DOM PEDRO II: REFLEXÕES SOBRE O MONARCA INTELECTUAL

Alessandra Bettencourt Figueiredo Fraguas, Associada Titular, Cadeira nº 27 – Patrono José Thomáz da Porciúncula

Ao contrário das biografias clássicas de d. Pedro II que, além de apontarem para a dualidade entre o monarca e o cidadão, reforçam os epítetos de rei filósofo, erudito e mecenas, as recentes pesquisas fornecem indícios suficientes para a formulação da hipótese de que o imperador pôde contribuir direta e significativamente com a construção do conhecimento, configurando-se, para além do diletante, em um tipo de intelectual característico do último quartel do século XIX.

Os seus estudos tradutórios e traduções, como salientam os pesquisadores coordenados pelo linguista Sergio Romanelli, ou a atuação como mestre das suas filhas, as princesas Isabel e Leopoldina, preparando-as para o governo da casa e, sobretudo, do país, como tem mostrado a historiadora Jaqueline Aguiar, por si só, permitiriam situar Pedro II, na acepção das mais recentes abordagens historiográficas, como um intelectual mediador, ou aquele que se dedica a atividades ou práticas de mediação cultural. No caso das traduções, por exemplo, a teoria literária reconhece o processo criativo implícito no trabalho, que não aparece como mero exercício de erudição, mas como uma ressignificação do texto original a partir dos códigos culturais do tradutor.

Além disso, ao perfil de estadista mecenas, estudos têm contraposto a importância de Pedro II em uma rede de sociabilidade que envolvia intelectuais de várias partes do mundo, com os quais o imperador não só colaborou, financiando seus projetos, ou enviando amostras que pudessem fundamentar suas teorias, mas debatendo com afinco teses que pautariam um novo paradigma científico. O caso mais conhecido talvez seja o apoio financeiro e moral que deu para a fundação do Instituto Pasteur, criado em 1887, quando a teoria sobre os micro-organismos causava grande desconfiança e contestação. Não à toa, ainda hoje o busto de Pedro II encontra-se instalado na “Sala dos Atos”, no Museu Pasteur, em Paris.

No Brasil, d. Pedro II foi um importante agente para a consolidação de dois espaços de pesquisa fundamentados na cultura científica dos últimos decênios do século XIX, relacionado às ciências práticas, ou que pudessem ser, segundo a concepção da época, úteis às conquistas materiais e, em última instância, à modernização do país. Neste sentido, na década de 1870, o imperador atuou diretamente para a fundação da Escola de Minas de Ouro Preto e a reorganização do Museu Nacional, especialmente para a implantação do Laboratório de Fisiologia, constituídos a partir de bases e demandas próprias da era industrial.

A faceta intelectual de Pedro II, como contraponto aos demais trabalhos que reforçam apenas o patronato, “o bolsinho imperial”, o “amor” pelas ciências e pelas letras, também pode ser percebida, por exemplo, nos estudos de egiptologia, revelados nos volumes 13 e 20 dos seus diários, cujo caráter científico foi avalizado por renomados egiptólogos, como François Auguste Mariette e Heinrich Karl Brugsch, ligados, respectivamente, à criação e à direção do Museu Bulaq, antecessor do moderno Museu Egípcio do Cairo, que, inclusive, acompanharam o imperador na viagem que fez ao Egito e ao Alto Nilo em 1876.

No exterior, d. Pedro II foi eleito sócio correspondente da Academia de Ciências, do Instituto de França, em 1875, passando, mais tarde, a associado estrangeiro, o que é muito representativo do status adquirido pelo imperador entre os cientistas europeus, já que existiam apenas oito vagas nesta categoria, que dava ao eleito o direito de voto nas decisões da academia francesa.  Em 1876, foi nomeado sócio estrangeiro da Sociedade de Antropologia de Paris. No mesmo ano, participou como membro honorário do III Congresso Internacional de Orientalistas, em São Petersburgo. Tornou-se membro das Academias Imperiais de Ciências de São Petersburgo e Moscou e da Royal Society, de Londres, entre outras.

A rede de sociabilidade construída, sobretudo a partir de 1871, quando viajou pela primeira vez ao exterior, relacionada a uma intensa circulação internacional de ideias, nos indica que Pedro II teve uma atuação efetiva nos campos intelectual e científico, e que o imperador não só lia, ou se correspondia com os mais eminentes cientistas e intelectuais do seu tempo, como também era, ele mesmo, um articulador e produtor de ideias, as quais embasavam tomadas de decisão e agenciamentos políticos.

Assim, é possível enquadrá-lo entre os intelectuais seus contemporâneos que, de modo geral, eram multifacetados e representavam a convivência entre o letrado e o cientista, o intelectual e o político. No nosso entendimento, a participação de Pedro II na produção de novos saberes no século XIX reforça a tese de que o imperador não era um mero diletante, ou viajante curioso, mas um agente histórico que, aos poucos, se afastava do modelo do letrado iluminista, ou do homme de lettres, e se aproximava do intelectual nos moldes do final do Oitocentos, consagrado por Émile Zola e seu J’Accuse.