Parte 1
Legítimo rebento da zona rural fluminense, Manoel Edwiges de Queiroz Vieira veio ao mundo a 17 de outubro de 1856, na fazenda Bengalas, na então freguesia de Santana de Macacu, no atual município de Cachoeiras de Macacu.(1)
(1) – Quando Edwiges de Queiroz nasceu, a então freguesia da Santíssima Trindade e Santana de Macacu, pertencia ao velho município de Santo Antonio de Sá, com sede na vila do mesmo nome, tendo sido esta criada em 15 de maio de 1679. Por questões de insalubridade, o decreto nº 1379 de 6 de novembro de 1868, transferiu o caput do município para a freguesia de Santana de Macacu. Em 29 de setembro de 1877, através do decreto nº 2244, o governo provincial modificou o nome daquela comuna fluminense, que passou a chamar-se Santana de Macacu, uma vez que há nove anos ali estava funcionando a sede municipal. Em 10 de dezembro de 1898, nova alteração de nome – Santana de Japuiba, e, em 27 de dezembro de 1923, deu-se mais uma transferência de local, passando a vila a funcionar na povoação de Cachoeiras de Macacu, que recebeu foros de cidade a 27 de dezembro de 1929.
Seus pais foram o Coronel Emygdio Antonio Lopes Vieira e D. Deomethides de Queiroz Vieira.
Criança ainda, sofreu acidente numa tacha de açúcar. O melado fervente mutilou-lhe a mão direita. O defeito físico perseguiu-o a vida toda. Muito vaidoso e elegante, jamais apareceu em público sem que tivesse a destra discretamente escondida no bolso da calça. Não há uma só fotografia sua em que a mão sinistrada se faça visível.
Seus implacáveis adversários na vida pública fizeram desse infortúnio uma arma para feri-lo. A alcunha pejorativa de “Mãozinha” foi glosada em prosa e verso nos discursos inflamados, nas badernas de estudantes, nas sátiras populares, nas colunas desabridas e ferozes da imprensa.
Aluno interno do Colégio Pedro II, bacharelou-se em humanidades em fins de 1874. No ano seguinte rumou para São Paulo onde matriculou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, colando grau em Ciências Jurídicas e Sociais em 1879.
De volta à terra natal, aí exerceu a advocacia por algum tempo. Em 1885 foi nomeado pelo Governo Imperial juiz municipal e de órfãos do termo de Santana de Macacu. Em 1887, acolhida sua solicitação, conseguiu transferência para o termo de Rio Bonito, mantendo-se na judicatura até 1889, quando já proclamada a República.
Filiado ao Partido Conservador, de que era chefe na antiga Província do Rio de Janeiro o Conselheiro Paulino José Soares de Souza, continuou Edwiges de Queiroz, já sob o novo regime instaurado a 15 de novembro, ao lado desse prestigioso prócer, acompanhando-o na luta contra o primeiro governador do Estado, Dr. Francisco Portela.
Sobre essa luta, de que participaram, entre outros, republicanos históricos do quilate de José Thomaz da Porciúncula, Alberto Torres, Barros Franco Junior, Maurício de Abreu, Geraldo Martins, Teixeira Leite, valem algumas considerações, até por ter ela assinalado o fortalecimento do nascente Partido Republicano Fluminense.
Enfocando as origens da república na ex-província do Rio de Janeiro, Antonio Figueira de Almeida na sua “História Fluminense”, Rio, 1930, valendo-se do testemunho de Miguel de Carvalho, atesta que “as organizações republicanas regulares tiveram início em São Fidélis, no ano de 1876 com Érico Coelho que ali fundou o jornal ‘O Povo’ e, em Paraíba do Sul, com Leopoldo Teixeira Leite”.
O mesmo Figueira de Almeida declara terem sido Francisco Portela, Augusto Pinto Laper, José Thomaz da Porciúncula, os primeiros republicanos a terem acesso à Assembléia Provincial, abrindo campo para que outros adeptos das novas idéias viessem engrossar as fileiras dos que se opunham à monarquia.
Por toda a Velha Província multiplicaram-se os propagandistas da república. Os líderes foram indubitavelmente Teixeira Leite e Barros Franco Junior em Paraíba do Sul; Porciúncula e Hermogenio Silva em Petrópolis; Maurício de Abreu em Sapucaia; Francisco Portela, Pedro Tavares e Nilo Peçanha em Campos; Fidélis Alves em Itaboraí; Alberto Torres em Niterói; Ferreira da Luz em Pádua; João Francisco Barcelos em Valença; Gustavo Jardim em Resende; José Bueno em Saquarema e Ciro de Azevedo em Rio Bonito.
Vitorioso o movimento de 15 de novembro, nesse mesmo dia tomou posse interinamente no governo fluminense o Capitão Francisco Victor da Fonseca e Silva. A 16, nomeado por decreto de Deodoro, a conselho de Quintino Bocaiúva, assumiu o executivo fluminense o médico piauiense Francisco Portela, há muito radicado em Campos dos Goitacazes, onde fora jornalista e empresário, sobejamente conhecido como republicano ortodoxo.
A 20 de março de 1891 foi eleita a primeira constituinte republicana no Estado. O clima era bastante tenso pois o governador era acusado, entre outras coisas, de fraudador do processo eleitoral.
Edwiges de Queiroz, candidato a deputado pela oposição a Portela, não conseguiu eleger-se. Curiosamente, em Petrópolis, terra a que mais tarde ligaria o seu nome, obteve 270 votos, tendo sido o 37º candidato mais votado.
A 11 de maio do mesmo ano, a Assembléia elegia Francisco Portela e Arthur Getulio das Neves, respectivamente, Governador e Vice-Governador do Estado e a 29 de junho a constituinte encerrava seus trabalhos, promulgando a primeira Carta desta unidade da federação.
O segundo semestre de 1891 começou bastante tumultuado. As crises sucediam-se no âmbito do Governo Federal e já em outubro era flagrante o confronto entre Deodoro e o Congresso. A 3 de novembro foi este fechado pelo Marechal Presidente, que assim tornou-se o primeiro ditador da história republicana brasileira. Estávamos enfim nivelados à maioria dos nossos vizinhos atormentados pelo caudilhismo desenfreado e inconseqüente.
Conquanto todos os governadores dos Estados, a exceção de Lauro Sodré, do Pará, tivessem endossado o golpe de Deodoro, grupos exaltados, notadamente na Capital Federal, conspiravam visando à deposição do Generalíssimo.
Os despautérios do aprendiz de ditador não lhe garantiram mais que três semanas à frente dos destinos da República, já claudicante.
A 23 de novembro ele renunciava e o efeito cascata fez-se sentir nos Estados, com a queda dos governadores. Francisco Portela não escaparia dessa derribada por atacado. Uma revolução com fulcro em Paraíba do Sul pôs fim ao curto e medíocre mandato do piauiense, que resignou o cargo a 10 de dezembro. O Vice Artur Getulio das Neves recusou-se a assumir o governo. Da mesma forma agiram os demais substitutos legais do governador. Instaurou-se assim, por alguns dias, a balbúrdia administrativa no Estado.
O quadro era de tal modo calamitoso, que Artur Azevedo chegou a publicar venenosa quadra em “O País”, tão oportunamente recordada por Brígido Tinoco em seu “A Vida de Nilo Peçanha”:
De mão em mão anda a vara!
Ninguém a quer aceitar;
Anunciam – cousa rara:
Estado para alugar.
Diante de tão graves ameaças à integridade estadual, Floriano Peixoto, no exercício da Presidência da República, ordenou que fosse empossado na governadoria do Estado do Rio de Janeiro, o Contra-Almirante Balthazar da Silveira, que assumiu a 14 de dezembro de 1891, segundo a segura informação de Figueira de Almeida.
O novo chefe do executivo fluminense, que não ficaria no poder mais do que quatro meses, dissolveu a Assembléia e convocou nova Constituinte.
Dessa agremiação de constituintes que trabalhou sob a presidência de José Thomaz da Porciúncula, fez parte, como 1º Secretário, o Dr. Edwiges de Queiroz.
Era na verdade uma assembléia composta dos nomes mais representativos da política estadual. Clodomiro Vasconcelos, em sua “História do Estado do Rio de Janeiro”, traz à pág. 190, a relação dos integrantes desse corpo legislativo, entre os quais destacavam-se Manoel Henrique da Fonseca Portela, Joaquim Maurício de Abreu (futuro presidente do Estado), Alberto de Seixas Martins Torres (idem), Agostinho Vidal Leite de Castro, Antonio Furquim Werneck de Almeida, Alfredo Augusto de Guimarães Backer (também futuro presidente do Estado), Alcebíades Peçanha (irmão de Nilo, mais tarde figura destacada na diplomacia brasileira), Francisco Pinheiro de Souza Werneck (Barão de Ipiabas), Hermogenio Pereira da Silva (chefe político de expressão em Petrópolis até 1910), Lourenço Maria de Almeida Batista (Barão de Miracema), João Francisco Barcelos, Leopoldo Teixeira Leite, José de Barros Franco Junior, Oscar de Macedo Soares, João Gomes de Matos, Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda (futuro Secretário de Interior e Justiça de Maurício de Abreu, avô de Carlos Lacerda).
A 9 de abril de 1892, encerram-se os trabalhos da Constituinte. Vinha a furo, finalmente, a nova constituição do Estado, que haveria, apesar das revisões que sofreu, de orientar a vida político administrativa fluminense por quatro décadas.
Na mesma data foram eleitos pela Assembléia, para um mandato tampão, para exercerem a presidência e a vice-presidência do Estado, respectivamente, o Contra-Almirante Balthazar da Silveira e Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho.
As eleições pelo voto direto da população foram marcadas para 24 de abril e delas saiu o nome de José Thomaz da Porciúncula para Presidente desta unidade da Federação. A posse do renomado prócer republicano deu-se a 3 de maio e o mandato terminaria a 31 de dezembro de 1894.
Para a Assembléia Legislativa, que começou suas sessões em 6 de maio de 1892, foi Edwiges de Queiroz eleito com 18.911 votos, colocando-se em 32º lugar entre os sessenta deputados sufragados pelo povo para compor o legislativo fluminense.
Da mesa provisória desse corpo legislativo, presidida por Paulino Soares de Souza Junior, fez parte Edwiges como 1º Secretário.
E quando a 22 de julho de 1892, elegeram-se os membros da mesa definitiva da Assembléia Legislativa fluminense, o nosso biografado foi mais uma vez apontado para 1º Secretário. Os demais cargos foram assim preenchidos: Presidente, o Deputado Castrioto; 1º e 2º Vice-Presidentes, os Deputados Ferreira de Matos e Ferreira da Luz; 2º Secretário, Geraldo Martins.
Além de sua função meramente burocrática, o Deputado Edwiges de Queiroz não foi dos mais atuantes, fosse na discussão de temas polêmicos, ou na apresentação de projetos de interesse do Estado, onde tudo estava por ser feito.
Apenas, na sessão de 9 de setembro de 1892, propôs a criação de uma escola do sexo masculino na localidade de Catimbau Grande, no município de Araruama e, a 25 de janeiro de 1893, votou com mais 26 colegas a favor da transferência da capital do Estado de Niterói para Teresópolis (2).
(2) – Sobre a transferência da capital de Niterói para Teresópolis, ver o alentado ensaio que fiz publicar na Revista do Instituto Histórico de Petrópolis, vol. II, ano de 1981, págs. 121 e segs.
A turbulência política no primeiro semestre de 1893 foi tão grande a nível federal quanto estadual. Havia no ar uma inquietação que perturbava a boa marcha dos trabalhos legislativos e a caprichosa e bem intencionada administração de Porciúncula.
A 6 de setembro, rebentou a revolta de parte da Armada na baía da Guanabara e, como Niterói tornou-se altamente insegura para abrigar a sede do governo do Estado, o Presidente, não tendo condições ainda de transferi-la de fato para Teresópolis, que ainda era um projeto in fieri, trouxe-a para Petrópolis, onde os poderes do Estado começaram a funcionar precariamente em 18 de dezembro de 1893. A transferência provisória deu-se pela lei de 30 de janeiro de 1894 e a definitiva, a 1º de outubro do mesmo ano, quando já não havia mais qualquer sinal de revolta na Guanabara, voltando Niterói à rotina de sempre.
Essa estada da capital em Petrópolis por quase dez anos trouxe muita gente de outros rincões para cá e o destino encarregar-se-ia de mantê-la ou não aqui, conforme os seus caprichos.
Foi nessa leva que Manoel Edwiges de Queiroz Vieira acabou por radicar-se nestas serras, aqui criando raízes, aqui ligando seu nome a um dos rincões mais bucólicos de quantos há nos desvãos destas nossas montanhas privilegiadas. É o que veremos no próximo número.
Parte 2
Estávamos no primeiro capítulo desta resenha, em fins de 1893, quando a capital fluminense, por causa da Revolta de 6 de Setembro, deixou Niterói e subiu a serra vindo abrigar-se em Petrópolis.
Em 30 de agosto de 1892, havia tomado posse na chefatura de polícia do Estado o Dr. João Francisco Barcelos, eminente chefe político na região de Valença.
Três meses depois, a lei de 3 de novembro, ao ocupar-se da organização policial desta unidade da Federação, estabelecia na Seção I, do Capítulo II:
Art. 3º – O Chefe de Polícia será nomeado dentre os graduados em Direito pelas Faculdades do país, que tiverem pelo menos quatro anos de prática de Foro ou de administração do Estado.
Art. 4º – É incompatível com os cargos de eleição popular e com qualquer outro encargo ou cargo remunerado pela União, Estados e Municípios.
É evidente que, com a transferência da capital para cá, todos os poderes, órgãos e repartições do Estado deslocaram-se para estas serras e foi assim que o Dr. Edwiges de Queiroz, então deputado estadual, teve que fixar residência nestas paragens, tão distintas daquelas que lhe serviram de berço, e, de habitat por quase quarenta anos.
Em princípios de 1894, teve que desincompatibilizar-se com seu cargo eletivo, nos termos do $ 2º do artigo 4º da Lei de Organização Policial, uma vez que iria assumir a Chefatura de Polícia do Estado do Rio de Janeiro.
Era o último ano do mandato de José Thomaz da Porciúncula e a capital ainda estava aqui em caráter provisório.
A Gazeta de Petrópolis de 19 de maio daquele ano, registrava:
“Assumiu ante-ontem a chefia de polícia do Estado do Rio, nesta capital, o snr. Dr. Edwiges de Queiroz…”.
Enquanto isso, Porciúncula estava designando o dia 17 de junho para a eleição de 15 deputados, em virtude de vagas abertas, entre elas a que se dera em razão da renúncia do Dr. Edwiges, pelos motivos já acima explicados.
Em 31 de dezembro de 1894, terminava o primeiro triênio sob a égide da Constituição de 9 de abril de 1892 e assim, assumia o governo fluminense o Dr. Joaquim Maurício de Abreu que manteve o mesmo Chefe de Polícia da gestão anterior.
Corria o ano de 1896. Numa tarde, conversavam ali pela Praça da Liberdade, o Dr. Porciúncula, Edwiges de Queiroz e mais alguns amigos, quando passou por eles um grupo de meninas estudantes do Colégio Santa Isabel então sob a orientação da Irmã Fagalde. (1)
(1) – A Irmã Clara Fagalde era Superiora do Colégio Santa Isabel e faleceu no Rio de Janeiro aos 5 de março de 1900.
Uma delas destaca-se das colegas para cumprimentar o Dr. José Thomaz da Porciúncula, grande e velho amigo de seu pai.
O ex-Presidente do Estado faz as apresentações, dizendo ser aquela jovem filha do Coronel José Candido Monteiro de Barros.
Tratava-se de Maria Tereza, para os íntimos Sinhazinha, na altura, na força dos seus quase dezessete anos.
O Chefe de Polícia, quarentão e solteiro inveterado, interessou-se vivamente pela moça e convenceu o seu amigo Porciúncula a servir de intermediário, de modo que o Coronel José Candido viesse a permitir-lhe fazer a corte à filha.
O resultado de tão delicada missão foi plenamente satisfatório. Apesar das naturais resistências da jovem, o candidato a noivo caira como uma luva nos planos do Coronel e o casamento seria inevitável.
A 27 de janeiro de 1897, na Fazenda da Engenhoca, numa festa inesquecível, o Chefe de Polícia do Estado selava o seu destino, amarrando-se não só à cativante Sinhazinha, mas também a Petrópolis, chão adotivo pelo resto de sua vida. (2)
(2) – O casamento de Manoel Edwiges de Queiroz Vieira e Maria Tereza Monteiro de Barros está registrado no livro nº 1, às fls. 73vº, sob o nº 111, no Cartório do Registro Civil do 2º Distrito de Petrópolis.
O mundo político e social da época prestigiou o acontecimento e quem tiver a paciência de consultar, no Cartório de Cascatinha, o registro de tal casamento, vai ver ali os autógrafos de Porciúncula, Miguel de Carvalho, Maurício de Abreu e outros próceres, que fizeram questão de testemunhar tão auspicioso evento.
Dois meses depois, voltava ao governo da República o Dr. Prudente de Moraes, licenciado há algum tempo, por causa de delicada cirurgia a que tivera de submeter-se.
O homem ainda convalescente retornava às suas atividades num dos piores e mais turbulentos dias de seu atribulado quatriênio.
Fora logo impactado pelo desastre de Moreira Cesar em Canudos e pelos motins que explodiram no Rio de Janeiro em conseqüência daquela tragédia.
O caos instalara-se na Capital da República, culminando com o empastelamento de jornais e o assassinato do Coronel Gentil de Castro. Prudente carecia de um pulso firme para controlar a balbúrdia.
Foi então que Porciúncula, aliado político do Presidente, sugeriu-lhe o nome de Edwiges de Queiroz para debelar a crise no Distrito Federal.
Ainda praticamente em lua de mel, Edwiges aceitou o desafio e despedindo-se da mulher tomou o rumo do Rio onde hospedou-se no Grande Hotel, bem no largo da Lapa.
Assumiu o espinhoso posto e começou a agir com mão de ferro.
Qual não foi sua surpresa, um dia aparece-lhe a consorte no hotel e o convence a juntos tomarem uma casa onde poderia o Chefe de Polícia desfrutar de maior conforto.
Foi então que alugaram palacete à rua Hadock Lobo, onde tiveram a sorte de contar com um cozinheiro francês, capaz de satisfazer as exigências do paladar do homem forte do governo.
O maior problema a ser enfrentado então, no contexto da segurança da Capital brasileira, era o clima de insurreição insuflado pela imprensa panfletária e pelo grupo liderado pelo Vice-Presidente Manoel Victorino Pereira, que fazia oposição irresponsável e sem trégua ao Presidente da República.
Para neutralizar os arroubos da caterva desvairada, era preciso implantar um espião em casa do safardana Victorino.
Uma certa Amélia Iracema, informou ao Edwiges que o Vice-Presidente estava sem copeiro. A notícia veio a calhar. O Chefe de Polícia contratou um estudante de sua confiança, que travestido de serviçal passou a vigiar as manobras e os passos do solerte conspirador.
Mas apesar de tanta astúcia, não foi possível evitar o atentado sofrido por Prudente de Moraes no Arsenal de Guerra e que redundaria na morte do Ministro da Guerra, General Machado Bittencourt.
O lamentável incidente ocorreu em princípio de novembro de 1897, quando a quilômetros de distância ainda fumegavam as cinzas de Canudos.
Um ano depois, Prudente de Moraes deixava o governo prestigiado por seus correligionários e pelo povo em geral.
Seus auxiliares mais chegados, entre eles o Dr. Edwiges, foram buscá-lo no hotel, levaram-no à estação da Central do Brasil e embarcaram com ele em sua viagem de retorno a São Paulo e Piracicaba.
Aproveitando-se da ausência do governo e sempre preocupado com a filha sozinha num casarão da rua Hadock Lobo, o Coronel José Candido Monteiro de Barros, foi ao Rio, fez toda a mudança do casal para Petrópolis, entregou o palacete ao locador e aqui, criou as condições necessárias para que o ex-Chefe de Polícia da Capital e sua jovem mulher pudessem se instalar confortavelmente na Fazenda da Engenhoca.
Ao voltar de sua viagem, Edwiges não teve mais que conformar-se com a situação, aceitando o veredicto do sogro.
Os caprichos da família por vezes falam mais alto que a índole inflexível e dura de certos homens públicos.
O ex-Chefe de Polícia deixou-se vencer pela trama doméstica e não pôde resistir ao imã da Engenhoca, que o prenderia para sempre a estas serras.
A Fazenda da Engenhoca, de propriedade do Coronel José Candido Monteiro de Barros, era parte da enfiteuse do Retiro de São Thomaz e São Luiz, cujo domínio direto pertencia ao mesmo Coronel. Sua sede ficava numa elevação do terreno, fazendo frente para a Estrada União e Indústria, num ponto hoje situado entre a Estação de Transbordo de Correas e o posto de gasolina. Na parte dos fundos a propriedade era guarnecida pelas densas matas do Caetetu, por onde serpeavam o córrego ainda imáculo e uma picada que fazia a conexão da sede com o Carangola.
Edwiges de Queiroz tomou-se de amores pelo seu novo habitat e passou a nutrir imenso ciúme do Caetetu, onde ele não permitia a entrada de estranhos. Era um ecologista nato, que chegou a ponto de expulsar de suas terras uma princesa italiana que ousou devassá-las a partir do Carangola.
A duzentos metros da casa grande da fazenda, havia nascente de água cristalina que atendia por biquinha, xodó do patrão. Era ali que ele se abastecia e não suportava o arroz que não fosse feito na hora da refeição e com aquela água quase milagrosa.
Volvidas tantas décadas, a biquinha segue em pleno funcionamento, inverno e verão e não são poucos os que vêm muita vez de longe para ali se abastecerem de tão puro e genuíno líquido.
“Manoel, vá buscar água na biquinha que o Dr. Edwiges já vem”, tal a frase tantas vezes repetida pela minha saudosa amiga Maria Tereza Monteiro de Queiroz Vieira, a quem devo grande parte dessas reminiscências.
Uma vez repimpado na Engenhoca, o Dr. Edwiges passou a dedicar-se à advocacia, mantendo escritório à rua do Rosário no Rio de Janeiro.
Descia no trem das 7:20 e voltava aí pelas 19:30 horas.
Quando no último ano do governo Alberto Torres houve o racha no Partido Republicano Fluminense, Edwiges de Queiroz seguiu a facção liderada pelo Dr. Porciúncula, que por desgraça morreria aos 46 anos, no dia 28 de setembro de 1901. No ano seguinte, outra perda irreparável: faleceu o Coronel José Candido Monteiro de Barros.
Meio ao desabrigo, Edwiges sem perder o contato com o mundo político fluminense e petropolitano, em particular, dividia o tempo entre a tranqüilidade da Engenhoca, os negócios da família de sua mulher e o seu escritório na Capital Federal, que não deixava de ser uma espécie de comitê dos seus correligionários.
Enquanto isso, Nilo Peçanha subia feito um foguete, ocupando todos os espaços políticos no Estado, criando uma corrente que só daria de si, após a morte desse grande líder em 1924.
Parte 3
Não é tarefa das mais fáceis explicar o cipoal em que esteve envolvida a política fluminense e petropolitana no início do século XX.
Havia aqui um jornal chamado Gazeta de Petrópolis, sucessor do Mercantil, que teve, desde que apareceu em 1892, uma postura radicalmente republicana e governista, alinhado com Floriano, depois com Prudente de Moraes e Campos Sales, no plano federal; com Porciúncula no estadual e com Hermogenio Silva, no municipal.
Quando do racha do Partido Republicano Federal, a folha em epígrafe seguiu sendo prudentista e, quando aconteceu idêntico problema no Partido Republicano Fluminense, no fim do governo de Alberto Torres, ela rompeu com Porciúncula, para continuar prestigiando o então Presidente do Estado.
Em 28 de setembro de 1901, morre prematuramente nesta cidade, o Dr. Porciúncula e a Gazeta, fazendo-lhe o necrológio, confirmou textualmente o rompimento com o líder então falecido, sem entretanto negar-lhe os méritos que marcaram sua curta, porém profícua existência.
Morto Porciúncula, já no início do governo de Quintino Bocaiúva no Estado do Rio de Janeiro, a Gazeta de Petrópolis foi pouco a pouco se afastando do hermogenismo, no plano municipal, e se chegando ao nilismo, no estadual, ao próprio Quintino, que em ultima análise era padrinho de casamento de Nilo Peçanha.
Em 1902, outubro, aparece a Tribuna de Petrópolis, com feições modestas, mas com projeto bastante ambicioso. Tinha o bafejo dos hermogenistas e passou a ser uma espécie de órgão oficial da Câmara Municipal, há muito sob o controle de Hermogenio Pereira da Silva.
Integralmente na oposição no plano local, a Gazeta de Petrópolis começou a definhar, para morrer melancolicamente em fins de 1904. E foi este periódico que, no apagar das luzes, deu um certo suporte publicitário a Edwiges de Queiroz, num momento difícil da vida política nestes arraiais serranos. Já ficou vista em outra altura, a grande aproximação entre Porciúncula e Edwiges. O primeiro tinha seu QG eleitoral nesta urbe, basicamente em Cascatinha. E foi ali que o segundo firmou posição sucedendo ao seu correligionário.
Bem significativa é esta nota publicada pela Gazeta de Petrópolis em sua edição de 20 de outubro de 1903:
“Dr. Edwiges: Ante-ontem, aniversário natalício do distinto cavalheiro, cujo nome encima estas linhas, foi ele muito felicitado por grande número de amigos e correligionários em sua residência na Cascatinha”.
“A banda de música da digna corporação operária que ali existe, acompanhada de grande número de labutadores pela vida e, em geral, eleitores foram à residência do chefe político do 2º distrito, levar as suas homenagens”.
“Cavalheiro como é, o snr. dr. Edwiges a todos ofereceu um esplendido jantar sendo por esta ocasião erguidos muitos brindes e o de honra à Republica.
“Esta folha fez-se representar”.
A Tribuna de Petrópolis já raiou aqui fazendo guerra ao governo de Quintino Bocaiúva. Claro, se o novo periódico era hermogenista e se Hermogenio Pereira da Silva havia sido preterido quando da sucessão de Alberto Torres ao governo do Estado, era lógico que os dois bicudos jamais se beijariam.
É bom recordar que o candidato de Torres era Hermogenio, nas eleições de 1900. Ocorre que em face do racha no Partido Republicano Fluminense, não houve qualquer consenso em torno dessa candidatura, o que ainda mais aprofundava a crise, inviabilizando o Estado. Foi Campos Sales quem tirou da manga o nome de Quintino, que acabou polarizando a atenção dos chefes políticos e do eleitorado. E o resultado das urnas foi inevitável.
Foi a primeira rodada sofrida por Hermogenio, depois de quase uma década de poder e prestígio em Petrópolis e mesmo no âmbito estadual. O troco veio pelas páginas da “Tribuna”, que não sendo propriamente panfletária, abriu fogo contra Quintino, contra o esquema que ele representava e por contaminação contra o novo líder fluminense, que subia como um foguete: Nilo Peçanha.
No limiar do segundo semestre de 1903 agitou-se a bandeira da reforma da Constituição de 9 de abril de 1892.
Embora a revisão no todo ou em parte da carta estadual estivesse prevista no artigo 134 dela, a “Tribuna” fechou questão contra a idéia. Na edição de 30 de junho de 1903 da Tribuna de Petrópolis, sob o título “Reforma Constitucional”, lê-se:
“Assim querem os donatários da terra fluminense, assim entende a hermenêutica governamental, inspirada em motivos de ordem puramente política”.
“Para avaliar-se dos intuitos da reforma, reclamada como uma solução à crise em que se debate o Estado, basta entender que nela só têm interesse os politiqueiros ávidos em removerem dificuldades que a atual constituição opõe aos intuitos da oligarquia que se quer implantar na nossa terra, com usurpação dos direitos políticos dos fluminenses”.
E, como não podia deixar de ser, o redator da matéria não poupava farpas ao Presidente Quintino Bocaiúva, para todos os efeitos interessado direto na revisão constitucional. Ia mais além o editorial em estudo: afirmava que o governo pretendia aumentar o tempo do mandato presidencial de três para cinco anos, com direito à reeleição.
E sentenciava:
“Que a reeleição é um perigo, não há a menor dúvida, principalmente num país como o nosso em que o povo não tem na lei suprema da República o remédio para afastar do poder um presidente que não respeite o direito dos seus concidadãos, nem cuide dos interesses do território, cuja direção lhe foi confiada”.
Tratava-se evidentemente de um eufemismo, de um discurso hipócrita. É lógico que a reeleição não era institucionalizada no país, mas ela existia de fato, na medida em que as oligarquias se mantinham no poder por anos a fio, alternando nele suas figuras mais representativas. As moscas mudavam de nome, mas a bosta era a mesma. Nada de rótulos, de nomes aos bois. Nisso os casta suzanas da política não se comprometem. Tudo parecendo ser uma coisa, embora sendo outra, é o lema. E afinal a reeleição posta com todas as letras na lei fundamental do país, já demonstrou que não é bicho de sete cabeças e que é mais honesta como está, do que como era nos tempos do faz de conta da República Velha e mesmo nas outras repúblicas que se lhe sucederam.
O artigo 134 da Constituição do Estado rezava:
“Esta constituição poderá ser reformada no todo ou em parte mediante representação de dois terços das Câmaras Municipais, ou deliberação da Assembléia Legislativa tomada por dois terços dos deputados presentes”.
“$ 1º – Sempre que for proposta a reforma pelas Câmaras Municipais, será votada pela Assembléia Legislativa Ordinária por dois terços de votos”.
“$ 2º – No caso de ser a necessidade da reforma reconhecida pela Assembléia Legislativa, a legislatura imediata terá poderes constituintes”.
Enquanto o artigo em tela e seus parágrafos serviam de pasto à comprometida hermenêutica dos hermogenistas da “Tribuna”, que negavam àquela Assembléia poderes para fazer a pretendida reforma, Quintino Bocaiúva mandava circular às Câmaras Municipais do Estado, nos seguintes termos:
“Atendendo a que a experiência de dez anos tem demonstrado a necessidade de serem reformadas algumas disposições da nossa lei fundamental e a que essa necessidade mais urgente se torna na crise, que exige para ser ao menos atenuada, medidas que não podem ser adotadas senão mediante a referida reforma”:
“Proponho que a Câmara Municipal, usando da atribuição conferida pelo artigo 134 da Constituição do Estado, represente à Assembléia Legislativa sobre a conveniência e oportunidade de proceder em sua próxima reunião à revisão geral da constituição, fazendo as alterações que, em seu elevado critério e patriotismo, julgar úteis”.
Ressentimentos à parte, a reforma constitucional, depois de uma experiência de dez anos era natural, cabível e, em muitos pontos necessária, como se verá. Havia, é certo, necessidade de se enxugar a máquina do Estado e de se agilizar os serviços, ainda que isso tivesse que exigir sacrifícios dos municípios, em termos fiscais e até, de certo modo, a diminuição de sua autonomia.
Apesar de tudo, os hermogenistas radicalizavam e não pouparam combate ao tema nas edições da Tribuna de Petrópolis de 28 e 30 de julho de 1903 e de 4, 6 e 25 de agosto do mesmo ano.
Enquanto isso, a 12 de julho era eleito para cumprir o triênio 1904/1906 na presidência do Estado o campista Nilo Peçanha, interessadíssimo na reforma constitucional, para que pudesse com ela e com seu talento político tirar o Estado da falência em que se encontrava. Todas essas explicações e mais as que se seguirem são indispensáveis para que se tenha o verdadeiro termômetro do momento em que se deu o malogro de Edwiges quando postulou a governadoria do Estado em 1910 …
Parte 4
Em princípios de setembro de 1903, a comissão revisionista da Constituição fluminense, na Assembléia Legislativa, concluía seu trabalho, apresentando-o à imprensa e ao povo em geral. Faltava, evidentemente, a discussão do tema em plenário e a aprovação daquilo que se pretendia reformar.
Os pontos fundamentais dessa revisão, eram os seguintes:
1º – O Presidente do Estado passaria a exercer o seu cargo por cinco anos e não mais três, como vinha acontecendo, não podendo ser reeleito, nem eleito vice-presidente para o qüinqüênio seguinte.
2º – Os diferentes ramos dos serviços do Estado seriam reunidos em uma única secretaria e distribuídos segundo a necessidade dos mesmos.
3º – A administração local teria duas ordens de funções: deliberativas e executivas. As funções deliberativas seriam exercidas pela Câmara Municipal, composta de um conselho de vereadores eleitos pelo município. As funções executivas seriam exercidas: 1º – pelo Presidente da Câmara Municipal, eleito por maioria absoluta dentre os vereadores – em regra; 2º – pelo Prefeito de nomeação do Presidente do Estado e demissível ad nutum: a) nos municípios onde o Estado tivesse sob sua responsabilidade pecuniária serviço de caráter municipal; b) nos municípios que tivessem contratos celebrados sob garantia de suas rendas e abono ou fiança do Estado, com bancos e companhias estrangeiras ou nacionais, com sede fora do território deste.
4º – Seria de competência privativa dos municípios decretar e perceber os impostos de que estivessem de posse ao tempo da reforma, com exceção do de indústrias e profissões, que passaria a pertencer ao Estado e a ser por este arrecadado.
5º – O mandato para todos os cargos de eleição, menos o de Presidente do Estado, vigoraria por quatro anos, devendo as eleições para todos ter lugar no último ano do prazo respectivo.
6º – Seria decretada a reversão do imposto de indústrias e profissões aos municípios, logo que cessassem as dificuldades financeiras do Estado. Enquanto não se desse essa reversão o Estado cederia a cada município 20% do produto líquido do respectivo imposto. Essa cota seria prestada em dinheiro ou obras públicas conforme acordo do Presidente do Estado com a administração municipal.
7º – De 1º de janeiro de 1904 em diante, ficava suprimido o Tribunal de Contas, passando para a diretoria de finanças as suas atribuições a respeito dos exatores do Estado e dos responsáveis para com este.
8º – O prazo de cinco anos vigoraria para o período presidencial a iniciar-se a 31 de dezembro de 1903.
9º – Tudo o mais vigoraria a partir de 1º de janeiro de 1904.
Como era natural, a divulgação dessas novidades, algumas contrárias aos interesses dos municípios, haveria de provocar reações em muitos pontos do território fluminense.
O veterano Monitor Campista lamentava que o cheque em branco dado pelas municipalidades à Assembléia Legislativa tivesse feito virar o feitiço contra o feiticeiro.
Manifestava-se o periódico de Campos dos Goitacazes contrário à perda por parte das comunas do Estado da “melhor e maior parte de suas rendas”, aquela que advinha justamente da arrecadação do imposto de indústrias e profissões.
Bradava então o jornalista:
“De fato, a absorção dos impostos de indústrias e de profissões, que pertence às Câmaras, equivale a se decretar a morte de muitas delas; e a celeuma que ora se estabelece em redor dessa medida, é a convicção que ora nutrem, de quanto foram fáceis em acudir ao apelo – tudo confiando sem desconfiarem”.
O então deputado estadual Arthur de Sá Earp, em discurso pronunciado na Assembléia, analisou não só a constitucionalidade da reforma em epígrafe, como adentrou certos aspectos específicos dela.
Batia na tecla que a Assembléia não tinha poderes constituintes, enfatizando:
“Lendo-se, porém, o artigo 135 (da Constituição do Estado), estabelece-se logo no espírito a dúvida sobre a verdade dessa interpretação. Este artigo depois de definir o que constitui matéria constitucional – conclui que tudo o que não for constitucional, pode ser alterado pela legislatura ordinária, donde, a contrário senso – tudo o que for constitucional não pode ser alterado pela Assembléia Ordinária”.
“E como a atual Assembléia não é Constituinte, foi eleita para fazer leis ordinárias, não pode esta assumir a responsabilidade de uma reforma constitucional. Ninguém pode excetuar onde a lei não excetuou e o artigo 135 não estabeleceu exceção para o caso do $ 1º do artigo 134”.
No mérito, manifestou-se contrário, por exemplo, à criação das prefeituras, o que haveria de representar uma agressão à autonomia municipal.
Apesar de todo esse alarido, de tantas discussões, algumas bizantinas, outras pertinentes, a revisão constitucional avançou e a 18 de setembro de 1903 estava votada com as modificações que se fizeram ao longo dos debates, entrando em vigor a 25 do mesmo mês.
Quando o legislativo quer realmente trabalhar, ninguém o segura.
Essa é uma realidade brasileira de todos os tempos.
Vale frisar que todo esse movimento vitorioso contou com a costura do talento político de Nilo Peçanha, que realmente seria o único beneficiário imediato da reforma, pois que eleito em julho de 1903 Presidente do Estado, depois reconhecido pela comissão específica da Assembléia, ia iniciar o seu mandato a 31 de dezembro daquele ano. E, como pretendia fazer a redenção do Estado, que vivia uma crise sem precedentes, não podia prescindir da reforma constitucional, que, em muitos pontos, dar-lhe-ia os instrumentos necessários para fazer um governo revolucionário e corajoso.
Não cabem aqui nesta resenha maiores considerações sobre a lei nº 600 que promoveu a reforma da Carta estadual. Basta dizer, para que se não fuja do tema aqui desenvolvido, que o artigo 13 dela fixou em quatro anos o mandato presidencial e não em cinco, como previa o projeto.
Em sendo assim, Nilo Peçanha, que se elegera em 12 de julho de 1903, tomaria posse de seu cargo a 31 de dezembro do mesmo ano, para governar até 31 de dezembro de 1907.
Mas a história não foi escrita conforme se esperava.
Ao inaugurar seu período presidencial, Nilo não poupou a distribuição de remédios amargos, para tirar o Estado da miséria em que se encontrava. Mas, jamais usou de dois pesos e duas medidas. Criou um critério e a ele foi de extrema fidelidade. Até seus adversários mais ferrenhos renderam-se a essa realidade.
Pelo decreto 820, instituiu o imposto territorial sobre imóveis rurais situados fora do perímetro urbano das cidades, vilas e povoações em geral.
Pelo 821, reduziu as taxas de exportações sobre café, açúcar, arroz, aguardente, batatas, cal de pedra, e, mariscos.
Pelo 824 reduziu para 4:800$000 anuais cada um dos vencimentos que percebiam os delegados de Niterói e de Campos.
Pelo 825 extinguiu a Junta de Comércio.
Pelo 830 deduziu a quota de 15% dos vencimentos do Secretário Geral do Estado, dos funcionários em geral, com exceção dos magistrados, que sofreram apenas a redução de 5%. Também foram reduzidos em 25% os proventos do Presidente do Estado.
Portanto, Nilo Peçanha cortava mais no seu bolso que nos dos demais integrantes da máquina governamental.
E isso foi apenas o começo, porque na distensão do tempo o campista operou verdadeiro milagre na condução dos destinos fluminenses.
Porém, a roda da política levou-o a sonhar mais alto. Na sucessão de Rodrigues Alves, compôs a chapa com o candidato Afonso Pena à Presidência da República.
Travado o pleito a 1º de março de 1906, deu a dobradinha Afonso/Nilo na cabeça.
Isto valia dizer que Nilo não completaria seu mandato no governo do Estado, cumprindo a seu Vice Oliveira Botelho completar o quatriênio até 31 de dezembro de 1907.
Com a palavra Brígido Tinoco, no seu “A vida de Nilo Peçanha”, pág. 147:
“A escalada à Vice-Presidência da República abalou-lhe o prestígio no Estado do Rio. Desentenderam-se os correligionários quanto à sucessão no Ingá. Ao passar o governo ao 1º Vice-Presidente Oliveira Botelho, este deveria completar o mandato nos termos da reforma constitucional promulgada”.
“Companheiros seus ameaçavam cindir o partido se Oliveira Botelho continuasse na presidência até o fim do período. Fraquejou diante da situação. E, ao despedir-se do Ingá, revogou o mandamento constitucional por um decreto executivo. O decreto nº 960, reduziu a um triênio o quatriênio de Nilo. Procedeu-se imediatamente à nova eleição, sendo eleito Alfredo Backer para a Presidência do Estado. Botelho, compadre e amigo de Nilo, conformou-se para não causar ao chefe maiores contratempos”.
“Com uma ilegalidade, amainou o temporal. Custou-lhe caro, no entanto. Backer, seu antigo secretário geral, não lhe permaneceu fiel. Governo, sentiu-se auto-suficiente no Estado. E aliou-se a Afonso Pena para destruição do Vice-Presidente da República”.
O texto acima provoca algumas observações. Não é verdade que Nilo Peçanha, ao despedir-se do Ingá, “tenha revogado o mandamento constitucional” pelo decreto de nº 960.
O então Presidente do Estado deixou provisoriamente o governo a 21 de fevereiro de 1906, por força de sua candidatura a Vice-Presidente da República, na chapa de Afonso Pena. Passado o pleito, que se travou a 1º de março, retornou Nilo ao Ingá, de onde só saiu, em definitivo, em 1º de novembro daquele ano, já que a posse como Vice de Pena dar-se-ia a 15 do mesmo mês.
E o decreto nº 960 é de 17 de abril de 1906, quando Nilo Peçanha estava absoluto à frente de suas funções como Presidente do Estado do Rio de Janeiro.
A versão de Brígido Tinoco para que fosse reduzido o mandato de Nilo de quatro para três anos, verdadeira agressão à reforma constitucional, em face de rejeição dos chefes políticos ao nome de Oliveira Botelho, um dos Vice-Presidentes do Estado, revela descabido casuísmo, tão freqüente nesse triste regime republicano brasileiro.
Quando da eleição do Presidente do Estado e de seus Vices em 1903, já se sabia que no impedimento ou na falta do primeiro mandatário qualquer um dos seus substitutos legais estaria habilitado a completar o mandato. Como então pretender-se mudar as regras do jogo, com ele em andamento? Por que Oliveira Botelho não podia governar até 31 de dezembro de 1907, quando terminaria o primeiro quatriênio depois da reforma constitucional de 18 de setembro de 1903?
Debaixo desse angu deveria haver muita carne.
Com relação ao esdrúxulo decreto 960, que o próprio Brígido Tinoco, tão panegirista no trato da figura de Nilo Peçanha, taxou de ilegal, há que se transcrever aqui parte do parecer do renomado jurista Candido de Oliveira, que a Tribuna de Petrópolis tornou público em sua edição de 1º de outubro de 1907:
“Nesse decreto, o Presidente, arrogando-se autoridade superior a da Constituição Fluminense, depois de afirmar nas consideranda que :
a) O artigo 2º das disposições transitórias da Reforma Constitucional era um ato manifestamente contrário ao preceito do artigo 11, nº 3, da Constituição da República;
b) Era o mesmo artigo nulo e írrito, invertendo o regime político consagrado no artigo 1º da Constituição Federal, excedendo a Constituição Fluminense os termos expressos no seu mandato;
c) O período governamental então decorrido devia terminar improrrogavelmente a 31 de dezembro de 1906:
ordenou a reunião das juntas eleitorais para o dia 20 de maio seguinte, assinalando no preâmbulo que:
Em face do disposto no artigo 25 da lei 723 de 7 de novembro de 1905, a eleição do Presidente e Vice-Presidentes para o quatriênio futuro, de 31 de dezembro de 1906 a 31 de dezembro de 1910, deve ter lugar no segundo domingo do mês de julho do último ano do período presidencial.
Submetido o decreto nº 960 à Assembléia Legislativa Fluminense, reunida extraordinariamente, esta, tomando conhecimento da mensagem presidencial de 1º de junho de 1906, votou a lei nº 727 de 9 de junho, aprovando o decreto executivo nº 960, de 17 de abril, e, ficando destarte resolvido que a eleição do presidente e vice-presidentes se faria para o quatriênio a começar a 31 de dezembro de 1906 e a findar a 31 de dezembro de 1910”.
Aí está todo o escabroso processo de agressão à lei fundamental do Estado em nome de sinistro casuísmo, que visava a satisfazer os caciques do Partido Republicano Fluminense, capitaneados pelo grande chefe Nilo Peçanha.
Se o fato gerador, ou seja, o decreto nº 960 era ilegal, pois conforme deixara claro o jurista Candido de Oliveira, o Presidente arrogara-se autoridade superior a da Constituição do Estado, a lei que o ratificou também estava contaminada da mesma ilegalidade assim como tudo o mais que nela se baseou.
Mas esse embrólio passou tranqüilamente em julgado, sem qualquer ameaça de quem quer que fosse, muito menos dos tribunais.
E foi assim que Alfredo Augusto Guimarães Backer foi escolhido pela unanimidade do Partido Republicano Fluminense para presidir o Estado, de 31 de dezembro de 1906 a 31 de dezembro de 1910. Era 14 de junho de 1906. Um mês depois, numa eleição de cartas marcadas, dava Backer na cabeça.
Estava armado o cenário para a sucessão presidencial de 1910 em que Edwiges de Queiroz apareceria como candidato oficial.
Parte 5
Eleito Alfredo Augusto Guimarães Backer Presidente do Estado do Rio de Janeiro, no segundo domingo de julho de 1906, foi o mesmo proclamado pela Assembléia fluminense na sessão de 30 de agosto daquele ano.
Antes disso, a Tribuna de Petrópolis, jornal então a serviço da dupla Hermogênio-Sá Earp, na edição de 21 de julho, fazendo o perfil do futuro governante do Estado, assim se houve:
“Andou por isso com alto acerto e descortínio a Comissão Executiva, elegendo seu candidato o Dr. Alfredo Backer, o seu passado na política e na administração fluminense legitimava cabalmente tal indicação, sem discrepância acolhida por todos os municípios do Estado. É um republicano de rija têmpera, da velha guarda escoimado de vaidades e de orgulho, modesto e simples, leal, sincero e despretensioso, em todos os seus atos. Ergueu-se pelo seu próprio esforço e pertinácia, batalhando sempre pelo ideal democrático, combatendo tenaz e vantajosamente os retrógrados representantes da rotina e do atraso, sem temores ou tibieza”.
Estavam pois os homens da situação político-administrativa petropolitana com o Presidente eleito e por conseguinte com o futuro Vice-Presidente da República, o Dr. Nilo Peçanha.
Tudo parecia bem azeitado, no Município, no Estado e na União, como nos velhos tempos em que Porciúncula dava as cartas.
Mas o futuro próximo não seria tão risonho assim.
A 1º de novembro de 1906, Nilo Peçanha deixava definitivamente o Ingá, sendo substituído por Oliveira Botelho, que levaria o falso triênio ao cabo. A 15, Nilo tomava posse de seu novo cargo ao lado de Afonso Pena e, a 31 de dezembro, Alfredo Backer era empossado na presidência do Estado.
Era a primeira vez que havia uma coincidência de mandatos, a nível federal e estadual.
Nos primeiros meses de 1907, o quadro político nacional começava a apresentar certa turbulência. Afonso Pena, tido por alguns como trânsfuga, já que conselheiro da monarquia, havia abraçado um tanto inopinadamente a causa republicana, quiçá sentindo-se ameaçado pela índole macunaimesca de seu Vice, resolveu hostilizá-lo. Aliás, Nilo Peçanha nunca deu sorte com mineiros. Primeiro foi o seu companheiro de chapa e mais tarde o seu opositor nas eleições de 1922, Arthur Bernardes.
Alfredo Backer, por sua vez querendo livrar-se da sombra asfixiante do caudilho campista, decidiu unir-se a Pena para derrubar Nilo.
De azedume em azedume a crise veio a furo e em setembro, o Vice-Presidente da República rompia suas relações com o primeiro mandatário fluminense.
Imediatamente os caciques do partido solidarizaram-se com Backer, inclusive Hermogênio Pereira da Silva, então Presidente da Câmara Municipal de Petrópolis.
Essa adesão valia ipso facto uma sólida aliança com o Catete.
Em telegramas de 16 de setembro de 1907, Hermogênio, Sá Earp e outros vereadores petropolitanos, entre eles, Horácio Magalhães Gomes, José Henrique Thyne Land, José Magalhães Bessa, Otto Hees, Francisco Limongi, Felipe Faulhaber e Aristides Werneck, hipotecaram solidariedade ao Presidente do Estado.
Na noite de 26 de abril de 1908, em Niterói, deu-se a convenção do Partido Republicano Fluminense, para que fosse eleita sua executiva para cumprir um mandato que terminaria em 31 de dezembro de 1909. Lá estava entre os líderes de cada município, o nosso Hermogênio Pereira da Silva, que, juntamente com seus pares, uma vez mais fechou com o Presidente Backer.
Mas, como Deus escreve certo por linhas tortas, a morte política de Nilo Peçanha que era tida como favas contadas, de repente foi empurrada para bem longe. Em meados de 1909, o velho Afonso Pena não resistiu às afrontas sofridas por causa da sucessão presidencial e cantou pra subir.
Nilo passou então de Vice a Presidente da República, para completar o quatriênio que deveria terminar a 15 de novembro de 1910. E os ventos passaram a soprar em outra direção no Estado do Rio de Janeiro.
Alfredo Backer, de rabo entre as pernas, pensou que ia ser despejado do Ingá de mala e cuia. Mas Nilo, misto de Getúlio e Juscelino, disse-lhe que ficasse tranqüilo, que ele estava mais firme no poder do que imaginava. Ainda não soara a hora da grande cartada.
Brígido Tinoco às págs. 154/156 de sua obra já aqui citada sobre Nilo Peçanha, conta:
“Alfredo Backer, desconfiado, prepara as malas para desocupar o Ingá. De relações rotas com o chefe do governo nacional, não queria ser colhido de surpresa. Num relance, poderiam pretextar catástrofes no Estado e sobreviria a intervenção, como vingança de seu apoio a Afonso Pena”.
“Ciente disso, o campista manda dizer-lhe que sossegue. Nunca estivera tão firme no Ingá como naquela hora. Com efeito, Nilo não era homem de arbitrariedades, de violências. Ardiloso, porém, a pouco e pouco, afugentou-lhe os adeptos, dissecou-lhe suavemente o prestígio, reduzindo-lhe a autoridade política à expressão mais simples. Um ano e meio antes, quando da ruptura entre os dois, o próprio Coronel Ezequiel Baptista de Araújo Pinheiro, Presidente do Partido em Macaé, terra de Backer, ficara fiel a Nilo. Os que tergiversavam, os que o não seguiam como Nestor Ascoli e outros, recebiam o troco devido”.
Um dos que experimentaram a ardilosidade niilista, foi indubitavelmente Hermogênio Pereira da Silva, quando, em 30 de janeiro de 1909, concorreu a uma vaga no Senado Federal, tendo como adversário, Quintino Bocayuva.
É verdade que o fato aconteceu quando ainda Afonso Pena estava no poder. Mas também é verdade que o velho Conselheiro já sofria desgastes por causa da sucessão presidencial e tinha sua autoridade de Presidente bastante comprometida, enquanto Nilo desfrutava de bons aliados no Congresso, especialmente no Senado.
Vitorioso nas urnas, com larga margem de votos, Hermogênio perdeu no tapetão da Comissão Verificadora de Poderes da Câmara Alta do Congresso. Foi seu relator, propositalmente, o velhaco Senador Antonio Azeredo, que fazia oposição a Afonso Pena e precisava de aliados para ainda mais hostilizar o infeliz Presidente da Republica.
Nilo nunca se esquecera do apoio dado por Hermogênio a Backer, em setembro de 1907 e Quintino Bocayuva, sobre ser velho aliado do campista, ainda era seu padrinho de casamento.
Nessa eleição, o Senado Federal, com suas treitas e desavergonhadas maquinações para derribar Hermogênio, eleito nas urnas e regularmente diplomado, escreveu uma das páginas mais tristes e acachapantes de sua história.
Ao fim e ao cabo tudo não passou de mais uma travessura do Dr. Nilo.
No fim de 1909, o quadro político nacional e fluminense apresentava enormes mudanças. Muitos daqueles que haviam se solidarizado um ano e meio antes e até depois com Alfredo Backer, haviam se bandeado para o ciclo de correligionários de Nilo Peçanha, então repimpado no Catete.
Um deles foi justamente Hermogênio Pereira da Silva, que à véspera do pleito para renovação da Câmara Municipal de Petrópolis, que se daria a 19 de dezembro, apresentava a chapa completa dos candidatos, todos rendidos ao nilismo. Eram eles: Major Otto Hees, Coronel José Henrique Thyne Land, Dr. José de Barros Franco Junior, José Lourenço Pinto, Dr. Hermogênio Pereira da Silva, Capitão Henrique Sixel, Dr. Edmundo de Lacerda, Dr. Arthur de Sá Earp.
A grande maioria dessas prestigiosas figuras, havia firmado aquele telegrama de apoio ao Presidente Backer, quando do rompimento deste com Nilo Peçanha em setembro de 1907.
Na política, realmente, nada como um dia depois do outro. Bem dizia Augusto dos Anjos: a mão que afaga é a mesma que apedreja.
E a Tribuna de Petrópolis, antes medularmente backerista, agora dizia cobras e lagartos do macaense então ocupante do Ingá. Basta conferir as edições de 15, 16 e principalmente a de 18 de dezembro de 1909, onde se lê:
“O povo fluminense é chamado amanhã às urnas para escolher os seus mandatários na Assembléia Legislativa, nas câmaras municipais e nos juizados de paz, durante o período de 1910 a 1912. O pleito que se vai ferir é, como todos sabem, um pleito de honra. De um lado, se encontram aqueles que prestigiam a política do ilustre Presidente da República; de outro lado vêm-se os que acompanham o Presidente do Estado. Não pode haver, pois, dubiedades: ou se é por um ou por outro. Querer encobrir a situação é mentir ao generoso povo fluminense, cuja abnegação e civismo tem demonstrado nos momentos tormentosos de sua vida política”.
Por ironia do destino, os candidatos mais votados em Petrópolis, para a futura Câmara foram aqueles que estavam muito mais para o backerismo do que para o niilismo. Foram eles: João Werneck com 748 votos; Eduardo Moraes com 723 e Joaquim Moreira com 713. Depois é que vieram Sá Earp com 678 e Hermogênio com 656, seguidos de perto de seus correligionários Thyne Land com 649 votos, Barros Franco com 646 e Edmundo de Lacerda com 641.
Desenhava-se o ocaso político de Hermogênio Pereira da Silva. Num mesmo ano sofrera duas derrotas em situações diametralmente opostas.
Depois de uma presença constante de vinte anos à frente dos destinos deste município, perderia Petrópolis o seu maior administrador de todos os tempos.
Agonizava o hermogenismo, enquanto rompia no horizonte destas serras o chamado moreirismo, encarnado pelo novo líder, o também médico Dr. Joaquim Moreira.
Mas enquanto davam-se essas transições a nível meramente municipal, no plano estadual preparava-se o terreno para as eleições presidenciais que se dariam a 10 de julho de 1910, para a escolha do sucessor de Alfredo Backer.
É bom que se diga antes de mais nada que tudo ia acontecer durante a mandato de Nilo Peçanha como chefe supremo da Nação.
O pleito prometia ser renhido e seria muito difícil que não fosse decidido definitivamente no tapetão.
Há uma notícia na Tribuna de Petrópolis em sua edição de 19 de outubro de 1909, que é bem significativa. Dizia ela:
“Pelo expresso da manhã, subiu ante-ontem em companhia de S. Exma. Senhora, o snr. Marechal Hermes da Fonseca, que veio em visita ao snr. dr. Edwiges de Queiroz, cujo aniversário natalício passou naquele dia. S. Excia. seguiu de carro para a residência do Dr. Edwiges, na Engenhoca, 2º distrito deste município, regressando ao Rio pelo expresso da tarde”.
Ora, tal visita, dava incontestavelmente prova do prestígio do Dr. Edwiges, junto ao homem, que os caciques da política nacional haviam escolhido para substituir Nilo Peçanha no Catete, a partir de 15 de novembro de 1910, cujo nome seria homologado no tapetão, mesmo a despeito do estardalhaço da campanha civilista de Ruy Barbosa e ainda que o resultado das urnas fosse favorável a este.
Era um jogo de cartas marcadas, sendo dono do cassino o nefasto caudilho Pinheiro Machado, a quem ninguém ousava contrariar.
Havia mesmo uma quadrilha no Congresso teúda e manteúda em roubar a vontade do povo, manipulando o resultado das urnas. Aí estava o segredo da reeleição sem rótulo, sendo o nome do candidato coisa de somenos, desde que ele pertencesse à mesma patota.
Um mês depois dessa visita do Marechal Hermes à Engenhoca, o Dr. Edwiges de Queiroz convocava uma reunião política que se realizaria no consultório do Dr. Joaquim Moreira.
Cerca de vinte próceres políticos do município e do estado, se puseram de acordo, para assentar as bases de um novo partido.
Para presidir a reunião, foi convidado o Dr. Paulino Junior, deputado federal backerista.
Com a palavra, o Dr. Edwiges de Queiroz explanou em linhas gerais a finalidade daquele encontro. Falaram em seguida o Dr. Joaquim Moreira, Vicente de Ouro Preto, João Baptista de Castro, Antonio Fialho e João Werneck, ficando assentado entre os cavalheiros presentes que a nova agremiação não seria nem niilista, nem backerista, nem civilista, nem hermista, nem monarquista.
Ora, naquela conjuntura, fundar-se um partido sem qualquer vinculação com uma das correntes políticas atuantes nos cenários federal e estadual seria o mesmo que criar-se um partido utopista, fadado a fazer discursos para surdos.
Tanto isso é verdade, que, passado o encontro desses próceres, alguém maldosamente disse que o novo partido seria uma salada de frutas política.
O certo mesmo é que ali estava a fina flor da corrente backerista, que inclusive valeu-se da oportunidade para compor uma comissão para indicar os candidatos ao pleito municipal marcado para 19 de dezembro. E, dois dos membros desse grupo de trabalho – Joaquim Moreira e Eduardo de Moraes – foram, juntamente com João Werneck, os candidatos melhor colocados na eleição em apreço.
Naquele fim de ano de 1909, Edwiges de Queiroz estava dando seus primeiros passos no rumo da candidatura a Presidente do Estado. Viria indubitavelmente como alinhado ao backerismo em oposição a Oliveira Botelho que tinha o bafejo do Catete.
Parte 6
Em março de 1910, foi dada a largada para as eleições presidenciais no Estado do Rio de Janeiro. Seria um pleito renhido, cheio de incidentes, antes, durante e depois. Foi um vale tudo, uma queda de braço entre o nilismo e o backerismo. Questão de vida ou morte.
Segundo a Tribuna de Petrópolis de 16 de março daquele ano, foi de Vassouras que partiu a primeira manifestação em prol da candidatura nilista do resendense Francisco Chaves de Oliveira Botelho à presidência do Estado, para cobrir o quatriênio 1911/1914.
A iniciativa logo recebeu o apoio do cacicão Pinheiro Machado e das municipalidades de Cabo Frio, Itaboraí, Magé, Macaé, São João da Barra, Santa Maria Madalena, Friburgo, São Fidelis, Petrópolis (onde o Presidente da Câmara ainda era Hermogênio Pereira da Silva), Barra do Piraí, Resende, Valença, Angra dos Reis, Sapucaia, Piraí, Cambuci, Maxambomba (atual Nova Iguaçu), Barra Mansa, Teresópolis, Maricá e Niterói.
Em reunião dos líderes do Partido Republicano Fluminense na noite de 29 de março de 1910, foram sufragados por unanimidade os nomes de Oliveira Botelho para Presidente do Estado e dos Drs. Antonio Ribeiro Velho de Avellar e João Guimarães e do Coronel Alfredo Lopes Martins para vice-presidentes.
Frisou então a Tribuna de Petrópolis, na edição de 30 de março:
“A indicação dos ilustres fluminenses, obedece à corrente política predominante no Estado e é prestigiada pelos chefes da grande agremiação política nacional, a cujo apoio deve o Marechal Hermes da Fonseca a sua brilhante vitória eleitoral”.
O periódico serrano referia-se à recente eleição em que o Marechal havia sido eleito Presidente da República, tendo como opositor Ruy Barbosa.
Naquele 29 de março, dia da convenção do P. R. Fluminense, os representantes do Estado do Rio de Janeiro no Congresso Nacional lançaram manifesto apregoando os nomes dos candidatos escolhidos e acima nomeados. Assinavam o documento Quintino Bocaiúva, o Barão de Miracema, Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo, Francisco Portela, Balthazar Bernardino Baptista Pereira, Antonio Lobo de Menezes Jurumenha, José Pereira Rodrigues Porto Sobrinho, Dr. Benedito Gonçalves Pereira Nunes, Raul de Moraes Veiga, Carlos de Faria Souto, João Carlos Teixeira Brandão, Raul Fernandes, Érico Marinho da Gama Coelho.
Como se vê, pelas artes de Nilo Peçanha, estavam no mesmo barco nada mais, nada menos que Francisco Portela e Érico Coelho, Quintino Bocaiúva e o Barão de Miracema e, embora não constando da lista, mas apoiando declaradamente a candidatura Oliveira Botelho, Hermogênio Pereira da Silva e seus aliados na Câmara Municipal de Petrópolis.
Ao fim e ao cabo, Hermogênio e Quintino, arquiinimigos, estavam sintonizados no mesmo canal. Como a roda da política dá voltas em tão pouco tempo!
Também declarou-se formalmente a favor da candidatura Oliveira Botelho, o Presidente eleito Marechal Hermes da Fonseca, que, em telegrama a Raul Veiga, cumprimentou-o e a seus correligionários pela feliz indicação.
Estava portanto feito o jogo e o candidato de Nilo Peçanha ao governo do Estado do Rio tinha todos os trunfos para sair vitorioso das urnas e, ainda que tal não sucedesse, os tortuosos canais das comissões do legislativo garantir-lhe-iam a eleição.
Enquanto tantos sucessos eram colhidos pelos que haviam fechado com o Catete, em Niterói, precisamente na Câmara Municipal, na noite de 10 de abril de 1910, o grupo backerista homologava a candidatura do Dr. Edwiges de Queiroz à presidência do Estado.
Sinuca de bico para o Marechal Hermes, que alguns meses atrás havia vindo a Petrópolis especialmente para comemorar na Engenhoca o aniversário natalício do ex-Chefe de Polícia de Prudente de Moraes.
Com quem ficaria o canastrão nesse balaio de gatos?
Ainda é cedo para o desfecho dessa pobre e mesquinha história.
Antes que o mês de abril chegasse ao fim, a 25, o Partido Republicano Fluminense, ofereceu banquete a Oliveira Botelho no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Durante o mês de maio, a imprensa fluminense e carioca alinhada ao nilismo encarregou-se de fomentar o terror no Estado do Rio, imputando ao backerismo as eventuais diatribes ocorridas em Niterói, Teresópolis, Valença e outros municípios.
Preparava-se o clima para a intervenção, pois Nilo Peçanha queria reconquistar seu prestígio e posição no Estado a qualquer preço.
Até que no domingo 5 de junho de 1910, ocorreu em Macaé talvez o fato mais grave dessa campanha presidencial.
Noticiavam os diários, notadamente os da Capital Federal, que durante uma passeata pelas ruas do centro macaense, em que os partidários de Oliveira Botelho gritavam vivas a este, a Nilo e ao Marechal Hermes, de um prédio, onde se encontrava o Dr. Edwiges de Queiroz, reunido com seus correligionários, partiram tiros que feriram várias pessoas, causando natural pânico na população local.
“O País”, chegou a avançar que a descarga teria sido determinada pelo juiz Dr. Abel Graça, destacando-se entre os atiradores um capanga do Dr. Edwiges.
O assunto rendeu e, daí em diante, intensificou-se a guerra de nervos, com boatos de preparação de esquemas para que as eleições fossem fraudadas pelas hostes backeristas.
Já no princípio de julho, estavam por toda à parte as marcas da oficiosa e velada intervenção federal.
A Tribuna de Petrópolis de 3 de julho noticiava:
“Seguiu ontem pela manhã para Entre Rios uma força de 50 praças do Exército a fim de guardar o depósito de máquinas da estrada de ferro”.
Afonso Arinos de Melo Franco, no seu “Um Estadista da República”, Vol. II, do nº 85-A da Coleção Documentos Brasileiros, assinala às págs. 632 e seguintes:
“No último semestre de 1909, com poucos meses de governo para ele próprio e para Backer, todo o interesse de Nilo Peçanha e de seu antagonista se concentrava na feitura da Assembléia Legislativa Estadual, porque à maioria desta competia reconhecer um dos dois candidatos à Presidência do Estado; Oliveira Botelho, candidato de Nilo e Edwiges de Queiroz, candidato de Backer. A sobrevivência de Nilo na política do Estado dependia dessa eleição”.
E deram-se outros casos de intervenção sob o pretexto de serem protegidas as coletorias federais no território fluminense.
Enfim, feriu-se o pleito a 10 de julho e nos dias subseqüentes as trombetas dos nilistas alardeavam a vitória folgada de Oliveira Botelho. Mas, muita água correria ainda debaixo da ponte.
Ao abrirem-se os trabalhos legislativos em agosto, a nova Assembléia eleita em dezembro de 1909, demonstrou em pouco tempo que caminharia para o racha, no ensejo da apuração das eleições presidenciais.
Surgiu então a chamada duplicata de assembléias, fato que foi muito comum na República Velha, quer a nível estadual, quer no âmbito municipal.
Em face desse clima, Nilo Peçanha, Presidente da República e interessado direto no caso fluminense, solicitou do Congresso permissão para intervir oficialmente no Estado.
No Senado Federal, foi relator da matéria o sinistro Senador Azeredo, que, como era de se esperar, votou pela medida extrema, o que foi acolhido pela quase unanimidade da Casa na sessão de 13 de agosto. Ao mesmo tempo o Senado reconhecia como legítima a Assembléia de maioria nilista.
Esta Assembléia, reunida a 16, sob a presidência do Deputado Sebastião Lacerda, elegeu comissão de 9 deputados para apurar as eleições e verificar os poderes do Presidente e dos Vices do Estado.
Integravam esse grupo de trabalho os deputados Alves Costa, Galdino Filho, Buarque Nazareth, Otávio Veiga, Froes da Cruz, Álvaro Rocha, Otávio Ascoli, Everardo Backheuser e Ramiro Braga.
Como era de se esperar, na sessão de 12 de setembro, foi proclamado Presidente eleito o Dr. Francisco Chaves de Oliveira Botelho.
A outra Assembléia, presidida por Paulino de Souza Junior, depois de proceder à apuração, proclamou como vitorioso nas urnas o Dr. Manoel Edwiges de Queiroz Vieira.
Enquanto isso o projeto de intervenção arrastava-se na Câmara dos Deputados, onde era relator da matéria Germano Hasslocher.
E Nilo Peçanha deixou o Catete a 15 de novembro de 1910, passando o bastão ao Marechal Hermes, sem deixar definido o quadro fluminense.
Nove dias depois da posse do Marechal na Presidência da República, estoura a Revolta da Chibata na baia da Guanabara.
O clima de insurreição levou o governo a decretar estado de sítio no Rio de Janeiro e em Niterói.
Era tudo o que os nilistas, agora respaldados pelos hermistas, precisavam para garantir um final feliz aos seus propósitos na terra fluminense, garantindo-se a posse de Oliveira Botelho.
No dia 31 de dezembro de 1910, data marcada para a transmissão do cargo de presidente do Estado do Rio de Janeiro, os advogados Paulino José Soares de Souza e Mario da Silveira Vianna ingressaram no Supremo Tribunal Federal com um pedido de habeas corpus em favor da Assembléia Legislativa que reconheceu e proclamou Presidente do Estado o Dr. Manoel Edwiges de Queiroz Vieira. O feito tomou o número 2984.
Apreciando a matéria, decidiu o STF que ao Poder Executivo competia resolver a questão da dualidade de Presidentes e de Assembléias Legislativas de um Estado, ficando sem objeto qualquer decisão tomada pelo Judiciário, antes de conhecer a resolução do governo.
Em razão disso, converteu o STF o julgamento do mérito em diligência, a fim de pedir informações ao presidente da República, por intermédio do Ministro da Justiça.
Votaram os Ministros H. do Espírito Santo, André Cavalcanti, Ribeiro de Almeida, Epitácio Pessoa, Oliveira Ribeiro, Guimarães Natal, Amaro Cavalcanti, M. Espindola, Pedro Lessa, Canuto Saraiva, Godofredo Cunha, Leoni Ramos e Muniz Barreto.
A 3 de janeiro de 1911, Rivadavia Corrêa, Ministro da Justiça do Marechal Hermes, respondia às indagações do Supremo, declarando entre outras coisas:
“S. Excia. O Senhor Presidente da República … ao comunicar aos seus ministros reunidos as medidas que ia tomar, igualmente lhes fez saber que diante da dualidade de Presidentes que havia no Estado do Rio de Janeiro a partir de 31 de dezembro, estava resolvido, ante a necessidade da ordem pública e administrativa, de entreter relações com um deles, e, reconhecer, si et in quantum, isto é, até a definitiva resolução pelo Congresso Nacional a quem estava afeto o conhecimento do caso, o governo do Dr. Francisco Chaves de Oliveira Botelho, a favor do qual militava a presunção de legitimidade, expressa num voto quase unânime do Senado e no parecer da maioria da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Câmara dos Deputados, que diretamente exprimia o pensamento da maioria da mesma Câmara.
Com surpresa, porém, apesar das garantias que foram dadas ao Presidente Dr. Manoel Edwiges de Queiroz Vieira, e, à Assembléia que o devia empossar, garantias dadas não só a pedido daquele, como do ex-Presidente Backer, somente o Dr. Francisco Chaves de Oliveira Botelho se apresentou no dia marcado pela Constituição do Estado para tomar posse do cargo de Presidente, fato que realizado no meio da maior ordem, e, sem a menor intervenção do Governo Federal, dispensou S. Excia. O Snr. Presidente da República, da necessidade julgada anteriormente indispensável de levar a efeito a escolha provisória de um dos dois Presidentes com quem devesse o Governo da União manter relações”.
Afonso Arinos de Melo Franco, na obra citada, foi muito feliz no arremate dessa novela.
Disse ele:
“A 31 de dezembro a Assembléia nilista empossou no governo a Oliveira Botelho e o Presidente da República, obedecendo à política do Bloco, expediu o decreto 8.499 de 3 de janeiro de 1911, no qual, era declarada legítima a autoridade do Presidente fluminense, com quem deveria o Governo Federal entrar em relações oficiais. Estava, pois, liquidado politicamente o assunto.
Inútil se tornava a obstinação dos adversários de Nilo, que, em julho de 1911, obtiveram do Supremo Tribunal ordem de habeas corpus em favor da Assembléia vencida e que se pretendia esbulhada. A iniciativa só serviu para deixar mal o judiciário, visto que a ordem não teve execução, e, difícil seria tê-la, pois disso decorreria a destituição de um governo estabelecido e em pleno funcionamento”.
Como sempre o remédio que dependia do judiciário chegou bastante atrasado.
Parte 7 (final)
Em política não há amigos, há correligionários eventuais ou sazonais. Essa fauna é movida por interesses, quase sempre mesquinhos, pequenos e imediatistas. De ética pouco entendem os políticos e a falsidade, a treita e a astúcia são seus atributos inarredáveis. Quanto mais anedótico e pilhérico for o político, mais apoteótica a sua imagem aos olhos do populacho insano e inconseqüente.
Nilo Peçanha e o Marechal Hermes da Fonseca, que foram contemporâneos e afinados no mesmo discurso e nas mesmas atitudes, protagonizaram na cena política nacional e fluminense, muitos dos lamentáveis acontecimentos que marcaram aquela quadra balizada pelos anos 1910 e 1914, inclusive aqueles que se deram quando da sucessão no Ingá, ao fim do governo Backer.
E com isso alimentaram à saciedade o talento satírico de chargistas, caricaturistas, poetas, compositores, jornalistas, autores teatrais e responsáveis pelo anedotário.
O quatriênio Hermes da Fonseca foi um dos mais humorísticos de quantos se sucederam na República Velha e também um dos mais trágicos.
Se revistas como “O Malho”, “Careta”, “Fon Fon”, se embriagaram de argumentos para fazer rir os seus leitores à custa da troça política, também jornais sisudos e respeitáveis encheram suas colunas com notícias alarmantes, que foram da Revolta da Chibata à Sedição do Juazeiro, do bombardeio de Salvador às greves em vários setores da atividade nacional, sempre repelidas a porrete e chicote.
O caso fluminense foi uma espécie de abertura desse festival melodramático.
Aquele Marechal Hermes que um dia subiu a serra para abraçar o seu amigo Edwiges de Queiroz, quando do aniversário deste, foi o mesmo que deu sustentação à posse de Oliveira Botelho, com base em duvidosos argumentos e falsas informações, de que fora porta-voz o Ministro da Justiça Rivadávia Corrêa.
Logicamente que o Presidente da República recém-empossado, não iria contrariar as forças que o haviam alçado ao Catete. Aquilo era uma verdadeira ação entre amigos e muito mal ficaria quem contrariasse o sistema.
Não foi verídica a notícia de que a posse no Ingá tinha transcorrido na maior tranqüilidade e sem qualquer tipo de constrangimento.
Qualquer jornal da época, do Rio de Janeiro, de Niterói, de Campos, eventualmente à disposição dos pesquisadores de hoje, terá documentado as ameaças de terrorismo que pairavam sobre a posse do novo presidente fluminense e o aparato bélico, sob o pretexto do estado de sítio motivado pela Revolta da Chibata, em torno do Palácio do Ingá, onde foi proibida a entrada até mesmo do Presidente Backer, que deveria cumprir normalmente o seu mandato até 31 de dezembro de 1910.
A posse de Oliveira Botelho deu-se praticamente sob a proteção militar, desde que se isolaram as adjacências do palácio do governo do Estado.
E ainda para azar de Edwiges de Queiroz, na véspera da sua prometida posse, haviam-lhe furtado o diploma no Hotel Avenida, no Rio de janeiro, enquanto ele e a senhora se ausentaram do quarto para jantar.
E, convenhamos, também o Supremo Tribunal trabalhou conforme a música, desde que converteu o julgamento da medida urgentíssima, postulada pela Assembléia e por Edwiges, em diligência.
Estava mesmo o circo armado para que o grande vencedor desta batalha solerte fosse o caudilho campista Nilo Peçanha.
Perdendo o bonde da história, enquanto o infeliz Alfredo Augusto Guimarães Backer recolhia-se a um temporário ostracismo, o Dr. Edwiges retomava sua advocacia no Rio de Janeiro e recuperava a nonchalança na tranqüilidade da Engenhoca, com direito a banho de cachoeira e água da “biquinha”.
Passado o mal estar causado por essa novela rasteira, com todos os matizes da pobreza de espírito tupiniquim, o Marechal Hermes lembrou-se de seu “amigo” Edwiges de Queiroz e, em meados de 1913, como se fora um prêmio de consolação, deu-lhe a chefia da polícia da Capital Federal.
A posse dera-se a 5 de julho e Edwiges iria substituir o Dr. Belisário Távora.
O compromisso do novo Chefe de Polícia foi firmado no Ministério da Justiça.
Na recepção dada aos jornalistas, disse o Dr. Edwiges que no desempenho de suas funções não teria amigos, fazendo questão de exercê-las com toda a independência e isenção. Se assim não fosse, não permaneceria no cargo.
Estava ali, em poucas palavras, o grande traço de seu caráter de homem publico. Era em verdade um excelente executivo.
Usando uma imagem bem rural, disse o responsável pela ordem na Capital da Republica:
“Esse cargo será uma espécie de monjolo: seguirá sempre batendo e se algum amigo puser a cabeça embaixo dele, tê-la-á por certo esmagada”.
O homem era duro de verdade, como deve ser todo aquele que tenha o poder de polícia. Talvez por isso, neste país de coitadinhos e de transgressores, tipos de tal calibre acabam não interessando ao sistema. E o Dr. Edwiges de Queiroz deixou o cargo a 26 de novembro de 1913, para receber do Presidente uma nova benesse consoladora: o Ministério da Agricultura.
Ia substituir no cargo de Ministro o Dr. Pedro de Toledo, que iria ocupar o posto de Embaixador do Brasil em Portugal.
Na chefatura de polícia, assumia o mineiro Francisco Valadares.
Os jornais da época falavam de intrigas feitas pela situação no Estado do Rio de Janeiro, para afastar Edwiges de Queiroz do Presidente Hermes. Mas as futricas de Oliveira Botelho et caterva de nada valeram, tanto que o Marechal contemplara o seu ex-Chefe de Polícia com o honroso cargo de Ministro da Agricultura.
Em breve Edwiges demonstraria sua capacidade de trabalho, seu talento administrativo, sua energia e probidade no trato da coisa publica.
A 17 de julho de 1914, o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro publicou o relatório do novo Ministro da Agricultura, o que provocou notas e artigos elogiosos por parte da imprensa carioca e paulista.
Em São Paulo, o periódico “A Platea”, de 29 de julho, na seção “Cartas do Rio”, teceu alentado comentário ao tema em apreço. No Rio de Janeiro, o “Correio da Manhã” de 20 de julho assim tratava o assunto do relatório:
“O titular da pasta da agricultura, compreendendo bem que no regime republicano deve-se antes de tudo ser franco, expondo com verdade a situação dos diferentes serviços públicos, adotou esse processo.
Desde o início ao fim da introdução de seu relatório, ao lado de conceitos superiormente aduzidos, o digno Ministro da Agricultura traça com firmeza e segurança de opinião, diz aquilo que julga uma necessidade imperiosa ao desenvolvimento desse importante aparelho administrativo, que recebe os influxos de sua direção”.
Mais adiante:
“Sente-se pela leitura desse documento, que o ilustre titular da pasta da agricultura, tendo em vista a crise atual que é mais econômica que financeira e, conseqüentemente, mais de perto ligada ao aparelho que S. Excia. dirige, preocupou-se seriamente em indicar ao Poder Legislativo os meios de impulsionar as forças produtoras do país.
Ao mesmo tempo, entretanto, em que o Dr. Edwiges de Queiroz apresenta esses meios, não descura da situação financeira do país, pois ao lado daquelas medidas, se encontram outras cujo fim é diminuir sensivelmente os gastos desse departamento, que o seu antecessor elevara no último exercício de sua gestão a 41.160:849$598, reduzidas à nossa moeda as importâncias orçamentárias em ouro.
Assumindo a administração do Ministério da Agricultura, no penúltimo mês daquele exercício, conjugou esforços com as comissões de orçamento da Câmara dos Deputados e do Senado e conseguiu uma redução orçamentária de 11.319:713$354.
Isso por si só já representava um relevante serviço à República. O espírito de S. Excia., porém, ante as necessidades do país, ditava-lhe continuar o regime de economias sem desorganizar serviços e assim conseguir, por uma série de medidas verdadeiramente sábias, evitar gastos que até o fim do exercício atual ascenderiam a – 800:000$000”.
O “Diário de Campos” de 2 de setembro de 1914 noticiava a visita inesperada a essa cidade do norte fluminense do Ministro da Agricultura, em companhia de seu oficial de gabinete Dr. Gabriel Bastos, médico e sobrinho de sua mulher.
E, no mesmo dia de sua chegada, o Dr. Edwiges, sempre disposto e ativo, partiu em visita à Fazenda da Boa Vista, de propriedade do Senador Pinheiro Machado. No dia seguinte, inspecionou a Estação Experimental de Canas de Açúcar, a Escola de Aprendizes Artífices e as Inspetorias Agrícola e de Veterinária.
O periódico em tela, a certa altura de seu noticiário, ousou o juízo seguinte:
“Não nos enganávamos, pois, quando ao noticiarmos a sua escolha para ocupar o alto cargo de Ministro da Agricultura dizíamos que a sua gestão seria bastante profícua e brilhante, atendendo-se ao seu longo cabedal de serviços à causa pública, à sua capacidade de administrador, às suas múltiplas qualidades de organizador”.
Terminado o quatriênio Hermes da Fonseca a 15 de novembro de 1914, desfez-se o seu ministério e, mais uma vez Edwiges de Queiroz recolheu-se à Engenhoca, seguindo a sua vida normal.
Mais tarde elegeu-se vereador à Câmara Municipal de Petrópolis e estava nessa condição, quando faleceu em sua residência aos 18 de março de 1921, há portanto oitenta anos.
Foi sepultado no Cemitério Municipal, misturando-se à terra que adotara para viver os anos mais significativos de sua existência.
Ao cabo dessa já longa resenha dos lances fundamentais que marcaram a caminhada de Edwiges de Queiroz nesse planeta, poder-se-ia dizer que esse fluminense que viveu os últimos anos do Império e os primeiros da Republica, foi um parlamentar inexpressivo, um advogado comum e correto, mas um executivo de grandes méritos e como tal teria sido um bom presidente do Estado do Rio de Janeiro.
Foi, como Chefe de Polícia do Estado e do Distrito Federal em duas gestões distintas, que ele demonstrou todo o seu talento para coibir excessos, prevenir crises, guarnecer a segurança pública e individual, impedir a subversão e o desrespeito.
De uma integridade a toda prova, enérgico, inflexível no cumprimento do dever, sem hesitações ou tergiversações na mantença da ordem e da disciplina, deu sustentação ao tormentoso quatriênio de Prudente de Moares e no governo Hermes da Fonseca, amparou o Presidente, quando as debochadas campanhas contra ele contaminavam todos os setores da vida na Capital da Republica, o grande tambor do Brasil naquela altura.
Como Ministro da Agricultura, apesar de sua curta passagem pelo cargo, deixou as melhores impressões que a imprensa soube recolher e exaltar conforme ficou patente neste capítulo final da vida do filho de Santana de Macacu.
Petrópolis, mais especialmente Corrêas preocupou-se pouco depois da morte de Edwiges de Queiroz, em fazer-lhe uma homenagem, dando o seu nome a um logradouro do segundo distrito.
O ato nº 12 de 3 de março de 1923, assinado pelo então Prefeito Alcindo Sodré, dizia o seguinte:
“O Prefeito Municipal de Petrópolis, de acordo com a letra a do artigo 33 da lei nº 1734 de 14 de novembro de 1921, resolve dar aos logradouros públicos situados em Corrêas, 2º distrito, abaixo discriminados, as seguintes denominações: de Praça Euzébio de Queiroz, ao logradouro compreendido entre a linha da Leopoldina Railway e as pontes sobre os rios Piabanha e Morto; de rua Álvares de Azevedo, ao trecho da Estrada do Bonfim situado entre a linha férrea e o Poço do Imperador e, de rua Edwiges de Queiroz, ao trecho que, partindo da praça acima, margeia o leito da Leopoldina Railway em direção à Nogueira, numa extensão de 700 metros”.
Antonio Machado à pág. 244 do 1º volume dos Trabalhos da Comissão do Centenário de Petrópolis, no seu “Nomenclatura Urbana”, assinala:
“Por ato de 1923 foi dado o nome de Edwiges de Queiroz à artéria entre a ponte do rio Morto em Corrêas e o povoado de Nogueira, compreendendo a rua Maria Carolina ( mulher de Joaquim Zeferino de Souza ), que termina no princípio da rua Tiradentes, junto à célebre figueira e, o trecho da Estrada Mineira que daí segue até a Estação de Nogueira. O ato municipal, entretanto, não foi executado”.
Na verdade o nome não pegou.
Trinta anos depois, a Deliberação 445 de 23 de julho de 1953, estabelecia no seu artigo 1º:
“Fica denominada Praça Edwiges de Queiroz o logradouro público entre as ruas E Bis, D, D Bis e B Bis, na localidade de Corrêas, 2º distrito de Petrópolis, Loteamento de Domingos de Souza Nogueira Filho”.
Não consta aos moradores daquela localidade que essa investida do poder municipal, tenha tido oficial e oficiosamente qualquer sucesso.
Em 1973, graças a gestões feitas pela viúva do Dr. Edwiges de Queiroz junto à Câmara Municipal, a Deliberação 3459 de 24 de setembro, sancionada pelo Prefeito Paulo Rattes, denominou Estrada Edwiges de Queiroz, o logradouro público conhecido por Estrada do Caetetu.
Apesar de perfeitamente adequada ao meio, dado que o Caetetu foi a menina dos olhos do homenageado, mais uma vez o nome não emplacou.
Erradamente consta o logradouro dos cadastros municipais como Estrada Luiz Gomes da Silva, mas, na prática e na placa a artéria foi, é e será sempre Estrada do Caetetu, nome expressivo e natural que o povo deu e consagrou.
Seja como for a figura do Dr. Edwiges de Queiroz merecia essa reabilitação perante a memória fluminense e petropolitana, da qual encarreguei-me prazeirosamente, neste ano em que transcorrem os oitenta anos de seu falecimento.