CONDE DE RESENDE, O FUNDADOR DO ENSINO MILITAR ACADÊMICO NAS AMÉRICAS E DO ENSINO SUPERIOR CIVIL NO BRASIL EM 1792 E O CRIADOR DA CIDADE E MUNICÍPIO DE RESENDE EM 1801

Cláudio Moreira Bento, associado correspondente

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Conde de Resende
– o criador da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho em 1792,
e do Município de Resende em 1801

Focalizaremos o 2° Conde de Resende, Tenente-General D. José Luiz de Castro, que foi o 13° Vice-Rei do Brasil (1790-1801). Autoridade máxima do Brasil, que deu foro de vila, em seu governo, a uma única povoação e por ele especialmente escolhida. Vila que, desde 1801, passou a denominar-se, em sua honra e homenagem, Resende, e seus filhos nela nascidos, ou de coração, de resendenses.

No último caso, filho de coração, decorrência do cosmopolitismo de Resende, que possui as suas mais profundas raízes no povoamento por mineiros, fluminenses, paulistas e até gaúchos da primitiva povoação de N. S . da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova, descoberta e fundada, em cerca de 1744, por bandeira partida das minas esgotadas da Alagoa da Airuoca, em Minas, sob a liderança do Tenente-Coronel do Regimento de Auxiliares de Mogi das Cruzes/ Jacareí, em São Paulo, Simão da Cunha Gago.

Campo Alegre por ser a região de Resende e imediações, então, uma belíssima, ampla e fértil clareira predestinada à pecuária, assentada sobre planície terciária. Clareira ampla em planície incrustada na Mata Atlântica dominante ao seu redor, e que viria a ser devastada para ceder lugar ao ciclo do café no Brasil que teve início aqui em Resende. Terras hoje ocupadas pela pecuária.

Quando o Conde de Resende assumiu como vice-rei, a atividade econômica no Campo Alegre se intensificara a partir da abertura do Caminho Novo, em 1778, ligando por terra o Rio a São Paulo (pela antiga Rio – São Paulo) e integrando Resende atual na economia nacional e rompendo, por via de conseqüência, o isolamento da mesma.

O café havia surgido em Resende muito promissor. O esgotamento do ouro em Minas provocou uma migração mineira para a atividade pecuária no Campo Alegre. A movimentação do anil, do café, do açúcar, exigiu mulas para transportá-las, o que marcaria a presença de gaúchos tropeiros de mulas, circunstância que chegou ao ponto de Resende consumir 1.800 mulas ano, para movimentar a plantação de café, e escoá-la inicialmente para o Rio, por terra, e depois até Angra dos Reis, por mais de 60 anos. Quando o Conde de Resende assumiu o Vice Reino, o Rio era abastecido pelo gado de Resende, preferencialmente a outros, por possuir carne mais macia e saborosa.

Em 1790 foi criada a primeira guarnição militar local – uma Companhia de Ordenanças do Campo Alegre, pois o Conde de Resende estava atento à potencialidade do Campo Alegre e incentivava a sua colonização, pelo estímulo à iniciativa privada, com a concessão de terras, preferencialmente a veteranos das Guerras do Sul, que findaram em 1776, após quase um século de lutas com espanhóis em torno da Colônia do Sacramento. É mais uma explicação para a presença de gaúchos no vilamento de Resende, como os Gomes Jardim, os Barretos e os Marques de Souza, entre outros, que aqui se reencontraram com a paisagem gaúcha representada pelo Campo Alegre, que desde 29 de setembro de 1801 passou a chamar-se Resende, em honra e homenagem ao seu fundador. Vila que daria origem ao marquesado de Resende, conferido ao Marquês de Resende Antônio Teles da Silva Caminha e Menezes, diplomata e historiador de escól que serviu a D. Pedro como Imperador no Brasil e em Portugal.

O Conde de Resende governou o Brasil em dificílimas circunstâncias econômicas e políticas internas e, sobretudo, internacionais. É dentro deste contexto que ele deve ser julgado, a concluir-se de Ortega e Gasset ao afirmar: “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”.

Assim, o criador de Resende governou o Brasil em período coincidente com a decadência do ciclo do ouro, com a Revolução Francesa, e de potenciais ameaças militares ao Brasil de parte de Napoleão e da Espanha. A última, a da Espanha, concretizada na Guerra de 1801 no Sul, no Oeste e no Norte. Enfrentou o desafio de governar com parcos recursos de uma economia em transição do ciclo do ouro para o do café e enfrentando os fortes ventos de Liberdade, da Democracia e de República que sopravam sobre o Brasil Colônia, dos Estados Unidos e da França Republicana, bem como teve de fazer o rescaldo da Inconfidência Mineira ocorrida com seu antecessor e cumprir a decisão de D. Maria I, baseada em decisão do Poder Judiciário de Portugal que fez a Devassa e condenou Tiradentes à forca, cuja execução teve lugar em 21 de abril de 1792, fazem 219 anos.

No campo estratégico, a administração marcante do Brasil pelo Conde de Resende foi assinalada, entre outras, pelas seguintes realizações:
– Criação, em 17 de dezembro de 1792, aniversário da Rainha D. Maria I, na Casa do Trem (atual Museu Nacional), e sob a égide de seu filho D. João, Príncipe Regente, da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, marco do início do ensino militar acadêmico nas Américas e do ensino civil superior no Brasil. Academia que, no consenso dos historiadores militares e civis do Brasil e, sem contestação, é a atual Academia Militar das Agulhas Negras, a qual está instalada em Resende há quase 67 anos. Cidade esta criada pelo Conde de Resende e que desde então recebeu o seu nome. São duas criações suas que, juntas e irmanadas, convivem há 67 anos. Será um capricho do destino?
– Notável ampliação da fronteira de colonização do Brasil através da concessão de terras devolutas, nos mais variados rincões e fecundação de diversas povoações e criação de novas vilas como foi a de Resende e a da minha cidade natal, Canguçu – RS, em 1800, também sob a invocação de N. S. da Conceição. Santa desde 25 de março de 1646, consagrada por D. João IV, como rainha e padroeira de Portugal, conforme abordamos no Informativo tríplice da AHIMTB, do IHTRGS e da ACANDHIS de 8 de dezembro de 2010. Tradição continuada no Brasil que tem por padroeira N. S. da Conceição Aparecida.
– Ampliação da base territorial do Brasil, pela força das armas no Sul, Oeste e Norte, com os novos territórios conquistados na vitoriosa guerra de 1801 (14 julho – 17 dezembro), prolongamento da guerra na Península em que a Espanha invadiu Portugal, conquistou e não devolveu a cidade de Olivença e o mesmo fez Portugal ao Brasil.
– Ampliação notável do cais do Rio de Janeiro, principal porto do Vice-Reino do Brasil.
– Ampliação da capacidade defensiva e do poder de fogo das fortalezas do Rio de Janeiro, bem como no tocante à sua urbanização, saneamento, limpeza, pública e embelezamento.

A sua administração no Rio de Janeiro foi marcada pelas seguintes obras:
– Cobertura do aqueduto da Carioca, que corria a céu aberto sobre canalização de ferro que foi substituída por canalização de pedra.
– Revestimento com abóbadas de pedra da canalização d’água da Rua do Cano (atual 7 de Setembro), que cobriu com lajes e calçou, bem como trecho da atual Uruguaiana, do Largo da Carioca e Rua do Ouvidor.
– Abertura das atuais ruas do Senado, do Resende (que perpetua o seu nome) e dos Inválidos da Pátria.
– Iniciou a iluminação pública do Rio com lampiões de óleo de peixe, ampliando em muito a fraca iluminação fornecida por 72 oratórios.
– Construção do chafariz do Largo do Moura (Regimento de Moura), próximo ao Museu Histórico Nacional atual, que serviu por quase um século.
– Fixação dos limites do Campo de Santana, atual Praça da República, que mandou aterrar com apoio em dinheiro, materiais e serviços fornecidos pelos moradores e vizinhanças.
– Deu grande impulso à limpeza pública, a qual fiscalizava pessoalmente, e a fazia estender-se até o interior das propriedades, para impedir que o lixo tomasse conta das praças, das ruas, dos quintais e dos terrenos.
– Exercício com zelo e dedicação das funções de provedor da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, a responsável pela saúde do povo da capital e particularmente a do povo pobre.
– Aumentou o poder de fogo da Fortaleza de Santa Cruz com mais 29 peças.
– Construiu o andar superior do Palácio dos Vice-Reis, de onde o Brasil foi governado até 15 novembro de 1889 e que hoje se encontra restaurado a serviço da cultura do Brasil.

Resende muito se beneficiou de sua ação com o Caminho Novo entre São Paulo e Rio, que ele melhorou e deu condições de segurança a seus usuários integrando, desde 1788, Resende à economia nacional e mundial.

O Conde de Resende criador, faz 210 anos, da atual cidade de Resende, teve sempre por objetivo o bem e o interesse público. Na defesa dos mesmos mostrou-se duro, autoritário e inflexível, tornando-se impopular entre a população. Mas consagrou-se como homem de iniciativa, e com as duas maiores e mais marcantes realizações suas, a Cidade e Município de Resende e a Academia Militar das Agulhas Negras. AMAN repito, historicamente o mais antigo estabelecimento militar acadêmico das Américas e berço do ensino superior civil no Brasil. Isto é o que indica, sem contestação, a história, a mestra das mestras, a mestra da vida. Aqui vale lembrar como em 1939 o passado do ensino no Exército era desconhecido, quando o Marechal José Pessoa, ao escrever sobre a História do Espadim de Caxias do Cadete na Revista da Escola Militar observou:

“Escrevo sobre a História do Espadim de Caxias para não acontecer o que aconteceu com a História da Academia Real Militar que apenas sabe-se que ela existiu.”

E da História da Academia Real Militar muito foi revelado depois, conforme abordamos em nosso livro 2010 – 200 anos da criação da Academia Real Militar à AMAN.

1B

Casa do Trem no local do atual Museu Nacional,
onde funcionou a Real Academia de Artilharia e Desenho, criada em 1792 pelo Conde de Resende,
pioneira no ensino militar acadêmico nas Américas e do ensino superior civil no Brasil
e onde foi instalada provisoriamente a Academia Real Militar em 13 de abril de 1811, antes de ser transferida para o Largo de São Francisco.
( Fonte: Bento. Escolas de Formação de Oficiais das Forças Armadas do Brasil.)

Fazemos votos que oficiais egressos da AMAN, bem como Resende e os resendenses, agora melhores conhecedores do criador da Real Academia de Artilharia Fortificação e Desenho e da cidade de Resende e das difíceis circunstâncias que ele enfrentou, passem a ter orgulho dele e a cultuar e a defender a sua memória.”História é verdade e justiça!”

Dados biográficos de Conde de Resende, criador em 1801 da atual cidade de Resende – RJ, então com o nome de Vila de Resende, em sua homenagem:

Tenente-General D. José Luiz de Castro e 2º Conde de Resende (1744-1819) e 13° Vice-Rei do Brasil (1790-1801). Nasceu em Lisboa em 19 de agosto de 1744, ano consagrado como o da descoberta do Campo Alegre (Resende atual) pela bandeira ao comando do Tenente-Coronel do Regimento de Auxiliares de Mogi das Cruzes – Jacareí Simão da Cunha Gago, que fundou a povoação de N. S. da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova, para distinguí-la de Paraíba do Sul, no Caminho Novo Rio – São Paulo e no local de travessia do Rio Paraíba. Povoação que o Conde de Resende elevaria à vila e que foi instalada com seu nome 16 dias após passar o governo do Vice-Reino do Brasil ao seu substituto e cerca de 2 meses e meio antes da morte, em 14 de julho de 1801, de seu pai D. Antônio José de Castro, donatário do Conselho da Vila de Resende em Portugal, além de senhor da Casa de Resende. O pai do criador de Resende foi o 15° Almirante de Portugal e 5° Capitão da Guarda Real de Arqueiros, além de membro do Conselho de Estado de Portugal e Presidente do poderoso Conselho de Estado de Portugal, bem com do poderoso Conselho Ultramarino.

A mãe do criador de Resende foi D. Tereza da Cunha de Távora, filha do 4º Conde e Condessa de São Vicente.

O Vice-Rei Conde de Resende foi chefe da Casa de Resende de seu pai, 16° Almirante de Portugal e 6° Capitão da Guarda Real de Arqueiros. Assentou praça como cadete aos 14 anos, em 19 de dezembro de 1758. Em 20 de fevereiro de 1765 foi promovido a capitão. Como sargento-maior (major) casou aos 30 anos com D. Maria do Rosário Noronha, herdeira de D. Lourenço de Noronha, Governador da Índia. Tenente-Coronel em 15 de outubro de 1777 veio para Brasil comissionado coronel para exercer o cargo de Vice-Rei do Brasil com o título de Capitão-General-de-Mar e Terra do Vice-Rei do Brasil. Portanto, a mais alta autoridade militar do Brasil. Após governar o Brasil por mais 11 anos e 3 meses retornou a Portugal, sendo lá promovido a tenente-general do Exército de Portugal e a Grã-Cruz da Ordem de Aviz, em reconhecimento aos assinalados serviços prestados a Portugal no Brasil, em conjuntura econômica e política dificílimas.

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Palácio Santa Clara, onde o Conde de Resende viveu de 1801 a 1818, até ali falecer, em 23 março de 1819, poucos anos antes da independência do Brasil.
O local atualmente abriga instalação logística do Exército de Portugal.

Viveu de 1801-1818, dos 57 aos 75 anos, vida recolhida e discreta, em seu Palácio de Santa Clara, em Lisboa, onde morreu em 23 de março de 1819, deixando seu nome ligado à história da fundação do ensino militar acadêmico nas Américas e fundação da cidade de Resende. Ao fundarmos a Academia Resendense de História em 1992, o escolhemos como nosso patrono de cadeira e em nossa oração de posse abordamos o presente assunto, ora ampliado, e fomos convidados pela Câmara de Vereadores de Resende para sermos o orador de sua sessão comemorativa do aniversário de Resende em 29 de setembro de 1992. Estudo que contribuiu para instruir projeto da Câmara de Resende que criou a Comenda Conde de Resende, como a maior distinção conferida pelo povo de Resende, através de seus representantes em sua Câmara de Vereadores. Publicamos igualmente em Resende no jornal Tribuna do Comércio, de 11 a 20 setembro de 1992, artigo “O criador do município de Resende” e na A Lyra, de 25 setembro 1992, o artigo “Resgate da História traz à tona a verdade sobre o Conde de Resende”. Nas comemorações do Bicentenário da Inconfidência Mineira e Carioca publicamos em número especial da Revista do Instituto de Histórico e Geográfico Brasileiro o artigo sob o título do presente em seu número 153, volume 375, abr/jun 1992, p. 32 a 42. Em função destes escritos recebi de um descendente do Conde de Resende e-mail no seguinte teor:

“Caro Senhor, Cel Cláudio Moreira Bento. Sou descendente direto do Conde de Rezende. A chefia de casa pertencia à minha avó D. Maria Benedita de Castro, Condessa de Rezende, representante do Almirante de Portugal, Conde de Carvalhal e Visconde de Beire. Estes títulos, bem como o Marquês de Minas e Conde do Prado, são atualmente representados pelo meu tio D. João de Castro de Mendia, atual Conde de Rezende, e chefe da família. Nas minhas “viagens” pela internet, onde descobri o seu contacto, reparei que tem muita informação acerca deste meu antepassado. Gostaria de entrar em contacto consigo porque tenho pouco conhecimento da história brasileira do II Conde de Rezende. Como deve ter conhecimento, atualmente, a minha família não tem qualquer ligação com Rezende (no Brasil).

Um Marquês de Resende referente à Vila de Resende brasileira

Além dos Condes de Resende existiu o Marquês de Resende, cujo marquesado foi constituído pela Vila de Resende brasileira. Foi Antônio da Silva Caminha e Menezes, português, diplomata e historiador que chegou ao Brasil com 17 anos e fez brilhante carreira diplomática e de escritor. Ele acompanhou D. Pedro I no Brasil e em Portugal quando este abdicou. Devotou-se a ele como D. Pedro IV de Portugal, bem como à filha e à Imperatriz. Foi membro da Academia Real de Ciências de Portugal. Morreu em 8 de abril de 1875, aos 85 anos, tendo prestado ao Brasil relevantes serviços diplomáticos por mais de 23 anos.

Bicentenário de nascimento do Conde de Resende e instalação da AMAN em 1944

Quando transcorreu o bicentenário da fundação de Resende, como N. S. da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova e do nascimento de Conde de Resende, coincidentemente ocorreu a instalação em Resende da atual Academia Militar das Agulhas Negras, então com o nome de Escola Militar de Resende, a qual, por evolução, funções, transformações e denominações sucessivas, a qual, no consenso dos historiadores brasileiros civis e militares, e sem contradição histórica é a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, instalada na Casa do Trem de Artilharia em 17 de dezembro de 1792, aniversário da Rainha Dona Maria I e destinada, então, a formar oficiais de Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenheiros militares e civis para o Vice-Reino do Brasil. Academia Real fundada pelo Conde de Resende que hoje, do alto, assiste as suas maiores e mais permanentes obras, reunidas na primitiva povoação de N. S. da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova, fundada no ano em que nasceu. São elas a cidade de Resende e a Academia Militar que ele criou em 1792. Será um capricho do destino?

Assim sendo, a Academia Militar das Agulhas Negras completaria em 17 de dezembro próximo 219 anos, carregando a tradição de ser o mais antigo estabelecimento militar acadêmico das Américas, pois West Point só foi criada em 1801 pelo Congresso dos EUA, além de berço do ensino superior civil no Brasil, ao nela ser instalado, em 1792, o curso formal de Engenharia Civil. Foi a Real Academia do Conde de Resende que com suas instalações, equipamentos, corpos docente e discente infra-estruturou a Academia Real criada pelo Príncipe D. João na mesma Casa do Trem. Com a amplitude, então, de não só ser Academia Militar do Vice-Reino do Brasil, mas do Reino de Portugal. Este foi o entendimento dos historiadores militares Generais Aurélio Lyra Tavares, Francisco de Paula e Azevedo Pondé, Umberto Peregrino e Coronéis Francisco Ruas Santos e nosso com apoio em Paulo Pardal e no General Adailton Pirassinunga.

Problemas graves enfrentados pelo Vice-Rei Conde de Resende de 1790-1801, à espera de um julgamento sereno pelo Tribunal da História, dentro das difíceis circunstâncias econômicas e políticas da época.

1 – Incêndio do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em 20 de julho de 1790. Isto ocorreu 11 dias depois do Conde de Resende iniciar seu governo. O Senado da Câmara era presidido, desde 1786, pelo Dr. Baltazar da Silva Lisboa, irmão do futuro Visconde de Cairu e formado em leis e filosofia em Coimbra, pesquisador de produtos naturais, futuro historiador da cidade do Rio de Janeiro e protegido do poderoso Secretário de Marinha e Domínios Ultramarinos de Portugal Martinho de Mello e Castro. O incêndio reduziu a cinzas o arquivo da Câmara que continha leis econômicas, provisões, cartas régias, ordens, decretos, títulos, privilégios, honras, inserções, etc. com os quais vinham há 200 anos conduzindo a administração do Rio de Janeiro. Isto causou grandes prejuízos, transtornos, dores e confusões e até desgraças para os que dependiam do que eles continham. Correu que fora criminoso. Uns culpavam o próprio Presidente da Câmara e este fazia espalhar boatos de que fora o Vice-Rei, há poucos dias no governo. Daí surgiu uma histórica e movimentada incompatibilidade entre o Presidente da Câmara corrupto, omisso e indiferente as suas obrigações de modo que em 9 de janeiro de 1791 o Conde de Resende dirigiu-lhe carta em que dizia mais ou menos isto:

Cansado de sofrer e ver os outros sofrerem, lembro o seu dever de fazer com a Câmara, que acaba de concluir mais um ano legislativo, uma prestação de contas, bem como concluir outros negócios que, ainda mal, tem de presidir. Não digo nada sobre este assunto nem sobre outros em que tão desgraçadamente tem figurado, esperando que o tempo e a Justiça o façam reconhecer os seus erros e também o respeito com que me deve tratar como Vice-Rei do Brasil….

Este era o clima de relacionamento do Vice-Rei com o Presidente da Câmara, bastante deteriorado. O Dr. Baltazar, como Presidente da Câmara testemunhou a execução de Tiradentes e foi o primeiro a assinar um Bando (Edital) convidando o povo do Rio “para colocar luminárias, 3 noites seguidas, em regozijo à clemência da Rainha D. Maria e por ter ficado ileso e incontaminado pela Inconfidência Mineira”.

O que é falso, como provou, em 1989, no IHGB, Herculano Gomes Mathias e que também referiu que o Dr. Baltazar, “historiador do Rio”, omitiu em seus Anais da Cidade do Rio de Janeiro em 1834 toda a Inconfidência no Rio, onde ele presidia a Câmara. Portanto são suspeitas todas as suas apreciações nesta citada obra sobre o Conde de Resende, que delas não pode se defender por estar há 15 anos morto. Apreciações que só poderiam ser levadas em conta após um aprofundamento do movimentado incidente entre eles.

2- Execução de Tiradentes em 21 de abril de 1792.

Interpretações apressadas tem apontado o Conde de Resende como a autoridade que condenou Tiradentes à morte e, em consequência, condenado a sua memória, por alvo de deturpações, silêncios e outras perseguições, como a de omitirem a sua assinalada obra administrativa no Rio de Janeiro e Brasil. Em realidade, e a bem da verdade, quando o Conde de Resende chegou ao Brasil já havia ocorrido a Inconfidência Mineira e já estava em curso adiantado a Devassa da mesma, promovida pelo Poder Judiciário de Portugal, através de equipe enviada especialmente para tal de Portugal e independente do Conde de Resende, que pouco representava naquele Poder Executivo. O ato de condenação foi ratificado pela Rainha D. Maria, e ao Conde de Resende só coube mandar executá-la dentro de suas circunstâncias. Mas consta que como Provedor da Santa Casa do Rio de Janeiro, esta através de sua mordomia dos presos, pagou o advogado de defesa de Tiradentes, a véstia com a qual este foi executado e ainda a Irmandade da Casa acompanhou o nosso mártir com o seu pavilhão até o patíbulo, podendo até suspendê-la caso falhasse a execução.

“Eu sou eu e as minhas circunstâncias”. E estas foram as do Conde de Resende. D. Maria foi quem autorizou a execução de Tiradentes e comutou a pena de forca para a de degredo dos demais inconfidentes, mas nem por isso a Escola Naval do Brasil deixa de cultuá-la como a sua criadora em 1782. D. Maria no Brasil é chamada de a Rainha louca. Mas interpretações mais recentes entre nós a classificam com A Piedosa, que enlouqueceu ao morrer seu esposo e um filho.

3- Devassa sobre carta anônima concitando o povo à rebeldia, à morte do Vice-Rei e tomada do poder pela Câmara do Rio com apoio popular.

O Presidente da Câmara do Rio, Dr. Baltazar Lisboa, entregou em janeiro de 1793 ao Chanceler da Relação, o primeiro que assinara recomendação de sentenciar à morte Tiradentes, uma carta anônima, que lhe havia chegado de Portugal a bordo do navio Pedra e que tinha por objetivo o assunto em epígrafe – uma rebelião.

O Conde de Resende determinou um rigoroso inquérito sobre a carta em 14 de janeiro de 1793. O Chanceler da Relação suspeitou que a carta fosse de autoria do Dr. Baltazar e transmitiu sua convicção, sem prova concreta, ao Conde de Resende que por sua vez a transmitiu ao poderoso Martinho de Melo e Castro protetor do Dr. Baltazar:

“O juiz de fora desta cidade do Rio de Janeiro – Dr. Baltasar Lisboa, natural da Bahia, tem talento suficiente para produzir as idéias que se encontram na dita carta à folha três. O seu gênio é pouco inclinado ao sossego, tendo-se implicado em disputas, algumas delas desnecessárias, não só com alguns ministros, mas até com os vice-reis, tanto com o atual como com o meu antecessor. Ele possui toda a resolução e animosidade para por em prática as lembranças que lhe ocorreram, se lhe parecer que elas lhe podem ser úteis …” .

Para aliviar a pressão sobre ele o Dr. Baltazar na mesma época denunciou o contrabando jamais visto de fazendas, praticado no Rio por 32 navios ingleses. Isto agradou o Ministro da Marinha e Ultramarino e o processo sobre a carta anônima terminou sendo arquivado. É mais um dado para o julgamento histórico do Conde de Resende e da obra sobre a História, do Dr. Baltazar, sobre o Rio de Janeiro, que elogiava muito a administração portuguesa, segundo, com freqüência comunicava a seu protetor citado.

4 – Fechamento da Sociedade Literária do Rio de Janeiro por ser acusada de debates políticos perigosos alheios aos seus Estatutos, 1794

Em 1786 havia se formado uma Sociedade Literária no Rio de Janeiro que se reunia na Rua 7 de Setembro atual, em casa do advogado Manuel Inácio da Silva Alvarenga. O Conde de Resende, segundo Herculano Mathias, permitiu o seu funcionamento e até estimulou a sua atividade por ela não ter tido nenhum envolvimento com a Inconfidência Mineira. Mas recebeu de um padre e de um advogado uma denúncia de que a Sociedade Literária do Rio, contrariamente ao previsto nos Estatutos, estava servindo para o debate público de questões políticas relacionadas com a Revolução Francesa. Por esta razão ela foi fechada e instaurada uma Devassa que durou de 11 de dezembro de 1794 a 14 de maio de 1796 (dois anos e cinco meses), e os principais acusados recolhidos à fortaleza N. S. da Conceição e Hospital da Penitência (Manuel Inácio Alvarenga, Mariano José Pereira da Fonseca, etc). Os réus apelaram ao Príncipe D. João. Este intercedeu junto à Rainha com apoio no parecer da Relação (Justiça no Rio) que afirmou: que os réus haviam mantido diálogos particulares e privados de que a República era preferível do que a Monarquia e que os reis eram opressores e outras afirmações políticas perigosas… .

A Rainha através do Príncipe e este através do seu Ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho, determinou fosse dada a seguinte orientação:

“Se o conde de Resende como vice-rei entendesse que havia culpados que os enviasse a Lisboa com as provas de culpa. Se entendesse que os envolvidos fossem inocentes que os colocasse em liberdade.”

O Conde de Resende respondeu então ao Ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho que viria a ser o Primeiro-Ministro da Guerra do Brasil, em 1808:

“ Escolhi o ultimo partido por ser mais conforme a Humanidade”.

Era a libertação pelo Conde de Resende dos envolvidos.

E assim teve fim este lamentável episódio, quando no mundo começava a ruir o despotismo dos reis e inclusive em Portugal que, entre os déspotas esclarecidos, havia contado com o Marquês de Pombal.

Enfim são fatos e circunstâncias históricas que melhor ajudam a atender em seu tempo histórico a figura do Conde de Resende, o criador, por sua escolha pessoal, de uma única vila, a de Resende que recebeu seu nome em sua honra e homenagem, após deixar o governo do Vice-Reino do Brasil. E, mais do que isto, hoje considerado com muita justiça o fundador do ensino militar acadêmico nas Américas e do ensino superior civil no Brasil, ao criar em 17 de dezembro de 1792 a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho na Casa do Trem de Artilharia (atual Museu Histórico Nacional).

O Processo de Julgamento de Tiradentes que resultou em sua condenação à forca, segundo Herculano Gomes Mathias, foi iniciado pela Alçada em janeiro de 1791, e concluído em 18 de abril de 1792 e conduzido por Sebastião de Xavier Vasconcelos Coutinho, Presidente do Tribunal da Alçada; Antônio Diniz da Cruz e Silva, Desembargador; Antônio Gomes Ribeiro, Desembargador, enviados de Portugal.

Foram eles que condenaram Tiradentes à forca como Poder Judiciário.

A condenação pelo Tribunal repetimos seria de forca para todos os líderes inconfidentes mas foi comutada pela Rainha D. Maria I, a Piedosa, e só válida (a forca) para Tiradentes.

REFLEXÃO

O Brasil é um país de dimensões continentais, resultado da visão geopolítica de administradores portugueses de 1500 -1822, por 322 anos. Creio que como brasileiros devemos agradecimentos àqueles administradores portugueses em Portugal e no Brasil por este legado gigante. E foi o que neste trabalho procuramos fazer em relação ao Conde de Resende, por sua contribuição à conservação das dimensões continentais do Brasil bem como pela dilatação das mesmas na guerra de 1801 pela incorporação, pelas armas, de valiosos territórios no Sul, Oeste e Norte. A eles devemos a transmissão deste pensamento militar interpretado pelo General Francisco Paula Cidade, meu patrono no IGHMB, e decorrente do pensamento político de Portugal de Dilatar a Fé e o Império:

“Julgada a causa justa pedir proteção divina e atuar ofensivamente mesmo em inferioridade de meios.”

Foi o que praticaram os lusos-brasileiros no Nordeste nas guerras holandesas, assegurando a unidade nacional, bem como os guerrilheiros no Sul de 1763/77, assegurando o destino brasileiro do Rio Grande do Sul, e Pedro Teixeira no Baixo Amazonas assegurando a soberania luso-brasileira na Bacia do Amazonas.

E nesta área a Marinha reverenciou Pedro Teixeira dando seu nome a um de seus navios patrulha e o Exército o nome do irmão do Marquês de Pombal por haver consolidado a conquista luso-brasileira da Amazônia brasileira. Creio que esta seja a visão, decorridos quase dois séculos de nossa Independência.

Bibliografia

BENTO, Claudio Moreira. Escolas de Formação de Oficiais das Forças Armadas do Brasil.Rio de Janeiro: FHE-POUPEx,1988.(Álbum).
(____). A saga da Santa Casa de Misericórdia de Resende. Rio de Janeiro: SENAI,1992.
(____). Conde de Resende: o fundador do ensino militar acadêmico nas Américas e do ensino superior civil no Brasil e criador da cidade de Resende.Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, volume 153, n.º 375,abr/jun 1992, p.32/42 (comemorativo do bicentenário da Inconfidência Mineira).
(____).2010-200 anos da criação da Academia Real Militar a AMAN. Resende: AHIMTB/Graf Drumond, 2010.
(____). História Militar de Resende 1744-2001. Resende: AHIMTB, 2001.

1: O Conde de Resende sesmaria em Canguçu-RS

O Conde de Resende sesmaria em Canguçu-RS em 1795, em Canguçu- RS, minha terra natal, a sesmaria 11/2 légua de largura por 1 1/2 de fundo, ao Capitão Mor de Laguna Paulo Xavier Prates e assim caracterizada: “ Rincão de terras no caminho de Rio Pardo, do arroio Tamanduá, até a segunda ponta do rio Piratinim e que se dividem pelo Norte com a sobredita ponta a um cordão de matos e cerro de pedras, que vai findar nas mesmas pontas do mesmo Piratinim. Ao Sul com o arroio Tamanduá. A Leste com a Serra dos Tapes e a Oeste com as pontas já referidas.” (Conforme Livro 9 Registro Geral de Sesmaria, anos 1795/1798, folha 79 do Arquivo Público do Rio Grande do Sul) Vide mapa p.74, 2ed. do autor “Canguçu reencontro com a História”.

2: O Conde de Resende e a Defesa do Porto de Rio Grande em 1789

Ofício n.º 296 de 30 de maio deste ano do Vice-Rei do Brasil Conde de Rezende ao Secretário da Marinha e Negócios Ultramarinos de Portugal

“Ilmo. e Exmo. Sr.

“Pela particular atenção que mereceu o porto do Rio Grande de São Pedro acresce dizer que já se acha concluída uma bateria em sua Margem Meridional (Rio Grande atual) de artilharia de grosso calibre guarnecida por oito pessoas e outra a concluir-se em que devem laborar dez pessoas, e destinadas uma e outra, tanto para baterem como para lançarem balas ardentes, achando-se também construídos os competentes fornos (destinados a fundição de granadas a serem lançadas pelas baterias).

Semelhantemente se tem dado fim a pretensão de cinco barcas canhoneiras que se julgavam necessárias, sendo tudo feito debaixo a inspeção de Henrique da Fonseca Souza, Capitão de Mar e Guerra Comandante do Bergatin Hercules.

Creio que com estas obras se acha aquele porto no melhor estado de defesa e que se poderá omitir entretanto a conservação de maiores forças navais.”

Ass. Conde de Rezende