MARECHAL EURICO GASPAR DUTRA
Eurico Gaspar Dutra nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, a 18 de maio de 1885, sendo seus pais José Florêncio Dutra e Maria Justina Dutra. Fez seus estudos iniciais na Escola dirigida pela professora Bernardina Riche e os estudos preparatórios no Liceu Cuiabano. Em 1902, decidido a abraçar a carreira militar, ingressou na Escola Preparatória e Tática de Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, cursando-a com distinção e revelando-se “um aluno estudioso e amigo da leitura… demonstrando desde cedo espírito de método, de ordem e de disciplina” (1).
(1) CAÓ, José. Dutra, o Presidente e a Restauração Democrática. São Paulo, Instituto Progresso Editorial S.A., 1949, p. 42.
Sua carreira militar foi brilhante, externando seus superiores os maiores elogios à sua atuação. Neste sentido, cumpre ressaltar o que dele disse o comandante do 13º Regimento de Cavalaria, onde serviu em 1912: “Louvo-o com a mais digna satisfação e cumprindo um dever, pelos seus extraordinários e competentes serviços prestados ao Regimento, sempre com muita dedicação e zelo. Sua competência militar ficou por demais firmada entre seus colegas e lhe assegurará um brilhante futuro na carreira que, com tanto amor, abraçou e a que dedica toda sua energia” (2).
(2) CAÓ, José, op. cit., p. 44-45.
Acompanhou com grande interesse o desenrolar da 1ª Grande Guerra, analisando as transformações militares decorrentes da mesma, o aparecimento das armas automáticas, da guerra de posição com as trincheiras, o que o levou a publicar dois interessantes trabalhos: “Exercícios de Quadro” e “Duas Táticas em Confronto”, além de ter sido o fundador e um dos principais colaboradores da revista “Defesa Nacional”.
Em 1917, matriculou-se na antiga Escola do Estado Maior, concluindo o curso com excelentes resultados. Retornando à mesma, três anos mais tarde, quando o programa da escola foi reformulado, com a chegada da Missão Militar Francesa, chefiada pelo General Gamelin, rematriculou-se, obtendo o 1º lugar da turma e a menção “Très Bien”.
Promovido a Capitão em 1921, vamos encontrá-lo servindo no 2º Regimento de Cavalaria Independente, sediado em Passo de São Borja.
Com o surgimento da revolução chefiada pelo General Isidoro Dias Lopes, em São Paulo, em 1924, o Capitão Dutra segue para aquele Estado, como oficial de ligação do Estado Maior do Exército com as forças legais, tendo sua atuação sido muito elogiada pelo General João de Deus Mena Barreto.
Em 1927, é promovido a Major, sendo designado para servir no 9º Regimento de Cavalaria do Rio Grande do Sul e, dois anos mais tarde, já promovido a Tenente Coronel, assume o comando do 15º Regimento de Cavalaria Divisionário, no Rio de Janeiro. No ano seguinte é transferido para o 11º Regimento de Cavalaria Independente de Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai, comandado pelo General Bertoldo Klinger e, na qualidade de chefe do Estado Maior daquela circunscrição, toma parte nas manobras de Nioac, contribuindo eficazmente para o êxito das mesmas, sendo em conseqüência promovido por merecimento a Coronel, em 1930.
Sua participação no combate à Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932, à frente do 4º Regimento de Cavalaria Divisionário, foi tão eficaz, que dele disse o general Jorge Pinheiro: … “num momento extremamente crítico para uma outra unidade, que cedia sob forte pressão do adversário, tomando à sua conta a ação, reconquistou todas as posições perdidas, com a sua valorosa unidade. Reafirmou as excepcionais qualidades de chefe que o tem caracterizado desde o início da campanha, espírito ofensivo, bravura, serenidade e perfeito equilíbrio no emprego de seus meios” (3).
(3) CAÓ, José, op. cit., p. 50-51.
Em 9 de maio de 1935, promovido a General de Divisão, assume o comando da 1ª Região Militar, combatendo a Intentona Comunista que explodiu em novembro do mesmo ano. Embora dominando o 3º Regimento de Infantaria, os rebeldes não puderam cumprir as ordens de Prestes no sentido de ocupar o Arsenal da Marinha, de impedir a ação da Polícia Militar e da Polícia Especial e de deslocar-se para as proximidades do Palácio do Catete, sede do Governo, pois as tropas da 1ª Região Militar, comandadas pelo General Eurico Gaspar Dutra, os impediram de deixar o quartel com fogo cerrado. A coragem e a determinação do General Dutra, não se pode negar, foram fatores determinantes para que os legalistas dominassem o levante vermelho no Rio de Janeiro.
A 9 de dezembro de 1936, cercado de grande estima por seus camaradas, assumiu o Ministério da Guerra, permanecendo no cargo durante nove anos (1936-1945) e realizando uma notável obra administrativa.
Sob sua orientação, é válido afirmar, nossas forças de terra viveram um dos momentos mais gloriosos de sua história. Suas realizações foram tantas que torna-se difícil enumerá-las. Iniciou a reestruturação material do Exército adquirindo armamento moderno no exterior, incrementou e aperfeiçoou a fabricação de munições com a cooperação da indústria civil e construiu uma fábrica de pólvora de base dupla, em São Paulo.
Sua contribuição no campo do ensino militar não foi menos importante, começando com a criação da Inspetoria Geral de Ensino, destinada a superintender as atividades do Exército, seguida de uma série de importantes realizações: Escola Militar de Rezende, Escola de Intendência, Escola de Veterinária, Escola de Saúde, Escola de Educação Física, Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (C. P. O . R.), Instituto Militar de Biologia e o Laboratório Químico e Farmacêutico Militar.
No terreno cultural, fundou a Biblioteca Militar e restaurou a antiga Biblioteca do Exército.
Procurando dotar o Exército de instalações adequadas, construiu cerca de 40 quartéis, além de um quartel-general e o Palácio da Guerra, seis grandes hospitais militares, várias vilas militares e ainda intensificou o emprego de Batalhões Rodoviários e Ferroviários do Exército, na construção de milhares de quilômetros de rodovias e vias férreas, em cooperação com a administração civil do País.
Com a declaração de guerra aos países do EIXO, a 22 de agosto de 1942, o Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, pela portaria n º 47- 44, de 9 de agosto de 1943, criou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) que iria se cobrir de glória nos campos de batalha da Itália.
No decorrer de toda a campanha, o Ministro da Guerra prestou a maior assistência aos pracinhas, no sentido de que nada lhes faltasse, chegando a visitar na Itália, em outubro de 1944, o “front” do V Exército, exercendo o comando temporário do 6º Corpo de Exército Provisional, composto do Destacamento da FEB e de um Grupamento Tático da 45ª D.I. Americana.
Com a chegada da FEB ao Rio de Janeiro, em julho de 1945, foi o General Dutra agraciado com a Estrela de Bronze, condecoração concedida pelo governo norte americano, por serviços relevantes ou feitos heróicos no campo de luta.
A participação da FEB, na 2ª Grande Guerra, contra os países do EIXO contribuiu decisivamente para a queda do Estado Novo, constituindo-se num grande passo para a redemocratização do Brasil.
Assim, em 22 de fevereiro de 1945, o presidente Getúlio Vargas reuniu seu Ministério no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, onde se encontrava veraneando, para referendar a Lei Constitucional n º 9 e anunciar que, dentro de três meses divulgaria um calendário eleitoral.
Todavia, a libertação de Luís Carlos Prestes, líder do Partido Comunista, com o compromisso de apoiar a permanência de Getúlio no poder e a nomeação de Benjamin Vargas, irmão de Getúlio, para chefe de polícia do Distrito Federal, em substituição a João Alberto, uniu os militares numa aliança comum para a derrubada de Vargas, que acabou renunciando.
Nas eleições realizadas em 2 de dezembro de 1945, foi eleito o General Dutra que obteve 3.251.507 votos, contra 2.030.342 votos dados ao Brigadeiro Eduardo Gomes. Obteve portanto o General Dutra 53,39 % dos votos válidos.
Empossado, organizou um ministério de coalizão nacional, inclusive com a presença de elementos da União Democrática Nacional (UDN), e promulgou a Constituição de 18 de setembro de 1946, a mais liberal de todas do regime republicano e que esteve em vigor durante 20 anos, até 24 de janeiro de 1967.
Realizou uma obra administrativa relativamente extensa: a criação do Tribunal Federal de Recursos, a reconstrução e pavimentação da rodovia Rio-São Paulo, a conclusão da Estrada Rio-Bahia, a criação da Hidrelétrica do São Francisco, ampliação e introdução de melhoramentos no porto do Rio de Janeiro, construção de mais de 50 mil casas populares, aquisição de uma frota de petroleiros, construção do oleoduto Santos-São Paulo e das refinarias de Mataripe na Bahia e Cubatão em São Paulo, desenvolvimento de uma campanha de alfabetização de adultos (considerada a mais ampla das realizadas até então, pela UNESCO e por inúmeras organizações pedagógicas estrangeiras), desenvolvimento de duas campanhas pela erradicação da malária e da tuberculose, lançamento do Plano SALTE, que foi o primeiro projeto no Brasil com as metas prioritárias de sua sigla: Saúde, Alimentação, Transporte e Energia, incorporação da plataforma submarina ao território nacional (Dec. 287.840, de 8 de novembro de 1950).
Dois pontos polêmicos de seu governo foram: a proibição do jogo, com o fechamento dos cassinos e a utilização das reservas de divisas acumuladas pelo Brasil, durante a 2ª Guerra Mundial.
O Presidente Eurico Gaspar Dutra, conforme assinala Hélio Silva, “foi o único presidente da República que consentiu na redução, por um ano, de seu mandato. Foi, também, dos raros que não pretenderam permanecer no poder ou voltar a ele por meios legais ou extralegais” (4).
(4) SILVA, Hélio. História da República Brasileira. São Paulo, Editora Três Ltda, 1998, p. 87.
O General Dutra sempre prestigiou Petrópolis, até mesmo independente da estação do ano. Assim, quando ministro da Guerra visitou com freqüência nossa cidade, algumas vezes, hospedando-se na residência do Ministro, na Presidência. Quando presidente, passou os cinco verões de seu mandato no Palácio Rio Negro. O primeiro aniversário de seu governo foi comemorado com um almoço no Rio Negro, ao qual compareceram todos os seus ministros e os chefes da Casa Civil e Militar da Presidência. A 20 de fevereiro de 1947, recebeu no Rio Negro o Dr. Tomás Berreta, presidente da República Oriental do Uruguai, acompanhado do senhor José Roberto de Macedo Soares, nosso embaixador em Montevidéu. Do mesmo modo, a 18 de janeiro de 1949, recebeu também no Palácio Rio Negro as credenciais dos Embaixadores da República Dominicana, Rafael Expallia de La Motta; da Áustria, Adrien Rotler e do Egito, Moamed Sadek Abou Khadra Bey, tendo sido anteriormente recebidos pelo chefe do cerimonial da Presidência da República, Ministro Francisco D’Alamo Louzada. Foi também no Rio Negro, a 21 de janeiro de 1949, que o Embaixador da França, Hubert Guerin, comunicou ao Presidente Dutra, que a ele havia sido conferida a Grã Cruz da Legião de Honra, da França e que o Princípe Bernardo da Holanda, a 16 de fevereiro do mesmo ano, o condecorou com a Grã Cruz do Leão Neerlandês, e foi condecorado por este com a Ordem do Cruzeiro do Sul.
Em 1947, num gesto muito simpático, o Presidente Dutra ofereceu ao Museu Imperial de Petrópolis uma coleção de discos da Força Expedicionária Brasileira, visitando-o mais tarde, a 28 de janeiro de 1949, em Companhia do então Ministro da Educação, Clemente Mariani. Suas visitas ao 32º R.I., na Presidência, também foram muito freqüentes.
O governo brasileiro, representado pelo presidente Dutra, escolheu para sede da Conferência Interamericana o imponente e histórico Hotel Quitandinha que, diga-se de passagem, hospedou e soube proporcionar conforto e bem estar aos delegados americanos, correspondendo plenamente à confiança nele depositada.
O importante conclave foi instalado em 15 de agosto de 1947, com solenidade presidida pelo Gen. Eurico Gaspar Dutra e reuniu 21 nações americanas, dele resultando a assinatura do Tratado do Rio de Janeiro, “que se revestiu de tamanha significação que iria mais tarde influir, na essência e na forma, na elaboração e na redação do Pacto do Atlântico Norte, celebrado em 1949, no qual aparecem projetados no plano mundial, princípios pelos quais o Brasil se batera nas Assembléias interamericanas e nas reuniões de chanceleres” (5).
(5) CARVALHO, Delgado de. História Diplomática do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1959, p. 314.
Assim foi o General Dutra, um homem simples, zeloso no salvaguardar a pureza do regime democrático, desprovido de qualquer vaidade, que durante os verões passados no Palácio Rio Negro, podia ser visto todas as manhãs, caminhando tranqüilamente pela Avenida Koeler, para assistir à Missa na Catedral São Pedro de Alcântara. Esta é a imagem que dele guardam os petropolitanos.