O BARÃO DE LANGSDORFF E A SUA TENTATIVA DE PROMOVER A IMIGRAÇÃO ALEMÃ NA FAZENDA DA MANDIOCA
Antônio Eugênio de Azevedo Taulois, associado efetivo, titular da cadeira n.º 29, patrono Luiz da Silva Oliveira
SUMÁRIO:
1. INTRODUÇÃO
2. O BARÃO DE LANGSDORFF
3. A FAZENDA DA MANDIOCA
4. A TENTATIVA DE IMIGRAÇÃO
4.1 A contratação de imigrantes na Alemanha
4.2 A viagem para o Rio de Janeiro
4.3 As questões financeiras
4.4 O malogro da tentativa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5.5 A Fazenda da Mandioca era um centro de estudos da natureza
5.6 As causas do fracasso da colonização alemã
5.7 A importância cultural da obra do Barão de Langsdorff
BIBLIOGRAFIA
1.0 INTRODUÇÃO
A partir de 1820, no fundo da Baía da Guanabara onde começava a subida da Serra da Estrela, ao longo do Caminho Novo que conduzia tropeiros ao interior das Minas Gerais, foi feita uma expressiva tentativa de colonização estrangeira pelo Barão de Langsdorff, na sua Fazenda da Mandioca, com noventa e quatro imigrantes, vindos especialmente da Alemanha para essa empreitada, visando o cultivo de novas espécies e a introdução de modernas técnicas agrícolas entre nós.
No momento em que o Brasil surgia como nação, despertando a cobiça e a curiosidade no cenário internacional, o alemão Georg Heinrich von Langsdorff (fig 1), a serviço do império russo, onde era conhecido como Grigory Ivanovitch Langsdorff, se destacava não só pela audácia e cultura, mas, principalmente, pela sua infatigável capacidade de organização e trabalho, como ficou demonstrado nas espantosas expedições científicas que realizou pelo interior do Brasil. Estudou e reuniu cerca de 300.000 itens representativos da natureza e da gente brasileira entre os anos de 1813 e 1828 e os enviou à Academia de Ciências da Rússia, da qual era membro. Pretendia dedicar o restante da sua vida ao estudo desse acervo, o que representaria uma significativa contribuição para o conhecimento das coisas brasileiras, porém, paradoxalmente, os fortes laços que ligaram o Barão a nossa terra e a nossa gente e que marcaram profundamente a sua vida foram, ao mesmo tempo, a razão da sua glória e a “via crucis” que o anulou para a ciência e para a sociedade.
A Abertura dos Portos, em 1808, e as surpreendentes facilidades concedidas aos cientistas estrangeiros que vieram para o Brasil após o término das campanhas napoleônicas fizeram com que viajantes franceses, alemães, austríacos e ingleses invadissem o interior do país, não só para avaliar as suas possibilidades comerciais, mas também para a conquista de prestígio cultural para seus patrocinadores. Natureza, população, economia, tudo era do interesse desses naturalistas.
D. João VI tinha especial interesse em desenvolver o Reino Unido e assegurar a sua unidade. Precisava de mão-de-obra especializada, operários, técnicos, artistas, militares. A solução era a abertura à imigração que já vinha sendo feita com sucesso em outros países do continente.
É nesse contexto científico, histórico e social que a obra do Barão de Langsdorff deve ser avaliada. Primeiro, pelo valor do acervo científico resultante de suas expedições científicas, que reuniu amplas coleções etnográficas, herpetológicas, ornitológicas, taxidérmicas, amostras de minerais, coleções de plantas com cerca de 100 mil exemplares da flora tropical em torno de uma centena de objetos indígenas, centenas de mapas, documentos e desenhos das regiões por onde passava. Essas peças foram analisadas e comentadas em mais de mil páginas manuscritas com observações diárias dos membros da expedição sobre geografia física e econômica, zoologia, comércio, estatística, economia, história, lingüística e vias de comunicação, envolvendo mais de 300 cidades e 200 povoações do interior do país e suas populações (KOMISSAROV, 1992, p.127).
Na sua Fazenda da Mandioca, o Barão introduziu técnicas agrícolas e industriais desconhecidas no país e foi também pioneiro quando pretendeu implantar na fazenda uma colônia de imigrantes alemães, assunto deste trabalho.
2.0 O BARÃO DE LANGSDORFF
O Barão von Langsdorff era um homem de temperamento complexo e um destino diferente dos mortais comuns. Foi marcado pela ânsia do conhecimento e pela frenética corrida contra o tempo. Nascido em 1774, perdeu a memória aos 54 anos e faleceu com 80. Formando-se em Medicina, na Universidade de Göttingen aos 23 anos, defendeu sua tese de doutorado sobre obstetrícia (CHUR, 1981, p.19), foi levado para Portugal por um príncipe alemão onde aprendeu o português. Cedo se transformou em um jovem cientista possuidor de uma ardente curiosidade pelas coisas da natureza, desenvolvida, ainda mais, depois de uma viagem de circum-navegação da terra durante quase quatro anos, a convite do governo imperial russo. Dessa viagem, escreveu uma importante obra, “Viagem a várias partes do mundo”, que pode ser encontrada na Seção de Livros Raros da Biblioteca do Museu Imperial de Petrópolis.
Falava fluentemente sete línguas (BECHER, 1990, p.111). Suas obras foram escritas em cinco idiomas. As anotações no diário de sua expedição foram feitas em alemão com alguns trechos em latim, português, francês e inglês (KOMISSAROV, 1992, p.103). Esse valioso diário já foi publicado em três volumes pela Associação Internacional de Estudos Langsdorff da Universidade de Campinas, restando ainda ser editado o quarto e último volume.
Fig. 1 Georg Heinrich von Langsdorf ou Grigory Ivanovitch Langsdorf. Com esses nomes o Barão serviu aos governos da Rússia e da Alemanha.
O Barão teve uma vida sentimental muito ativa. Seu primeiro filho, Karl Georg, nasceu de mãe desconhecida e se tornou um médico renomado com trabalhos realizados, inclusive no Brasil, tendo clinicado, em 1838, no Rio de Janeiro. (ALBUQUERQUE, 1996). O Barão casou-se em 1812 e teve duas filhas, mas sua mulher voltou para São Petersburgo com elas, pois não suportou o clima do Brasil. Do segundo casamento, com uma prima, teve seis filhos, o segundo deles, permanecendo no Brasil, deixou uma extensa descendência, toda ela já levantada.
Langsdorff esteve pela primeira vez no Brasil em 1803 por três meses, na Ilha de Sta. Catarina, durante sua viagem de circum-navegação da terra, quando se interessou muito pela natureza tropical da região.
A partir de 1813, foi Cônsul-Geral da Rússia no Brasil no momento em que o Rio de Janeiro ganhava atributos de capital européia, uma exigência da corte portuguesa, dos ricos proprietários de terras e dos comerciantes que aqui se instalaram. Sua missão era incentivar trocas comerciais entre os dois países, pois o Brasil era um grande fornecedor de açúcar, algodão, café, madeiras, ferro, cânhamo, lona e outras matérias primas. A Rússia, ao aderir à Paz de Tilsit, que decretara o bloqueio continental à Inglaterra, rompeu informalmente com Portugal. Como Inglaterra e Portugal eram parceiros de longa data, a Rússia manteve um Cônsul-Geral no Brasil em vez de um embaixador em Portugal, como seria esperado.
O prestígio de Langsdorff nos meios governamentais brasileiros era muito grande. A Rússia, após a vitória sobre Napoleão em 1814, influía nos destinos da Europa. Pelas suas grandes qualidades pessoais de erudição, sociabilidade e reputação como médico e cientista, ele era bem recebido por ministros e altos dignatários. Langsdorff tornou-se conselheiro do governo português para assuntos da colonização européia (KOMISSAROV, 1992, p.81).
Contudo, o seu interesse maior era informar, cientificamente, à Academia de Ciências de São Petersburgo, as características e possibilidades da terra, descrevendo o que fosse observado e enviando amostras ilustrativas de suas pesquisas. Para isso, ele pretendia desenvolver dois grandes projetos no Brasil. O primeiro, a implantação de uma colônia agrícola alemã no Brasil, com modernos recursos já em uso na Europa. O segundo, uma grande expedição exploratória ao interior do país em regiões pouco conhecidas. Para o segundo, ele tinha recebido apoio financeiro do Império Russo, mas o primeiro teria de ser conduzido com seus próprios recursos (CHUR,1981, p.29 e BECHER, p.58 e 61).
Ele cumpriu exemplarmente a sua missão. Adquiriu a Fazenda da Mandioca que foi o seu centro de pesquisas da natureza e agrícolas. E realizou inúmeras expedições científicas importantes, inclusive a de 1926, que lhe tirou a memória, após três anos imerso nas selvas de Mato Grosso, Pará e Amazonas.
Em certo dia de maio de 1828, durante essa exaustiva e arriscada expedição, ele recebeu a inesperada e triste notícia que um de seus renomados artistas-desenhistas, Adrien Taunay, tinha morrido afogado durante a transposição a nado do Rio Guaporé. O cientista ficou arrasado. Já estava combalido pelas febres tropicais, assim como seus auxiliares diretos Hercules Florence e Nestor Rubtzov. Nos dois meses seguintes, seus companheiros se recuperaram, mas ele continuou apresentando violentos acessos de febre, cada vez mais graves. Em maio de 1828, a expedição estava atravessando o Rio da Misericórdia, antes de Itaituba, quando ele fez a última anotação no seu diário, dizendo que “… passo sentado na rede a maior parte do dia e da noite, inconsciente e tendo pesadelos fantásticos…”. Florence anotou em seu diário que “… um novo ataque de febre havia perturbado profundamente o juízo do cientista.” Em julho, eles chegaram a Santarém, estando o Barão completamente privado da sua capacidade mental. Langsdorff voltou ao Rio de Janeiro e regressou à Europa em maio de 1830. Estabeleceu-se em Freiburg, Breisgau onde faleceu em 1862, depois de vinte e cinco anos de inatividade forçada, gozando boa saúde, mas desprovido de memória recente.
3.0 A FAZENDA DA MANDIOCA
O Inhomirim, ao fundo da Baía da Guanabara, na raiz da Serra da Estrela como mostrado na fig. 4, onde se encontrava a Fazenda da Mandioca, foi marcado significativamente por alguns importantes acontecimentos históricos antes do Barão de Langsdorff ter adquirido ali a sua fazenda. O Porto da Estrela, a abertura do Caminho Novo e a natureza tropical exuberante da mata atlântica foram fatores determinantes para a presença do Barão de Langsdorff na raiz da Serra da Estrela.
Antigos registros da atual IMBEL-Fábrica da Estrela (História da Real Fábrica de Pólvoras da Estrela, p.40v) revelam que aquela região tinha sido doada pelo Presidente da Província do Rio de Janeiro, em 1616, a Francisco de Mattos Filgueiras. Em 1696, o local era conhecido como roça do Malta. Em 1816, aquelas terras, que já vinham sendo cultivadas há mais de um século com o nome de Fazenda da Mandioca, foram adquiridas pelo Barão de Langsdorff, do Sargento-Mor Manuel Joaquim de Oliveira Malta, pela importância de 3600$000 (FERREZ, 1955, p.34).
O Porto da Estrela e o Caminho Novo, em tráfego há mais de cem anos, facilitavam o acesso à fazenda. Ele era feito a partir do Cais dos Mineiros, no Rio de Janeiro, junto à atual Praça XV, de onde se chegava ao Porto da Estrela viajando em uma falua, embarcação típica do local. Daí até a Fazenda da Mandioca eram duas léguas de distância, pelo Caminho Novo, vencidos em três horas de viagem (LACOMBE, 1940, vol.4, p.13.). Na figura 4, é apresentado esse acesso.
O local também foi escolhido pelas suas condições naturais. Tratava-se de uma região de clima tropical brando, com chuvas abundantes, sem estação seca e com temperaturas médias de 28°C. O local era cercado por serras, com elevações superiores a 1000m, cobertas por uma vegetação tropical característica.
Quando Langsdorff comprou a Fazenda da Mandioca, Petrópolis era apenas a Fazenda do Córrego Seco, descrita por Spix e Martius, como “um miserável povoado, elevado a 2260 pés franceses acima do nível do mar, com uma venda onde pernoitamos” (SPIX E MARTIUS, 1938, p.158). O Barão conseguiu transformar a Fazenda da Mandioca em uma base para as suas pesquisas e estudos sobre a natureza tropical e sobre as condições econômicas e sociais do Brasil colonial.
Além da sua atividade puramente científica, o Barão pretendia influenciar a sociedade em que vivia. Ele tinha a intenção de introduzir a mão-de-obra européia e remunerada na Mandioca em lugar do negro escravo, por ser mais eficiente e rentável. Além disso, estava interessado em atualizados procedimentos agrícolas. Possuía uma clara visão da importância da fazenda brasileira, no início dos anos 1800. Essa representava um fator decisivo na economia do país, pois era, praticamente, a única atividade produtiva e um meio eficaz de influenciar, política e socialmente, a comunidade.
Aos tropeiros em trânsito pelo Caminho Novo, havia um rancho para pousada e uma venda. O local era favorável à recuperação dos tropeiros e dos animais, pois tinha um riacho próximo e pastagens vizinhas. Esse rancho e a venda se tornaram muito conhecidos e foram escolhidos por William Burchell e Thomaz Ender como tema de suas aquarelas sobre o lugar (fig. 3). Rugendas, que também pintou a Mandioca, usou como ponto de vista uma elevação junto a uma curva por onde, anos mais tarde, passou a Estrada Normal da Estrela.
Fig. 2 A casa-grande da Fazenda da Mandioca, tendo ao fundo, à direita, o Morro do Cortiço com 1121m e à esquerda, a Cabeça de Negro com 1055m. Entre esses dois morros passava o Caminho Novo que Langsdorff chamava de Estrada Real em seu Diário. (Aquarela de Thomas Ender)
Fig, 3 Casa Grande da Fazenda da Mandioca, ao fundo, com o rancho, em primeiro plano, onde pousavam os tropeiros e viajantes que passavam pelo Caminho Novo.
O Barão recebia viajantes e cientistas com toda a urbanidade. Eles eram levados a conhecer os trabalhos desenvolvidos na Fazenda, todos com alguma originalidade para a época. Essas pessoas se hospedavam na casa-grande da fazenda, descrita como uma construção robusta, com um porão alto e um sistema construtivo de qualidade superior às demais moradias do local (RUGENDAS e outros, 1988, p.67). Era, sem dúvida, uma típica fazenda colonial brasileira. Havia também outras casas que eram arrendadas a viajantes. Em maio de 1822, o Príncipe-Regente Pedro visitou a fazenda, para quem foram preparadas acomodações especiais. Em julho de 1822, estiveram na Mandioca os Presidentes das Províncias de Minas Gerais e Mato Grosso (KOMISSAROV, 1992, p.97). Na fazenda, havia plantações de café, milho, batata e a mandioca, que acabou lhe dando o nome. A produção era suficiente para o consumo local e para a venda. Também se cultivavam espécimes desconhecidas no Brasil, como índigo e noz moscada (KOMISSAROV, 1992, p.81). Eram usadas modernidades agrícolas, como o arado europeu e a moagem industrial de grãos. A fazenda possuía uma boa biblioteca, herbário, valiosas coleções zoológicas e mineralógicas e um bem cuidado jardim botânico. Todas as amostras remetidas para a Rússia eram antes ali estudadas, ficando um exemplar arquivado (KOMISSAROV, 1992, p.82). As propostas modernizadoras de Langsdorff estavam de acordo com o espírito do capitalismo europeu da época, que teve origem nas revoluções democrático-burguesas da passagem dos anos 1700 para os 1800 e nos movimentos liberais e nacionais de 1815-1850 (FALCON E MOURA, 1981, p.61).
O que acontecia na Fazenda da Mandioca surpreendia a todos os hóspedes do Barão, cientistas, astrônomos, navegadores, físicos, geólogos que demandavam o interior pelo Caminho dos Mineiros. Saint-Hilaire, um desses viajantes e o que mais escreveu sobre o Brasil, conhecia bem a Mandioca e anotou que “é impossível encontrar um lugar onde um naturalista faça mais belos trabalhos. Langsdorff não pode deixar de ficar célebre na História do Brasil.” Spix e Martius ficaram tão entusiasmados com os trabalhos de Langsdorff que deram a denominação de “LANGSDORFFIA HYPOGAEA” a um raro exemplar vegetal que encontraram. George Freyrheis, Jonh Luccock, Johann E. Pohl, George Shaeffer, Alexander Caldleig, R. Walsh, George Gardner, Francis Castelnau, Millieu de St. Adolphe, todos viajantes estrangeiros da época, fizeram referências elogiosas ao Barão e à sua fazenda (RUGENDAS e outros, 1988, p.67).
Langsdorff procurou realizar na sua fazenda um antigo sonho. Ali ele tentou implantar uma povoação agrícola européia que servisse de modelo para outras fazendas brasileiras. Antes de vir para o Brasil, ele já tinha pretendido isso, sem sucesso, no Kamchatka, Rússia, conforme escrevera de Irkutsky, a seu amigo Rumiantsev e anunciara depois em Moscou e São Petersburgo (KOMISSAROV, 1992, p.84).
A Fazenda da Mandioca foi desapropriada em 1826 para que fosse construída em seus terrenos a Real Fábrica de Pólvora da Estrela. Essa indústria colonial de explosivos, já vinha funcionando na cidade do Rio de Janeiro, junto à Lagoa Rodrigo de Freitas, desde 1808. Como ela expunha os moradores da região a um grande risco, foi feita a sua transferência para o Inhomirim. (TAULOIS, 1990, p.61).
Fig. 4 Langsdorff acessava a Fazenda da Mandioca, vindo da Prainha (Praça Mauá) até o Porto da Estrela e, pelo Caminho Novo chegava à fazenda.
4.0 A TENTATIVA DE IMIGRAÇÃO NA FAZENDA DA MANDIOCA
Não poderia ter sido pior a escolha da época para o empreendimento do Barão de Langsdorff.
Na Europa, havia condições sociais e políticas favoráveis ao processo de emigração. Ao contrário, nas colônias espanhola e portuguesa da América, no início dos anos 1800, estavam ocorrendo com sucesso diversos movimentos de independência, que iriam dificultar qualquer iniciativa desse porte, por causa dos necessários envolvimentos políticos e administrativos.
No Brasil da década de 1820, duas facções políticas se confrontavam ferozmente, pró e contra a Independência. O retorno de D. João VI a Portugal, forçado por pressão política da nobreza, colocou seu primogênito Pedro como Príncipe-Regente, tendo José Bonifácio como mentor. Em meados do ano de 1822, com novas pressões, a corte portuguesa tentava reduzir os poderes do Reino Unido, exigindo também o retorno do regente. Estava praticamente decidida a independência do Brasil, iniciando-se, então, um agitado processo político, no preciso momento em que Langsdorff chegava ao Rio de Janeiro com seus colonos alemães e, praticamente, na bancarrota.
4.1 CONTRATAÇÃO DE EMIGRANTES NA ALEMANHA
Em 1820, insensível a essas perspectivas, o Barão viajou a Europa procurando conseguir aprovação e recursos do Czar Alexandre I para os seus dois grandes projetos, a colônia agrícola na Fazenda da Mandioca e a grande expedição ao interior do Brasil. Como argumento da exeqüibilidade do seu projeto, ele levava uma extraordinária coleção científica, coletada em sete anos de intenso trabalho de pesquisa no Brasil. Levava também, o relato completo dessas pesquisas.
Estar Langsdorff na Alemanha, contratando imigrantes era surpreendente. Em 1819, apenas um ano antes, ele havia publicado um artigo polêmico em um jornal de Frankfurt. Tratava-se de “Morgenblatt für gebildete Stände”, ou seja, “Páginas matinais para Pessoas Letradas,” uma advertência para pessoas cultas, criticando a emigração alemã. Era mais uma confrontação à opinião de Georg Freyrheis, um renomado taxidermista que Langsdorff tinha trazido para o Brasil em 1812, mas que, em pouco tempo, se desentendera com ele (BECHER, 1990, p.49). Seja como for, o Barão passou a encarar a colonização alemã, no Brasil, de forma plenamente positiva, tendo demonstrado isso no seu trabalho “Memoire sur le Brésil pour servir de Guide à ceux que désirent s’y établir”, publicado em Paris, em 1820. Em 1821, seguiu-se o estudo “Observações sobre o Brasil, com ensinamentos conscienciosos aos emigrantes alemães”. Nesses trabalhos foram descritas as condições naturais do entorno da capital, as medidas do governo português no sentido de regulamentar os direitos dos colonos e as propriedades dos imigrantes mais afortunados. No ano seguinte, essa brochura saiu com acréscimos, em Heidelberg, e, em 1822, no Rio de Janeiro, traduzida por A. Sampaio (KOMISSAROV, 1992, p.86). Langsdorff pode ser considerado um pioneiro no processo imigratório que se iniciava no Brasil.
A seguir, o Barão escolheu as famílias dos colonos que pretendia levar para a Fazenda da Mandioca. O jornal “Stats-und Gelehrten Zeitune des Hamburgischen unpartheyschen Correspondenten” publicou, em 19 de outubro de 1821, uma nota com relação à sua atividade:
O famoso circum-navegador, conselheiro de estado, von Langsdorff, encontra-se há tempos em Lahr, Breisga, tendo já recrutado, sob condições vantajosas, vários artesãos, tais como, marceneiros, carpinteiros, pedreiros etc., para trabalharem numa colônia no Brasil, por ele doada. O embarque acontecerá em Bremen, o mais breve possível. Como se sabe, von Langsdorff está sendo financiado pelo governo russo para realizar uma viagem de exploração histórico-natural pelo interior daquele país. O Grão-Duque de Baaden convocou o Barão para um jantar no dia 11 de setembro, durante sua estada em Karsruhe, enviando-lhe, no dia seguinte, por intermédio do Ministro von Berstett, a comenda da Ordem do Leão de Zähringen (Becher, 1990, p. 50).
A relação nominal dos colonos que desembarcaram do navio Doris, no Rio de Janeiro, está publicada na fig 5.
4.2 A VIAGEM PARA O RIO DE JANEIRO E AS DIFICULDADES COM OS COLONOS
As dificuldades com os colonos surgiram antes mesmo do embarque em Bremen, quando o Barão teve que demitir alguns, mesmo tendo-lhes já adiantado pagamentos (BECHER, 1990, p.59). Durante a viagem, os imigrantes, por contrato, deveriam se encarregar da limpeza de seu local e de preparar sua comida. Alguns, contudo, se negaram a fazer isso.
No início de 1822, Langsdorff partia de Bremen no navio Doris, contratado para fazer a viagem para o Brasil. Com ele viajavam 94 pessoas. Entre os chefes de família desse grupo, listados em anexo, encontravam-se 9 carpinteiros, 1 construtor de moinho, 1 ferrador, 1 carvoeiro, 4 pedreiros, 1 alfaiate, 1 saboeiro, 1 cirurgião, 1 clérigo, 1 guarda-livros, 19 agricultores, 9 serviçais e mais 44 crianças. Viajaram também o seu filho Karl Georg, seu primo Heinrich, sua tia Johanna e filha Wilhelmine, que, posteriormente, veio a se casar com o Barão e a lhe dar quatro filhos. Vinha também o famoso pintor Moritz Rugendas, o naturalista francês Carlos Ménétriez, o Barão de Dreiz e Frederico Mack, criado de Langsdorff (BECHER, 1990, p.54). O Barão aproveitou a oportunidade para trazer suprimentos e materiais necessários a seus projetos. A viagem foi cercada de todos os cuidados. A alimentação, a assistência médica e espiritual, a escolha do comandante do navio foram uma preocupação pessoal de von Langsdorff (BECHER, 1990, cap.4). Essas condições de viagem foram muito superiores às de outros imigrantes alemães, como a dos 235 alemães do navio Justine, em 1837, que se revoltaram a bordo e se negaram a continuar a viagem para a Austrália, ficando no Rio. Ou, como a de qualquer uma das viagens dos colonos alemães que vieram para Petrópolis em 1845. Langsdorff manteve-se sempre consciencioso e paternal com os seus colonos, mas não deixou de ser firme e exigente, revelando sempre o seu propósito de aplicar a justiça do governo português, quando isso se fizesse necessário, como ficou claro no discurso que fez aos colonos ao chegarem ao porto, no Rio de Janeiro.
Toda a viagem foi custeada por Langsdorff, que empregou nisso a considerável fortuna que lhe deixara o seu tio Koch, de Frankfurt (KOMISSAROV, 1992, p.85).
No dia 3 de março, o Doris estava entrando na barra da Baía de Guanabara. Langsdorff passou uma semana a bordo do Doris, observando o desembarque, redigindo e assinando documentos alfandegários e cartas a órgãos governamentais brasileiros (KOMISSAROV, 1992, p.95). Logo após o desembarque, surgiram os primeiros problemas. A Aduana apreendeu vários objetos de porte não autorizado, causando grande confusão a bordo. Depois, no Porto da Estrela, durante a viagem para a Fazenda da Mandioca, novamente houve apreensões, dessa vez, duas espingardas na bagagem do colono Fridolin Ludihuser (BECHER, 1990, p.61 e 62).
Por questões disciplinares, alguns colonos foram demitidos ainda no porto do Rio de Janeiro. Consta, nos registros do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, que apenas 85 pessoas viajaram com Langsdorff para a Fazenda da Mandioca, das 94 que desembarcaram do Doris.
4.3 AS QUESTÕES FINANCEIRAS
Durante a ausência de Langsdorff, ocorreram muitas mudanças no Brasil. As lutas pela Independência atingiram uma fase decisiva. Dom João VI já tinha retornado a Lisboa, devido ao movimento revolucionário português. Seu filho Pedro se tornara o Príncipe-Regente. A Metrópole exigia que o Brasil se tornasse novamente uma colônia, provocando com isso enorme revolta contra as forças militares portuguesas aqui sediadas. No início de 1822, D. Pedro instituiu um novo governo, cujo chefe era, pela primeira vez, um brasileiro nato, José Bonifácio, um estadista, com mentalidade muito acima dos funcionários portugueses que rondavam o Príncipe-Regente. O velho estadista queria a Independência, a manutenção dos vínculos com Portugal e a preservação da monarquia.
Langsdorff foi muito bem recebido pelo chefe do governo. Na sua carta de 5 de março de 1822, solicitou a José Bonifácio o cumprimento do Decreto Imperial, de 16 de março de 1820, sobre colonos estrangeiros no Brasil. Esse decreto tinha sido amplamente divulgado na Europa, sendo publicado no “Journal de Debats” pelo embaixador brasileiro, na França, e incluído por Langsdorff nas suas publicações sobre imigração. Solicitou também o mesmo apoio dado aos colonos suíços de Nova Friburgo, que receberam isenção de taxas aduaneiras para os seus objetos pessoais e profissionais, assim como o transporte desses até aquela cidade.
A 14 de março de 1822, em outra carta a José Bonifácio, Langsdorff, em tom de desespero, pediu ao Ministro que interviesse em seu favor, junto ao Príncipe-Regente, para que sua honra e reputação fossem preservadas. Nessa solicitação, expôs que os custos com a viagem dos colonos, as despesas com a tentativa de fundar uma colônia agrícola alemã no Brasil e a preparação da sua grande expedição científica ultrapassaram os seus recursos financeiros. Por esse motivo, ele solicitou um empréstimo de 5 a 6 contos de réis, pelo prazo de dois anos, para assegurar a manutenção dos colonos e as demais iniciativas que ele estava implantando. Como fiança, ele ofereceu a sua coleção de História Natural, composta durante muitos anos, com peças recolhidas em todas as partes do mundo. Explicou que pretendia introduzir procedimentos agrícolas e industriais totalmente desconhecidos no Brasil, como telhados escamados, aperfeiçoamentos na construção de casas de taipa e a instalação de uma fábrica de sabão. Langsdorff atribuiu sua situação desesperadora ao fato de não haver tempo de se dirigir ao governo russo. (BECHER, 1990, p.61). Durante a sua ausência, a economia da fazenda sofrera um declínio, pois a plantação de café deixara de ser rentável. O administrador fora inábil ao fazer novas plantações que acabaram prejudicando as árvores frutíferas em produção (ACEM, f.213, inv.1, assunto 104, f.82).
Assinalou inclusive que seu projeto era muito conhecido na Europa e estava sendo acompanhado, com atenção, por diversas instituições científicas, e seu sucesso poderia ter consequências positivas para o país. Contudo, sem os meios solicitados, ele não poderia pagar aos participantes da expedição, receando que os artistas-pintores engajados rescindissem seus contratos (BECHER, 1990, p.61).
Na verdade, o empreendimento era mesmo muito conhecido e observado em vários países alemães, devido aos inúmeros contatos do Barão e por causa da divulgação dada à iniciativa para conseguir o necessário apoio. Em 1824, em Wisbaden, o discurso que Langsdorff fez aos colonos, ainda no navio, tinha sido editado em forma de brochura (KOMISSAROV, 1992, p.96).
4.1 O MALOGRO DA EXPERIÊNCIA
Por volta de maio de 1822, a situação na Fazenda da Mandioca tinha melhorado um pouco. Langsdorff chegou a comunicar, à Academia de Ciências de São Petersburgo, que ele “era o único fundador da muito promissora Colônia Européia no país” (Komissarov, 1992, p. 96).
A falta de disciplina e a rebeldia de alguns colonos, já verificadas durante a viagem marítima, tomaram tal dimensão que, três meses após a chegada deles à Fazenda da Mandioca, acabou originando uma revolta. Chega-se a essa conclusão, a partir da carta datada de 6 de junho de 1822, enviada por Langsdorff ao Primeiro-Ministro José Bonifácio. Nela havia uma informação sobre os colonos revoltados. Anexou também os contratos originais assinados por eles, no qual assumiam o compromisso de continuar exercendo, voluntariamente, a sua profissão no Brasil. Alguns outros colonos de bom comportamento deixaram-se contagiar pelos revoltados e se descuidaram de suas obrigações. O Barão solicitou ao primeiro-ministro que fosse anulada a contratação dos mesmos e pediu proteção para si e para os seus familiares. Acrescentou, ainda, que, devido ao mau comportamento dessas pessoas, as atenções de outros países estavam se voltando para todo o grupo.
O Barão de Langsdorff não conseguiu levar avante seus planos colonialistas, pois encontrou muitas barreiras, especialmente as de ordem financeira, jurídica, econômica e psicológica. Não se pode deixar de considerar que a economia vigente no país era toda escravocrata. Quatro anos depois da chegada do Doris, a colônia agrícola da Mandioca já não existia mais.
Terminaram ali as ideações do Barão de Langsdorff, tentando desenvolver seu planos progressistas na Fazenda da Mandioca.
RELAÇÃO DOS COLONOS QUE CHEGARAM AO RIO DE JANEIRO COM LANGSDORFF, EM 1822, A BORDO DO NAVIO DORIS.
Fig 5 Listagem dos alemães que vieram no Doris, para o Brasil. (BECHER, p.53)
Fig. 6 Listagem dos objetos e bagagem trazidas por Langsdorff no navio Doris. (BECHER, p.55 a 57)
Fig. 6 Listagem dos objetos e bagagem trazidas por Langsdorff no navio Doris. (BECHER, p.55 a 57)
5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS
5.1 A FAZENDA DA MANDIOCA ERA UM CENTRO DE ESTUDOS DA NATUREZA
Em suas pesquisas, o Barão de Langsdorff tentava encontrar comprovações para a elaboração da Teoria da Síntese, uma tendência do pensamento científico da época, em que ele se envolveu desde o seu doutoramento em Medicina e Ciências Naturais, na Universidade de Göettingen, estimulado pelo seu mestre e orientador, Johann Friedrich Blumenbach, o criador da Antropologia Física Comparada. Blumembach e Alexander von Humbolt, ou seus pósteros Alfred Russel Wallace e Charles Robert Darwin, compartilhavam a intuição de que uma teoria unificada sobre a vida estava para ser formulada, tendo como fundamento os modernos conceitos de função, conflito, adaptação e evolução. Uma nova geração de estudiosos, dessa forma, tentava passar de uma atitude teórica, analítica e classificatória, para a formulação de uma teoria geral de síntese da evolução da vida sobre a terra. A estratégia do Barão, em todo o seu trabalho científico, era a busca de espaços geográficos de concentração saturada de espécimes que lhe permitissem um raciocínio de comparação e consolidação de suas descobertas, seguindo a pista de evidências para uma teoria que unificasse as idéias a respeito da evolução da vida sobre a Terra (NICOLAU SEVCENKO, 1990 apud BECHER, p.137).
As expedições que o Barão realizava, a Fazenda da Mandioca, com sua extensa coleção de espécimes naturais aliada à exuberante condição ambiental e à tranqüilidade do lugar, eram circunstâncias apropriadas para o estudo e a reflexão nessa investigação teórica.
Assim, como centro de estudos da natureza, de interpretação e cadastramento de amostras naturais e antropológicas, a Fazenda da Mandioca foi um sucesso. Prova disso foi a quantidade e qualidade do acervo ali organizado e remetido para a Europa, especialmente para a Academia de Ciências de São Petersburgo. Esse acervo era composto de milhares de itens, sempre complementado por estudos descritivos e conclusivos.
5.2 AS CAUSAS DO FRACASSO DA COLÔNIA ALEMÃ
O sonho de colonização foi um completo fracasso. O empreendimento pretendeu ser um pólo inovador da agricultura, introduzindo procedimentos mais eficientes e novas culturas; tentou implantar a colonização alemã com o objetivo de utilizá-la como mão-de-obra qualificada, em substituição ao trabalho escravo, para conduzir modernidades trazidas para a fazenda e inexistentes no país,. É no contexto teórico-prático que a obra do Barão de Langsdorff deve ser analisada.
As causas do fracasso são várias. Começando pelo seu planejamento, observa-se que, possivelmente, tenha faltado um detalhamento e uma abrangência capaz de lhe permitir superar as dificuldades que foram surgindo. Faltava ao Barão a experiência prática anterior em agricultura. Ele era um cientista, um pesquisador e não um empresário. Examinando a lista de objetos que Langsdorff trouxe no navio Doris, fig 6, não é possível concluir que ele pretendesse equipar a sua fazenda para alguma finalidade específica, usando aqueles materiais.
A falta de recursos para a continuidade do plano foi também um sério obstáculo. Tudo indica que o Barão estivesse contando com as benesses do todo-poderoso Ministro José Bonifácio. Inicialmente, senhor de toda a cena política do Império, Bonifácio, a partir de 1823, entrou em confronto com D. Pedro I, quando a Constituição do Império foi elaborada, terminando exilado na França. Langsdorff tinha investido no empreendimento tudo o que possuía e ficou sem recursos para continuar o projeto.
A rebeldia dos colonos foi outro fator. Esses colonos eram artífices e técnicos na Alemanha. Provavelmente, não tivessem necessidade premente de emigrar, como era comum com outros emigrantes. Talvez eles fossem movidos mais pelo espírito de aventura e, com isso, não tivessem a tenacidade exigida para um autêntico emigrante, que precisa estar mentalmente disposto a mudar de vida. Os vinte negros existentes na Fazenda eram mais úteis do que as famílias dos alemães que terminaram abandonando o trabalho. Tentou-se a vinda de colonos suíços de Nova Friburgo, mas também sem melhores resultados (BECHER, 1990, p.66).
O Barão de Langsdorff, quando iniciou sua atividade colonialista, foi muito bem recebido pelas autoridades e apoiado por José Bonifácio, seu antigo amigo dos tempos de Lisboa. Tentando implementar suas idéias modernas, especialmente sua preferência pela mão-de-obra livre e remunerada, confrontou a economia vigente, toda escravocrata. Quando não pôde mais se sustentar em Bonifácio, o Barão não conseguiu superar suas dificuldades econômicas e jurídicas.
Ao mesmo tempo que implantava seu projeto de imigração, na Fazenda da Mandioca, com toda a sua complexidade técnica, comercial e social, Langsdorff se preparava para o seu maior projeto: a grande expedição científica ao Mato Grosso e Amazônia, incluindo aí Peru e Venezuela (KOMISSAROV, 1992, p.125 e CHUR, 1981, p.198). De expedições científicas, ele conhecia muito bem e estava planejando essa com muita objetividade e detalhe. Para isso, incluiu até pequenas expedições preparatórias em torno da Mandioca. E, com esse acúmulo de projetos de natureza tão diversa, provavelmente, ele não tenha dado a necessária atenção a sua fazenda.
Não devem também ser esquecidas as suas obrigações consulares, que não eram poucas, e seus estudos científicos, práticos e teóricos. Essa pluriatividade configura uma tarefa sobre-humana e evidencia enorme dispersão de esforços físicos, mentais e econômicos, comprometendo, inevitavelmente, uma boa parte da sua obra. No caso, a parte comprometida foi a Fazenda da Mandioca, uma vez que a grande expedição ao interior do Brasil era o seu projeto maior. Pela sua natureza, a iniciativa da colonização na Mandioca exigia um acompanhamento muito próximo e permanente o que, possivelmente, não lhe tenha sido possível dar.
5.3 A IMPORTÂNCIA CULTURAL DA OBRA DO BARÃO DE LANGSDORFF
O ano de 1808 marca os primórdios da erudição e da atividade científica no Brasil. A obra do Barão de Langsdorff, foi uma importante ocorrência cultural e histórica, apesar da experiência imigratória na Fazenda da Mandioca não ter tido o êxito esperado e a grande expedição ter percorrido cerca de 16000km, bem menos que a previsão inicial. Contudo, as cópias dos manuscritos, da iconografia e das amostras reunidas pelo Barão e remetidas para a Rússia, onde ficaram perdidos por mais de 100 anos, retornaram ao Brasil a partir da década de 1980. Esse acervo se constitui numa valiosa fonte de informação para estudos históricos e sociais pela abrangência e profundidade de seu conteúdo.
A obra de Langsdorff permite diferenciar os diversos níveis de civilização e aculturamento das populações brasileiras na época da expedição e nos dias atuais, entre o Homem civilizado e o meio ambiente. Nos anos 1800, o interesse maior desse Homem, era o conhecimento da natureza, enquanto, hoje, o civilizado usa essa mesma natureza, em grande escala, como um bem de consumo a ser desfrutado sem maiores considerações quanto à sua auto-sustentação.
Do mesmo modo, em relação às sociedades poucas desenvolvidas ou primitivas e que até hoje existem no interior, são elas descritas por Langsdorff como completamente estabelecidas no seu habitat original. Como um retrocesso, essas sociedades são hoje muitas vezes desprovidas de direitos e vítimas naturais do desenvolvimento. Essa é uma atitude sem compromisso com a preservação dos valores culturais ou com a propriedade e, enfim, com a própria vida.
As diversas publicações e as atividades internacionais desenvolvidas em torno do acervo das expedições do Barão de Langsdorff são o reconhecimento do mérito de sua obra. Especialmente para nós brasileiros, essa obra tem um significado relevante.
O PROJETO “LANGSDORFF DE VOLTA”
O acervo científico das expedições do Barão de Langsdorff ficou perdido nas entidades científicas da URSS durante um século. Reencontrado na década de 30, no porão do Museu do Jardim Botânico de São Petesburgo, foi intensamente analisado pelos historiadores Noemi Shprintsin e Boris Komissarov, que publicaram diversos artigos a respeito. Em 1963, Dom Clemente da Silva Nigra, Diretor do Museu de Arte Sacra da Bahia, após conhecer esses artigos, viajou a São Petersburgo e constatou que “…o material era muito mais importante do que se julgava.” Com as transformações políticas ocorridas na antiga União Soviética, durante a década de 70, o valor cultural do acervo chegou ao Brasil, que desenvolve com o professor Marcos da Silva Braga, da Universidade de Brasília, diversas iniciativas para o seu estudo.
A assinatura, a 30 de setembro de 1987, do acordo de cooperação cultural entre o Brasil e a União Soviética, possibilitou a vinda ao Brasil da exposição “Langsdorff de Volta”, que percorreu diversas cidades brasileiras em 1988.
O interesse despertado pela exposição em Brasília, Cuiabá, São Paulo, Belém e Rio de Janeiro e os posteriores seminários em universidades e centros de pesquisa em que se discutiu o significado do acervo, resultou na criação do PROJETO LANGSDORFF DE VOLTA. Esse projeto desenvolveu amplas atividades no campo da ecologia natural, social e cultural sobre o acervo da expedição. Várias instituições e empresas apoiaram decisivamente o projeto que nos últimos vinte anos conseguiu realizar suas metas. Destacamos:
1. Estágio no Brasil de três professores da Universidade de São Petersburgo, estudiosos do acervo da expedição Langsdorff, liderados pelo prof. Boris Komissarov, com a finalidade de divulgarem e implementarem, aqui, o conhecimento e a pesquisa da obra do Barão.
2. Realização de quatro seminários internacionais sobre o acervo da expedição Langsdorff, realizados na Universidade de São Petersburgo, na Universidade de São Paulo, na Universidade de Hamburgo e no Museu Imperial de Petrópolis.
3. Publicação, em três volumes, dos desenhos e aquarelas de Rugendas, Hercules Florense e Adrien Taunay, participantes das expedições do Barão e que tiveram repercussão mundial. Essa rica coleção foi avaliada na época, por Gorbachev, como “um acontecimento cultural muito importante”, e tem sido oferecida pelos nossos presidentes a diversos visitantes ilustres. A referida publicação recebeu inestimável apoio da Companhia Vale do Rio Doce, do Itamarati, da Eletrobrás, do Banco do Brasil, da Air France e da Kodak.
4. Microfilmagem de todo o acervo Langsdorff existente na Rússia, composto de cerca de 40 mil fotogramas, conforme protocolo assinado entre a Academia de Ciências da União Soviética e o Brasil, sob os auspícios da Companhia Vale do Rio Doce.
5. Criação da Associação Internacional de Estudos Langsdorff, A.I.E.L., inicialmente sediada na UNICAMP, que já publicou mais de uma dezena de livros sobre o tema, incluindo os DIÁRIOS DE LANGSDORFF. A edição desses diários, que contou com o patrocínio de conceituadas empresas como a Siemens, Fiocruz, Clarity, Engep e TVX, está sendo feita em quatro volumes, com os três primeiros já lançados, em 1997 e 98. Trata-se do trabalho de mais de uma década, quando os originais em alemão arcaico e em mais cinco idiomas, inclusive latim, foram recuperados em microfilme e traduzidos, depois de 180 anos. Os Diários resgatam o cotidiano das pesquisas do Barão e se constituem numa preciosa fonte de informações para historiadores, botânicos, zoólogos, antropólogos, economistas, ecologistas, lingüistas, geógrafos, entre outros estudiosos.
6. A A.I.E.L. ainda pretende a criação de uma biblioteca e um centro ecológico ligados aos trabalhos desenvolvidos pelo Barão, no Brasil.
7. Exposição “O Brasil de Hoje no Espelho do Século XIX – Artistas Alemães e Brasileiros refazem da Expedição Langsdorff”, promovida pelo Goethe Institut. Trata-se de uma exposição histórica e artística, no qual os trabalhos dos artistas da expedição Langsdorff são comparados com os de artistas atuais, após terem percorrido um trecho da trajetória de Langsdorff , em busca de uma reflexão cultural.
8. Dezenas de publicações tem sido editadas sobre a obra do Barão de Langsdorff.
9. Duas grandes exposições itinerantes, uma em 1990 e outra em 2010, sobre o acervo da Expedição Langsdorff percorreram o Brasil com peças originais cedidas pela Academia de Ciências da Russia.
10. No Rio de Janeiro, a Escola de Samba Estácio de Sá, em 1994, obteve o quinto lugar no desfile do Carnaval do 1º Grupo com um enredo que tinha como tema “Langsdorff, um delírio na Sapucaí”. Tratava da saga do cientista e explorador, sendo uma de suas divisões, a ALA DOS PESQUISADORES DE LANGSDORFF, com cerca de vinte participantes, sendo três pesquisadores russos, um deles o Professor Boris Komissaroff.
A sede da A.I.E.L. se encontra atualmente na Biblioteca da Fiocruz, Instituto Oswaldo Cruz, Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos, Rio de Janeiro. Seu presidente é o Prof. Boris Komissarov, hoje na Universidade Estatal de São Petersburgo, Rússia.
BIBLIOGRAFIA
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