mundo, emparedando e destruindo a cultura – instrumento de leitura do real – para realizar diversão, quase ia dizendo, produzir mercadorias. As adaptações da novelística da Globo são bons exemplos da moagem da cultura em prol do entretenimento. As massas jamais aprendem com esta indústria cultural; divertem-se à larga, somente.

O que pensar então do Brasil, que não tendo uma economia de massa, todavia, possui onipresente cultura de massa? Sistematicamente impedindo o sossego necessário ao pensamento autônomo do povo brasileiro. Já o sergipano Tobias Barreto fizera menção ao alemão Schopenhauer, que dispusera a inteligência na razão inversa à capacidade do homem em resistir aos grandes ruídos. Também Gilberto Vasconcellos, com grande humor e perspicácia, observara o aumento assombroso dos cães nas últimas décadas no Brasil, acrescentando que o ladrido histérico da cachorrada brasileira seria o exato paralelo do ruído ubíqüo da mídia e da sociedade no país.

Brasil barulhento e sem saneamento básico.

Os latidos do rádio, da televisão, da vitrola, do trio elétrico e de grande parte das publicações, realizando mais massa ao invés de libertar as multidões, geram a acústica do brasileiro, sistematicamente impedindo que a nação escute seu silêncio, distanciando-se, assim, da educadora contribuição do índio, que não pia quando se alimenta.

Sob esse ângulo, é de se perguntar se a atual administração, desejando ou não, seria xifópaga de governos petropolitanos dos últimos vinte anos; especialmente a partir da administração Gratacós. Faz sentido, em todo caso, que a anterior governança Leandro Sampaio-PSDB também tenha promovido ruidosas exposições agropecuárias ao mesmo tempo que alienava da Biblioteca Municipal de Petrópolis dez toneladas de livros, publicações, etc, por R$ 0,06 (seis centavos) o quilo ( D.O. 12/07/97), retalhando a Instituição cuja mera presença convidava ao educativo silêncio; dificultando, ainda mais, a real capacidade que o povo teria em se afastar do mero entretenimento para se aproximar da superior cultura – popular ou erudita.

O caso é que a maioria imensa da própria elite política petropolitana e brasileira, igualmente, vive hipnotizada e deseducada pela cultura de massa. O que agrava a culpa da classe dirigente. Aqui, com a Exposição Agropecuária, o Estado surge como empenhado instrumento da indústria cultural. Quer dizer, é muito Elymar Santos, gospel, Paralamas do Sucesso, Monkey Brothers – seja lá o que isso significa -, e pouco Ernani Aguiar, Villa Lobos ou os populares Trio Madeira Brasil, Ali Farka Toure, Coral Trovadores do Vale, etc, etc, etc.