Agradeço à Câmara Municipal de Petrópolis e ao Clube 29 de junho, a honra de poder estar aqui, e dizer algo em homenagem a data comemorativa da chegada de nossos primeiros colonos alemães à região.
Não sou um historiador! Sou um estudioso da história, honrado com eleição para sócio de nosso Instituto Histórico.
Por isso mesmo, avulta minha responsabilidade e peço às autoridades presentes e convidados que relevem‑me, pois embora professor universitário, ultimamente, escritor e presidente de nossa Academia Petropolitana de Letras, não sou um “expert” em história, porém, apenas, um curioso de nosso passado, como, de certo, muitos dos presentes.
A data que hoje comemoramos já foi polêmica quando um expressivo número de historiadores e personalidades da vida pública da cidade, liderados pelo ex‑prefeito Dr. Antonio de Paula Buarque, pretendia que a 29 de junho de 1845 fosse a data da fundação de nossa cidade.
Entretanto, a história de Petrópolis iniciou-se oficialmente em 16 de março de 1843, na data em que o Imperador D. Pedro II assinou o Decreto no. 155 que aprovou o plano de seu mordomo Paulo Barbosa da Silva, determinando o arrendamento da Fazenda do Córrego Seco ao major de Engenheiros Júlio Frederico Koeler, reservando-se uma área central para que nela se edificasse o Palácio Imperial, assim como uma povoação que, pela Portaria de 08 de julho de 1843, recebeu a denominação de Petrópolis, ou “Cidade de Pedro”.
Isto não retira do dia 29 de junho seu grande significado, pois ele identifica a data em que, verdadeiramente, chegaram os colonos que iniciaram a obra da implantação aqui, nas terras dos Índios Coroados, de uma nova colonização.
Contudo, antes, muito antes, nossa região já tinha história e ela começa quando após o descobrimento do Brasil os portugueses, desejosos de alargarem o domínio de sua pátria, embrenharam-se pelo sertão, após o reconhecimento e primeiras explorações da costa atlântica.
Segundo pesquisas e depoimento de Henrique José Rabaço, meu saudoso e ilustre colega na Universidade Católica de Petrópolis e patrono da cadeira nº 22 que ocupo em nosso IHP, foi no longínquo ano de 1531 que Martin Afonso de Souza, buscando prescrutar o interior da terra recém descoberta e, eventualmente, alargar os dominios portugueses, mandou alguns tripulantes penetrarem para o interior. Segundo o historiador, o “Diário de Navegação” de Martin. Afonso diz que esses exploradores regressaram. trazendo reluzentes seixos do Alto da Serra. Muitos estudiosos levantaram a hipótese de que essa comitiva teria atingido o Vale do Piabanha, possivelmente pelo atual Bairro Mosela, e recolhido amostras cristalinas da região hoje denominada Pedras Brancas, que é rica nesse tipo de rochas.
O fato dessas amostras não terem maior preciosidade, apesar de sua bela aparência, fez com que o Sertão da Serra Acima “continuasse em poder dos Índios Coroados que por aqui ficaram, livres e sossegados, por mais dois séculos”.
Na realidade – todos sabemos – foi somente no século 17, devido à necessidade de uma ligação segura e direta por terra firme, entre o Porto do Rio de Janeiro e Minas Gerais, que nasceu a idéia de se construir o Caminho Novo, atravessando a Serra do Mar, passando por Pati do Alferes e Marcos da Costa, isto em 1698.
A região montanhosa e os obstáculos pantanosos da baixada, acabaram sugerindo ao Sargento Mór Soares de Proença, possuidor da Sesmaria do Itamarati, a execução de um novo traçado: “O Atalho do Caminho Novo”.
Era o “Caminho do Ouro” ou “Caminho dos Mineiros” que atingia nossa região pelo Alto da Serra – hoje bairro do mesmo nome – descia acompanhando o rio Palatino até nossa atual Estação Rodoviária, seguindo rumo ao interior pela atual Silva Jardim, sempre acompanhando o Vale do Piabanha, até alcançar a região onde fica Corrêas.
Uma variante desse trajeto, chegava ao Alto da Serra, abandonava o rio Palatino, subia a encosta onde situa-se a rua Teresa, descia e alcançava o que é hqje a rua Marechal Deodoro, e o rio Quitandinha, ganhando, então, um novo orientador fluvial, para seguir rio abaixo, até a junção do Palatino com o Quitandinha, onde situa-se nosso atual Obelisco que homenageia nossos primeiros colonos.
A região petropolitana foi constituída pela Sesmaria do Itamarati (de origem Tupi-Guarani, que significa rocha brilhante). O primeiro Sesmeiro foi o Sargento Mór Bernardo Soares de Proença que recebeu a área por carta de Concessão de 11 de novembro de 1721 e coube-lhe incentivar a vinda de gente para a região, povoando-a.
Não é de admirar que na Sesmaria do Itamarati e nas vizinhas que se abriram ao longo do Caminho Novo, florescessem sítios e fazendas, gerando a denominação de Estrada dos Mineiros.
A fazenda do Córrego Seco era um desses sítios e, segundo documento preservado no Arquivo Nacional, sua denominação inicial teria sido “Rancho da Farinha”, eis que esse nome ainda figura no documento de aquisição, indicando que no local havia uma modesta casa com uma roda de mandioca e um rancho para tropeiros, onde mais tarde foi levantada a casa grande da fazenda, posteriormente ocupada pela Pensão Geofroy, demolida, construindo-se, no local o atual Edifício Pio XII.
Na Estrada dos Mineiros, no sopé da serra, existia a Fazenda da Mandioca, do Barão Jorge Henrique Van Langsdorff, embaixador da Rússia. Homem de vasta cultura, amante da natureza e introdutor de várias espécies agrícolas na região. Ultrapassando o alto da serra, já bem no Vale do Piabanha, estava a Fazenda do Padre Correia, originária da Sesmaria da Manuel Antunes Goulão. Esta área agro-pastoril e manufatureira tornou-se uma das mais prósperas da região, quando possuída por Tomás de Aquino Correia, nascido em Inhomirim, estudioso de humanidades, teologia e filosofia que sucedeu ao pai, revelando-se excelente administrador, transformando a propriedade na mais próspera da. região.
Dom Pedro I conheceu a fazenda do Padre Correia pouco antes da proclamação da Independência, ainda Príncipe Regente, em março de 1822. Voltou várias vezes, para. tratamento de saúde de sua filha Dona Paula, a quem os médicos prescreviam “ares de serra acima” expressão de hábito à época, indicando ares de montanha.
Interessado pela propriedade, face à recusa do proprietário, D. Pedro I acabou. comprando a Fazenda do Córrego Seco, onde planejava construir um palácio de verão, com características suntuosas: o Palácio da Concórdia, na área onde situam-se os jardins do atual Museu Imperial.
A abdicação de D. Pedro I e sua ida para Portugal acabou gorando esses planos que foram retomados, muito mais tarde, pelo jovem D. Pedro II, então sob a orientação de seu Mordomo Paulo Barbosa da Silva que modificou os planos primitivos, ordenando a construção de um projeto de cunho social, relegando os ideais suntuosos e construindo um palácio grandioso, porém mais simples, conciliando os interesses da. Família Imperial, de bem estar pessoal, com a preocupação do bem comum, planejando a construção de uma vila, doando lotes de sua fazenda àqueles que quisessem colaborar no empreendimento.
A figura. de Júlio Frederico Koeler, Major de Engenharia, nascido no Grão Ducado de Hesse Darmstadt, às margens do Reno, aparece, então, como um dos engajados pelo nosso Encarregado de Colonização na Europa, o Barão Jorge Antônio Schaeffer, para engrossar as fileiras de nosso primeiro Imperador,
Em sua pátria de origem, Koeler estudava para médico e trazia documentos que informavam ser estudante de medicina, nem mesmo provas de exame de matemática ele possuía. Era alferes e pertencia ao exército do Rei da Prússia. Submetido a uma rigorosa prova de aritmética, álgebra, geometria e topologia, por uma junta da Imperial Academia Militar do Rio de Janeiro, tão bem se saiu que D. Pedro II outorgou-lhe a carta patente de primeiro tenente do nosso Imperial Corpo de Engenheiros.
Nomeado chefe da Segunda Seção de Obras Públicas do Rio de Janeiro, foi incumbido dos trabalhos da estrada ligando o Porto da Estrela a Paraíba do Sul, caminho que passava pelo Córrego Seco.
Eis Koeler ligado à região petropolitana!
Foi nessa ocasião que arribou no Rio de Janeiro, o navio Virginie, trazendo a bordo cerca. de 200 emigrantes alemães com destino à Austrália e que – desgostosos com o mal passadio a bordo – pediram asilo ao Brasil.
Sabedor da presença de seus patrícios, sonhando com braços livres para a estrada que dirigia e com o ideal de realizar aqui – no Brasil -um processo de colonização com braços livres, Júlio Frederico Koeler apelou para a Sociedade Auxiliadora da Colonização Européia, composta de eminentes homens, entre os quais o Mordomo de Sua Majestade – Conselheiro Paulo Barbosa da Silva – e a esses homens devemos a perspectiva, àquela época., da concretização dos ideais de Koeler.
A figura de D, Pedro II, oferecendo terras do Córrego Seco para o alojamento das famílias, sob o regime da enfiteuse, foi decisiva, justo, portanto, o nome de Petrópolis.
Então, duas vertentes de esforços e pensamentos caminhavam isoladas, porém paralelamente: enquanto Koeler buscava obter gente para. seus planos de colonização na serra., o Governo da Província promovia, por seu turno, a vinda de colonos para as obras que encetava, rasgado o interior por estradas.
A figura de Koeler ficou marcada na obra da colonização da cidade, inclusive seu levantamento topográfico e no traçado da cidade onde algumas disposições procuravam preservar as águas e as matas, aproveitando os cursos d’água para esgotos e detritos, traçando as ruas acompanhando os rios, determinando o plantio de alamedas de árvores, segundo espécies e alinhamentos designados, determinando o tamanho dos prazos de terra.
Era hábito, à época, a construção de casas com fundos para os cursos d’água, onde se jogavam detritos, porém no Plano Diretor de Petrópolis as frentes das casas são voltadas para os rios.
As alamedas, às margens dos rios, foram plantadas com paineiras, sapucaias e magnólias e os canteiros cheios de hortênsias deram a Petrópolis fama internacional.
Petrópolis florescia!
As levas de imigrantes vinham para o trabalho na estrada e, depois, fixavam-se na cidade que nascia no eixo rodoviário que se rasgava.
O diretor da Colônia não se descuidou de seus patrícios alemães e a eles proporcionou direitos de cidadania, como as primeiras salas de aula, contratação de professores, até a assistência espiritual com o padre Francisco Antônio Weber e o pastor Dr. Júlio Frederico Lipold.
A fundação de Petrópolis foi uma obra de equipe, fruto do trabalho de insignes idealistas. Não surgiu de um conglomerado de gente que cresceu, ou de um entroncamento rodoviário – como é comum – que prosperou. É uma cidade diferente, eis que nasceu para ser cidade, delineada e planejada para ser o local escolhido de veraneio da Família Imperial.
A formação de Petrópolis representou um papel histórico relevante, ainda pouco enfatizado, quando alojou, deu trabalho e terra aos colonos alemães que chegaram e, depois, às levas de imigrantes que se sucederam. Foi, como Nova Friburgo, um importante marco no processo de erradicação da escravatura, posto que em Morro Queimado e na Fazenda do Córrego Seco fundaram-se as primeiras povoações com imigrantes livres que escreveram uma nova página na emancipação econômica do Brasil, processo deflagrado desde 1808, com a Abertura dos Portos por D. João VI.
A evolução de nossa cidade tem alguns aspectos originais:
1) foi uma cidade mandada construir, portanto planejada;
2) sua colonização construiu-se um marco no processo de erradicação da mão de obra escrava;
3) foi, possivelmente, a mais bem sucedida imigração, eis que várias levas de famílias vieram do exterior e aqui se radicaram definitivamente;
4) foi, também, um marco na interiorização do país, eis que pelo Caminho da Serra e pela Estrada dos Mineiros transitaram muitas tropas, levando e trazendo riquezas;
5) por essas vias, passaram figuras da realeza, inclusive D. Pedro 1 e, mais tarde, seu filho D. Pedro II, como.figuras da “Inconfidência Mineira”, inclusive Tiradentes, notáveis pesquisadores, cientistas e artistas;
6) aqui, religiões, raças, linguas e costumes diferentes, souberam conviver;
7) de um povoado agro-pastoril, evoluiu para uma cidade onde se conciliaram o camponês, o lavrador, o artesão e operário da indústria e em meio a esse processo surgiu o Palácio Imperial, com a vinda para aqui das figuras mais notáveis da diplomacia e da aristocracia do Rio de Janeiro;
8) a cidade de Petrópolis ficou famosa por seus quitutes, pelos frutos de sua indústria e atrativos de seu clima e topografia.
Nossa cidade assistiu à construção da primeira ferrovia, sob a direção do pioneiro da industrialização nacional. Ireneu Evangelista de Souza – Barão de Mauá – obra integrada, onde os passageiros deixavam o Rio de Janeiro em barcas a vapor atravessando a baía; embarcavam, em trem, do Porto de Mauá à Raiz da Serra e subiam a serra em “diligências” com tração animal.
Extinguiu-se o regime colonial, e outra particularidade: Petrópolis viveu Colônia e viveu o Império.
Veio a República e quando se esperava que a cidade Imperial, ficasse esquecida, eis que a proximidade com o Rio de Janeiro e os veraneios presidenciais transformaram Petrópolis numa vedete.
Chegamos a ser uma cidade onde os verões se tomavam ricos e animados, nossa indústria se diversificava de modo acentuado, dando-nos o título de cidade brasileira com a maior variedade de indústrias e manufaturas do país. Nossa cidade se orgulha de haver possuído os melhores colégios do país e de ser um notável centro de estudos, quando sua Faculdade de Medicina acaba de ultrapassar seu 30º aniversário e nossa Universidade Católica de Petrópolis seu 45º aniversário.
Em Petrópolis, realizaram-se inúmeros e grandes eventos socio-culturais, no Império e na República., como o Tratado de Petrópolis que deu o Território do Acre ao Brasil e a conferência Intercontinental Americana, no Hotel Quitandinha. Já recebemos as visitas de presidentes dos EUA, da República Argentina., do rei Alberto da Bélgica, etc.
Aqui abrigaram-se notáveis homens públicos, cientistas, artistas, escritores e poetas, alguns aqui fixaram-se e neste torrão encontraram sua última morada.
Ao solicitar a este seleto auditório desculpas pelo tempo que a mim reservaram, desejo dizer-lhes, que nossa história e nossa terra merecem muito mais e que um pouco do que lhes disse e muito de meu gosto pelos estudos de nossa história, aprendi com um notável homem público, gaúcho de nascimento, porém petropolitano de coração, homem que ocupou este recinto como Presidente desta casa e Prefeito Municipal, meu saudoso professor de história Dr. Alcindo de Azevedo Sodré; a ele minha homenagem e minha gratidão.