FARDA, UNIFORME E O HISTÓRICO DA CIDADE
Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga
“O seu corpo, em que está inscrita uma história, casa-se com a sua função, quer dizer, uma história, uma tradição, que ele nunca viu senão encarnada em corpos ou, melhor, nessas vestes habitadas por um certo habitus” (Bordieu, Pierre. O Poder Simbólico, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1998, p.88)
Muitos confundem farda com uniforme, mas tecnicamente, farda não é uniforme. Uniforme é apenas uma composição de peças de um vestuário que visam à padronização visual de determinado grupo, de uma classe ou profissão. Já a farda possui não somente conceito assim como uma dimensão completamente diferente de uniforme. Farda é por constituição um símbolo, representativo na maioria da instituição a que pertence.
Identifica-se por uma história composta por valores de uma instituição maior como o Estado ou a própria representatividade da soberania de um povo. Farda é a projeção da autoridade institucional, de suas forças militares e policiais.
Ao ingressar em uma instituição militar o homem ou a mulher torna-se herdeiro de um conjunto simbólico identificador da instituição. Esse é composto por práticas e discursos, expressos em cerimônias, símbolos e pelo dia-a-dia institucional (Schactae, Andréa Mazurok).
Para o imaginário histórico petropolitano, inúmeros são os registros presentes em declarações pela imprensa ou na própria literatura local do século XIX e no século XX. Tais como os registros do garbo dos petropolitanos que se apresentavam no Tiro de Guerra nas primeiras décadas do século XX, ou na presença, inclusive fotográfica que alguns membros da Guarda Nacional se apresentavam em reuniões (O Mercantil), talvez como forma de ostentação ou mesmo de opressão, autoritarismo.
Fotos nos arquivos do Museu Imperial dos inspetores de quarteirões, autoridades policiais garbosas e de profundo relacionamento e demonstração de segurança com as comunidades. No imaginário dos moradores, a presença do guarda noturno com seu tradicional apito e farda.
Até mesmo o imaginário colonial apresentou-se por intermédio dos viajantes, no realce das fardas alemãs que alguns ainda guardavam, e segundo declarações vez por outra apresentava às comunidades por onde passavam, o que traduzia-se em respeito.
Assim como, a tradição já estava estabelecida com a presença dos ‘Dragões’ que acompanhavam o Imperador e sua família em suas constantes viagens à cidade, principalmente nos anos 70 e 80 do século XIX (O Mercantil).
As fotos de Haack apresentam em épocas distintas a presença das forças públicas em Petrópolis nos anos 30, como patrulhamento, passagem para as ‘Minas Geraes’, ou mesmo em desfile pela então Avenida XV de Novembro.
Já as fardas policiais, por seu lado, nunca apresentaram admiração, mas sim o medo, o terror.
Registros das primeiras décadas não acusavam semelhante condição, talvez porque a vida rústica da grande maioria de nosso povo assim como a ignorância presente conduzisse a um confronto.
Este terror surge após o período de repressão do operariado e mesmo nos anos 30, durante o período da ditadura do Estado Novo, se perpetuando até os anos 80, com o fim do período de exceção.
Até mesmo as fardas dos membros da extinta ‘Rádio-Patrulha’, com seus quepes vermelhos, traduziam terror, principalmente para os malandros da cidade nos anos 50/60, ou a associação com a opressão política durante a ditadura militar em nossa cidade.
Único destaque positivo é a paixão que a farda militar impõe ao imaginário feminino local. As colunas dos inúmeros jornais humorísticos ou efêmeros dos anos 20 apresentavam ‘moçoilas apaixonadas’ pelo destaque presente aos que foram cumprir o famoso Tiro, verdadeiras ‘Carolinas’ suspirando na janela.
A representatividade de nossos soldados que morreram nos campos da Itália e as honras anuais que recebiam em seu monumento pelo conjunto de fardas presentes e que se destacavam.
Os desfiles cívicos, para onde acorriam familiares orgulhosos e moças sonhadoras.
Até mesmo dos anos 60 aos 80, o delírio se fazia presente na juventude da cidade quando da chegada dos bailes do NPOR que o 32º de Infantaria promovia e com a concorridíssima presença das secundaristas petropolitanas (Tribuna de Petrópolis).
Da mesma forma como o uniforme branco da medicina sempre seduziu em nossa sociedade as jovens professoras e outras meninas do ‘society’ local. Afinal a ascensão imediata poderia ocorrer com o casamento com um militar ou um médico.
No caso do uniforme, e não da farda, fator ‘sui generis’ de atração fora do universo cívico e profissional, apresentou-se quando das obras de revitalização do centro, quando uma destas empresas de coletivos produzia suas paradas finais na área do Obelisco ao Centro da cidade. Havia uma mudança genérica do enxoval de motoristas e trocadores, fato que os destacava à primeira vista. Junto a este fato concorria o de que seu sindicato havia conseguido em uma época de crise salarial na cidade, os mais altos índices para os vencimentos.
As jovens de ‘bairros’ distantes esforçavam-se por passear diante dos pretendentes que apresentavam em seus cintos chaves de seus carros usados recém-adquiridos, simbolizando sua ascensão social.
Este fato trouxe à nossa memória que semelhante atração com a presença dos uniformes de empresas ocorrera nos distritos pelos anos 70/80, com moças disputando principalmente os cobradores que eram solteiros em áreas como Pedro do Rio, Itaipava, Madame Machado, entre outras regiões locais, além do registro policial de conflitos com esposas ciumentas.
O casamento, observado sociologicamente como um rito de passagem, celebra mudanças de status para o individuo no seio de sua comunidade, com influência em seu cotidiano.
A farda ou o uniforme possuiu e ainda possui uma forte presença histórico-social na memória do petropolitano de várias épocas.