DOIS TRIOS … DOIS DESTINOS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Theobaldo Costa Jamundá é pernambucano de origem, mas catarinense por opção. Vive em Blumenau há muitíssimos anos e, estudioso que é da história, do folclore e da etno-sociologia, tem obra suculenta sobre a região que elegeu para armar sua tenda.

Já está na 2ª edição seu livro “Kolonie Blumenau dos Três Doutores” que na sua primeira parte estuda aquilo que ele chama “Trio Amigo da Mata”, que nada mais é que o trio fundamental responsável pelo surgimento e pelo deslanche da colônia germânica do Itajaiaçu.

Jamundá se refere a Herman Blumenau, a Fritz Muller e a Emil Odebrecht e ao papel que cada um desempenhou na urdidura de um projeto, que alcançaria pleno sucesso, segundo as metas propostas.

O tema fez-me refletir sobre Petrópolis, que tem também suas origens apoiadas num tripé, formado pelo jovem Imperador D. Pedro II, pelo experiente Mordomo Paulo Barbosa da Silva e pelo talentoso e pertinaz Major de Engenheiros Júlio Frederico Koeler.

Mas se lá e cá há uma coincidência no número de partícipes no jogo de cena, o mesmo não ocorre com algumas das tendências que nortearam cada uma das colônias, e, nem o perfil dos que criaram Petrópolis e Blumenau obedece às mesmas características.

Antes de mais nada, Petrópolis nasceu antes da Revolução de 1848, na França e no mundo germânico, e Blumenau, logo depois.

Alvitra Renato de Mello Vianna, ao apresentar o livro de Mestre Jamundá:

“A Revolução Democrática de 1848 na Alemanha, sufocada pela nobreza, forçou alguns de seus líderes e simpatizantes a fugirem daquele país. Os imigrantes que vieram antes eram predominantemente das regiões agrícolas e pobres da Alemanha. Faltava-lhes a cultura para conseguir se impor e obter renome além fronteiras. Mas Blumenau, fundada em 1850, teve a felicidade de receber um punhado de homens capacitados, não só a arrancar do solo o sustento de seus familiares, mas também com a competência para angariar a admiração e o respeito que só são devotados àquelas comunidades organizadas dos povos ordeiros e progressistas, que sabem perfeitamente o que querem e lutam tenazmente para consegui-lo”.

Afirma Jamundá que os integrantes da Colônia Particular do Dr. Blumenau aprenderam com seus líderes, desde cedo, a ver a mata como aliada e não como inimiga. Por isso eles a devassaram, para melhor conhecê-la e para o estabelecimento do projeto, mas não a devastaram.

Em geral, desde os mais remotos tempos coloniais, o forâneo viu na selva tropical, nos seus habitantes e mistérios, um entrave ao desenvolvimento de seus negócios e por conseguinte ao progresso. Era a mata resistindo ao avanço do homem branco. Daí as grandes dizimações de florestas, fosse pela ignorância do que elas poderiam representar para a melhor e mais inteligente conquista da terra, fosse pelo ódio aos percalços que elas poderiam oferecer ao pretenso controle da natureza bruta.

E em nome dessa política desertificaram-se várias regiões brasileiras, em algumas delas de maneira irreversível.

Estudiosos do tema desfraldaram durante décadas a bandeira contrária à migração européia para o Brasil, taxando-a, entre outras coisas, de devastadora das nossas matas e riquezas naturais, pela ignorância das peculiaridades e potencialidades do trópico, pelos obstáculos que a floresta oferecia ao imediatismo conquistador, pela cobiça extrativista, irresponsável e extensiva, eventualmente compensadora no curto prazo, mas desastrosa ao longo do tempo.

É bom não esquecer que Alberto Torres foi ardoroso crítico dessas migrações, que ele classificou de predatórias e pouco compensadoras. Mas, o Mestre generalizou e, muita vez, quando se generaliza o erro é fatal. Em casos como esse, vale mais o varejo que o atacado.

E o varejo quem nos traz é Mestre Jamundá, demonstrando, em suas páginas reveladoras de extraordinária vivência do meio e de incontestável conhecimento de causa, que as matas guarnecedoras do vale do Itajaiaçu e por conseguinte da colônia germânica ali instalada a partir de 1850 tornaram-se aliadas dos colonos, graças aos significativos exemplos dados pelo trio Blumenau-Muller-Odebrecht.

Muller e Odebrecht estudaram na Universidade de Greifswald e, aqui, renderam-se aos encantos e aos apelos da mata subtropical, tornando-se amigos dela.

Principalmente Fritz Muller, seguidor das doutrinas de Darwin e com base nelas, estudioso dos segredos da floresta que o cercava no Vale do Itajaí, acabou por produzir obra científica de inegável mérito, paradigma para as gerações que se seguiram.

Ali, o cientista da natureza foi contemporâneo da colonização. Aqui, na serra da Estrela, nos chãos que abrigariam Petrópolis, os naturalistas passaram antes. Freyreiss, Pohl, Spix e Martius, Eschwege, Saint Hilaire, andaram por estas plagas em exaustivas investigações, na segunda década do século XIX, quase trinta anos antes de se pôr em marcha o projeto do castelo-burgo-colônia, auspiciado pelo Imperador, articulado pelo Mordomo e factibilizado pelo Major.

Em que pese a preocupação de Júlio Frederico Koeler com a defesa das matas, máxime nas coroas dos morros e nas áreas de mananciais, o certo é que, sobre ter sido curta a gestão do Major à frente dos destinos da Colônia de Petrópolis e mesmo como líder de sua comunidade, primeiro, em razão do sórdido complô que o afastou da Diretoria colonial, depois em face de sua morte trágica e prematura, cedo as matas como um todo tornaram-se vulneráveis à sanha desordenadamente destruidora do elemento colonial.

Jean Baptiste Binot já denunciava o fato pelas páginas d’O Parahyba, a partir de 1857, portanto dez anos após a morte de Koeler. E daí em diante, por todo o século XIX e pelos novecentos, a imprensa local nunca deixou de chamar a atenção para o problema das matas e de sua exploração consciente e seletiva.

Ao arrepio dos apelos e dos estudos de cunho cientifico, as florestas caíram ao peso do impiedoso machado, que as transformou em carvão e lenha e depois nas irreversíveis favelas.

Blumenau logrou mais sorte, ao ter na longevidade de seu grande chefe a garantia de uma liderança firme, sadia e condoreira. O Dr. Herman Oto Blumenau nasceu em 1819 e faleceu em 1899. Viveu 80 gloriosos anos, dos quais 36 dedicados ao seu empreendimento colonial catarinense.

Sobre o assunto, escreve Carlos Fouquet em “Vida e Obra do Dr. Blumenau”, Instituto Hans Staden, São Paulo, 1951:

“De quatro anos de empresa particular – 1848-1852, e os sete subseqüentes de colônia particular, ofereceram ao Dr. Herman Blumenau, múltiplas oportunidades de revelar ‘no vendaval do tempo’, seu caráter e, notadamente, sua capacidade de sacrificar por uma idéia, com inabalável força de vontade, seu dinheiro, seus bens, a vida e mesmo a honra. Tornou-se tranqüila a era que então se iniciou e durou 24 anos.

[…] Ao encampar o governo a colônia em 1860, o número de seus habitantes era de 947, quase todos alemães natos ou de origem teuta e evangélicos. Em abril de 1880, ao ser instalada a administração municipal, o número de habitantes subira a 14.981 e, em 1884, ao retornar o fundador da colônia definitivamente a sua terra natal, estimava-se a população em 17 a 18 mil almas”.

Viveu Herman Blumenau, de 1884 a 1899 em Brunswich, onde faleceu a 30 de outubro deste último ano.

Fazendo uma síntese da obra colonizadora do Dr. Blumenau, avançou Mestre Theobaldo:

“É uma colonização estruturada com lote rural familiar e de relações obrigatoriamente associativistas e com eliminação da dependência escravocrática, presença religiosa sendo indispensável e mais ainda o título de propriedade do lote… E tudo dentro de um caldeirão entendido como consciência comunitária”.

Não foi sem razão que o Dr. Herman Blumenau, por sua obra grandiosa, fez jus a uma das medalhas de ouro distribuídas quando da Exposição Internacional de Paris, em 1867, e ao prêmio de 10.000 francos.

Sua colônia foi realmente considerada modelo no Império do Brasil, pela imigração voluntária, pela agricultura e pela capacidade de trabalho de seus habitantes.