Discurso de posse do Associado Titular do Padre Thomas Andrade Gimenez Dias
Thomas Andrade Gimenez Dias (Padre), Associado Titular, Cadeira nº 33 – Patrono Padre Antônio Tomás de Aquino Correia
Senhora presidente do Instituto Histórico de Petrópolis, professora Ana Cristina Borges López Monteiro Francisco, na pessoa da qual saúdo a diretoria deste prestigiado sodalício, bem como os meus mais novos confrades e confreiras;
Com especial deferência, dentre os confrades, saúdo o Dr. Enrico Carrano, Dom Gregório Paixão Dr. Fernando Antônio de Souza da Costa e Professor Hamilton Chrisóstomo Frias, a quem, desde já, agradeço pela indicação que fizeram de meu nome para compor o quadro dos associados titulares desta instituição;
Senhoras e Senhores,
Boa noite!
O Cardeal Dom Lucas Moreira Neves, grande brasileiro, grande sacerdote e grande bispo, escrevendo a respeito de seu torrão natal, mas não excluindo outras localidades, expressou-se de modo lapidar: “As cidades, como as pessoas, são um composto de corpo e alma. O corpo é a estrutura externa, visível e palpável da cidade. A alma é a história, a tradição, a vida da cidade e a atitude das pessoas, que, num determinado período representam o seu espírito”.
Petrópolis, como uma pessoa, também tem o seu corpo e a sua alma, e é nobre por demais em ambas as dimensões.
Seu corpo, tudo aquilo sobre o qual nossos olhos pousam quando estamos dentro de seus muros, quer provenha da engenhosidade da arquitetura dos homens ou da perfeição da criação de Deus, é digno de elogios e admiração dos seus cidadãos e dos seus visitantes.
Se Petrópolis pode ser elogiada pela sua estrutura externa, ouso apresentar minha opinião de que ela é ainda muito mais nobre em sua alma: a história de Petrópolis, a tradição petropolitana e sobretudo os cidadãos que aqui vivem ou que aqui viveram, fazem da nossa cidade uma pessoa, na comparação de Dom Lucas, de alma grandiosa, em todos os sentidos.
Tantos vieram de fora e aqui se radicaram. O caminho aberto por Bernardo Soares de Proença trouxe muitas pessoas para o cume da Serra da Estrela, e desde aquela época e ali começou um trânsito quase que ininterrupto de pessoas para cá vindas dos rincões de nosso Brasil e das distantes terras estrangeiras.
Também eu, vindo de fora, um dia aqui cheguei, no quente verão de 2014. Trazia na minha bagagem algumas roupas, poucos livros e muita vontade de ser padre. Monsenhor José Maria Pereira, aqui presente, acolheu-me no número dos Seminaristas de Corrêas. O venerando e episcopal Seminário desta cidade seria o meu novo lar. Passei a residir na Estrada União e Indústria, passei a residir em Petrópolis.
Aqui cheguei vindo de Ritápolis, interior de Minas Gerais. Terra de pessoas simples, mas ao mesmo tempo narradoras dos feitos do passado. Cresci cercado de pessoas que gostavam e contavam histórias e estórias. Fui aluno do célebre Seminário de Mariana, onde nasceu Minas Gerais, ali também me tornei amigo de pessoas que eram amigas da história. Tudo isso foi importante para que aquele menino e aquele jovenzinho, que era eu, nutrisse, pouco a pouco, o gosto que hoje tenho pelas pesquisas e estudos de cunho histórico.
Esse meu entusiasmo fez com que Dom Gregório, meu bispo e hoje confrade, nomeasse-me para cuidar do precioso Arquivo Histórico de nossa Cúria Diocesana, que guarda importantes documentos da história de nossa Diocese, e indubitavelmente das cidades que a compõe.
De igual modo, esse meu interesse sempre crescente pela história do solo sobre os quais meus pés agora estão plantados, trouxe-me hoje aqui, ao Instituto Histórico de Petrópolis.
Com grande espanto recebi, no ano passado, a interrogação de Dr. Enrico Carrano, questionando-me se tinha interesse em ingressar nesta Arcádia. Com mais espanto ainda recebi o seu comunicado de que tinha sido eleito em abril, próximo findo. Disse ao Dr. Enrico, naquela ocasião, o que digo agora aos meus confrades e confreiras: não tenho a experiência da idade, pois ainda não completei 30 anos, e sequer tenho um currículo invejável, mas juntos, podemos continuar investigando, estudando, discutindo e divulgando a história de nossa querida Petrópolis, em seu corpo e em sua alma.
Hoje, sento-me na cadeira número 33 deste Instituto Histórico, eleito no último dia 10 de abril, após a indicação dos já citados Doutores Enrico, Fernado Costa e Dom Gregório Paixão.
Até pouco tempo nesta cadeira sentava-se a Confreira Ruth Boucalt Judice, e desta cadeira por três vezes presidiu nosso Instituto, sendo a primeira mulher a fazê-lo. De 1981 até 1986 foi sob a sua égide que nosso Sodalício caminhou.
Diplomada em Pedagogia, Turismo, História da Arte, Arqueologia Industrial e Preservação do Patrimônio Histórico, transmitiu os seus conhecimentos nas muitas páginas que escreveu. Em 1999, quando do lançamento de seu livro sobre as Igrejas Neogóticas de Petrópolis, Dom José Carlos de Lima Vaz asseverou que aquela publicação supriria a carência de uma obra robusta que tratasse da história das igrejas da cidade imperial, e muito mais do que isso, ele acrescenta que Ruth Boucalt Judice, com competência e amor, elencou as principais igrejas de Petrópolis, apresentando seu histórico, sua descrição arquitetônica e destacando biografias de construtores.
De viva voz, ouvi inúmeros elogios à senhora Ruth Boucalt Judice, de pessoas que com ela trabalharam na Prefeitura Municipal de Petrópolis e que partilham da vida ao seu lado. Tudo o que ouvi, a respeito de sua competência e bondoso coração, posso resumir, ainda citando Dom Lucas Moreira Neves: a Senhora Ruth ama Petrópolis no seu corpo, seus prédios, e na sua alma, que é a sua história.
E muito mais do que isso, ela, unida a seu marido, ajudou Petrópolis crescer em corpo e alma. Em corpo, dado os inúmeros prédios que foram levantados pela construtora de sua família, em alma, por vir habitar em Petrópolis, enobrecendo, com a sua presença, o elenco dos moradores desta cidade de Pedro.
A cadeira que ela se sentou e que agora cede lugar a mim, ao passar para o rol dos Associados Eméritos, tem como patrono o Padre Antônio Tomaz de Aquino Corrêa.
O padre Corrêa e eu trazemos em nossa assinatura o nome do grande doutor Santo Tomaz. E nós dois também recebemos um dia o sacramento da ordem. Tê-lo como patrono da cadeira que hoje passo a ocupar no Instituto Histórico de Petrópolis é para mim motivo de muito orgulho.
Padre Antônio Tomaz de Aquino Corrêa nasceu na fazenda do Rio da Cidade, em 15 de abril de 1759. Ali residiam seus avós maternos Manoel Antunes Goulão e Ana do Amor de Deus. Na capela que aí existia, aos pés da milagrosa imagem de nossa Senhora do Amor de Deus, recebeu a graça do sacramento do Batismo. Seus pais foram Brites Maria Assunção e Manoel Corrêa da Silva.
Com seus irmãos: Arcângela, Agostinho, Luiz Joaquim e Maria Brígida, passou os primeiros anos em uma casa construída à beira da Estrada de Minas, na confluência do Rio Morto com o Rio Piabanha. Ali existia a chamada Fazenda da Posse.
Lourenço Lacombe, em 1938, escrevendo a respeito da casa onde cresceu o nosso patrono, afirmou que o seu pai, Manoel Corrêa, se radicou de tal modo naquele lugar que o termo Posse, pouco a pouco foi caindo em desuso e dando lugar ao termo Corrêas. Com efeito, a Carta Topográfica da Capitania do Rio de Janeiro, de 1767, dá aquele lugar o nome de “Manoel Corrêa”.
Com a morte de seu pai e sua mãe, respectivamente em 1784 e 1800, o filho Antônio Tomás de Aquino Corrêa, após frequentar a renomada Universidade de Coimbra e receber a Ordenação Sacerdotal, herda a casarão de sua infância e a sua capela, que àquela época já guardava a imagem de Nossa Senhora do Amor Divino, que fora testemunha não só do seu nascimento, mas do nascimento de Petrópolis.
O padre-fazendeiro dedicou-se à criação de gado de corte e ao cultivo de frutas exóticas, cravos e milho. Também fabricava ferraduras, sempre solicitada pelos inúmeros transeuntes do caminho das Minas. À frente de sua casa existia a hospedaria dos viajantes: uma espécie de rancho onde os viandantes podiam pernoitar.
Felizmente, muitos dos viajantes que ali passaram e conheceram o nosso patrono, descreveram os aspectos de sua residência e ainda os traços de sua personalidade: sempre o qualificam como um homem alegre.
A tradição guardou a informação de que Tiradentes também passou pela casa do padre Corrêas, rezou à santa de sua capela e descansou sob a sombra de uma figueira que ali existia. Se não se pode comprovar a passagem do Patrono Cívico de nossa Nação por aquela fazenda, bem diferente é a passagem do nosso primeiro imperador, à época príncipe regente, em 1820. Carlos Maul, falando desse ilustre viajante escreve que na casa do padre Corrêas, “o príncipe encontrou os prazeres do campo, a mesa farta, o descanso do corpo e as noites calmas”.
Nosso patrono não se preocupava em dar apenas assistência corporal aos viajantes que ali passavam, a eles e aos que moravam na vizinhança, também nutria com o pasto espiritual, uma vez que todos estavam distantes do Vigário de Inhomirim, que respondia in spiritalibus pela região da serra acima.
Em 1824, mais precisamente no dia 19 de junho, nosso patrono faleceu repentinamente em sua fazenda. Na capela de Nossa Senhora do Amor Divino foi encomendado e em seguida seu corpo seguiu para o Rio de Janeiro, para ser enterrado no Cemitério da Irmandade de São Pedro dos Clérigos, da qual era irmão.
Cinco anos após a sua morte, o nosso primeiro imperador, “porque já tivera a experiência do Paraíso de Corrêas, espontaneamente procura de novo este pouso para o tratamento de sua filha”. A fazenda, já conhecida como ‘do padre Corrêa’ era agora propriedade de Dona Arcângela Joaquina da Silva, irmã do nosso patrono. Ao receber a proposta de compra, da parte de Dom Pedro I se recusou a fazê-lo, indicando a fazenda vizinha, do Córrego Seco, comprada de fato em 1830. Naquele pedaço de chão, como resume Maul “veríamos crescer um dos mais lindos recantos do Brasil”, a nossa Petrópolis.
Pois bem, meus confrades e confreiras, senhoras e senhores, nosso patrono, que viveu nessas terras antes mesmo delas receberem o nome de Petrópolis também deu a sua colaboração, para que ela fosse gigante em corpo e alma. Sua velha casa de vivenda, é como que uma das primeiras células embrionárias do grande e belíssimo corpo de edifícios que encontramos nessa cidade, mesclados com o verde exuberante da Mata Atlântica.
Os colóquios travados na varanda de sua casa ou ainda os sermões pregados no altar de sua capela, são como que o primeiro ecoar das vozes eloquentes que um dia iriam ser ouvidas em Petrópolis. A sua própria vida converteu-se em uma das primeiras páginas da história desta cidade. A pérola mais antiga desta terra, a imagem da Senhora do Amor Divino, ornada atualmente com a coroa que lhe foi imposta em nome do próprio Papa, é para nós uma herança do nosso patrono, padre Corrêa.
Às portas do segundo centenário de sua morte, eu me sento na cadeira que está sob o seu padroado, comprometendo-me em investigar sobre sua vida e legado e levar tudo isso ao conhecimento dos petropolitanos, seus conterrâneos.
A todos, agradeço pela atenção e sobretudo pela presença.
Muito obrigado.