DISCURSOS – DEPOIMENTO PARA O TRABALHO DA FUNDREM – 29/11/1981
Ruth Boucault Judice, associada titular, cadeira n.º 33, patrono Padre Antônio Tomás de Aquino Correia
Pediram-me um depoimento sobre os trabalhos realizados em Petrópolis para o Zoneamento da cidade e o Uso do solo.
Penso, em sã consciência, que mais que um depoimento, posso dar um testemunho do que foi realizado. Participei de praticamente todas as reuniões, informei-me de tudo. Opinei, concordei e discordei quando necessário. Vi sair destas reuniões o projeto final, a conclusão do que seria necessário para, preservar essa Cidade Imperial!
Hoje, tomo conhecimento de críticas, de que a lei é restritiva, que há erros, e pasmem senhores, que é uma lei elitista!
Como elitista, se foi de nossas reuniões que surgiu a idéia de estímulo a construção de vilas; de proteção ao patrimônio fabril, que é muito importante; de proteção à arquitetura popular, em especial às vilas operárias?
Mas essas pessoas que hoje atacam, tiveram como eu, as portas abertas para opinar, criticar e até contribuir. Pena que tenha havido omissões, que são sempre as geradoras de críticas sem fundamento.
A primeira reunião que compareci, fui sem ser convidada, como simples cidadã.
Chegou ao meu escritório (Firma Construtora) um convite do Sindicato da Construção Civil para o meu sócio que é engenheiro, participar de uma reunião com a turma da FUNDREM que já vinha estudando paulatinamente o zoneamento da cidade. Fui, de curiosa. O convite não era para mim. Mas eu era petropolitana de coração, residindo na cidade por mais de 30 anos, queria saber de seu destino.
Gostei das diretrizes do trabalho, vi que era coisa séria e que seria válido perder tempo com ele. Voltei à próxima reunião e daí em diante, passei a ser convidada como Presidente do Instituto Histórico, cargo que eu até hoje ocupo.
Interessei-me enormemente porque, eu que sou professora de História da Arte, conhecedora dos preceitos modernos de Preservação, fiquei feliz ao ver como os técnicos da FUNDREM e os membros da SPHAN estavam atualizados no assunto, já expurgado dos erros do passado, quando nesse Brasil só se pensava em salvar o que era colonial ou barroco.
Começamos juntos: eles com as técnicas e nós – moradores da cidade, com a vivência da mesma – a procurar um denominador comum que preenchesse a necessidade urgente dessa cidade que também é industrial, mas que tinha todo um patrimônio ambiental, ecológico e arquitetônico a ser preservado, a encontrar seu caminho.
Que a lei tenha sido restritiva, não espanta! Durante os nossos trabalhos, por decreto, o Presidente Figueiredo transformou Petrópolis em Cidade Imperial. Era preciso agora torná-la um museu vivo, como existem tantos hoje no mundo inteiro. Conservar o seu passado sem impedir seu desenvolvimento necessário. Fazer co-existir desenvolvimento e preservação era o grande desafio. O primeiro nesse Brasil.
Daí as discussões, as polêmicas, os encontros e desencontros. Mas sempre chegávamos às conclusões juntos. E tínhamos na nossa mesa redonda, aberta ao público que lá quisesse ir, representantes de todas as classes interessadas. Preservacionistas, engenheiros, arquitetos, industriais, gente de elite cultural e gente do povo. Tivemos representantes de bairros, que lá foram argumentar e sugerir soluções e todos foram ouvidos com a mesma atenção.
Lembro-me que nas primeiras reuniões, quando ainda havia o medo do desentendimento, tive oportunidade de falar, argumentando que era fácil, para nós preservacionistas, sensibilizar o outro lado, de vez que os incorporadores, nossos maiores adversários, ainda eram homens da terra, que aqui viviam, tinham família e gostavam da cidade. Que o que faltava era talvez um maior diálogo com eles. Eles pediam as soluções urgentes para continuar atuando. Nisto tinham suas razões. A cidade não podia parar. Mas não era essa a intenção dos técnicos. Viraram noites num trabalho insano.
Depois do decreto surgiu um empecilho. Era o tempo. Havia apenas 90 dias para que chegássemos ao fim. As reuniões aumentavam, foram mais ao fundo das questões. Deixamos de ter horário. Todos nós largávamos nossos afazeres para colaborar na corrida contra o tempo.
Sinceramente, fiquei orgulhosa de ver no nosso Brasil trabalho mais organizado, maduro atual. Com levantamentos nos locais, inventários completos da qualidade e estado dos imóveis, áreas verdes localizadas, mananciais marcados e mapeados. Essa documentação toda nos era fornecida e era sobre ela que trabalhávamos e opinávamos.
Nessa altura, a Prefeitura já havia tomado para si a liderança dos trabalhos. E enquanto corríamos, sigilosamente, fazia uma pesquisa de opinião pública para saber qual a necessidade de Preservação da Cidade.
Já no final dos trabalhos, tomamos conhecimento dos resultados. 90% da população pediam que se preservasse sua cidade.
Que emoção!
Foi a culminância de todos os nossos esforços que se viam compensados.
Valera o cansaço, valera o tempo de trabalho particular perdido a favor do trabalho comum. Tínhamos hoje maior convicção do que ontem, que a Cidade Imperial deveria ser preservada. Teria que ser um museu vivo, dinâmico, mas um museu das riquezas históricas do passado, do sonho de um imperador, da arquitetura de escol paradigma do final do século XIX. Se o decreto não chegasse, poderia ter desaparecido sob a avalanche das novas construções que começavam a ser feitas sem critérios técnicos. Não havia a preocupação de espaços proporcionais ao número de moradores. Não havia o controle com a infra-estrutura básica, como água, rede de esgoto, devastação de morros, poluição dos mananciais, poluição por excesso de automóveis por m2, poluição dos rios pela indústria sem controle. Não se falava em ecologia. É preciso que tudo isto continue a existir. Quem esteve nas reuniões sabe disso. Queremos ordenar esse crescimento e salvar o passado histórico, que falará aos jovens de hoje alguma coisa sobre o nosso ontem.
Petrópolis pede apenas um futuro para o seu passado!