BRASILEIROS ILUSTRES EM PETRÓPOLIS

Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira n.º 15 – Patrono Frei Estanislau Schaette

JOÃO PANDIÁ CALÓGERAS

João Pandiá Calógeras nasceu, em 19 de junho de 1870, na cidade do Rio de Janeiro.

Seu avô, João Batista Calógeras, nascido em Corfu, na Grécia, em 1810, formou-se em Direito na Universidade de Paris e radicou-se no Brasil em 1841. Em 1847, foi nomeado professor de História e Geografia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro e, em 1851, em sociedade com outro notável mestre, o Barão de Tautphoeus, fundou em Petrópolis o renomado “Colégio dos Meninos”, que dirigiu até 1851, quando o vendeu ao professor Bernardo Falleci. Naturalizado brasileiro em 1854, foi nomeado cinco anos mais tarde 1º Oficial de Gabinete no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e possuía, entre outras, a Comenda da Ordem da Rosa. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1878.

Seus pais foram o engenheiro Michel Calógeras, nascido no Rio de Janeiro em 1842, e D. Júlia Ralli Calógeras.

Michel Calógeras, associado a seu irmão Pandiá George e ao engenheiro Luís Berrini, teve a concessão do prolongamento, até Petrópolis, da Companhia Estrada de Ferro Mauá. Construiu a linha da serra, empregando pela 1ª vez no Brasil o sistema suíço de cremalheira Riggenbach, da Raiz ao Alto da Serra. Dirigiu por vários anos as Companhias de bondes do Rio de Janeiro “Carioca e Riachuelo” e “Carris Urbanos &”.
João Pandiá Calógeras, segundo nos informa Gontijo de Carvalho, “aprendeu a ler e escrever aos quatro anos de idade. Não freqüentou escolas e ginásios oficiais. Deveu a formidável cultura humanística, das maiores do Brasil, aos seus pais e avós e a um luzidio corpo de professores particulares, notadamente alemães, que, em Petrópolis, se encarregaram de sua formação mental” (1).

(1) – CARVALHO, Antonio Gontijo. Calógeras. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1935, p. 29.

Após os estudos preparatórios feitos no Colégio Pedro II, matriculou-se na Escola de Minas de Ouro Preto, estabelecimento de gloriosas tradições, onde se formou em 1890, aos 20 anos de idade.

No ano seguinte, casou-se com D. Elisa da Silva Guimarães, filha do Dr. Joaquim Caetano da Silva Guimarães, ministro do Supremo Tribunal de Justiça e sobrinha do poeta Bernardo Guimarães.

Desenvolveu intensa atividade profissional, realizando pesquisas geológicas, inicialmente em Santa Catarina e posteriormente em Minas Gerais.

Militando na política, o Dr. Calógeras representou o Estado de Minas, como deputado federal, de 1897 a 1899 e de 1903 a 1914, sempre se havendo com destacado brilho. Já no fim da vida, candidatou-se à Constituinte, tendo sido eleito pelo Partido Progressista de Minas Gerais, com a maior votação até então alcançada por um candidato a deputado.

Como autor, nos deixou inúmeros escritos de raro valor, entre os quais se salientam: “Res nostra”; “As minas do Brasil e sua legislação”; “A política monetária do Brasil”; “Formação histórica do Brasil”; “A política exterior do Império”; “Problemas de governo”; “Problemas de administração”; “Novos rumos econômicos”; “Os jesuítas e o ensino”; “Conceito cristão do trabalho”.

Desempenhou missões diplomáticas de alto relevo, integrando a delegação brasileira à III Conferência Pan-Americana, realizada no Rio de Janeiro de 1906, à IV Conferência Pan-Americana, realizada em Buenos Aires, em 1910 e à Conferência da Paz, em Versalhes, onde teve atuação marcante.
É Luiz Pinto, autor de um magnífico ensaio biográfico sobre Calógeras, quem melhor retrata a habilidade de nosso diplomata ao dizer: “tanto no trato dos problemas internos do país, como na análise de litígios os mais sérios no exterior, nas várias missões diplomáticas, as suas decisões eram definitivas, inalteráveis, lógicas, racionais e humanas” (2).

(2) – PINTO, Luiz da Silva. Pandiá Calógeras. Rio de Janeiro, DASP, Serviço de Documentação, 1955, 40.

Na Pasta da Agricultura, incrementou a produção do fumo, organizou o crédito agrícola, estudou o uso do álcool como substituto da gasolina e remodelou os serviços de industria pastoril; na da Fazenda, reduziu as despesas públicas, exerceu rígido controle sobre as alfândegas, recuperou navios, negou-se a emitir papel moeda e honrou todos os compromissos do funding; na da Guerra, embora recebido com desconfiança por alguns, não demorou a se tornar estimado nos círculos militares conforme muito bem acentua Luiz Pinto: “não tardou que os ânimos se desarmassem contra ele, diante de seus planos de reforma, de apoio, de trabalho, de fortalecimento e de engrandecimento do Exército” (3).

(3) – PINTO, Luiz da Silva. Pandiá Calógeras. Rio de Janeiro, DASP, Serviço de Documentação, 1955, 42.
Ocupou as pastas da Agricultura (1914-1915), da Fazenda (1915-1917) e da Guerra (1919-1922), de que foi o primeiro ministro civil da república.

Com a ajuda dos mais competentes generais de nosso Exército, entre os quais destacamos Tasso Fragoso e Cândido Rondon, e a assessoria da missão militar francesa chefiada pelo General Maurice Gamelin, modernizou, expandiu e aperfeiçoou todos os setores do Exército. Durante sua gestão, foi criado o Código de Organização Judiciária e do Processo Militar, foi criada a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, foram construídos inúmeros quartéis e reformados outros, o país foi dividido em regiões militares de recrutamento. Os serviços que prestou ao Exército foram tão marcantes que alguns não hesitam em considerá-lo um dos mais importantes ministros que exerceram a Pasta da Guerra.
Inúmeros fatos relacionam a trajetória do ilustre brasileiro a Petrópolis. Aqui passou ele sua meninice em companhia dos pais, numa casa localizada à atual Rua Souza Franco, onde hoje se ergue um templo Mórmon. É o próprio Calógeras que, em carta ao Padre Madureira, nos dá notícia desse fato ao escrever: “Das dificuldades materiais com que vivo, uma das causas reside no esforço que tive de fazer para adquirir de meus irmãos as partes que possuíam na casa de Petrópolis que meu pai comprara há cinqüenta anos. Que quer? Não me pude resignar a deixar em mãos estranhas e indiferentes o prédio em que passou longo período de nossa vida familiar, onde ele adoeceu da moléstia a que sucumbiu no Rio, onde minha mãe e uma irmã querida faleceram” (4).

(4) – CALÓGERAS, João Pandiá. “Carta ao Padre Madureira”, in Calógeras, cit. de Antonio Gontijo de Carvalho, São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1935, p. 180.

Foi também em Petrópolis que ele viveu os últimos anos de sua profícua existência e onde provavelmente escreveu “Ascensões d’alma”, obra publicada em 1934, com prefácio do Padre Leonel Franca, verdadeira obra-prima que revela seu amor pelo Criador e sua fidelidade aos ensinamentos do Evangelho.

Calógeras sempre acompanhou com grande interesse os acontecimentos ligados à nossa cidade, fazendo-se sempre presente aos eventos mais significativos, como por exemplo, às inaugurações do prédio dos Correios e do Quartel da Presidência.

Todavia, o depoimento mais importante sobre o grande amor que Calógeras nutria por nossa cidade foi dado pelo senhor João Mendonça Bittencourt, um dos mais ilustres presidentes da Liga de Comércio de Petrópolis, à Tribuna de Petrópolis, por ocasião do falecimento do grande brasileiro. Naquela oportunidade, afirmou o senhor João Bittencourt que “tendo procurado o então ministro da Guerra para tratar da instalação em Petrópolis de um batalhão do Exército, além de ter sido recebido com grande amabilidade no Ministério da Guerra, ouviu do ministro a seguinte promessa: “o senhor pode estar certo de que o quartel e o batalhão breve estarão em Petrópolis, cidade a que estou ligado por laços de grande afeto” (5).

(5) – BITTENCOURT, Mendonça. J. Tribuna de Petrópolis. Petrópolis, 24 de abril de 1934.
Aqui iniciou ele também seus estudos com um competente corpo de professores particulares, muitos deles considerados os melhores e os mais ilustrados professores do Colégio Pedro II.

A promessa do Ministro foi logo cumprida, pois, em 31 de dezembro de 1923, chegou à nossa cidade a 1ª Cia. do 1º B.C. e, posteriormente, em 9 de julho de 1924, o restante de seu efetivo, comandado pelo Cel. Pedro A. Mena Barreto.

Atendeu, assim, o Ministro a uma velha aspiração dos petropolitanos, proporcionando aos mesmos, maiores facilidades na prestação do serviço militar, já que não necessitavam mais sair do Município para cumprir esta obrigação cívica, e dotou a cidade de uma unidade de escol do Exército Brasileiro, um exemplo vivo de lealdade e civismo de que tanto nos orgulhamos.

Calógeras faleceu em Petrópolis, no Sanatório São José, anexo aos Hospital Santa Tereza, onde se achava em tratamento havia poucos dias, às 20:30 horas do dia 21 de abril de 1934. Seu corpo foi sepultado no cemitério municipal, numa sepultura em cuja lápide ainda hoje podem-se ler os dizeres: “Ad pedes tuos…Fiat voluntas tua…” (Aos teus pés…Faça-se a tua vontade…), dizeres que refletem a resignação e a humildade evangélica que acompanharam sua alma profundamente cristã nos estertores de sua existência.

Monsenhor Francisco Gentil Costa, de saudosa memória, referindo-se à religiosidade esclarecida de Calógeras, nos fornece o seguinte depoimento: “Não é de admirar que ele só tenha atingido o cume da montanha, onde pode sentir a alegria da vida cristã e as irradiações fascinantes da Eucaristia, depois do esforço generoso e perseverante de uma ascensão difícil, impelido pela lógica e pelo raciocínio, sem exclusão, aliás, da influência sobrenatural da graça” (6).

(6) – COSTA, Francisco Gentil da. A Espiritualidade de Calógeras. Revista da Academia Petropolitana de Letras nº 9, Petrópolis, 1940, p. 27.

Calógeras foi, na verdade, um ser humano excepcional, um homem simples que pouco desejou para si, que viveu para servir ao seu país e que, estando muito adiantado ao seu tempo, deixou profundas marcas no cenário político, administrativo e cultural de nossa história republicana.