Discurso de posse do associado titular Lucas Ventura da Silva

Lucas Ventura da Silva, Associado titular, Cadeira nº 35 – Patrono Bernardo Soares de Proença

Senhoras presidenta e vice-presidenta do Instituto Histórico de Petrópolis, Ana Cristina Borges López Monteiro Francisco e Maria de Fátima Moraes Argon da Matta, demais membros da Diretoria, Confrades e Confreiras, aos professores Ferreira, Álvaro Penalva e Fátima Argon – que muito agradeço pela indicação – família e amigos, senhoras e senhores.

Boa noite a todas e todos.

Abro esse discurso com o texto de uma sapucaiense, ativista no Movimento Negro no estado, na década de 1980, Maria das Graças dos Santos, Magrácia.

Celeiro da Paz – MAGRÁCIA
Venho de uma caminhada
Longa e desvairada
Cruéis matagais,
Pastoreio inconsequente
Conduzindo gente
Adentro currais.
 Eh! meu gado combalido
meu povo sofrido
vaca empoeirada!
Faz que nem pintinho no ovo
renasce de novo
bota o pé na estrada.
Arranquei minha mordaça
pedi que se faça Justiça civil!
Não ouço mais o berrante
nem mais sou errante
do manhoso ardil.
Hoje sei que sou de ferro
pois, sou eu quem berro
liberto-me assim,
Transformando em terra arada
Seara cuidada
de pasto em Jardim!
 É, que estão chegando as flores
desfecho das dores
celeiro da Paz,
De suprir vaca minguada
Então, pátria amada: MORADA DA PAZ!
 

É com muita felicidade e surpresa que aqui estou hoje sendo empossado como Associado Titular do Instituto Histórico de Petrópolis. É curioso…essa casa já foi algo tão distante para mim e como e se o tempo não avisasse, aqui estou eu. Lembro-me da minha surpresa quando recebi a mensagem do professor Ferreira me perguntando se eu tinha interesse em fazer parte do IHP. Mas ao mesmo tempo uma forte sensação de alegria tomou conta de mim, eleito ou não, se havia pessoas pensando na possibilidade de uma cadeira do IHP ser ocupada por mim, indica que as minhas pesquisas e minha atuação têm sido significativas de algum modo.

“Nossos passos vêm de longe”

Nesse meio tempo, entre a eleição em abril e a posse em julho, talvez o que eu tenha mais recebido foram elogios de mérito. Mas o que sou hoje, nada mais é do que o resultado de sucessivos encontros nessa minha curta trajetória. Não somos sozinhos no mundo, não estamos sozinhos, não fazemos nada só nesse mundo.

Quem diria que aquele curumim de Sapucaia que deixou cidade, família e amigos para estudar História em um lugar, para ele, quase desconhecido e que acabou se apaixonando por Braudel, Bourdieu e Levi-Strauss, seria, hoje, Historiador e membro do Instituto Histórico de Petrópolis?

Sou fruto de políticas públicas de Estado. Filho da escola pública e de qualidade, saí de Sapucaia, cidade das mangueiras, de Sá Marina e de Magrácia, em 2017, aos 18 anos. Cotista e bolsista de Programa Universidade para Todos (ProUni), graduei-me em História na Universidade Católica de Petrópolis.

Aqui preciso reverenciar minha família, porque sem eles nada seria possível. Aos meus irmãos, Lunara Cássia e Luan, mas principalmente aos meus pais, Luiza Helena e Damião e aos meus padrinhos Fátima Rosária e Dilzon, que viraram o mundo do avesso para me manterem em Petrópolis, cidade com um custo de vida bastante diferente de Sapucaia. Minha mãe, assim que vim para a cidade, começou a vender bobos de pote e, mais tarde, a trabalhar em casas de família e tudo, completamente tudo, que ela conseguia, mandava para mim. Meu pai, com uma caixa de som numa brasília amarela, uma vara de pescar na mão e um rolo de tinta na outra, ajudava a me manter aqui. Nada eu conseguiria sem vocês, tudo que eu fizer na vida será dedicado a vocês.

No percurso da faculdade, tive alguns encontros que foram e são muito fundamentais na minha trajetória. São muitos. Mas não poderia deixar de mencionar minha passagem pelo Museu Imperial entre 2019 e 2020 e o feliz encontro que tive com Alessandra Fraguas, Janaina Perrayon e Fátima Argon. Foi essa experiência no museu e o contato com essas mulheres abelhas rainhas que surgiram minhas pesquisas na graduação, concluída em 2020, e no mestrado em História Política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em andamento.

Certamente, outros encontros foram indispensáveis: como o contato com meus tios e tias, primos e primas e toda a experiência no movimento negro em Sapucaia; todo trabalho empreendido por meus professores, desde a educação infantil até a pós-graduação; daquela primeira viagem em Petrópolis no Museu Imperial, com as professoras Silvana, Rosângela e Luzinéia, em 2009; do trabalho árduo de pesquisa sobre história da arte em Sapucaia, com a professora Maria Cecília, em [2010-2011]; de todo o trabalho de investigação e argumentação no Júri Simulado de Capitu (onde na época a acusei de traição, mas sei que é um mistério indecifrável), com o professor Carlos Augusto, em 2015; de toda experiência política que tive em Brasília no Parlamento Jovem Brasileiro, atuando como parlamentar jovem por um ano na Câmara dos Deputados, em 2015; por todos encontros com os colegas de faculdade, sendo o mais profícuo deles com Natalia da Paz, onde desse encontro resultou na organização de um livro sobre história de Petrópolis, que em breve será lançado; ao lindo encontro com o Museu da Memória Negra de Petrópolis, nas pessoas de Filipe Graciano, Karol de Cerqueira e Pedro Ivo Cipriamo; a toda minha família biológica e aquela família que na trajetória nos proporciona: Alessandra Fraguas (já citada abelha rainha), Valesca e André, Rosilene e Paulo e, principalmente, ao meu namorado Cauã, por todo amor e companheirismo. Sou extremamente grato a todos esses encontros, muito obrigado por tanto.

As minhas pesquisas sobre escravidão, abolição e a experiência de contestação da ordem escravista em Petrópolis são atravessadas pela minha vivência e todos os negros e negras, petropolitanos ou não, no cotidiano desta cidade. Falar de africanos e africanas e as experiências desses agentes em Petrópolis tem que parar que ser assunto extraordinário e se tornar ordinário. Pois interfere diretamente no que temos por cidade, relação, no que temos por Petrópolis.

Fui indicado pelos professores Ferreira, Álvaro Penalva e Fátima Argon, a quem agradeço imensamente pela confiança, para ocupar a cadeira de número 35, cujo patrono é Bernardo Soares de Proença.

O nome de Bernardo Soares de Proença é incontornável no que tange à história de Petrópolis e sua fundação. Ele foi o responsável pela chamada “variante no caminho novo”, um atalho, um trajeto mais rápido e mais seguro que encurtava a viajem do Rio de Janeiro para Minas Gerais, fugindo do trecho do Caminho Novo que passava pela Serra do Mar que era bastante perigoso, “muito íngreme, fazendo muitas vezes que animais e até pessoas rolassem serra abaixo”. O Caminho aberto por Proença, entre 1723 e 1725, era quatro dias mais rápido do que o Caminho Novo original, aberto por Garcia Rodrigues Pais, no início do século XVIII. O primeiro Caminho Novo ligava a região de Minas Gerais ao Rio de Janeiro e evitava que o ouro e demais mercadorias fossem escoados para o porto de Paraty.

Segundo o saudoso professor Jeronymo Ferreira Alves, a variante do Caminho Novo partia do Porto da Estrela, subia a serra, indo até o Alto da Serra. A partir disso, seguia aonde hoje é a Rua Teresa, passando depois pela Rua Dr. Sá Earp, pela Silva Jardim, pelo Quissamã e Itamarati, Correias, Itaipava, Pedro do Rio, Secretário, Cebolas, até Paraíba do Sul, onde a variante do Caminho Novo se juntava com o trajeto de Garcia Pais.

Ao abrir uma variante, no caminho original, Proença fez movimentar uma nova rota comercial na região, que gerou uma ocupação mais intensa do Vale do Piabanha e, por consequência, a futura cidade de Petrópolis. Bernardo Soares de Proença acabou falecendo em 1735 e, no ano seguinte a sua morte, se tem notícia de que na região de “serra acima” existiam 22 moradas e 343 pessoas.

Mas, além disso, preciso falar daquele que por último ocupou esta cadeira: o professor Paulo Roberto Damico.

Infelizmente não tive o prazer de conhecê-lo, mas, por meio de depoimentos e um artigo publicado pelo IHP na Tribuna de Petrópolis em função de seu falecimento em 2020, podemos afirmar que Paulo Roberto Damico foi um professor extremamente dedicado ao seu ofício, sendo um nome notório nas discussões sobre história de Petrópolis. Professor Damico, como era conhecido, era formado em História na Universidade Católica de Petrópolis. Foi, em sua trajetória, um agente ativo no campo da Educação na cidade integrando departamentos de direção em educandários, comissões culturais de pesquisa, produziu palestras e aulas magnas. Com sua atuação na Educação e no Ensino de História no município, Damico foi admitido no quadro do IHP, sendo empossado em 13/01/1997. No Instituto, o professor foi igualmente ativo, apresentou trabalhos, atuou em comissões, foi eleito vice-presidente da Diretoria Executiva e, por algum tempo, ocupou a presidência do IHP.

Certa vez Waly Salomão, em Obra enganadora, disse que “ Teatro não se explica, teatro é ato”. História também é ato, história é práxis. Franz Fanon, psiquiatra e filósofo político, autor de Pele negra, mascaras brancas, Alienação e liberdade, entre outros, já disse, “a questão não é mais conhecer o mundo, mas transformá-lo”. O Instituto Histórico de Petrópolis acaba de empossar um jovem, historiador negro, gay e pesquisador sobre escravidão e abolição. É… Nós estamos transformando o mundo.

Muito obrigado pela atenção e presença de todos!