A CASA DO BARÃO PEDE SOCORRO
Ruth Judice
Rua Souza Franco 590. É o meu endereço. Sou a casa comprada pelo Barão de Oliveira Castro, em Petrópolis. A República já estava estabelecida. Os imperadores estavam exilados na Europa. Foi quando me engalanei. Virei vip. Passei a ser a “casa do barão”; das reuniões festivas, das noites iluminadas a lampiões. Casa, com as varandas concorridas, onde a baronesa servia chás e biscoitos nas tardes amenas de verão.
O Barão fazia questão de exibir-me, mostrando minha arquitetura que era o que de mais novo se fazia na Europa. Eu era o seu orgulho, pois era o progresso entrando na construção civil. – C’est le dernier cri – dizia ele, com um sorriso maroto por sentir-se o proprietário de solar de construção tão avançada.
O Barão, que trabalhava no Rio e que subia de trem todos os dias, vinha sempre com amigos. Todos com guarda-pós para protegê-los do carvão que a “Maria Fumaça” expelia com intensidade, na sua morosa subida para Petrópolis. Chegava na pequena Estação, onde um coche já o esperava para conduzi-lo até a Souza Franco.
Nos fins de semana, os elegantes veranistas, de cartola e bengala, desfilavam a pé ou o nas vitórias ainda com suas rodas de madeira, onde uma parelha de cavalos bem nutridos conduzia damas enluvadas que vinham sempre acompanhadas.
O desfile era contínuo. Não só para verem a mim, como a outros bens da cidade, que fora o abrigo da Família Imperial no verão e que nesse fim de século ainda se mantinha intacta. E como eu era bem tratada! Pensei que fosse durar a vida toda, tal era o empenho em conservar-me, nas pinturas das paredes, na proteção aos lambrequins de ferro, verdadeiras rendas que decoram minhas varandas, nas duas escadas em curva, à moda do Renascimento. Por elas, o barão recebia suas visitas. Naquela época eu era um mimo, coquete, cheirosa, enfeitada, pois representava o máximo da Arquitetura Belle Époque ou Anos Dourados! Era o chique da Europa e em Petrópolis era o progresso na Rua Souza Franco.
Dizem os entendidos, que sou o melhor protótipo da Revolução Industrial na cidade, aplicada às residências. Venho atrás do Palácio de Cristal, nosso exemplo máximo.
Como todas as construções petropolitanas, sou híbrida. Meu inspirador conhecia bem a Arquitetura do século XIX, da qual Petrópolis é uma das poucas cidades no Brasil que ainda possui grande acervo.
Tenho o corpo central em estilo – à primeira vista – neoclássico, mas que numa análise mais acurada desvenda decorações barrocas em estuque. O frontão central é bem barroco. Ostenta vaidoso a data do meu nascimento – 1892. Mais minha maior façanha é o ferro, que em varandas, me abraça. Ele é produto da Revolução Industrial. Dele ganho o status que me diferencia dos outros imóveis, meus vizinhos, todos de muito boa cepa. Certamente, numa pesquisa mais profunda, chegar-se-ia à conclusão que minhas varandas vieram compradas da Europa, de onde vinha a maior parte desses premoldados, como o nosso Palácio de Cristal que foi encomendado em Saint Sauveur les Arras, na França.
Originários de portugueses, meus donos e outros brasileiros sempre seguiram a cultura européia. Pena não terem aprendido com eles a conservar seus imóveis e sobretudo a preservá-los para as futuras gerações. Olhem para mim hoje, esquecida, abandonada, guardo crianças, que de alguma forma me consolam por poder abrigá-las. Mas por que esse descuido? As autoridades de Petrópolis, seus moradores, ainda não se deram conta da minha importância na Historia da Arquitetura da cidade?
Onde andam os mecenas, que à maneira de Florença ou Veneza, não aparecem para ajudar na restauração de bens tão preciosos que fazem parte do rico acervo que também é deles? Tenho certeza que passariam para a história da cidade.
As madeiras, que me protegem, apodrecem. O ferro, que tanto orgulho deu ao barão, hoje começa a enferrujar, breve começará a quebrar e depois a cair. Ainda ostento belas portas de grande altura, mas onde andam suas venezianas que protegiam o meu interior do sol? As pinturas a óleo de alguns tetos e de algumas paredes, graças a Deus persistem intactas, mas resistirão à umidade? Se o socorro não for imediato, em menos de uma década sobrará de mim apenas a lembrança boa aos mais velhos que me reverenciam e que chorarão por mim. Não será injusto privar nossos descendentes do conhecimento total da rica arquitetura de Petrópolis? Nossos herdeiros terão apenas as estórias para contar, de um passado que é o nosso presente, de inteira responsabilidade da geração atual, da qual todos nós fazemos parte.
Sei que a cidade já perdeu muito da sua rica arquitetura. Terá chegado a minha vez? Isso me assusta. SALVEM-ME! Não quero ser mais um bem de valor que, por descuido, se perde.
A casa do barão pede “um futuro para o seu passado”!.