DESCASO POR UM MONUMENTO
Raul Ferreira da Silva Lopes, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 32, Patrono – Oscar Weinschenck, falecido
Palácio de Cristal!
Muito já escreveu – e até se lutou – sobre o descaso por que vem sofrendo, administração após administração, o nosso importante monumento: o Palácio de Cristal.
Reformar ou restaurar? Haverá diferença entre estas duas soluções? Alguns já o fizeram, maquiando com massa e tinta as feridas corrosivas da ferrugem, sem nada mais fazerem. Restaurar é que é fundamental. A tecnologia metalúrgica e a solda modernas têm meios de restaurar, sem adulterar o visível, a estrutura de ferro e afins. Essa estrurura não pode ser remendada com ofensas à sua originalidade. E essa originalidade é que o coloca com um importante e valioso monumento de nossa cidade e também um monumento de nossa cidade e também um monumento internacional, porque sua origem está na grande Revolução Arquitetural dos séculos XVIII/XIX, donde ele foi projetado e executado.
Sobre este assunto, com a finalidade de avivar – e quem sabe, até sensibilizar a quem de direito – vamos rememorar o fato e a época da qual se originou o Palácio de Cristal.
Pesquisando na “História da Arte” de Germain Bazin, do Museu do Louvre, destacamos um capítulo destinado à Revolução Arquitetural (págs. 400 a 406). Vamos resumir os fatos que nos ligam a eles pelo nosso monumento.
“A técnica do ferro, com o desenvolvimento de sua tecnologia durante a Revolução Industrial, começou a colocá-lo na aplicação em construções de pontes, gares, edifícios industriais, na Inglaterra, em fins do século XVIII. Depois penetra na arquitetura de habitação com o Pavilhão Brigthon, concepção de John Nash, onde o ferro é empregado com tijolo (1816-1820).”
“Após essa experiência bem sucedida, surgiu o famoso e majestoso Palácio de Cristal – tipo estufa – da Exposicão Universal de 1851, inteiramente de vidro numa armadura de ferro, onde se realizava o ideal de uma arquitetura transparente.”
Este Palácio infelizmente, mais tarde, foi destruído pelo fogo. Aqui cabe uma observação: Porque a Inglaterra, mãe da Revolução Industrial, não o recuperou? Pelo simples fato de que teria de maquiá-lo com materiais modernos prostituiria a concepção original e seus materiais de época, tirando-lhe todo o valor histórico como exemplar de uma era, logo eles que são os criadores da nova ciência: a Arqueologia Industrial.
“Por volta de 1850, inicialmente com pequenos projetos esporádicos, a arquitetura de ferro desenvolveu-se na França. Exemplos: Biblioteca Sainte-Geneviève; a grande sala de leitura da Biblioteca Nacional (1859); a Igreja de Saint-Augustín, cuja estrutura é de ferro com revestimento de pedra. Embora não sendo um edifício, também é dessa época a Torre Eiffel, com 300 metros de altura, montada rapidamente de 1887 a 1889, como uma espécie de Arco do Triunfo da Exposição Universal de Paris, destinado, como monumento, a simbolizar e festejar o desenvolvimento industrial, consequência da Revolução Industrial.”
Nesse contexto histórico revolucionário é que se enquadra o nosso Palácio de Cristal. Dos dois existentes hoje, ele é um deles e o único com a concepção de estufa, totalmente transparente, com armadura de ferro revestida de vidro. Aí é que reside o seu grande valor para a cidade, no
âmbito internacional, como único exemplar de uma concepção revolucionária, onde se pode apreciar a engenhosidade do projeto, a leveza de sua estrutura e as soluções de suporte, tudo feito com o material forjado e fundido daquela época.
Como todos já estão cansados de saber, o Conde d’ Eu foi quem o encomendou na França, às Oficinas da Sociedade Anônima Saint-Sauveur-Les-Arras. Seu projeto, solicitado na época efervescente da Revolução Arquitetural, não podia fugir a essas concepções, pois foi encomendado para ser um centro de exposições para a Associação Agrícola e Hortícula de Petrópolis, recém-criada. “Seu projeto criou uma arquitetura nervada, onde a parede, uma vez liberta de qualquer função de suporte, foi revestida, à toda volta, de vidro.”
Só três exemplares existiram dessas concepções. O de Londres (1851) já destruído pelo fogo; o nosso Palácio de Cristal, terminado em 1879 e vindo para o Brasil desmontado, aqui foi montado e inaugurado em 1884; o Palácio de Cristal de Madrid, de 1886, portanto mais novo que o nosso, cujo projeto é diferente, pois conseguiu a concepção paralela de “paredes de vidro e alvenaria, numa armadura de ferro”. Este está orgulhosamente conservado pelos espanhóis e é uma grande atração turística do Parque do Retiro. Que tristeza comparar o nosso com o de Madrid. As culturas que valorizam seus patrimônios estão distantes. Enquanto para eles é motivo de orgulho, em nossa cidade é vergonhosa a falta de sensibilidade, de inteligência cultural, vontade política, descaso, com que nossas administrações têm olhado para o nosso pobre monumento…
Repito: Reformá-lo, não. Restaurá-lo, sim. Com planejamento inteligente e conscencioso, ele poderá ser uma atração turística para a cidade, tão importante quanto o Museu Imperial. Valorizando-lhe o uso, tanto internamente como externamente no seu parque, ele poderá galgar os degraus de sua merecida internacionalidade, e um exemplar único de uma época, século XIX, onde os estudiosos poderão se deleitar com as concepções de sua arquitetura revolucionária, leve e transparente. E aos leigos, o prazer de integrar-se e contemplar uma obra de arte arquitetônica que tem história no seu “espírito”.
Será que, algum dia, alcançaremos esse objetivo?…
Acorda, Petrópolis!…