Convidada para escrever um artigo comemorativo ao dia 29 de junho, a minha primeira reação – automática e prevista – foi buscar na minha memória dados para a escolha do tema.

Nos dicionários, memória é a “Faculdade de reter as idéias, impressões e conhecimentos adquiridos anteriormente”. Quando queremos dizer que uma pessoa tem boa memória dizemos que ela tem “memória de elefante” e para expressar o contrário dizemos que ela tem “memória de galo”, mas a memória individual é sempre limitada e finita.

Neste meu exercício, vários dados e nomes começaram a surgir. Vou citar apenas o do colega e amigo Francisco de Vasconcellos, pois foi o último dado recentemente armazenado na minha memória sobre o assunto. Durante uma de nossas últimas conversas, ele me esclareceu que Ricardo Martin foi o pseudônimo adotado por Guilherme Auler e, com a sua amabilidade, me presenteou com o seu livro “Câmara Cascudo do Potengí ao Piabanha”.

Durante o processo de leitura foi se delineando na minha frente, de alguma maneira, o tema que eu procurava para marcar a minha modesta contribuição neste assunto, uma vez que nunca me dediquei particularmente a ele, como tantos outros fizeram e tem feito. Foi no capítulo “A Tribuna de Petrópolis de Guilherne Auler” que eu encontrei o que procurava:

“…Numa daquelas treze naus que zarparam de Dunquerque às ordens de Delrue & Cia., conduzindo colonos germânicos que se destinavam a Petrópolis, viajava o casal Henrique Pedro Auler e Maria Margarida Auler, ele natural de Laudert, St. Goar, Koblenz. Em agosto de 1845, instalava-se o par no prazo 1626 do Quarteirão Castelânea, na Imperial Colônia serrana.

Um neto desses emigrados, Cristóvão Guilherme, casado com a espanhola Ângela Martinez, radicou-se no Recife e aí, a 6 de janeiro de 1914, nasceu Guilherme Auler…” (grifo meu).

“…Criador do Clube 29 de Junho, que se propunha a resgatar e defender as tradições culturais germânicas e teuto-brasileiras, oriundas do processo aculturativo nestas serras. Auler criou em sua folha um suplemento do Clube e trouxe para ele outros descendentes de alemães capazes de divulgar as atividades da agremiação. Gustavo Ernesto Bauer, foi um deles. A par disso, Auler através de matérias não assinadas ou por ele firmadas, ou ainda sob o pseudônimo de Ricardo Martin, procurou reanimar os arraiais germânicos de Petrópolis, tão duramente castigados pelas injustas perseguições durante a Segunda Guerra Mundial, abrindo-lhes espaços enormes na Tribuna onde pela primeira vez realizou-se um trabalho sistemático e metódico sobre a colonização desta urbe…”

Aí está o ponto, a memória deste determinado grupo – os colonos alemães.

No discurso proferido por Maria de Lourdes Parreiras Horta, diretora do Museu Imperial, na sessão solene da Câmara Municipal de Petrópolis, comemorativa aos 140 anos da elevação de Petrópolis à categoria de cidade em 29 de setembro de 1997, quando fala de Memória, de História e de Cidadania: “… as coisas materiais que guardamos, em nossos arquivos e museus pessoais ou coletivos – as instituições de memória que são os Arquivos, Museus e Bibliotecas públicas, são apenas suportes da memória…” “…aquilo que ficou registrado ao longo do tempo equivale a este conhecimento acumulado de uma sociedade, como parte de memória, de lembrança e de informação para o presente…”

Do meu ponto de vista está aí a chave de tudo, a memória é “processo, projeto de futuro e leitura do passado no presente”, conforme tão bem observa José Maria Jardim, professor da Universidade Federal Fluminense.

A existência de um grupo social seria impossível sem o registro da memória. Os colonos têm suas ações registradas em documentos de época que nos permite tomar conhecimento da sua trajetória e, com isto, conhecer o seu pensamento e o seu modo de vida, seja nos requerimentos apresentados à Câmara Municipal de Petrópolis, nos contratos firmados com a mesma, nas cartas trocadas entre membros da família e amigos, nas licenças comerciais concedidas, nas certidões de nascimento, de casamento, de óbito, nos jornais etc.

Mas nem só os registros “convencionais” foram escolhidos pelos colonos para deixarem suas marcas. De forma criativa e não resta dúvida com a intenção de perpetuarem sua passagem na construção do Palácio Imperial, operários alemães assinaram seus nomes em madeiras, conforme recentemente foi descoberto durante a reforma do telhado do Museu Imperial.

A memória dos colonos vem sendo trabalhada em diferentes tempos e, portanto, novos documentos são produzidos, como os escritos de Auler, de Bauer e de tantos outros.

O monumento, outro suporte da memória, faz parte da memória oficial celebrativa, assim em 20 de setembro de 1957 se inaugurou o obelisco do 1º Centenário da Elevação de Petrópolis à categoria de cidade como homenagem da Prefeitura Municipal aos fundadores, d. Pedro II, Paulo Barbosa, Caldas Viana, Aureliano Coutinho, Koeler e a todos os colonos alemães que chegaram a Petrópolis a partir de 29 de junho de 1845.

Tudo isto pode nos levar a uma conclusão precipitada de que muito se tem sobre a colonização e que tudo se conhece e está ao nosso alcance. ENGANO. As informações estão espalhadas nos diversos jornais (desde os produzidos pelos próprios colonos como este que acabamos de produzir), nos diversos arquivos (mesmo conservados numa mesma instituição, como por exemplo, no Arquivo Histórico do Museu Imperial, onde há a Coleção Vera Bretz, o Arquivo da Casa Imperial do Brasil, a Coleção João Duarte da Silveira etc.), na Biblioteca Municipal, nos documentos públicos (Câmara Municipal e Prefeitura Municipal).

E aí volto ao discurso da museóloga Maria de Lourdes Parreiras Horta: …”a missão de um Museu e de um Arquivo Histórico, como a de qualquer instituição detentora da memória da coletividade, é garantir a sua preservação, além do seu acesso”… “Sua preservação e sua multiplicação [dos documentos] através dos recursos mais avançados da tecnologia são uma responsabilidade de todos os que detém sua guarda, servindo igualmente como “testemunhos” de nossa consciência da História e de nossa prática da cidadania.”

Chego finalmente ao ponto principal de discussão e de reflexão que pretendo suscitar: O Museu Casa do Colono.

O projeto para a criação do Museu foi de autoria do então vereador Roberto Francisco, caracterizando-se através da deliberação nº 1782, de 14 de novembro de 1963, do prefeito dr. Flávio Castrioto. No seu artigo 2 determina: A organização e direção do referido Museu ficará entregue a uma comissão de 5 historiadores do Município, um dos quais será seu Diretor, todos de livre escolha do sr. Prefeito. E no artigo 3: Trinta dias após a aprovação desta deliberação, o sr. Prefeito baixará ato, regulamentando o funcionamento do Museu, através da Secretaria de Educação e Assistência Social.

A campanha para a escolha e recuperação do imóvel, onde seria instalado o Museu teve início em 1967 e liderada por nomes como Gustavo Ernesto Bauer, Waldir da Silva (vice-prefeito), Euclides Pinho (presidente do Clube 29 de Junho) e Darcy Paim de Carvalho (secretário de Turismo do governo Paulo Gratacós).

A escolha recaiu sobre a casa do colono Johann Gotlieb Kaiser, construída em 1850 nos prazos de terra nºs. 1632 e 1633 que aforou em 08/06/1847. Viveu com sua mulher e sua filha Ana Maria Kaiser que, em 1865, se casou com Nicolau Sutter, tendo 8 filhos: João, Maria Luísa, Ana Maria, Nicolau, Isabel, José, Felipina e Adelaide.

Com a sua morte, em 1906, a casa foi herdada pelo viúvo e seus 8 filhos, mas a propriedade só foi dividida depois da morte dele, em 8 lotes de 14 metros de frente. A propriedade ficou situada no 4º lote (da direita) sob o nº nº 1034, cabendo ao filho José Sutter e, depois, aos seus filhos Ana Margarida e Jair Joaquim. Este desistiu da sua parte em favor da irmã e ela vendeu a casa à Prefeitura Municipal de Petrópolis.

E por deliberação nº 2941, de 20 de novembro de 1970, sancionada pelo prefeito Paulo Rattes, no seu artigo 1º. Fica considerado de utilidade pública, para efeito de desapropriação, o prédio nº 1034, da rua Cristóvão Colombo e bem assim, o prazo de terras nº 1633 D do Quarteirão Castelânea, onde o mesmo está edificado.

O Museu foi inaugurado em 16/03/1976 e iniciou o seu funcionamento sob a administração da Secretaria de Turismo.

O Museu Casa do Colono não representa um espaço de reflexão sobre o significado deste legado do passado como experiência coletiva de formação da cultura e da sociedade, mas sim um monumento que existe e é preservado simplesmente como testemunho deste passado. Apesar de encontrarmos em documentos de propaganda oficial, declarações como a do folder comemorativo aos 150 Anos da Colonização Alemã: “A CASA DO COLONO, instalada neste local, é hoje a memória viva da colonização em Petrópolis”, não se encontram vestígios de ações que legitimem essa intenção. Ora, além de não ter localizado nenhum documento nomeando a comissão de 5 historiadores e nem regulamentando o funcionamento do Museu, ambos previstos na deliberação que o cria, verificamos através das notícias publicadas na imprensa local, posteriormente a sua inauguração, a sua verdadeira posição: “Teve sua visitação pública suspensa em 1986. Seu abandono, ocasionou diversos saques e o desaparecimento de peças importantes do seu acervo”, “A Casa do Colono em 29/06/1990 foi reaberta solenemente pelo prefeito Paulo Gratacós”, “Fechada temporariamente” (Gazeta Petropolitana, de 05/07/1998), “O Museu do Colono não tem qualquer tipo de segurança…” (19/05/1999); Casa do Colono é reaberta ao público (Jornal de Petrópolis, de 17/03 a 23/03/2001).

As constantes reinaugurações deste espaço devem ser traduzidas como uso político da cultura? O Museu Casa do Colono é uma casa histórica dinâmica? Possibilita seu uso múltiplo pela população? Empreende o debate intelectual sobre o passado da cidade? Etc. etc. etc.

A museóloga mexicana Miriam Arroyo de Kerriou nos lembra que: “…Não se deve mostrar o passado sem que se o coloque em função do presente, entre eles deve haver uma relação retroalimentadora. O conhecimento e compreensão do passado facilitarão o entendimento do presente que se vive.

A cultura é completamente dinâmica e vai se modificando no processo
histórico dos grupos sociais…”.