O jornalista, escritor, professor de História e Geografia, Paulo Monte, em seu discurso de posse na Associação de Ciências e Letras, a hoje Academia Petropolitana de Letras, na tarde de domingo, 26 de julho de 1925, homenageando a figura notável de Franklin Távora, disse sobre a profissão de jornalista:
“…A vida do jornalista é a mais singular, a mais interessante, a mais penosa e acidentada, a mais trabalhosa e enervante, a menos compensadora, a mais caluniada e a mais ingrata. O jornalista é, ao mesmo tempo, o indivíduo mais querido e o mais odiado. Todos o cortejam, porque é a vaidade que amolece a espinha dos cortejadores. O jornalista pode amanhã elevar a mediocridade a galarim da fama e pode, a poder de golpes de pena, sugestionando o público, sempre pronto a acreditar no que dizem os jornais, arrastar na sarjeta das vias o papo pando de um magnata. O jornal pode não arrancar os ídolos de seus pedestais, porém arranha bem fundo a glória dos semideuses. O jornalista é o homem rico de adjetivos. O seu segredo está, porém, em não desperdiçá-los. O jornal é um vício. Quem nele se inicia, jamais o abandona…”
Nos primeiros tempos de nossa Petrópolis, naqueles dias de incertezas quanto ao destino da povoação, com a política provincial fervilhante de ações desrespeitantes do desejo maior do nascente povo, que era crescer a povoação para elevá-la à condições políticas condizentes com sua importância histórica de eleita do Imperador, a falta de comunicação entre o centro, os quarteirões e a própria Corte, exigiam a criação de um veículo informativo que noticiasse o que andava acontecendo e que, na mesma oportunidade, iniciasse a luta por melhores condições de vida.
Eis que chega ao povoado um ilhéu da Madeira, filho de José Pereira Sudré e Maria Cândida Sudré. Dizia-se que havia nascido na Bahia e a especulação está por definir, ainda, nos meandros da documentação histórica, a verdade. Da Madeira, em Portugal, da Bahia, no Brasil, o que importa? Era um futuro e denodado petropolitano honorário que vinha para conquistar o respeito e a admiração do povoado. Seu nome de batismo: Bartholomeo Pereira Sudré.
Nascera a 24 de agosto de 1825, a Petrópolis chegando na faixa de 30 anos de idade, jovem de cabeça coalhada de sonhos e sob o propósito de continuar exercendo o mister de jornalista, como o fizera em jornais da Corte e em Paraíba do Sul. O seu objetivo estava definido porque vislumbrava naquela povoação grande futuro e queria contribuir para que ela crescesse e cumprisse uma função histórica marcante no contexto da evolução do Império. Apaixonado pelo regime monárquico, acreditando no Brasil e antevendo grandioso futuro para Petrópolis, não teve nenhuma dúvida em instalar uma tipografia na rua Teresa, logo no seu início, no número 23. Naquele tempo, a subida da baixada para Petrópolis era feita pelo Caminho do Imperador, em veículos de tração animal e o primeiro ponto atingido pelos viajantes era o Meio da Serra, em seguida o Alto, de onde partia a rua Teresa em direção a sede do povoado. Hoje, o terreno onde instalou a tipografia tem novas construções que levam os números 1304 até o 1292. Certamente ao desmontar da montaria ou descer do veículo, ao lhe ser informado que havia chegado ao povoado, estava no Alto da Serra de Petrópolis, por ali mesmo instalou a tipografia, certamente para ficar mais perto do centro político e social do Império, a Corte do Rio de Janeiro. Era um homem que não perdia tempo, prático, diligente, de larga visão de futuro.
O jornal “O Mercantil” veio, naturalmente, dessa tipografia aparelhada para todo o serviço da especialidade e anelada ao ideal de montagem do veículo de informação. Num dia 3 de março do ano de 1857, saía o primeiro número. Imaginemos, ou melhor, transportemo-nos para o dia e a noite de 2 de março, acompanhando a emoção da redação do jornal na ânsia do tipógrafo Bartholomeo; sua pressa na composição junto à caixa de tipos móveis, a montagem das páginas – hoje o designativo é diagramação -, a primeira impressão no prelo, a revisão de cada texto, os títulos, tudo em colunas, como era o usual na imprensa do país. Passemos acordados e sob feliz excitação toda a noite da impressão do primeiro número de “O Mercantil” e, com os olhos brilhantes de satisfação tenhamos, nas duas mãos estendidas, ao romper da aurora e em meio ao ruço que embranquece o cristal da janela, o primeiro exemplar, com todo o cuidado retirado da impressora. Ponhamos em nossa face o olhar buliçoso e iluminado de Bartholomeo; façamos nossas suas mãos sob o tremor do êxtase e seu corpo seja o nosso na elevação dos batimentos cardíacos. Sorvamos, com a gula da paixão mais nobre, cada letra, cada espaço em branco, cada matéria e apoiemo-nos a um canto da parede para que a emoção não nos derrube ao solo.
Saiamos à rua bradando aos ventos, rompendo a barreira do ruço, desçamos afoitamente a rua Teresa, brandindo o primeiro exemplar; aportemos ao centro do povoado, que dorme ainda, encolhido nas cobertas da noite já quase dominada pelos primeiros raios do sol, e abramos os diafragmas da alegria: – Olha “O Mercantil!” Saiu “O Mercantil!” “Quem vai ler?” “Quem vai comprar?”
O primeiro jornal de Petrópolis, o pioneiro, desde logo engajou-se na luta pela emancipação do município. A vitória chegou rapidamente: a 29 de setembro daquele ano, pela Lei Provincial número 961, Petrópolis ascendia direto de povoação à categoria de cidade, mediante o percuciente trabalho e luta na Assembléia provincial de Amaro Emílio da Veiga. Não esmoreceu “O Mercantil”, continuando a batalha por Petrópolis e seu povo, tornando-se periódico defensor da abolição da escravatura, em favor da agricultura, do trabalho livre, da benemerência, da religião, com artigos fortes, notícias esclarecedoras, divulgação das atividades financeiras e econômicas e o registro, através de propaganda indispensável para a manutenção do jornal, da vida comercial e de serviços do município. A coleção d ‘”O Mercantil” é um inestimável bem de nossa cultura e repositório notável da vida da cidade até a sua extinção em maio de 1892. Felizmente, foi sucedido pela “Gazeta de Petrópolis”, excelente e de mesmo nível, preciosa continuidade do registro da vida petropolitana.
Bartholomeo Pereira Sudré granjeou fama e respeito de seus contemporâneos e logo viu-se integrante da Guarda Nacional, entidade composta de civis com bom adestramento militar e a quem competia defender os cidadãos da ação criminosa de marginais, chegando ao posto de Capitão. Na política, foi notável sua participação na Câmara Municipal, nesses dias o Executivo e o Legislativo, ainda não criado o sistema prefeitural. Naquele casa, vereador, ocupou o honroso posto de presidente no ano de 1884, o que correspondia ao prefeito de hoje. Foi Juiz de Paz, subdelegado de polícia e membro efetivo e atuante da Maçonaria, no quadro efetivo da Benemérita Loja Azylo de Caridade 427, atingindo o grau 18, dedicado e atuante, com largos serviços assinalados em sua trajetória maçônica.
A vida e obra de Bartolomeu Pereira Sudré ainda está no limbo, pronta para ser escrita e interpretada à luz da ciência histórica. Existem referências e biografias ligeiras espalhadas por nossa imprensa desde o dia da sua morte até ao tempos atuais. Falta, ainda, a consistência da análise correta de sua participação efetiva na vida do município, como um de seus mais preciosos e dignos trabalhadores, além da colocação de seu nome no panteão da glória que merece, fez por merecer e já o imortaliza para todo o sempre.
É ele o “Pai da Imprensa Petropolitana” se desejarmos um rótulo simples; é o pioneiro da Imprensa Petropolitana dentro da história dos vultos mais destacados; é exemplo e padrão de jornalista, patrono da classe e honra da profissão; é político destacado, dirigente do município, magistrado, militar de patente, religioso temente a Deus, abolicionista, patriota, um grande nome brasileiro e petropolitano, talvez nascido lá no território insular de Portugal ou em terras da Bahia… O correto é afirmar que ele foi petropolitano porque o conceito de pátria tem o carimbo da obra executada e o fervor da terra adotada. A Madeira ou a Bahia ficaram para trás, enquanto Petrópolis o tem por um dos mais dignos edificadores de nossa cidadania e de nossa auto-estima. No dia em que os documentos comprovarem definitivamente o seu território da primeira luz, será tarde demais porque a compreensão de ser petropolitano ficará como único e definitivo galardão de sua vida.
A tarde de hoje, quando a Loja Maçônica Azylo de Caridade 427, associada à Academia Petropolitana de Letras, comemoram o 175o aniversário de nascimento de Bartholomeo Pereira Sudré, tem significados especialíssimos. O primeiro pelo fervor do homenageado em sua ação na Loja Azylo de Caridade, meritória e dignificante, honrando a entidade; o segundo pelo carinho que a Associação de Ciências e Letras prodigalizou ao seu nome e à sua memória por ocasião da data comemorativa do seu centenário, em 24 de agosto de 1925. A Associação – hoje a nossa Academia – foi a única entidade, naqueles dias, que homenageou a data centenária do jornalista, promovendo e realizando uma visita ao jazigo, com a presença do Barão de Teffé; o prefeito municipal Henrique Jorge Rodrigues, o presidente da Associação de Ciências e Letras e diretor da “Tribuna de Petrópolis”, Coronel Arthur Barbosa, acompanhado pelos diretores Coronel Walter João Bretz, Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos e Soleyman Antoun, e, ainda, dignas personalidades da vida petropolitana: Coronel João Napoleão Olive; fotógrafo Edmundo Hess e esposa; professor e jornalista Paulo Monte, da “Folha Comercial”; jornalistas Augusto Costa, do “Jornal de Petrópolis”, Affonso Rocha, das “Vozes de Petrópolis”, Mário Gomes de “A Noite” e José Antônio Saores de “O Comércio”; professor Carlos Paixão, Cícero Villa Real e Almeida Azevedo, dentre outros. Diante do túmulo discursaram duas personalidades, o presidente da Associação de Letras e o prefeito municipal, conforme notícia do “Jornal de Petrópolis”: “Falou o Coronel Arthur Barbosa que pronunciou uma sentida e tocante oração, falando oficialmente pelos homenageadores. O Dr. Henrique Jorge falou, em seguida, pronunciando um feliz improviso, que causou a melhor impressão, encarando Sudré como político”.
Faleceu a 15 de maio de 1891, aos 66 anos de idade, dirigindo e editando “O Mercantil”. Vitimou-o um derrame cerebral, deixando consternada a cidade inteira, a qual compareceu, por centenas de pessoas, ao seu sepultamento na necrópole municipal. Cobria sua urna a bandeira do Império, em pleno regime republicano, a seu pedido.
Bartholomeo Pereira Sudré foi um personagem de seu tempo, com a visão de futuro. Não poderia imaginar que a semente plantada com “O Mercantil”, jornal que circulava às terças e quintas-feiras fosse frutificar em uma imprensa vibrante como a que se seguiu e que continua trajetória marcante nos dias de hoje como uma das melhores do Estado.
No 175o aniversário de seu nascimento, a Loja Maçônica Azylo de Caridade, à qual pertenceu e a Academia Petropolitana de Letras, que foi a única entidade a homenageá-lo postumamente, por ocasião do centenário, se unem para cobrar dos jornalistas e dos homens de cultura de Petrópolis uma atenção melhor à sua memória, principalmente a classe jornalística, cuja honra sempre foi defendida n “O Mercantil”, nosso primeiro jornal, e cuja atividade, sempre em favor de Petrópolis e das causas nacionais, ditaram o futuro de nossa melhor imprensa.