COLONIZAÇÃO? NEM TANTO!
J. Eloy Santos, Associado Titular, cadeira nº 14 –
A chegada dos alemães a 29 de junho de 1845 não foi pioneira. Já existiam pelas terras do município gente de todas as nacionalidades, inclusive alguns alemães. A maioria estava empregada nas obras públicas da Província. Mascateava-se muito pelas serras e o Caminho Novo atraía alguns moradores fixos. No Itamarati havia fixação de famílias e em Corrêas era famoso o sítio do Padre Corrêa, de muito movimento. Dele partiu a idéia de D. Pedro I de aquisição de uma fazenda para edificação de seu palacete de verão. O que D. Pedro II corporificaria a partir do decreto imperial de 1843 e a chegada das famílias alemães em 1845. Antes disto a Fazenda do Córrego Seco era ponto de passagem e estadia temporária de tropas, em uma nesga íngreme do tortuoso vale, bem no alto da Serra da Estrela, com alguns moradores fixos.
A comemoração anual do 29 de junho relembra e cultua o trabalho pioneiro das famílias alemães trazidas por Júlio Frederico Koeler, mas dizer-se textualmente e na verdadeira acepção da palavra que foi um movimento colonizatório, é um tanto forte. A distribuição dos prazos para a fixação das famílias, representa uma forma de conferir ao povoado uma população fixa para que ele se tornasse um apêndice do principal objetivo do Imperador que era o seu palacete de verão. Verificou-se uma ocupação das terras mediante a divisão da fazenda em lotes criando o Imperador uma cidade dividida em dois segmentos: o centro urbano de negócios e residências sazonais e a periferia, dividida em quarteirões, entregue às famílias, na maioria alemães, para que desenvolvessem atividades de produção. Não existe a conquista, o desbravamento, a disputa das terras, senão um assentar pacífico e ordeiro sob a recomendação de prover o centro da povoação de todo o necessário para sua expansão. Assim, o quarteirão que se transformou no Centro Histórico, foi o grande e verdadeiro impulsionador da cidade, enquanto o quarteirões dos “colonos” sobreviviam com agricultura de subsistência e atividades artesanais trazidas da origem mas que não atingiam plenamente o centro histórico que importava tudo da Corte. A industrialização, que surge em função das águas correntes da serra apropriadas para gerar energia hidráulica, atraem investidores dos grandes centros e pouco ou quase nenhuma atividade fabril surge nas glebas urbanas em desenvolvimento pelas famílias alemães. A criação do povoado passa por essa ocupação dirigida, sem o cunho heróico da colonização de pioneiros audazes. No dizer do saudoso historiador Vicente Amorim, trata-se de “um poema de heroísmo pacífico”.
A nossa história registra a atividade incessante do administrador Koeler em fornecer aos seus compatriotas todo o possível para que sobrevivessem nas terras aforadas, mostrando-se enérgico, por vezes impetuoso e duro no trato, um dos motivos especuladores de sua morte suspeita, cujas pesquisas chegam perto de uma “verdade” que há-de ser discutida “ad eternum”.
Não desejando comprometer ou alterar toda a pesquisa e as conclusões de abalizados e respeitados historiadores brasileiros sobre a ocupação do solo petropolitano, entendo que se pode e deve discutir as nuances do fato global e as particularidades que remetem a dúvidas de interpretação não solucionadas no caminho da especulação de nossas origens.
Em tudo existe o conceito de colonização. O conselheiro Aureliano Coutinho defendia no Parlamento a livre colonização das terras brasileiras e calcado nessas perorações, Koeler vislumbrou a fixação das famílias alemães em Petrópolis, O processo, no entanto, não ocorreu como colonização livre mas imposta e direcionada, fugindo aos padrões da definição exata do termo.
Aliás Petrópolis sempre esteve à margem de definições e comportamentos por apresentar-se como cidade única em seu processo de ocupação e sob a finalidade para a qual foi criada, acrescentando-se ter sido proposta em prancheta e desenhada por um engenheiro europeu, acostumado aos altiplanos e de olhar perscrutador de serra acima. O magnífico traçado urbanístico, adaptado com perfeição à topografia da montanha, a divisão em quarteirões e a fixação de famílias para uma composição urbana com os encasacados da metrópole, serve de pano de fundo para a composição de uma história petropolitana mais realista e verdadeira, principalmente no que concerne aos colonos que não colonizaram na acepção científica do termo e sim ocuparam sua demarcação e cada família entrou na rota da sobrevivência sem ingerência direta na elevação do povoado à categoria de cidade e ao seu posterior desenvolvimento. O que sempre valeu em Petrópolis foi a sua característica de capital sazonal e nisto entra a cultura da metrópole à qual pouco ou nada foi acrescentado pelos povos que por aqui fixaram suas vidas familiares.
Acresça-se, por derradeiro, que as famílias beneficiadas com as terras, no lugar de explorá-las e nisso cabe situar o terreno como impróprio para a lavoura de bom porte e, mesmo, para desenvolvimento de muitas atividades, por íngreme montanhosidade, implantaram suas clãs familiares as quais, já na geração seguinte, competiu fracionar os prazos para a escalada residencial nos elevados.
A comemoração do 29 de junho é correta e justa, pela homenagem que se presta àqueles pioneiros dos primeiros dias mas cabe a pergunta: – E as famílias de operários italianos responsáveis pelo crescimento econômico e financeiro do município junto a tantos outros que sustentaram a vida financeira da cidade e a elevaram a um largo patamar de desenvolvimento? Cabe a indagação mesmo se considerarmos os rumos atuais da cidade, diversos de sua história, hoje mais cultural, turística e de serviços do que industrial.
A nova fase não descaracteriza o trabalho anterior, pelo contrário, o dignifica e faz-se necessária à cultura histórica do Município, estabelecer para os italianos, os israelitas, os sírio-libaneses, os portugueses, os franceses, os brasileiros natos o seu dia de lembrança, festa e culto.
Parabéns aos descendentes de alemães pela passagem de seu dia.