CURSO VARNHAGEN – RODOLFO GARCIA (1873-1949)

Hélio Viana

Na historiografia brasileira, onde são numerosos os autores de muitos livros, um existe que se distingue por não possuir grande bibliografia própria, em volumes autônomos, nos quais o seu nome figure nos cabeçalhos. É Rodolfo Garcia, que preferiu anotar e apresentar trabalhos alheios, comentando-os, ampliando-os e corrigindo-os sempre que isto se tornava necessário. Fê-lo, porém, com tanto saber que, muitas vezes, praticamente, criou obra nova, valorizada por suas notas e achegas. A modéstia com que o fez, somente se compara à utilidade e seriedade dos complementos que lhes trouxe. “Trabalho braçal” – dizia ele, ao lembrar o do anotador que recorre aos manuscritos inéditos e aos alfarrábios, para ajuntar algo útil aos textos que de acréscimos esclarecedores necessitam.

A seguir, acompanhando sua vida de honrado trabalhador intelectual, podemos aquilatar o mérito de sua contribuição à historiografia pátria.

Mocidade no Recife.

Nasceu Rodolfo Augusto de Amorim Garcia a 25 de maio de 1873, em Ceará-Mirim, na então Província do Rio Grande do Norte. Filho do Dr. Augusto Carlos de Amorim Garcia e de D. Maria Augusta de Amorim Garcia. Não pode ser imediatamente batizado, por ser maçom o padrinho que lhe queriam dar, nessa época em que ainda estavam vivos os ressentimentos da Questão Religiosa.

Destinando-se ao Exército, cursou as Escolas Militares do Ceará e Rio de Janeiro. Da Praia Vermelha estava ausente, por ter ido à cidade, quando ocorreu uma de suas florianescas manifestações de indisciplina, no governo de Prudente de Morais. Desligado com outros alunos, à Escola não quis voltar, quando anistiado.

Preferiu regressar ao Recife, em 1895. Em sua Faculdade estudou, bacharelou-se e doutorou-se em Direito, em 1908. Ainda estudante, foi redator do jornal Estado de Pernambuco, órgão do Partido Republicano Federal. Colaborou na revista A Cultura Acadêmica, na qual publicou, em 1906, um trabalho sobre “Antônio Vicente do Nascimento Feitosa”.

Pertenceu, então, ao Cenáculo, que, à imitação do de Eça de Queirós, em Lisboa, sob a presidência do Professor da Faculdade, Faelante da Câmara reunia-se na Livraria Silveira, à imitação do que antes faziam literatos na de Cruz Coutinho, da cidade do Porto. Apontados, os seus membros, como imitadores de intelectuais franceses, que lhes deram apelidos, Rodolfo e seu irmão Aprígio foram Jules e Edmond de Goncourt, como em versos àquele dedicados lembrou o Presidente do Grêmio:

Rodolfo Garcia
Se nunca me passara pela mente
– E entanto a coisa é toda verdadeira –
– Conversar pessoalmente
Com o Júlio de Goncourt, lá no Silveira…
E que espanto, que cara de maluco.
Quando o Júlio puxou do bolso, a rir,
O seu trabalho acerca do Nabuco
Com que fez o Cenáculo dormir…

Na capital pernambucana Rodolfo lecionou História, Geografia, Francês e Português nos Colégios Wolf e Santa Margarida. E casou-se com D. Ester de Oliveira de Amorim Garcia, da família dos barões de Beberibe.

Não tardou que, no exercício do magistério, aparecessem suas vocações de filólogo e historiador. Naquela, desde 1899 começou a recolher dados que depois constariam de seu Dicionário de Brasileirismos, somente publicado em 1915. Com o irmão Aprígio em 1909 redigiu “Cotas a um Dicionário” (o Corográfico, Histórico e Estatístico de Pernambuco, de Sebastião de Vasconcelos Galvão), quanto às “Etimologias Tupis”. Publicaram-nas no Diário de Pernambuco e na Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.

Na mesma Revista, ao tempo da direção do historiador Alfredo de Carvalho, foi Garcia redator, redigindo notas bibliográficas sobre trabalhos do próprio Alfredo (Horas de Leitura e O Tupi na Corografia Pernambucana), como de Francisco Augusto Pereira da Costa (na Conferência Açucareira do Recife). E ainda sobre as Notas Dominicais, de L. F. Tollenare. A Alfredo de Carvalho deveu a indicação, para leitura e estudo, da História Geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen, Barão e Visconde de Porto Seguro.

No Diário de Pernambuco, então sob a orientação política do Senador Rosa e Silva, foi jornalista militante, usando, inclusive, o pseudônimo de “Sargento da Quarta”.

Ocorrendo, em 1912, os motins de que resultaram a ascensão, ao governo pernambucano, do General Dantas Barreto, ex-Ministro da Guerra do Presidente Marechal Hermes da Fonseca, numa das sangrentas “salvações” devidas à maléfica influência do Senador Pinheiro Machado, teve Rodolfo Garcia, ligado à situação política rosista, de abrigar-se num quartel e de abandonar Pernambuco, onde por algum tempo deixou a família, em 1913 definitivamente seguindo para o Rio de Janeiro.

No Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Na capital do país obteve logo a amizade do Conde de Afonso Celso, que para ele obteve novos empregos de professor, inclusive no Colégio Progresso além dos de assistente técnico e bibliotecário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, subsecretário e tesoureiro da Faculdade de Ciências Jurídicas, depois de Direito, da Universidade do Rio de Janeiro.

Seu primeiro trabalho de pesquisa histórica no Rio de Janeiro foi sobre a questão de limites entre os Estados do Paraná e Santa Catarina.

O primeiro aqui publicado foi Nomes de Aves em Língua Tupi – “Contribuição para a Lexicografia Portuguesa” pelo Ministério da Agricultura editado em 1913, republicado no Boletim do Museu Nacional, em 1929, e em separata.

Pretendendo ser bibliotecário desse Museu, em 1914 escreveu tese sobre Sistema de Classificação Bibliográfica. Da Classificação Decimal e suas Vantagens.

Foi bibliotecário do Instituto dos Advogados.

Naquele ano de 1914 muito trabalhou para a organização do Primeiro Congresso de História Nacional, promovido pelo Instituto Histórico, onde, em 1917, sucedeu a Vieira Fazenda como bibliotecário. Ao mesmo amigo ficou devendo a apresentação a Capistrano de Abreu. Daquele Congresso foi redator de atas.

Na Revista do Instituto, tomo 76, 1ª parte, de 1913, vol. 127, aparecido em 1915, e em separata, saiu seu “Dicionário de Brasileirismos (Peculiaridades pernambucanas)” contendo cerca de 2 mil vocábulos, metade dos quais ainda não figurava em Dicionários, principalmente no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido Figueiredo.

Voltando ao jornalismo, secretariou o Diário do Rio, jornal em 1915 dirigido pelo sarcástico conselheiro Nuno de Andrade.
O convívio, no Instituto Histórico, com historiadores do porte de Vieira Fazenda e Capistrano de Abreu, dos quais se tornou amigo até a morte, contribuiu para levar Garcia, cada vez mais, para os estudos de Geografia e História do Brasil.

Assim, na respectiva Revista, começaram a aparecer outros trabalhos seus, sempre caracterizados por cuidadosa erudição, vazados em estilo sóbrio e perfeito.

Convém notar que nem sempre assinava trabalhos que preparava para a publicação. Assim terá acontecido quanto à introdução ao Projeto de Constituição para o Império, em 1823 preparado pelo Apostolado andradino, aparecido na Revista do Instituto, tomo 77, de 1914, vol. 130.

Somente em 1921, conforme parecer de que foi relator o Barão de Ramiz, passou Garcia a figurar no quadro de sócios efetivos do Instituto, sendo mais tarde elevado a benemérito.

Preocupado, sempre, com os relatos dos viajantes estrangeiros que aportaram ao Brasil, na Revista, tomo 90, de 1921, vol. 44, ocupou-se de mais dois: Richard Grandsire e Alexandre Caldcleugh.

Para comemorar o Centenário da Independência do Brasil, em 1922, com pleno apoio do Presidente Epitácio Pessoa, preparou o Instituto um grande Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, no qual coube a Garcia a redação de dois importantes capítulos: os relativos à “Etnografia Indígena” e a “História das Explorações Científicas no Brasil”. Este último, no decorrer dos anos muito aumentado pelo autor, deveria ter nova publicação depois de sua morte, a cargo de Eustáquio Duarte, frustrada pelo falecimento deste, em 1955.

Também para o Centenário da Independência preparou Garcia um “Catálogo dos Livros, Folhetos, Documentos, Retratos, Bustos, Máscaras, etc., pertencentes à Biblioteca, Arquivo e Museu do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que figuram na Exposição promovida pelo mesmo Instituto, em 7 de setembro de 1922, para comemorar o 1º Centenário da Independência do Brasil”. Publicou-se em tomo especial na Revista da instituição intitulado O Ano da Independência, também aparecido em 1922.

Sempre zeloso da verdade histórica, em sessão do Instituto em 22 de julho de 1922, propôs que a respectiva Comissão de História examinasse e desse parecer sobre a tese defendida pelo historiador português Duarte Leite, no fascículo VIII da História da Colonização Portuguesa do Brasil, então publicado, segundo a qual nenhum dos navegantes espanhóis que saíram a descobrir terras em 1499 e 1500, teriam ultrapassado a linha equinocial. Em sentido contrário justificou as viagens de Ojeda, Pinzón, Lepe e Velez de Mendonça. O assunto constou das Revistas, tomo 92, de 1922, vol. 146 e tomo 106, parte II, de 1929, vol. 160, este aparecido em 1930.

Em sessão de 1923, falou sobre a hipotética chegada de Américo Vespúcio a Lisboa em 1504, conforme a Revista, tomo 94, desse ano, vol. 148.

Ainda sobre mapas antigos, ocupou-se especialmente do italiano, de Contarini, de 1506, de que consta o descobrimento de Novo Mundo, adquirido pelo Museu Britânico. Isto em sessão de 12 de abril de 1924, conforme a Revista, tomo 96, desse ano, vol. 150.

Também fora do Instituto Histórico publicou Rodolfo Garcia, no Rio de Janeiro, outros trabalhos relativos às suas já bem conhecidas e apreciadas especialidades.

Assim, na Revista de Língua Portuguesa, número 3, de janeiro de 1920, apareceu um estudo seu, sobre “Nomes geográficos peculiares ao Brasil”.

Com “Explicação Prévia” datada de 25 de maio de 1919, redigiu erudito “Glossário das Palavras e Frases da Língua Tupi contidas na Histoire de La Mission des Pères Capucins, en l´Isle de Maragnan Et Terres Circonvoisines, do Padre Claudio d´Abbeville”, publicada em Paris, 1922, por Paulo Prado, na Série Eduardo Prado – “Para melhor se conhecer o Brasil”. Teve segunda edição, traduzida em 1945, na Biblioteca Histórica Brasileira, da Livraria Martins, de São Paulo, esta com nova “Introdução” de Garcia e o “Glossário” em notas de pé de páginas. Em sua primitiva forma, também se publicara este na Revista do Instituto Histórico, tomo 94, de 1923, volume 148, com separata de 1926.

Em 1924, publicando o Anuário do Brasil o “Tratado da Terra do Brasil” e a “História da Província Santa Cruz”, do quinhentista Pero de Magalhães Gândavo, antecedeu-os de erudita “Nota Bibliográfica” de Garcia.

Em 1925, tentou a Academia Brasileira de Letras e conseguiram os editores J. Leite & Cia. publicar os Tratados da Terra e Gente do Brasil, do Padre Fernão Cardim. Precedeu-os de uma “Introdução Geral” de Garcia, também autor de “Notas” relativas às partes intituladas “Do Clima e Terra do Brasil”, “Do Princípio e Origem dos Índios” e “Informação da Missão do Padre Cristóvão de Gouveia às partes do Brasil, ano de 83, ou Narrativa Epistolar de uma viagem e Missão Jesuítica”, etc. Teve segunda edição em 1939, na Coleção Brasiliana, da Companhia Editora Nacional, de São Paulo.

No mesmo ano, dando O Jornal uma edição especial comemorativa do Centenário do Nascimento de D. Pedro II, nela colaborou Garcia com o levantamento das “Viagens” do Imperador e um estudo sobre “D. Pedro II e as Línguas Americanas”. Reproduziram-se na Revista do Instituto Histórico, tomo 98, de 1925, vol. 152, aparecido em 1927. O segundo desses trabalhos, com modificações, apareceu no Anuário do Museu Imperial, vol. IV, de 1943, sob o título “D. Pedro II e a Língua Tupi”.

Desde 1927 apareceu o primeiro dos cinco tomos da terceira edição integral da História Geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen, Barão e Visconde do Porto Seguro, revisto e anotado por João Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia.

Falecendo aquele, prosseguiu este a sua obra de anotação, atualização e complementação, muitas vezes também de correção. O segundo tomo saiu em 1930, o terceiro em 1931, o quarto em 1934, o quinto e último em 1936. Também preparou Garcia a quarta edição integral, publicada em 1949 (dois tomos) e 1952 (os três tomos restantes). Há quem julgue serem estes milhares de notas a obra máxima de Garcia: refez a maior e melhor de nossas Histórias anteriores à Independência.

Em 1923, comemorando-se a 29 de junho o cinquentenário da morte de Varnhagen, nesse dia publicou Garcia, no Jornal do Brasil, o melhor “Ensaio Bibliográfico sobre Francisco Adolfo de Varnhagen – Visconde de Porto Seguro”, até então elaborado no Brasil. Reproduziu-o a Revista do Instituto Histórico, tomo 104, daquele ano, vol. 158. Também apareceu em “apenso” ao tomo segundo da terceira edição integral da História Geral do Brasil, citada.

Em 1929, coube a Garcia continuar outra tarefa de que antes se havia incumbido seu amigo Capistrano de Abreu: redigiu longa “Introdução” à Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil – Denunciações de Pernambuco – 1593-1595, publicada por Paulo Prado, na Série Eduardo Prado, em São Paulo.

Uma edição da Academia Brasileira de Letras eruditamente anotou em 1930: os Diálogos das Grandezas do Brasil de 1618, que, Capistrano, com razão, atribuiu a Ambrósio Fernandes Brandão. Teve segunda edição em 1943, da Dois Mundos Editora, Rio de Janeiro. E terceira, em 1956, da Livraria Progresso, da Bahia.

Diretor do Museu Histórico e da Biblioteca Nacional.

Em dezembro de 1930 foi Rodolfo Garcia nomeado diretor do Museu Histórico Nacional, cargo em que se manteve até novembro de 1932, quando foi nomeado Diretor da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, posto em que serviu até dezembro de 1945. Com essas nomeações já era o Governo Federal que reconhecia os altos títulos literários e científicos do historiador, dando-lhe funções à altura de seus merecimentos.

No desempenho do primeiro, teve de dar, em 1932, um Curso de História Política e Administrativa do Brasil aos alunos do Curso de Museus. Das aulas que então preparou resultou o magnífico Ensaio sobre a História Política e Administrativa do Brasil (1500-1810), postumamente editado em 1956, com Prefácio de seu amigo Afonso de Escragnolle Taunay e revisão que tivemos a satisfação de fazer, em memória de nosso saudoso amigo.

Datou de 1931 a publicação das Cartas do Brasil (1549-1560), do Padre Manuel da Nóbrega, com anotações de Garcia, mais uma edição da Academia Brasileira de Letras da série promovida por Afrânio Peixoto.

Do mesmo ano foram suas notas à terceira edição da História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador, em acréscimo às anteriores de Capistrano de Abreu, inclusive os magistrais “Prolegômenos” pelo mestre cearense aditados a cada um dos respectivos Livros.

Como Diretor da Biblioteca Nacional pode Garcia realizar publicações grandemente úteis à cultura brasileira, todas antecedidas de suas sempre eruditas, embora sintéticas, “Explicações”.

A primeira delas foi a fac-similar reedição da Arte da Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil, do Padre José de Anchieta, de 1933, conforme a edição de Julius Platzmann, de 1876, fiel à original, de Coimbra 1595.

No mesmo ano de 1933 publicando a Academia Brasileira de Letras as Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J. (1554-1594), entre seus textos incluiu a “Informação dos Casamentos dos Índios do Brasil”, que Varnhagen publicara na Revista do Instituto Histórico, tomo 8, de 1846, mas à qual apresentou Garcia algumas notas sobre termos tupis.

No ano seguinte, 1934, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na vaga de Rocha Pombo, para a cadeira número 39, que tem por patrono Varnhagen e foi fundada por Oliveira Lima, também tendo tido como ocupante Alberto de Faria. Recebeu o prezado amigo o também grande historiador Afonso de Escragnolle Taunay, no ano seguinte pronunciando, ambos, excelentes discursos, em que a modéstia dos verdadeiros sábios, e certa bonomia, foram notas marcantes. Publicou-os em especial homenagem a ambos, a Companhia Melhoramentos de São Paulo. Para a eleição de Garcia muito contribuiu outro bom amigo, Afrânio Peixoto, que desde 1927 já conseguira sua colaboração à Academia, como técnico em línguas americanas, na Comissão encarregada da elaboração do Dicionário. Na instituição foi, várias vezes, Bibliotecário e membro da Comissão de Publicações, em seu mais brilhante período.

Ressurgindo em Lisboa, 1936, a Academia Portuguesa de História, dela foi Garcia, membro brasileiro, recebendo o respectivo colar em sessão do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a 27 de março de 1941.

Também pertenceu ao Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Instituto do Ceará, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Instituto Histórico de Alagoas, Instituto Histórico e Geográfico do Uruguai.

Não se escusava, Garcia, de redigir trabalhos aparentemente fora de suas preocupações, sempre mais ligadas à História do Brasil Colonial e à lingüística indígena.

Assim, para a revista carioca Sul América, de outubro de 1935, preparou ensaio de 8 páginas, em duas colunas, ilustrado, sobre “A Primeira República – Esboço Político, Econômico e Financeiro”.

No mesmo ano prefaciou o livro A Influência Africana no Português do Brasil, de Renato de Mendonça. A pedido de Afrânio Peixoto, redigiu texto sobre “Os Judeus no Brasil Colonial”, para livro de vários autores: Os Judeus na História do Brasil, em 1936 editado por um livreiro-ambulante.

Na revista Espelho, ano III, número 22, janeiro de 1937, publicou estudo com resultado de anteriores pesquisas sobre o autor da Prosopopéia a Jorge de Albuquerque: “Bento Teixeira – Brasileiro ou Português”. Reproduziu-se em Autores & Livros, Suplemento Literário do jornal carioca A Manhã, ano VIII, vol. IX, número 6, 15 de agosto de 1948.

Na Revista do Brasil, terceira fase, número 1, de julho de 1938, publicou estudo interessante à História de Pernambuco: “A deposição do Xumbergas”, isto é, do Governador Jerônimo de Mendonça Furtado, em 1666.

Em edição da Academia Brasileira de Letras, de 1939, anotou o Compêndio Narrativo do Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira.

Outra, também da Academia e igualmente anotada por Rodolfo Garcia, foi, em 1940, comemorativa do Tricentenário da Restauração da Monarquia Portuguesa, a Vida e Morte, Ditos e Feitos de El-Rei D. João IV, de D. Francisco Manuel de Melo.

O mesmo ocorreu com O Uraguai, de José Basílio da Gama, em 1941, em comemoração ao respectivo bicentenário.

No mesmo ano, em abril, publicou, anotada, na Revista do Brasil, uma “Carta de Francisco Adolfo de Varnhagen ao Dr. Francisco Freire Alemão”, datada de Madri, 4 de novembro de 1852 sobre “Física Vegetal da Comarca de Ilhéus”, de Baltasar da Silva Lisboa.

O bibliógrafo atento, ao qual não faltam as pequenas descobertas da especialidade, retificações, ampliações, etc. – sempre existiu em Garcia. Por esse motivo acedeu em revelar seus “Achados”, assinando-se “Filobiblion” nas páginas do citado Suplemento Literário Autores & Livros, dirigido pelo Sr. Múcio Leão. Dez colaborações do gênero ali enumeradamente publicou entre 31 de agosto de 1941 e 1º de novembro de 1942, relativas a autores e personagens tanto do passado brasileiro como de nossa xenobibliografia.

Em edição da Biblioteca Nacional divulgou, em 1942, com uma notícia sobre o autor, a segunda edição da História da República Jesuítica do Paraguai, do Cônego João Pedro Gay que lhe recomendara Getúlio Vargas.

Também da Biblioteca foi a publicação, no mesmo ano, com introdução de Garcia, de mais uma edição fac-similar, a do Catecismo Kiriri, do Padre Luís Vincêncio Mamiani, aliás Catecismo da Doutrina Cristã na Língua Brasílica da Nação Kiriri.

Sempre fiel aos estudos lingüísticos inseriu, em 1943 na Revista da Academia Brasileira de Letras, ano 42, vol. 65, e em separata, Exotismos Franceses Originários da Língua Tupi.

Como membro fundador da Comissão de Estudo dos Textos da História do Brasil, do Ministério das Relações Exteriores, além de examinar obras da especialidade dos respectivos boletins da Bibliografia de História do Brasil, prefaciou a Bibliografia de Varnhagen, de Armando Ortega Fontes, editada pela Comissão em 1945.

Garcia nos “Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro”.

Nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, de que publicou vinte volumes, do 46, relativo ao ano de 1924, publicado em 1934, ao 65, referente a 1943, aparecido em 1945, inseriu Garcia apenas dois trabalhos especiais de sua autoria, porém não menos de 34 “Explicações” e “Introduções” a trabalhos alheios e documentos neles transcritos, além de notas em alguns dos respectivos textos.

Foram aqueles o já citado Exotismos Franceses Originários da Língua Tupi, no vol. 64, de 1942, aparecido em 1944, e Nomes de Parentesco em Língua Tupi, no mesmo volume. Do último possuímos os originais manuscritos, em ficha, com que nos presenteou o autor, quando, no ano seguinte, deixou a direção da Biblioteca.

Para que se tenha idéia do volume e da importância daquele trabalho de informação erudita e anotações de Garcia nas publicações dos Anais, basta citá-las aqui, embora sumariamente.

No vol. 47, relativo a 1925, uma “Explicação Necessária”, sobre a Nobiliarquia Pernambucana, nele e no seguinte transcrita, de Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca.

No vol. 49, de 1936, prefaciou a publicação da “História de La Fundacion Del Collegio de La Capitania de Pernambuco”, além de anotar o respectivo tema. O mesmo fez quanto ao trabalho do Padre Serafim Leite, S. J., sobre “Antônio Rodrigues, soldado, viajante e jesuíta português na América do Sul, no século XVI”; ao “Livro das Denunciações que se fizeram na Visitação do Santo Ofício à Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos do Estado do Brasil, no ano de 1618”; às “Atas da Câmara Municipal de Vila Rica”.

No vol. 51, de 1929, publicado em 1938: explicou o “Catálogo da Exposição Nassoviana”; o “Diário Resumido do Dr. José de Saldanha”, demarcador de fronteiras do Sul; as “Notas sobre a Língua Geral ou Tupi Moderno do Amazonas”, do Professor Charles Frederick Hartt; os “Verbetes para a História do Brasil”, documentos da Biblioteca Nacional de Lisboa.

No vol. 52, de 1930, aparecido em 1938: “Explicação” relativa a “Documentos sobre o tratado de Madri, de 1750”.

No vol. 56, de 1934, sobre as “Cartas de Luís Joaquim dos Santos Marrocos, escrita do Rio de Janeiro à sua família em Lisboa, de 1811 a 1821”.

No vol. 57, de 1935, sobre “Notícias Antigas do Brasil”, de 1531-51; sobre a “Correspondência do Governador D. Diogo de Meneses, 1608-12”; sobre a “Relação do Dr. Antônio da Silva e Sousa sobre a Rebelião de Pernambuco, 1645”; sobre a “Deposição de Jerônimo de Mendonça Furtado, Governador de Pernambuco, 1666”; quanto à “Representação do Governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho sobre o Estado do Brasil”, manuscrito do Museu Britânico; relativamente à “Informação sobre as Minas do Brasil”, documento da Biblioteca da Ajuda, de Lisboa; sobre o “Tombo dos bens pertencentes ao Convento de Nossa Senhora do Carmo do Rio de Janeiro”.

No vol. 58, de 1936: “Explicações” sobre os “Índices das Consultas do Conselho da Fazenda”, 1622-52, e sobre os “Índices do Códice das Mercês Gerais”.

No vol. 59, de 1937: sobre o “Processo das despesas feitas por Martim de Sá no Rio de Janeiro, 1628-33”; sobre o “Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro para os anos de 1792 e 1794”, do Tenente Antônio Duarte Nunes.

No vol. 60, de 1938: sobre a “Correspondência entre Maria Graham e a Imperatriz D. Leopoldina e Cartas Anexas”; sobre o “Diário do Capelão da Esquadra Imperial comandada por Lorde Cochrane, Frei Manuel Moreira da Paixão e Dores”, 1823; sobre os “Autos de Exame e Averiguação sobre o Autor de uma Carta Anônima escrita ao Juiz de Fora do Rio de Janeiro, Baltasar da Silva Lisboa (1793)”.

No vol. 61, de 1939: quanto à “Memória sobre a Evasão do Núncio Apostólico Monsenhor Caleppi, da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro, 1808, por seu Secretário Camilo Luís de Rossi”; sobre os “Índices dos Documentos relativos ao Brasil pertencentes ao Arquivo Histórico Colonial, de Lisboa”; sobre a “Devassa ordenada pelo Vice-Rei Conde de Resende – 1794”.

No vol. 62, de 1940: sobre a “Narrativa de Viagem de um Naturalista Inglês ao Rio de Janeiro e Minas Gerais (1833-35)”; sobre “Estudantes Brasileiros na Universidade de Coimbra (1772-1872)”, de Francisco de Morais; sobre os “Capítulos de Gabriel Soares de Sousa contra os Padres da Companhia de Jesus que residem no Brasil”.

No vol. 63, de 1941: sobre “Ordens do Dia do General Barão de Caxias (1832-1845)”, relativas à luta contra os farroupilhas no Rio Grande do Sul”.

No vol. 64, de 1942: quanto aos “Estudos sobre o Nheengatu”, de Vicente Chermont de Miranda.

No vol. 65, de 1942, publicado em 1945: sobre “Documentos do Arquivo da Casa dos Contos (Minas Gerais)”, copiados por José Afonso Mendonça de Azevedo.

Total: 34 “Explicações”, abrangendo numerosos assuntos históricos e lingüísticos brasileiros dos séculos XVI a XIX.

Além dos Anais da Biblioteca Nacional, por ela foram publicados, ao tempo da administração de Rodolfo Garcia, muitos volumes (algumas dezenas) de sua coleção de Documentos Históricos. Se nestes a apresentação dos textos não era tão rigorosa quanto se deveria desejar, isto se deve ao fato de serem publicados de acordo com um contrato lavrado antes de sua direção.

Convém acrescentar que todo aquele labor não impediu que o gabinete do Diretor da Biblioteca Nacional (hoje Sala Rodolfo Garcia) fosse, à tarde, o ponto de reunião dos historiadores da época, inclusive daqueles consulentes que ali iam, na expressão de Alceu Amoroso Lima, “folhear o Garcia”… Formava essa habitual reunião, segundo Elmano Cardim e Levi Carneiro, a “Academia Garciana”, denominação que o homenageado, em sua modéstia, certamente não apreciaria, assim como também usava repelir os que insistissem em chamá-lo respeitosamente de “mestre”.

Últimos Trabalhos de Garcia.

Também à Academia Brasileira de Letras, como prova a respectiva Revista, não deixou Garcia de levar contribuições úteis à História Cultural do Brasil. Além de publicações já citadas, de suas edições, fez-lhe diversas comunicações interessantes, entre as quais as seguintes:

Sobre a “Fundação da Bahia – Os antigos povoadores – Dois jesuítas notáveis”, ao oferecer três tomos dos citados Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, conforme a Revista da Academia, ano 30, vol. 54.

Sobre o amigo, Barão de Ramiz, na Revista, ano 30, vol. 55.

Narrativa de uma viagem ao Brasil, do naturalista inglês Sir Charles James Fox Bunbury, em 1833-35, na Revista, ano 40, vol. 61.

Sobre a História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador, na Revista, ano 41, vol. 64.

Novamente sobre o Barão de Ramiz no centenário de seu nascimento, na Revista, ano 45, vol. 71.

Sobre o amigo Afrânio Peixoto, falecido a 12 de janeiro de 1947, na Revista, ano 46, vol. 73.

Sobre “Varnhagen e Garrett”, na Revista, ano 47, vol. 75.

Sempre fiel aos amigos, embora fosse infenso a discursos em público, falou Garcia no batismo do avião “Capistrano de Abreu”, oferecido pelo Instituto do Açúcar e do Álcool à Companhia Nacional de Aviação. Publicou sua oração a revista Brasil Açucareiro, daquela autarquia, ano X, vol. XIX, n.º 4, de abril de 1942.

Também para as comemorações do Centenário da morte do historiador inglês Robert Southey escreveu “Duas Palavras”, publicadas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 178, de janeiro-março de 1943.

No mesmo Instituto realizou uma palestra sobre “As Órfãs”, de Portugal mandadas nos séculos XVI e XVII para aqui se casarem. Publicou-se na Coleção Brasileira de Divulgação, do Ministério da Educação, em 1946, e na Revista do Instituto, vol. 192, de julho-setembro do mesmo ano.

De uma série de conferências promovidas pelo mesmo Ministério, dedicadas aos “Nossos Grandes Mortos”, foi a que pronunciou, referente ao naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, no mesmo ano de 1946 publicada naquela Coleção.

Para o Anuário do Museu Imperial, vol. VII, de 1946, escreveu mais um trabalho sobre “Os Mestres do Imperador”.

O último grande serviço por Rodolfo Garcia prestado à Academia Brasileira de Letras foi a anotação, grandemente aumentada, do Florilégio da Poesia Brasileira, do Visconde de Porto Seguro, em três volumes, ainda em 1946.

No mesmo ano ardorosamente defendeu pela imprensa sua administração na Biblioteca Nacional, plenamente demonstrando que ela só não pode ser mais eficiente porque os Ministros da Educação dos vários governos de Getúlio Vargas, de 1932 a 1945, não atenderam às sugestões e reclamações por ele feitas em sucessivos Relatórios, publicados em Anexos aos Anais da Casa dos Livros. Quanto ao aspecto cultural, falam cabalmente em seu favor os dados aqui apresentados por quem foi sempre distinguido com sua amizade.

A doença tornou tristes os últimos anos de Rodolfo Garcia, ainda empenhado em novas revisões e notas para a quarta edição integral da História Geral do Brasil, de Varnhagen.

Falecendo a 14 de novembro de 1949, recebeu calorosas homenagens de intelectuais brasileiros e estrangeiros, que nele reconheciam e reconhecem um dos maiores historiadores que tem tido o Brasil.

Petrópolis, 13 de agosto de 1966.