A ERA DOURADA DOS TRANSPORTES PÚBLICOS
Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga
“Para entrar no seu quarto eu ía de noite para a rua e voltava quando julgava minha família adormecida. Era um corredor de acústica traiçoeira: o menor ruído estrondava como a queda de um móvel. Tirava os sapatos na escada e ficava parado diante da porta do quarto, à espera do momento exato de abrí-la e de entrar.
Esse momento, às vezes demorado e supliciante, era quando o bonde entrava no desvio defronte da loja na Avenida XV, e cobria todos os rumores com um chacoalhar de ferragens e um diálogo destabocado entre passageiros, motorneiro e condutor. Aí eu abria bruscamente a porta e penetrava (…)” (Pongetti, Henrique, O Carregador de Lembranças, Editora Pongetti, Rio de Janeiro, 1971).
A história dos deslocamentos de ‘massa’ na cidade de Petrópolis por empresas privadas possui suas operações processadas pela primeira década do século XX, quando justamente em 1910 (18.10), inaugurou-se o serviço de auto-ônibus entre a Estação da Leopoldina e a Cascatinha. Primeiro, no gênero, a ser executado no município, observando-se que o transporte de terceiros e operários para a Cascatinha promoveria alta rentabilidade econômica (Fróes, Gabriel).
A princípio a elite de moradores que se deslocavam era composta por privilegiados, pois as tarifas eram altas para o poder aquisitivo do operariado, mas com o aumento do número de coletivos, o transporte iniciou sua consolidação, que logo foi abalada pela chegada dos bondes (Verão em Petrópolis).
Outros pequenos empresários passaram também por conta própria e risco a se estabelecer no setor, sem constituir empresas legalmente autorizadas, transferindo capitais de suas operações comerciais, muitos destes de lojas. Estes eram favorecidos pelos poderes públicos, com o estabelecimento imediato das concessões para a atividade e pelas agencias bancárias ‘sedentas’ de participar com créditos e associações para a aquisição ou locação de veículos, ou em muito para confecção de carrocerias, nos tradicionais artesãos carpinteiros alemães, como os Bade (Silveira, Oazinguito F.). Até mesmo o Hotel da Independência, assim como outros, passou a explorar o transporte, principalmente a partir do terminal centro da estação ferroviária da Leopoldina, conduzindo clientes em uma época onde o fluxo de visitantes e hóspedes da cidade eram intensos em seu veraneio e fuga de epidemias.
Por outro lado, inúmeras foram também nas primeiras décadas do século as propostas de empresários do Rio objetivando estabelecer outras modalidades de transporte público, tais como os tramway ou trolley, trólebus, carros elétricos que se movem sobre rodas com pneus (Machado, Paulo). Inclusive a dos bondes, cuja autorização contratual para a Cia. Brasileira de Energia Elétrica ocorreu em 1910 (Fróes, Gabriel) e que de forma definitiva se estabeleceram a partir de 1912, com uma linha para a Cascatinha (Machado, Paulo).
Os bondes transformaram-se na ‘redenção’ do transporte de massa em Petrópolis, com suas primeiras linhas articuladas a partir do centro para o Alto da Serra e para a Cascatinha. Registrem-se as últimas para o Valparaíso e para o Alto da Serra pela Aureliano Coutinho em 1924/25 (Fróes, Gabriel).
Nesta ocasião a cidade comportava ao redor de 30 mil habitantes, sendo destes 1/3 de operários, nas já dezenas de indústrias, grandes e pequenas que se faziam presentes pelos quarteirões.
As linhas foram posteriormente ampliadas e até a primeira metade da década de 20, cumpriram seu papel com elegância e galhardia, como narram os inúmeros periódicos do período e crônicas. Nem mesmo o problema de abastecimento de energia promoveu crises para este transporte no período (Tribuna de Petrópolis).
Como no Rio, o ‘vintém’ foi o preço módico, popular, pois o transporte público necessitava se adequar aos interesses da maioria populacional, já que esta se organizava e os jornais em concorrência lhe proviam voz.
O fenômeno decorrente da presença do bonde em Petrópolis foi uma maior integração das comunidades dos quarteirões, antes distantes do cotidiano urbano, sendo as famílias favorecidas pelo novo transporte com melhores condições de sobrevivência, atendimento comercial e de serviços, o que resultou também em uma explosão populacional ao final da década. Estes fatos conduziram a novas exigências para a complementação dos transportes públicos às regiões fora do circuito, e cujo processo de extensão das linhas dos bondes não beneficiava, pois acusavam grandes dificuldades não somente pelo relevo petropolitano mas também pelos custos para a sua ampliação e operacionalidade.
Outro fato desabonador foi a crescente presença de famílias de classes privilegiadas motorizadas pela cidade, principalmente em épocas de veraneio, disputando com os bondes espaços nas ruas, resultando em diversas colisões e denúncias, como as do tipo de que os bondes ocupavam o centro da rua e deixavam passageiros ao meio do caminho o que resultava em acidentes pela falta de visibilidade. Mais precisamente um choque entre novos e velhos costumes citadinos incluindo os hábitos (Tribuna de Petrópolis).
O charme e a popularização dos bondes em Petrópolis estavam com os dias contados, não somente pelo exposto, mas pelo expresso nos jornais, personagens defensores da modernização. Estes debatiam que era um transporte lento e de constante e cara manutenção. Pelas colunas da imprensa ‘choferes’ alegavam os inconvenientes que os trilhos ofereciam à segurança dos autos além do custo de manutenção dos pneumáticos.
Porém seu papel integrador da população e promotor do desenvolvimento econômico no município não pode ser eliminado, principalmente pelas Ciências Sociais. Tornou-se efetivo para as então distanciadas áreas periféricas dos quarteirões, eliminou a presença das charretes, antes dominantes na paisagem urbana, assumiu a presença das populações carentes dos quarteirões em sua ascensão sócio-econômica como verdadeiros cidadãos petropolitanos e mudou a história da cidade.
A partir de 1924/25, a necessidade de integração com outras áreas já citadas como de difícil acesso da cidade promoveu a constituição de um gigante empresarial de transportes coletivos, a Cia. de Auto Transporte, com sua revolucionária linha para a Cascatinha pelo Quissamã, e posteriormente para o Bingen e para a Mosela e Major Morin, notadamente regiões nas quais a instalação de linhas e seus trilhos tornariam onerosos e impopulares o trafego dos bondes.
Outro fato que já era observado com antecedência era a abertura de linhas de coletivos para os distritos por outra empresa, a Cia. de Melhoramentos Urbanos (Fróes, Gabriel).
A observação de registros fotográficos (Coleção José Kopke Fróes, Museu Imperial) das proximidades da Estação da Leopoldina já apontava nos anos 30 a disputa entre bondes e coletivos por espaços à frente da Estação em um claro estrangulamento do trânsito local provocado propositalmente pelos ‘choferes’ da Auto Transporte e visando criar transtornos públicos para a condenação da CBEE, fato decretado após grande pressão e interesses por Iedo Fiúza em 1934, e que encerrou a era dos bondes em Petrópolis.
Vestígios desta era dourada dos transportes petropolitanos podem ser observados ainda em regiões de loteamentos antigos, onde o estabelecimento das linhas de iluminação conduziu a utilização das vigas das linhas dos bondes (1940) e das ferroviárias a partir de 1965.