O COMMERCIO: O DESAFIO DE UMA NOVA IMPRENSA PETROPOLITANA
Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga
“Há muito que o público e o commercio desta cidade têm enraizada a convicção de que a Companhia Leopoldina, com incrivel descaso pelos interesses vitaes de Petrópolis, não procura jámais attender aos justos reclamos que se lhe dirigem.
Isto é tanto mais de notar-se, quanto, por engodo áqueles de quem aufere fabulosos lucros, envolvendo nelle o mais flagrante desrespeito ás nossas leis, a poderosa empreza assume para com o governo da União compromissos que não cumpre. E a prova temo-la na já tristemente celebre reducçao de tarifas, que ella assegurou faria em troca de favores, não poucos, recebidos na presidencia Nilo Peçanha. Já se vão dois annos quasi, e nada fez ainda, nem o fará, talvez.”
(Cia. Leopoldina, in O Commercio, pg.01, n.º 01, 03-12-1911)
A corajosa denúncia em uma das manchetes do novíssimo semanário contra a poderosa Cia., acompanha o mal-estar presente na própria comunidade pela constatação em notas de outros jornais do período.
A péssima prestação de serviços da única empresa a fazer o transporte entre o Rio e Petrópolis. Monopólio de serviços e preços exorbitantes não se apresentam como exclusividade da contemporaneidade como podemos observar:
O COMMERCIO continuava sua denúncia:
“…agora ella cuida em transferir a sua estação de cargas para o Palatinato… e não seremos nós que o conteste…ela faz o que precisamente contrarie o interesse público”, “…grandes desvantagens e sérios prejuízos para os comerciantes pois o Palatinato fica muito distante do centro da cidade”.
No centro localizavam-se os armazéns e depósitos de muitas empresas, e semelhante movimento seria desastroso para a economia local.
O COMMÉRCIO, foi um jornal criado por Ticiano Tocantins, que se intitulava diretor do mesmo e Álvaro Martinho de Moraes, seu redator, e cuja biografia já foi tratada em ensaio anterior.
O jornal teve seu inicio em 1911 (03/12), e seu fim, pelo que observamos dos números existentes na Biblioteca Municipal em 1929 (12/07). Sua redação localizava-se a principio na Avenida Ipiranga, no número 918, possivelmente casa do próprio Ticiano. Mais tarde transferiu-se para um endereço comercial na Rua Paulo Barbosa, 182.
As características enunciadas em seu primeiro número eram “Órgão Comercial, noticioso e literário, de publicação semanal, informativo, com social e anúncios comerciais”. Quanto ao tamanho, proporcionalmente aos dias atuais, o jornal seria o que hoje denominamos por “tablóide”, metade de um jornal padrão, 36cm X 26cm., com impressão em quatro páginas e em quatro colunas.
Fac-simile do primeiro número, datado de 03/12/1911
Outros dados podem ser observados pela análise da coleção, tais como: em 1914, o jornal tornou-se bi-semanal, com coluna política e literária, inclusive com a publicação de um clássico folhetim, como era característico dos jornais do período em sua divulgação literária. Ocorreram também ilustrações com fotogravuras. Já em 1920 passa a intitular-se “Órgão dos interesses do Comércio e da Industria”, o que denota uma radical mudança de posição representativa e ideológica da empresa, incluindo os industriais da região que antes estavam presentes na Tribuna de Petrópolis. Passa então nesta época a ser publicado três vezes por semana, tendo o tamanho passado a ser padrão para a época com 54cm X 36cm e em seis colunas; em 1921 passa a conter a publicação de charges e caricaturas; em 1922 ocorrem mudanças quanto a propriedade e direção: A Moretzsohn e Carlos Rizzini, tornando-se “Órgão local do Partido Republicano Fluminense” e de publicação diária, com forte característica política e noticiosa. Rizzini possuía grande relacionamento político no período.
Ticiano e Álvaro encontravam-se presentes no grupo de jornalistas petropolitanos e cariocas que em 1916 criou o Círculo de Imprensa, sendo que Ticiano também foi o juiz de paz que em Petrópolis realizou o celebre casamento do Marechal Hermes, Presidente da República, e da petropolitana famosa na Europa e no país, Nair de Tefé, em dezembro de 1913.
No ano seguinte a este casamento, Tocantins procurou arrecadar fundos para a publicação do famoso “Almanaque de Petrópolis”, chegando inclusive a ser autorizado pelo Caixa do Município a receber um auxilio sob a deliberação municipal de n.º 189.
Ainda analisando o editorial de O COMMERCIO, ao tempo de Ticiano, os diretores afirmavam que o objetivo principal da folha era
“defender o progresso de Petrópolis e, especialmente, o interesse do comercio local…”
e que também o jornal
“…não se ligará absolutamente a qualquer partido político do município ou do Estado, e que por isso julgará com independência os fatos, sem preocupação de pessoas…”,
em uma clara critica ao processo assumido por inúmeras folhas na época, inclusive a própria Tribuna de Petrópolis, que buscavam ou o partidarismo político e/ou a proteção dos governos para até mesmo obter a publicação de seus editais públicos; para tanto ao final justifica,
“alentam-nos, todavia, a coragem de que nos revestimos dando à publicidade O COMMERCIO, num centro em que tentativas idênticas têm naufragado…”,
o que se traduz por nem sempre uma absorção por parte dos comerciantes da publicidade nas folhas locais, cujo comprometimento ora com políticos ou com industriais era extremamente visível; observe-se o caso da Leopoldina cuja exclusividade no transporte de mercadorias da industrias irritava os comerciantes locais que notavam o preconceito quanto ao transporte de seus produtos. Ticiano e Alvaro souberam aproveitar esta oportunidade para criar o jornal no período. Aproveita ainda o edital para externar sua preocupação com a de “respeitar as crenças e opiniões alheias”.
Pequenas notas como a da prefeitura que recebia o imposto predial sem multas, uma informação local essencial a todos os moradores que nas primeiras décadas ainda discutiam e possuíam posição contrária aos impostos municipais urbanos; de “A Casa do Cunha”, que distribuiria gratuitamente cem prêmios e ou do Teatro Cassino onde ocorreu a solenidade de premiação aos alunos do Collegio São Vicente de Paulo, destacava-se no período por ser caracteristicamente uma escola que recebia internos de famílias famosas do país, compunham as informações.
Alguns pequenos quadros comerciais se faziam presentes na primeira página, uma prática exercida por alguns jornais com o objetivo de cultivar a confiança dos anunciantes, tais como: “Casa Schettini”; “Café Cometa”, com um marketing agressivo para a época, assinalando a assimilação do processo norte-americano de propagandas,”…usem sempre”; “Alfaiataria Bragança de Domingos de Paola”; “Dr. H. Gonçalves da Cunha”, cirurgião dentista que “…trabalha pelo sistema americano e adopta os processos do professor E. Kirk. Trabalho garantido – Preços módicos” – nos EUA em 1907 já havia 57 escolas dentarias com mais de seis mil alunos, e especialistas que faziam sucesso de público, entre estes o dr. Edward C. Kirk, que publicou em 1905 um guia Principles and Practice of Operative Dentistry e conquistara adeptos em vários países; “Casa do Povo”, loterias, cambio, livraria e papelaria, com matriz na então Avenida XV de Novembro e filiais na mesma avenida (Petrópolis na transição dos séculos foi o ‘paraíso da jogatina’), e outra loja na Estação da Leopoldina, destinada aos que desembarcavam oriundos do Rio; “Façam uso de Indaia, purgativo homeopathico…da Pharmacia Homeopathica Hahnemann” e finalmente outra nota comercial da Casa do Cunha “…verdade indiscutível… tem sortimento completo e vende muito mais barato que qualquer outra”.
Uma nota caracteristicamente observada como ‘comercial exclusivo’, por sua excepcional inserção no noticiário local, descreveu a visita da redação ao “Bazar Chic”, estabelecimento presente na Avenida XV de Novembro, “…possuí esperado gosto pariziense … sortimento completo de relogios, gramo-phones, instrumentos de corda, machinas de costura, musica, etc…”
com seus preços baixos, a redação destaca:
“Uma variedade interessante de artigos recebidos diretamente da Europa que o sr. Rogerio Tommasi faz questão que não fiquem em casa”.
E conclui:
“…vale a pena uma visita ao Bazar Chic”.
Especialistas ao observarem a presença de Álvaro Martinho de Moraes na composição da folha, por sua biografia relacionada a muitos jornais que surgiram em Petrópolis, poderiam destacar o seu papel à frente de O COMMERCIO, relegando um papel secundário a Tocantins, mas as notas da época presentes em outros jornais, como a própria Tribuna de Petrópolis, citam a representatividade de Tocantins na mesma folha. Álvaro fora um ‘dândi’ em sua juventude, o que lhe granjeou grande destaque na sociedade das primeiras décadas, independente do brilhante e importante jornalista que se constituiu posteriormente para a história da imprensa petropolitana nas décadas seguintes.
Alvaro Martinho de Moraes
Uma avaliação histórica da composição jornalística da imprensa petropolitana pode conduzir a um quadro confuso quanto ao papel desempenhado pelos jornalistas, especialmente pelos redatores e diretores dos órgãos, o que necessita de uma analise mais técnica, o que não destitui o valor de ambos os profissionais para a história da imprensa local.
A biografia de Álvaro destaca-se da Ticiano pela grande e intensa participação em jornais como O TEMPO, a própria TRIBUNA DE PETRÓPOLIS, o JORNAL DE PETRÓPOLIS, O SÉCULO, entre outros, ao lado de inúmeros jornalistas como Arthur Barbosa e outros. Álvaro também fora amigo e compadre de Ticiano e faleceu aos 57 anos.