FALÊNCIAS DE MERCADOS E A ENCRUZILHADA BRASILEIRA

Júlio Ambrozio, associado titular, cadeira n.° 30, patrono Mons. Francisco de Castro Abreu Bacelar

Os anos a partir de 1970 trouxeram o fim de três decênios da denominada era de ouro do capitalismo. A década de 1970 – e depois – pode ser lida como o período de uma crise clássica de hiperacumulação de capital oriunda desses trinta anos imediatamente anteriores a esse decênio; trinta anos caracterizados pelo aumento significativo da produtividade do trabalho através de sistemática incorporação de capital constante, cuja expressão concreta foi o permanente aumento da oferta de mercadorias advindo cada vez mais dos meios de produção que, pelo volume e concorrência, diminuíam as taxas de lucro do capital. Empiricamente, no período de 1970 os estoques prodigiosos, desvalorizando-se, rebaixaram definitivamente a realização dos lucros dessa produção em massa ou fordista. Os anos dessa crise, portanto, reduziram a produção industrial e o comércio internacional; a Ásia ocidental, toda a América Latina e continentes inteiros como o africano experimentaram, nos anos de 1980, a diminuição do seu PIB e mesmo cessação de seu crescimento, sem esquecer as profundas dificuldades econômicas, após 1989, da antiga URSS e sua área de direta influência.

Por sua parte, a telemática, a computação, comunicação e transportes e mais rápidos, e mesmo em tempo real, foram diminuindo a importância dos almoxarifados no interior do processo produtivo, favorecendo o suficiente abastecimento da demanda no “tempo justo” e com mínimo estoque – prática iniciada com os japoneses. Isso sem mencionar a instalação de mobilidade produtiva capaz de alterar ou diversificar a produção em benefício de qualquer modificação da demanda.

O desenvolvimento dessas novas tecnologias, aumentando a velocidade e a eficácia das redes de comunicações, propiciaria à produção capitalista superar os limites que a crise impunha, literalmente dando um salto adiante, ou para cima, em busca da esfera financeira.

Um dos acontecimentos da época que acabou contribuindo visceralmente para essa arremetida foi o embargo do petróleo. Neste instante, os EUA mostraram ao mundo todo o seu poder imperial. Expandiram a emissão de dólares para enfrentar as despesas com esse hidrocarboneto. As Importações dos EUA passaram de 4 bilhões de dólares aproximadamente para mais de 70 bilhões de dólares. As emissões originaram os petrodólares, inundando o sistema financeiro com uma moeda sem lastro e que foi literalmente lavada com empréstimos – de juros baixos, porém móveis – feitos aos paises subdesenvolvidos. A crise da América Latina nos anos de 1980, por exemplo, foi experimentada como crise de pagamento dessa dívida externa inflacionária. A moeda, então, que deveria expressar a riqueza concreta de que é símbolo – com a importante contribuição dos petrodólares -, adquiriu valor nominal acrescido várias vezes em relação às transações globais de bens e serviços da economia real. O grande engenheiro e físico J. W. Bautista Vidal, antigo Secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério Severo Gomes no Governo Geisel, responsável pela implantação do Pró-Álcool e que, aliás, deveria ser consultado diariamente por Lula com respeito ao denominado “etanol”, informava, em 1997, que as trocas mundiais de comércio de bens e serviços foram, em 1994, cerca de 3,7 trilhões de dólares; no mesmo ano, realizaram-se operações financeiras circundantes a 250 trilhões de dólares! Ele mesmo, Bautista Vidal, acrescentava que tal movimento pouco vínculo tinha com a circulação de riqueza real, pois formava um conjunto ordenado e virtual próprio, avaliado por baixo em 40 trilhões de dólares, eliminado as repetições. É de se lembrar que, na época, o produto bruto mundial fora contabilizado em 20 trilhões de dólares! (1)

(1) BAUTISTA VIDAL, José Walter. A Reconquista do Brasil, 2 ed., Espaço e Tempo, RJ, 1997, p. 61

A denominada globalização estaria aqui: novas tecnologias de comunicação possibilitando a circulação de capitais, valendo valores virtuais — que, em linha reta, não saciam qualquer demanda — cruzando o ciberespaço. Para tanto, foi também necessário o sistemático desmonte do papel ostensivo do Estado saído da segunda grande guerra, cuja ação, dentre algumas, na referida era de ouro envolvia o gerenciamento parcial de excedentes, controle da circulação de capitais, exercício de demanda direta através de aquisições ou consumo de governos, domínio de parte das rendas privadas oriundas da seguridade social e previdência. Tudo isso foi apeado do Estado. Doravante, qualquer Estado nacional se defrontaria com fuga de capitais, caso tomasse medidas adversas aos interesses da esfera financeira. Cristalizaram-se, além disso, paraísos fiscais de maneira ostensível. A ilha de Jersey, por exemplo, situada no canal da Mancha a 20 quilômetros da costa francesa, formalmente independente, embora vinculada à Coroa britânica, recebeu elogio do FMI em seu relatório de 2002, congratulando-a pelo irreprochável respeito às “[…] normas internacionais em matéria de regulamentação financeira e de luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo” (2). É de se notar que, em 2005, a monta depositada no conjunto desses centros offshore, foi estimada em 11,5 trilhões de dólares ou cerca de 26 trilhões de reais!

(2) MULLER-CYRAN, Olivier. “Jersey, o Paraíso sem Medo”, Le Monde Diplomatique, dezembro, 2008.

O domínio da esfera financeira trouxe também a mudança relativa de um regime produtivo por outro – do fordismo para o regime flexível -, melhor dizendo, a partir da década de 1970, incorporou-se proporcionalmente outro regime produtivo. Regime, gostaria de repetir, conduzido pela financeirização da economia que rebaixou globalmente o arranjo Keynesiano.

O fato é que, com os anos, a crise de hiperacumulação iniciada na década de 1970 – de um lado – fez migrar fração importante do processo produtivo em direção ao oriente, especialmente para a China, em busca de ajuste espacial que solucionasse a queda de lucros e diminuição de excedentes, pois se a crise assombrava o ocidente, a China e parte da Ásia saíram da década de 1970 em marcha batida na direção do crescimento econômico. A Índia e, sobretudo, a China – além de amplo arco asiático – estribadas em poder de Estado incontrastável, tecnologia e força de trabalho barata, dir-se-ia semi-escrava, transformaram-se na indústria do mundo. Cerca de 800 milhões de trabalhadores com custo/hora médio de 0,60 cents contra, por exemplo, 30 dólares na Alemanha, 21 dólares nos EUA e 4,50 dólares no Brasil. De outro lado, na medida em que a produção capitalista foi relativamente diminuída no ocidente, porquanto a China e outros paises da Ásia supriam à demanda, aliás, disposição de compra rematada pelo aumento de exportação de commodities por paises como o Brasil, a esfera financeira – com as novas facilidades de comunicação e desregulamentação do Estado Keynesiano – transformou-se no lócus da produção de excedente, dessa forma, ultrapassando momentaneamente o capital a crise instalada desde 1970.

Em termos urbanos, a crise inaugurada no decênio de 1970 foi conseqüência do embaraço no ambiente construído de muitas cidades, traduzido por uma deseconomia de aglomeração ou crise de congestionamento que trouxe falências e transferências de atividades industriais, resultando na penúria industrial e econômica de variadas cidades, dentre elas, exemplo brasileiro e pedestre, a cidade de Petrópolis, RJ.

O salto adiante para a esfera financeira, tal como descrito anteriormente, trouxe à tona – igualmente – o papel urbano na aplicação de valores virtuais à economia real, dado que a produção de bens e serviços fora apequenada relativamente diante do domínio das finanças. O caminho do excedente financeiro, além de amplificar a sua reprodução, não seguiu em via única para a atividade produtiva, porém caminhou especialmente para processos urbanos que modificavam cidades. Refiro-me a uma atividade construtiva que transformou algumas áreas urbanas e velhos núcleos citadinos, os dois eventualmente degradados pelo ambiente construído industrial, em renovadas áreas e centros históricos através das chamadas revitalizações, cuja seqüência atraiu atividades de comércio, serviços e, no seu interior, o turismo.

Sob esse viés, a intensa ação imobiliária não seria somente acontecimento constatado agora nos Estados Unidos com a crise hipotecária e de subprime, todavia – aqui e ali – fez parte desses últimos quatro decênios: Baltimore, Docklands londrina, Paris, Barcelona, Lisboa, Xangai, Pequim, Dubai, etc.

Exemplo, no Brasil, de aplicação do excedente tem sido o Monumenta, programa coordenado nacionalmente pelo IPHAN e financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento que, desde o ano 2000, conduz intervenções em variadas áreas urbanas denominadas – pelo programa – de sítios históricos, desse modo, pretendendo retorno financeiro evidenciado através da valorização imobiliária e do crescimento das atividades econômicas de natureza cultural. Se bem que não seja contra as melhorias urbanas, não posso deixar de notar que, filho do neoliberalismo ampliador das desigualdades sociais e econômicas, com efeito, o Monumenta – membro conspícuo da gentrification – aprofunda a segregação urbana e transforma a última praça fortificada contra o capital, a cultura, em mercadoria turística. Com o enobrecimento, a tradução portuguesa do vocábulo estrangeiro anterior, a reabilitação econômica de eventuais áreas urbanas se realiza através da cultura, tornada integralmente vedete, já que transformada inteiramente em mercadoria.

Outro exemplo, desta vez demonstrando o poder ideológico desse programa urbano neoliberal, é a já mencionada cidade de Petrópolis, RJ. Com efeito, embora não recebendo investimento do BID, pois tendo área contemplada no interior do programa Monumenta, mas não apresentando ou conseguindo aprovar o denominado Perfil de Projeto, contrapartida obrigatória do programa, Petrópolis ainda assim alcançou certa espécie de enobrecimento urbano, propiciado por 18 milhões de reais partilhados entre o Estado, Governo federal/municipal, e Bradesco (3) – o itálico é meu. Sob o viés dos excludentes Transbordos, aliás, dir-se-ia que a remota origem dessa reabilitação do núcleo urbano se encontra na segunda Administração Paulo Gratacós, 1989-1992. O fato é que, sem o direto investimento do BID, por conseguinte, arrastando todo esse processo por longos anos, Petrópolis alcança seu pedestre enobrecimento – o Pró-Centro – no exato instante em que as condições econômicas e políticas que sustentam as gentrifications acabam de ser explodidas pela derradeira e visceral bolha imobiliária, exatamente, a bolha especulativa da sede imperial do núcleo orgânico do capitalismo. Basta mencionar que o financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento para o Monumenta, que termina este ano, não será renovado.

(3) ASCOM, 25/04/2006.

A colônia sempre queda em situação vexatória diante da metrópole.

O caso é que a crise atual irrompeu exatamente na aplicação urbana dos excedentes financeiros, possivelmente devido a uma contradição instalada pela própria esfera monetária. A crise de subprime ou hipotecária norte-americana, conseqüência do desejo ardente e da inevitável vontade de lucro no sistema-mundo capitalista, resultaria do rebaixamento global da massa salarial propiciada ou imposta pelo círculo financeiro, que enunciando a ocasião favorável de maiores rentabilidades em papel do que em bens e serviços, dispensou – ao inverso do Keynesianismo – o salário como uma das peças fundamentais na realização de valor no interior da reprodução do capital. Salários e produtividade perderam a conexão. Todavia, através do design, da publicidade, da grande mídia, e mesmo em virtude da real necessidade de bens e serviços, os trabalhadores e suas famílias – não somente os dos EUA, mas de todo o núcleo orgânico do capital – foram instigados a consumir, senão pelo real poder de compra que já não existia, pela exacerbação do crédito, desse jeito, largamente compensando durante alguns anos o empobrecimento desses mesmos trabalhadores e suas famílias. Sob esse ângulo a crise hipotecária, vinculada à expansão do crédito imobiliário, apresentar-se-ia como o limite de solvência urbana norte-americana na realização de lucros do investimento de excedentes financeiros.

Neste passo, seria interessante mencionar Francisco de Oliveira, acentuando outro viés complementar desta crise globalizada do capitalismo. Oliveira torna visível o fato da ampliação de extração da mais-valia ter rompido todas as fronteiras. Efetivamente, se acrescentarmos aos referidos 800 milhões de trabalhadores asiáticos os números saídos dos paises da velha URSS, o mercado mundial teria hoje cerca de 1,2 bilhão de trabalhadores incorporados ao longo das últimas três décadas; trabalhadores que retiraram ao longo desses últimos decênios empregos qualificados e maiores salários de aproximadamente 350 milhões de homens e mulheres ocidentais, ademais, contribuindo para que metade da população ativa do mercado mundial -1,5 bilhão – ganhe hoje menos de 3 dólares por dia. As condições propiciadas pelas comunicações, transportes, abertura de fronteiras, desregulamentação do Estado e hegemonia do círculo financeiro fizeram diminuir o custo de reprodução da mão-de-obra no mundo, especialmente na Índia e China, ainda que aí existisse tecnologia de última geração, desse modo – acentua Francisco de Oliveira a contradição -, propiciando o barateamento do consumo nos EUA, mas ao mesmo tempo rebaixando demasiadamente a massa global dos salários, assim, impedindo a realização de valor. A crise atual, então, seria também notável sintoma do desacordo “[…] entre a globalização do valor e a impossibilidade de realizá-lo na mesma escala […]” (4), porquanto não existiria, no núcleo e na periferia do sistema-mundo do capital, capacidade de compra em igual peso e força.

(4) OLIVEIRA, Francisco. de. “Entrevista: Chico de Oliveira”, Carta Maior, 06/01/2009.

Não é à toa que o despedimento sempre foi moeda corrente no período. Não é a esmo também que a OIT projeta 200 milhões de desempregados no mundo.

Se ajuntarmos a esta crise de natureza global o problema ambiental, cujo fundamento é a impossibilidade de se manter a base energética e tecnológica absolutamente poluente do carvão e do petróleo, o homem estaria diante de um profundo estado de dúvida civilizacional. A originária superação, pelo capitalismo industrial, da antiga base energética renovável em benefício da energia não renovável dos hidrocarbonetos hoje mostra seu esgotamento. É difícil afirmar – neste instante – que o capitalismo experimenta o início de sua crise terminal de hiperacumulação, com grandes chances de arrastar à civilização. Entretanto, talvez fosse possível escrever que, contrariamente ao propalado desenvolvimento tecnológico – refletido na informática, engenharia genética, telemática e outros setores -, esta desordem global seria de fato crise das forças produtivas, experimentada como manifestação violenta de incertezas civilizacionais.

Hoje não mais bastam vastas áreas propícias ao ajuste espacial das crises de hiperacumulação do capital, tais quais partes da Ásia, África e América Latina, visto que, pelo viés energético e o ângulo ambiental, o capital obscurece o horizonte.

O propagado modelo de desenvolvimento sustentável, relacionando preservação e desenvolvimento econômico – estribado em planejamento de longo prazo e no ordenamento das fronteiras de exploração dos recursos naturais -, não oferece definitiva solução. Lembrar, como afirma esse modelo, que a civilização se constituiu sob a base estável da natureza, guarda sua pertinência; porém, outra coisa são os fundamentos, melhor dizendo, o modo de produção da civilização industrial. O modelo de desenvolvimento sustentável não indaga até a raiz acerca do consumismo, por exemplo, parecendo sugerir certa espécie de revisão de comportamento, como se essa retificação fosse possível em um sistema determinado a tornar amplos os objetos de troca. Como propor, além disso, novo exame comportamental para vastos territórios sem o mínimo patamar de consumo? Não seria demasiado procurar saber para quem serviria a revisão:

– Diz respeito ao núcleo orgânico ou tão somente à periferia e semiperiferia do capitalismo?

Na verdade, buscando uma saída no interior do capitalismo, esse modelo de proteção do corpo de forças e circunstâncias que rodeiam e guardam influência sobre os seres e as coisas em geral – o meio ambiente -, não assimila ou não deseja compreender que o processo de acumulação capitalista necessita passar pelo circuito da mercadoria ou de troca para realizar a mais-valia e, de forma ampliada, reproduzir o capital.

Sob esse aspecto, diga-se de passagem, o que estaria em crise seria a própria idéia de progresso.

O caso é que – no ponto em que estamos – variados cenários poderiam ser projetados para esta crise de acumulação globalizada. Dentre alguns panoramas, quereria recuperar um que, em 1999, tive oportunidade de mencionar: Giovanni Arrighi escrevera nesse ano que o processo de acumulação migrava em direção ao oriente, e o fato é que hoje, ainda mais do que ontem, essa novidade na história do capitalismo é assaz evidente. Deslocamento que, sob o ângulo da América do Sul e do Brasil, traz em si pertinente indagação:

– Qual o papel ou função do território sul-americano e, sobretudo, do Brasil na eventual estratégia norte-americana e ocidental em conter a sua perda de hegemonia?

Trata-se aqui de chamar a atenção para provável inflexão do imperialismo, em um panorama de ampliação de disputas no qual o oriente, leia-se, sobretudo, a China, vai alcançando as condições de guiar o mundo em direção a um novo ordenamento.

Com tudo isso, a encruzilhada brasileira está posta!

Parte da crise atual, que se avizinha prolongada e difícil, já alcançou o país: suficiente seriam os números do desemprego, desde muito elevados, recebendo agora maior relevo.

A saída dependeria de algumas variáveis, dentre elas o rompimento com o ambiente colonial, pois reduzindo a cultura a um brinco de princesa, valendo conhecimento palavroso e livresco, ou articulando saberes e, inúmeras vezes, materializando-os sem muito indagar sobre a sua origem metropolitana, a colônia carrega enormes dificuldades para alcançar o processo endógeno formador da idéia, i.é, traz consigo desmarcado estorvo para atingir a marcha de constituição do conhecimento ou da representação mental da realidade em que vive, conseqüentemente, existindo condenada a enxergar sua terra com os olhos da metrópole. Esquizofrênica ou alienada, a colônia receberia determinações e idéias prontas sem digerir ou – no máximo – realizando acordes em um concerto limitado, pois, de fato, composição já superiormente executada pela metrópole. Varrido permanentemente por transformações e novidades políticas, sociais e econômicas poderosas, então, o contexto colonial reproduziria tudo isso sem ao menos desconfiar, em relação a sua terra, da autenticidade dessas modificações. Como exemplo, bastaria à falácia do neoliberalismo e da globalização imposta, financeira e de forma midiática, nos Governos Collor e Fernando Henrique Cardoso-PSDB; dura imposição, pois rosário de privatizações com forte acento na internacionalização da economia e da sociedade brasileira, não sendo ocioso repetir que uma das razões do referido Pró-Centro petropolitano guarda seu fundamento nesta exata mentalidade colonial. O outro motivo, diga-se de passagem, diz respeito à própria história territorial do município de Petrópolis.

Concretamente, a saída depende de determinação política, investimentos públicos e ação de Estado contra a mentalidade colonial e subalterna da plutocracia brasileira liderada hoje pela burguesia paulista. Uma das ações, aliás, seria intervenção estatal sobre o sistema financeiro. Eu tenho dúvidas se Lula será capaz de conduzir com disposição e coragem esse processo, tal como Getúlio Vargas liderou na década de 1930, pois se trata de reencontrar e renovar o projeto nacional perdido em 1964. Diferentemente dos paises do núcleo orgânico do capitalismo, tudo aqui está para ser realizado. Seria necessário, por exemplo, recuperar empresas nacionais privatizadas como a Vale do Rio Doce. Com as quedas sistemáticas das Bolsas, seria oportuno e conveniente recomprar as ações da Petrobrás vendidas ao mercado no período de Fernando Henrique Cardoso, por conseguinte restaurando integralmente o poder de Estado sobre essa empresa. Afirmar o controle desse mesmo Estado nacional sobre a novidade energética e tecnológica do país – a biomassa – também faria parte deste combate contra a mentalidade e contexto coloniais, quem sabe através de uma Álcoolbrás ou Biomassabrás? É de se lembrar, que a cadeia de carbono do petróleo é análoga à do álcool, então, não se tratando somente de combustível, porém de nova tecnologia dos trópicos que, ademais, indicaria substantiva resposta para o problema ambiental da Terra.

Sugestões portentosas, sem dúvida. Contudo, propostas que apontam em direção à ruptura com o neoliberalismo que, a despeito do tamanho da crise, permanece influenciando o diagnóstico e a terapêutica de uma crise financeira e econômica que põe em dúvida nada mais que o horizonte da civilização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (além das incluídas em notas do texto):

ARRIGHI, G. “O Poder Norte-Americano”, Praga, n. 8, Hucitec, SP, 1999.

CORBISIER, R. Formação e Problema da Cultura Brasileira, ISEB/MEC, RJ, 1959.

HARVEY, D. “El Derecho a La Ciudad”, New Left Review, n. 53, novembro/dezembro, 2008.