DISCURSO DE POSSE DO ASSOCIADO TITULAR LEANDRO GARCIA RODRIGUES

Leandro Garcia Rodrigues, Associado Titular, Cadeira nº 25 – Patrono Hermogênio Pereira da Silva

 

Exma. Sra. Ana Cristina Francisco – presidente do IHP, Exma. Sra. Maria de Fátima Argon da Matta – vice-presidente deste mesmo sodalício, Ilustríssimos membros desta diretoria, Querido amigo Dr. Fernando Costa, que gentilmente me recebeu com seu discurso, Caros confrades e confreiras, Queridos amigos e familiares sempre queridos, Minha esposa Lena Zampier e minha filha Maria Clara Zampier

        A eleição como sócio titular de um instituto histórico é sempre uma oportunidade para reavaliarmos a nossa própria trajetória enquanto intelectual, educador e pessoa humana que caminha pelas estradas da vida e que se vai registrando na própria narrativa da história. Ter sido eleito para o Instituto Histórico de Petrópolis se configura não apenas uma honra dada a poucos, mas uma imensa responsabilidade que é fazer parte de uma instituição fundada em 24/9/1938, aqui em nossa cidade, e que já recebeu em seu quadro os mais aclamados nomes da historiografia, do pensamento e da cultura.

        As origens do Instituto Histórico de Petrópolis remetem à sempre aclamada Comissão encarregada de organizar e promover as comemorações do Centenário da cidade de Petrópolis, já que foi numa das reuniões desta Comissão, realizada em 10 de setembro de 1938, que se pensou a criação de um Instituto de estudos históricos que teria o imperador Pedro II como o seu patrono, com sede na cidade que ele tanto amou em vida. Desta forma, ao longo destes seus 84 anos de existência, o IHP tem testemunhado as grandes mudanças pelas quais a nossa cidade e o nosso país têm passado, dando a sua contribuição hermenêutica no sentido de tentar compreender os fenômenos históricos e suas reverberações na sociedade.

       Caros amigos, não sou historiador de carreira e de formação, uma vez que toda a minha formação acadêmica tem sido na área dos estudos literários, como lhes foi possível perceber no belo discurso de recepção proferido pelo meu amigo, o Dr. Fernando Costa. Da graduação ao pós-doutorado, sempre estive envolvido com pesquisas acerca do nosso complexo processo literário, particularmente em torno da obra e do legado do crítico literário Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, ilustre citadino de Petrópolis, que residia na Rua Mosela, número 289. Num primeiro momento em que se pensou a minha candidatura para este sodalício, pensei ser a questão da minha formação universitária um impeditivo, por não ser graduado em História. Mas creio que, na tradição espiritual do Instituto Histórico de Paris, modelo para vários institutos históricos mundo a fora, o nosso IHP percebe a História como um registro e uma narrativa assaz ampla, não linear, não cartesiana e profundamente interdisciplinar. Animei-me, pois penso que o conhecimento aqui produzido e extensivo à comunidade deva ser igualmente largo, sem as amarras próprias de uma departamentalização dos saberes.

       Creio ser inevitável a nossa filiação ideológica e metodológica a modelos que nos precederam na investigação sobre a história, no meu caso, particularmente, a história literária. Pessoalmente, identifico-me sobremaneira com o historiador francês Étienne Pasquier, nem sempre lembrado em nossos círculos. Lembro que Pasquier é o pai da corrente conhecida como História Perfeita francesa, e como historiador estava voltado para uma historiografia preocupada com o uso de fontes primárias e documentos legítimos reconhecidos pela filologia, pela crítica textual, pela ecdótica e pela crítica literária, organizando e problematizando provas e vestígios em favor de uma versão do passado que pudesse, em sua concepção, sobreviver ao tribunal dos críticos e juristas. Neste afã, Étienne Pasquier escreveu sua obra prima com o título de Pesquisas da França, livro este publicado em 1596. Percebam, caros amigos e confrades, que o autor intitula e descreve sua obra como uma pesquisa, e não como um relato concluído e estático, denotando uma mudança metodológica deveras sintomática e fundamental em relação à História Humanista. Além disso, é importante ressaltar que Étienne Pasquier foi um dos primeiros autores modernos a buscar se desvencilhar de referências histórico-genealógicas do passado greco-romano, evidenciando em sua obra que o passado da França estaria no território francês, e não entre os gregos e troianos, como muitos fizeram antes dele, e outros continuariam a fazer mesmo depois.

       Sabemos que Étienne Pasquier não desenvolveu sua metodologia a partir de um grau zero da historiografia, pois foi leitor assíduo do italiano Lorenzo Valla, cuja crítica do documento contribuiu para o desenvolvimento da análise filológica das fontes primárias. A este método, Lorenzo Valla chamou de crítica textual (ou crítica documental), totalmente voltada ao estudo do conteúdo temático, dos termos, do vocabulário, da sintaxe, da estilística textual, da caligrafia e outros aspectos formais do documento, tudo no sentido de recompor o universo em torno do documento e daquele ou daquela pessoa que o produziu.

    Ora, como especialista e pesquisador da Epistolografia, a saber: a ciência literária que investiga cartas e correspondências trocadas entre escritores e intelectuais, identifico-me sobremaneira com os modelos de historiografia praticados por Étienne Pasquier e Lorenzo Valla. Ao longo dos meus 25 anos investigando arquivos e acervos documentais dos mais diferentes autores, cada vez mais estou seguro que devemos praticar uma ética investigativa em tais fontes, vendo no documento uma oportunidade de produção de conhecimento e reavaliação dos mais diferentes cânones pré-estabelecidos. Na verdade, penso que a pesquisa documental provoca a desterritorialização de conceitos e certezas, possibilitando novas concepções e ressignificações de conceitos e teorias. Nisto, a Crítica Epistolográfica, porque sistemática e científica, tem dado inúmeras contribuições epistemológicas à historiografia geral e, particularmente, à historiografia literária, na qual estou mais envolvido por força da minha própria formação acadêmica.

       Caros amigos e confrades, num sentido muito mais amplo do conceito de História, acredito que a mesma não seja prerrogativa apenas dos historiadores e especialistas, pois todos nós situamos as nossas experiências num determinado tempo e espaço. Pessoalmente, creio que a origem do interesse e da preocupação humana com a História é fruto de uma carência por sentido que as pessoas, em geral, têm ao tentarem compreender seus destinos e a mudança das coisas, como a narrativa da própria vida, assim como as modificações promovidas pela passagem do tempo. Nesse sentido, a ciência histórica, como a disciplina que conhecemos, seria uma tentativa de resposta, a solução de um problema, uma forma de se obter tais sentidos. A essa carência, podemos dar o nome de “interesse”, entendendo-o como a forma a partir da qual os seres humanos, por meio de suas memórias ou da compreensão do passado, lidam com o seu presente e programam o seu futuro.  

       Assim, penso que minha eleição para o Instituto Histórico de Petrópolis foi permeada por esses sentimentos e por esses valores, o que aumenta ainda mais a minha responsabilidade como seu sócio titular, pois tenho consciência que deverei dar a minha melhor contribuição para a produção e extensão de conhecimentos, democratizando o acesso universal a estes mesmos conhecimentos, como plataforma de construção de uma Petrópolis mais crítica e consciente do seu lugar no concerto geral de uma sociedade justa e intelectualmente mais rica e produtiva.

     Talvez por isso que os membros desta casa decidiram eleger-me para a cadeira de número 25, que tem a patronímica de Hermogênio Pereira da Silva, na sucessão de Arthur Leonardo de Sá Earp, transferido à categoria de associado emérito.

        Ora, quem foi Hermogênio Pereira da Silva?

        Mais conhecido apenas como Hermogênio Silva, nasceu no município de São Gonçalo em 1848 e faleceu aqui em Petrópolis, em 1915. Foi um dos principais políticos na transição entre o Império e a República, tendo ocupado os cargos de deputado estadual, vice-governador do Rio de Janeiro e senador eleito por este estado, não chegando a tomar posse neste cargo devido a manobras políticas dos seus adversários.

       Mudou-se para Petrópolis em 1884, participando da fundação do pioneiro Clube Republicano Fluminense, de orientação republicana e abolicionista. Em 1889, com a Proclamação da República e o consequente fim da monarquia, Hermogênio Silva foi nomeado Delegado de Polícia; dias depois tornou-se Presidente do primeiro Conselho de Intendência de Petrópolis (cargo correspondente ao de atual Prefeito), indicado pelo governo provisório da República. Com a sucessão dos anos, foi várias vezes eleito para o cargo de vereador municipal e também de prefeito, acumulando o legislativo e o executivo municipais com maestria e imensa capacidade de articulação política.

       Aqui em nossa cidade, Hermogênio Silva foi responsável, dentre tantas iniciativas, pela elaboração do Código de Posturas da cidade, pelo abastecimento público de água nos bairros periféricos, uma maior cobertura de iluminação pública e eletricidade, a instalação de um vasto sistema de esgoto e saneamento básico, pela instalação de um maior sistema de telefonia, construção de moradia para a população de baixa renda, pela instalação da primeira companhia municipal de limpeza urbana, pela abertura e calçamento de várias ruas, a construção de pontes etc. A fim de sediar os órgãos do poder municipal adquiriu, dos herdeiros do Barão de Guaraciaba, o hoje chamado Palácio Amarelo, atual sede do legislativo municipal.

     Este resumo biográfico de Hermogênio Silva já demonstra o múnus que será ocupar a cadeira 25 do nosso Instituto, o que espero corresponder a todas as expectativas dos caros confrades e confreiras que me elegeram.

  Senhoras e senhores, em geral, é comum sermos eleitos para as arcádias culturais após o falecimento dos seus antigos membros. Felizmente, para a minha total alegria, substituo a partir de hoje um membro vivo e super atuante, meu querido amigo Arthur Leonardo de Sá Earp, doravante carinhosamente chamado de Sá Earp.

       Por vontade própria, Sá Earp quis passar ao quadro dos membros eméritos de nossa Casa, o que provocou a vacância da sua cadeira e a minha posterior inscrição para a mesma. Ao saber da minha eleição, senti um misto de alegria e preocupação, pois substituir um intelectual como Sá Earp é tarefa das mais complicadas.

        Arthur Leonardo de Sá Earp nasceu aqui em Petrópolis em 6/12/1937, sendo o segundo dos sete filhos do Dr. Nelson de Sá Earp e de D. Amélia Costa de Sá Earp. Sua formação básica foi realizada nos colégios Santa Isabel, D. Hilda Maduro, São Vicente de Paulo e no Seminário Arquidiocesano de São José, no Rio de Janeiro. Entre 1957-1959, Sá Earp cursou Filosofia na Universidade Gregoriana, em Roma. No retorno ao Brasil, ingressou no curso de Direito da Universidade Católica de Petrópolis, na qual se bacharelou em 1963.

        Já formado em Direito, trabalhou como revisor da Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara, sendo responsável pela elaboração do seu extenso índice remissivo. Neste período, também foi Diretor Adjunto da Companhia de Navegação Netumar, com sede na cidade do Rio de Janeiro. Em 1970, através de concurso público, ingressou na carreira do Ministério Público estadual, no cargo de promotor público de justiça. Atuou em diversas comarcas no estado do Rio de Janeiro, dentre as quais, Sumidouro, Barra do Piraí, Carmo, Sapucaia, Paraíba do Sul, Vassouras, Nova Friburgo, Teresópolis, Volta Redonda, Nova Iguaçu e São João de Meriti. Em 1988, por promoção de carreira, foi elevado ao cargo de Procurador de Justiça, com atuação nas 1ª e 2ª Câmaras Criminais e Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

      Além de uma bela e longa carreira na Justiça fluminense, Sá Earp também é membro titular de inúmeras associações de classe e instituições culturais, com destaque para a Associação Internacional de Direito Penal; do Conselho Deliberativo da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro; do Clube de Astronomia do Rio de Janeiro; do Conselho Municipal de Cultura e de Tombamento Histórico, Cultural e Artístico de Petrópolis; do Conselho Curador da Fundação Petrópolis, Cultura, Esportes e Lazer; do Conselho de Títulos e Honrarias da Câmara Municipal de Petrópolis e, por um determinado período de tempo, também foi membro do Conselho Superior de Administração da Universidade Católica de Petrópolis. Aqui no nosso Instituto Histórico de Petrópolis, tomou posse em 1990.

        Todos estes títulos e honrarias fazem parte do curriculum vitae de Artur Leonardo de Sá Earp. Entretanto, peço-lhes vênia para fazer um registro do amigo Sá Earp, sempre solícito para com os seus companheiros de caminhada. Como é do conhecimento de todos, Sá Earp administra e salvaguarda o espetacular Acervo Histórico de Gabriel Kopke Fróes. Há alguns anos, quando eu estava realizando uma extensa pesquisa acerca dos textos ainda inéditos e dispersos do nosso poeta Raul de Leoni, percebi que no Acervo Gabriel Kopke Fróes havia uma considerável quantidade destes documentos inéditos. Fui aconselhado por Maria de Fátima Argon a entrar em contato com Sá Earp e pedir autorização para reproduzir tais textos. Eu não sabia, mas Sá Earp estava pessoalmente envolvido com a enfermidade de sua esposa Gilda, e mesmo assim, num profundo gesto de generosidade, respondeu inúmeros e-mails que lhe enviei, dando detalhes e informações acerca dos documentos de Raul de Leoni. Igualmente, sem o meu conhecimento, dias após o passamento à eternidade de sua esposa Gilda, recebo um e-mail carinhoso de Sá Earp me pedindo desculpas pelo atraso de uma das respostas, explicando-me o triste acontecimento.

       Tudo isso guardo na lembrança e no coração, como penhor de amizade e abnegação deste grande intelectual e amigo que é Artur Leonardo de Sá Earp, o qual tentarei substituir nesta cadeira 25 que, doravante, me pertence.

        Srs. Ana Cristina Francisco, digníssima diretoria e ilustres confrades e confreiras do nosso Instituto Histórico de Petrópolis – agradeço-lhes a confiança na minha eleição como associado titular deste sodalício e espero, do fundo do meu coração, poder corresponder à vossa confiança e corresponder às vossas expectativas para com a minha atuação de hoje em diante.

       Termino evocando a memória do nosso patrono maior, o grande imperador D. Pedro II. Sabe-se que, mesmo no distante e injusto exílio, D. Pedro II não se esquecia de nossa cidade, o que fica claro no trecho de uma carta dele enviada ao Visconde de Taunay, em 25/3/1890, o qual diz: “Meu caro Taunay, vou bem de saúde e estudo bastante, para mesmo de longe servir à nossa pátria. Como vão os seus? Fale-me de Petrópolis”.

     À guisa de uma conclusão, ouso responder ao nosso imperador: nossa cidade caminha na velocidade da sua própria lógica; possui certas injustiças sociais é bem verdade, mas ainda continua deslumbrante em sua beleza histórica e natural, e preserva a sua memória, caro monarca, através de inúmeras instituições culturais, com um carinhoso destaque ao seu Instituto Histórico, que o tem por patrono maior.

       Senhoras e senhores, muito obrigado.